Discurso durante a 209ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da instituição de políticas públicas que atendam às necessidades da população indígena.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Defesa da instituição de políticas públicas que atendam às necessidades da população indígena.
Publicação
Publicação no DSF de 13/11/2012 - Página 60526
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • ANALISE, DADOS, INSTITUIÇÃO DE PESQUISA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REFERENCIA, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA, BRASIL, DEFESA, NECESSIDADE, GOVERNO FEDERAL, IMPLANTAÇÃO, POLITICA INDIGENISTA, OBJETIVO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, INDIO, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, FOLHA DE S.PAULO, RELAÇÃO, PUBLICAÇÃO, PESQUISA.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Ana Amélia, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, há muito tempo, até por ser um Senador da Amazônia, mais precisamente um Senador de Roraima, venho discutindo, participando de iniciativas para que possamos ter uma política indigenista que leve em conta o índio, o ser humano índio. Estive, em várias oportunidades, participando de comissões, especificamente, na demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, no meu Estado.

            Criamos, aqui no Senado, uma Comissão Temporária Externa, que presidi e cujo Relator era o Senador Delcídio Amaral, do PT. A Câmara, paralelamente, criou uma Comissão também, nos mesmos termos, que era relatada pelo atual Senador Lindbergh Farias, àquela época, Deputado Federal.

            Pois bem. Fizemos um trabalho acurado e não nos limitamos só a estudar o problema da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Fomos à Reserva Roosevelt, lá em Rondônia; fomos à Reserva Dourados, no Mato Grosso; fomos à Santa Catarina, que estava vivendo um drama com o surgimento de comunidades indígenas que não existiam e que, segundo denúncias existentes na época, eram índios trazidos do Paraguai, pela própria Funai, para criar problemas com os pequenos e médios proprietários, já que em Santa Catarina, realmente, não existem latifúndios, é um Estado que é até um modelo de redivisão territorial, no sentido da produção.

            Apresentamos, Senadora Ana Amélia, um alentado relatório, tanto no que tange ao caso específico da reserva indígena Raposa Serra do Sol quanto também recomendações gerais, no que tange às outras demarcações. Primeiro, é um absurdo que o Governo Federal ainda esteja demarcando reservas indígenas, quando o prazo constitucional para esse efeito se esgotou cinco anos após a promulgação da Constituição. Está na Constituição, nos Atos de Disposições Transitórias, dizendo que a União tem o prazo de cinco anos, a contar daquela data, para demarcar as terras indígenas. Ora, Senadora Ana Amélia, cinco anos! E até hoje estamos vendo conflitos no Mato Grosso do Sul, na Bahia, no Mato Grosso, lá no seu Estado. No meu Estado, quase não há mais conflito, porque quase 60% da nossa área são de reserva indígena.

            Mas eu sempre bati nesta tecla: a questão do cidadão, da cidadã, da criança indígena é ter terra? Não é. A prova de que não é está nesses estudos que fizemos, está em vários depoimentos.

            Senadora Ana Amélia, eu, como médico, voltei para Roraima logo após me formar e, durante os 14 anos em que exerci a Medicina, trabalhei, inclusive, para a Diocese de Roraima, de forma gratuita, indo atender as comunidades indígenas nos finais de semana. Portanto, conheço os índios não por ouvir dizer, não pelo cinema, não por filmetes de televisão, mas pelo contato pessoal com eles, tanto como médico, quanto também como cidadão. E o que sempre disse aqui é que, muito mais do que terra, o índio quer ter uma vida melhor. O índio quer ter condições de produzir - aqueles que ficam nas reservas -, e não produzir do modo que eles produziam há 500 anos, o que, aliás, ainda continuam fazendo, derrubando a mata, queimando, plantando e, no ano seguinte, derrubando outro pedaço, porque aquele pedaço está improdutivo. Não há assistência técnica, então, há um descompasso entre o que eles produzem e o que qualquer cidadão do programa de agricultura familiar tem para produzir.

            Agora, o que me chama a atenção é que, em nenhum momento, a Fundação Nacional do Índio teve um índio na sua presidência. Em nenhum momento! E olhe que o que não falta é índio com curso superior, se é que isso era um pré-requisito para ser presidente da Funai. Mas, não. Segundo o levantamento que tem o Senador Wellington Dias, há mais de três mil índios com curso superior. No meu Estado, há quase uma centena. Então, não tem um índio que comande a Fundação Nacional do Índio.

            Agora, eu não conheço, em órgãos que tratam, por exemplo, da defesa da mulher, ser um homem que comande; que trate da igualdade racial, ser um branco de olhos azuis, como dizia o Presidente Lula, que comande. Então, não tem sentido uma Fundação Nacional do Índio não ser comandada por um índio durante todo esse tempo. E olhem que o Marechal Rondon era um descendente de índio pelo menos. De lá para cá, o que nós tivemos foi uma sucessão até de pessoas preparadas, mas muitos deles, se têm contato com índio, têm, vamos dizer assim, em verdadeiras aventuras que fazem ao conhecer a realidade dos índios. 

            A Folha de São Paulo publicou, dias atrás, já não estou vendo bem aqui a data, uma matéria no Painel, escrito pela jornalista Vera Magalhães, dizendo o seguinte:

Passivo - Ayres Britto deixará o STF sem finalizar um de seus principais casos. Na presidência da Corte, não conseguiu colocar em pauta a análise dos embargos apresentados à decisão da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol.

            O autor desses embargos sou eu, como Senador, e o Governo do Estado de Roraima. E o que os embargos buscam que o Supremo defina? Como é que fica a situação dos moradores daquela região, miscigenados, se eles podem permanecer; aqueles casamentos de índios com não índios; aquelas pessoas que estavam lá antes de 1934, portanto, antes que juridicamente existisse o fato indígena reconhecido pelo Estado brasileiro; e mais uma série de itens para resguardar a situação daquelas pessoas.

            Mas, muito antes de julgar os embargos - e olhem que já tem mais de 5 anos que a reserva foi demarcada -, tiraram, expulsaram, excluíram mais de 400 famílias daquela região, e essas pessoas estão lá, jogadas numa terra que o Incra não pode titular por uma questão de um litígio judicial entre alguns dos integrantes daquele contingente de pessoas.

            Pois bem. Li ontem, na revista Veja, uma matéria muito importante, fruto de uma pesquisa feita pelo Datafolha, portanto, um instituto insuspeito, que fez raios X, uma pesquisa em várias comunidades indígenas, do norte ao sul, de leste a oeste, e constatou o que eu já sabia: que os índios não têm como prioridade ter terras. De que adianta estar sentado sobre uma terra? Aliás, no meu Estado, o mapa das reservas indígenas, por uma coincidência do destino, casa com o mapa das reservas minerais do meu Estado. Todas. Parece até que os índios têm um faro especial pelos minerais: ouro, diamante, como também urânio, nióbio, titânio. E aí a gente pergunta: por que essa coincidência? Pode colocar um mapa sobre o outro que é exatamente igual.

            Mas aí, nesta pesquisa, Senadora Ana Amélia, constatamos algumas coisas muito importantes: os índios não querem ficar presos ao passado; 67% gostariam