Pronunciamento de Romero Jucá em 07/11/2012
Discurso durante a 206ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Considerações acerca da crise econômica global.
- Autor
- Romero Jucá (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
- Nome completo: Romero Jucá Filho
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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ECONOMIA NACIONAL, ECONOMIA INTERNACIONAL.:
- Considerações acerca da crise econômica global.
- Publicação
- Publicação no DSF de 08/11/2012 - Página 59675
- Assunto
- Outros > ECONOMIA NACIONAL, ECONOMIA INTERNACIONAL.
- Indexação
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- COMENTARIO, CRISE, NATUREZA ECONOMICA, MUNDO, FATO, CRIAÇÃO, DESEMPREGO, REDUÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), PAIS, ELOGIO, ORADOR, AUTORIDADE PUBLICA, BRASIL, MOTIVO, ATUAÇÃO, REFERENCIA, PROVIDENCIA, COMBATE, EFEITO, PROBLEMA, ECONOMIA INTERNACIONAL, ALCANCE, ECONOMIA NACIONAL.
O SR. ROMERO JUCÁ (Bloco/PMDB - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o ano de 2012 mal encerrou sua primeira metade e o mundo já anseia por seu término. De fato, a crise econômica e financeira mundial tem sido o foco das atenções de todo o planeta. A Europa, em particular, debruça-se sobre um dos impasses políticos e econômicos mais agudos dos últimos tempos, com reflexos diretos no ambiente social da região.
Em realidade, desde o início da crise financeira de 2007, a zona do euro tem atravessado períodos muito tensos de contração e retração de sua economia. Como se sabe, embora a origem daquela crise estivesse vinculada às disfunções identificadas no mercado imobiliário norte-americano, o impacto de suas nefastas consequências varreu o mundo.
A onda recessiva norte-americana também chegou a invadir a economia brasileira, afastando a impressão inicial de que a crise não seria mais que uma simples “marola”. Assim, acabou demandando medidas céleres e eficazes para acolchoar nosso parque produtivo. Medidas de ordem fiscal e monetária foram de imediato introduzidas, de modo a arranjar um ambiente mais favorável à expansão do consumo interno.
Retrospectivamente, Sr. Presidente, vale realçar que a crise global afetou todas as economias nacionais com distintos graus de gravidade. Para o professor e economista Luiz Filgueiras, trata-se de um fenômeno que, pela sua amplitude, profundidade, gravidade e velocidade, só se compara com a devastadora crise de 1929. Não de irrelevante consideração, foi a partir daí que inúmeros países passaram a ser seduzidos pelos fascismos de toda ordem, descambando para a eclosão da Segunda Grande Guerra.
Longe de ser uma crise cíclica do capitalismo moderno, os cálculos de sua superação estão para além da adoção de políticas macroeconômicas. Na condição de enfermidade crônica, seus sintomas indicam que, para a cura de longo prazo, faz-se indispensável uma redefinição do padrão de desenvolvimento das forças de produção. É hora de se reavaliar a devastadora hegemonia econômica e política do capital financeiro, conquistada nos anos 70 no plano mundial.
Naquela ocasião - convém recordar - a desvinculação do dólar do padrão ouro propiciou a emergência de um processo de reestruturação produtiva. Com a intensificação tecnológica, acirrou-se a competição no mercado e entre as economias nacionais, culminando na concentração e centralização de capitais. Disso resultou o veloz superdimensionamento da esfera financeira, em descompasso com a esfera produtiva. Tal instabilidade estrutural do capitalismo tem sistemicamente provocado rachaduras no modelo globalizado da economia moderna, desde o crash da Bolsa de Nova Iorque em 1997, até a bolha financeira dos Estados Unidos em 2007.
Outro fator que merece ser destacado, Senhor Presidente, é a inegável assimetria de poder entre capital e trabalho, desembocando em um desenfreado nível de desemprego mundial. Isso se explica, em larga medida, pelo enquadramento das empresas produtivas atuais em uma nova lógica financeira e rentista, privilegiando os interesses dos acionistas em detrimento da acumulação interna e gradual de lucros. A contrapartida dessa lógica consistiu na intensificação da exploração da força de trabalho na renda nacional, ou simplesmente no enxugamento do contingente de trabalhadores utilizados.
Ao lado disso, a desregulamentação generalizada dos mercados gerou uma expansão inédita de interessados em investimentos financeiros, para a atenção dos quais o mercado bancário reservou novos e especializado produtos. Prova disso é o alastramento da securitização pelo mercado financeiro, em associação à volatilidade da expectativa de ganhos e perdas, seja pelo endividamento das famílias, seja pelo endividamento do Estado. Nessa condição de “garantida prosperidade”, o capital financeiro adquiriu poder desmesurado nas economias nacionais, impondo seus interesses concentradores sobre os interesses elementares das populações.
Sr. Presidente, na percepção dos economistas, o ciclo especulativo das instituições financeiras instalou-se quando as autoridades norte-americanas decidiram, no nascedouro deste século, baixar abruptamente a taxa de juros, ampliando a liquidez na economia local. O direcionamento de recursos para o mercado mobiliário reacendeu a corrida desesperada por imóveis, turbinando os preços em escala estratosférica. Paralelamente, registrou-se um crescimento anormal por empréstimos hipotecários, onerando os orçamentos familiares com endividamentos cada vez mais insuportáveis.
Acontece, porém, que, em 2007, sinais evidentes de fragilização financeira foram detectados, mediante queda nos preços e expansão do índice de inadimplência nas famílias. Tal explosiva combinação afetou em cheio os ativos financeiros, disparando um processo deflacionário corrosivo, a ponto de desestabilizar todas as operações do mercado bancário, seja nos Estados Unidos, seja no resto do mundo.
Pode afirmar-se que, em todas as partes do mundo, a reação aos efeitos da crise se processou de maneira muito similar. Em geral, as autoridades fazendárias de todos os países se valeram de políticas fiscais e monetárias para contrapor-se ao encolhimento do consumo das famílias e dos investimentos das empresas. Com a recessão batendo à porta, os governos nacionais também utilizaram práticas salvacionistas mais tradicionais, recuperando a mal fadada “socialização dos prejuízos”. Nessa categoria, compete listar a estatização de bancos em estado falimentar, a compra de ativos “podres” e a capitalização de instituições financeiras em perigo.
Apesar das boas intenções, o resultado dessas políticas não tem em geral correspondido às expectativas calculadas. Não por acaso, todos os países desenvolvidos acusaram queda do PIB em 2009, acompanhada naturalmente de aumento nas taxas de desemprego. Na verdade, a operação de resgate das instituições financeiras associada à desaceleração da atividade econômica ensejou trajetórias insustentáveis de endividamento público. Isso aplicado aos países comercialmente mais frágeis na zona do euro significou simplesmente a falência das contas nacionais, como foram os casos de Grécia, Irlanda e Portugal.
Para os especialistas, tamanha discrepância reativa na Europa decorre, antes de tudo, da diferença de competitividade entre os países periféricos e centrais no Velho Continente. Trata-se, portanto, de um fenômeno estrutural constitutivo da própria União Europeia. A liderança alemã, porém, tem entendimento diferente do problema, preferindo martelar em cima de políticas que implementem ajustes fiscais rigorosos. Desse modo, parecem fazer o jogo do capital financeiro, em claro prejuízo às condições de vida das populações envolvidas. No fundo, prevalece a visão reducionista, segundo a qual a crise decorre de governos e países perdulários, que esbanjam consumo acima de suas possibilidades.
Em parte, a Alemanha pode até ter sua fatia de razão. Mas, obviamente, tal fator isoladamente não responde por todo o descalabro financeiro europeu. A obsessão cega por um disciplinamento fiscal ortodoxo leva a deixar à margem outras deficiências intrínsecas ao sistema, como tem sido o caso da hegemonia do capital financeiro sobre o capital produtivo. Críticos dessa receita ortodoxa têm simpatia por uma saída menos dolorosa, por meio do relaxamento da política monetária associado a um apoio institucional às economias desprovidas de liquidez, com estímulos fiscais.
De todo modo, por detrás dessa discussão mais localizada da crise capitalista, vigora uma intrigante indiferença em relação a uma abordagem estrutural e sistêmica da crise. Ainda prevalece a visão “cosmética” para uma provável saída, como se tratasse de defeito transitório do sistema capitalista. Nada é dito sobre a necessidade de se reverter o elevado grau de concentração de renda vigente, ou sobre a reestruturação do funcionamento do sistema financeiro. Tal qual um tabu, a ventilação de uma proposta que sugira a constituição de instituições reguladoras para o setor é logo descartada, quando não sumariamente rejeitada.
Por isso mesmo, assinala apropriadamente o professor Filgueiras, a situação atual sequer confirma um diagnóstico de estabilização da crise. Pelo contrário, com o agravamento da contabilidade europeia, agregada à lentidão na retomada do crescimento nos Estados Unidos, tudo sinaliza para um prolongamento agonizante e inescrutável dos problemas no sistema capitalista. Projeções menos otimistas parecem prevalecer no horizonte da maioria dos economistas.
Não obstante, o Brasil tem rigorosamente cumprido sua lição de casa, emprestando seu bem-sucedido modelo de crescimento para outras economias nacionais. Como se sabe, desde 2006, o País assumiu uma trajetória ascendente de crescimento, após décadas de desenvolvimento medíocre. Com efeito, a demanda expressiva da China por recursos naturais e commodities agrícolas e minerais turbinou preços e quantidades no mercado mundial. Graças à redução da vulnerabilidade externa via crescentes superávits na balança comercial, a economia brasileira conseguiu flexibilizar os eixos anteriormente intocáveis da política macroeconômica.
Mesmo assim, nem tudo são flores por aqui. Se, de um lado, tal modelo proporcionou expansão irretorquível de nossa economia, de outro, denotou um novo arranjo entre o Estado e o agronegócio nacional, em detrimento da indústria de transformação brasileira. Isso se caracteriza pela opção clara de sucessivos governos por um perfil produtivo-exportador primário, viabilizado por financiamentos pesados das instituições bancárias públicas. Alguns economistas mais céticos já chegam a apontar um processo precoce de desindustrialização.
Sr. Presidente, gostaria de cumprimentar as autoridades brasileiras pela inteligência governamental expressa na lida contra a crise. Todavia, é preciso não esquecer os sucessivos gargalos que pontuam o horizonte contemporâneo do sistema capitalista. Em breves palavras, a crise financeira emite sinais de superação, embora ainda seja muito delicada a situação de vários países, em particular na Europa. Assim, o Brasil terá que exaustivamente se desafiar na luta incessante contra a ameaça do contágio recessivo.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigado.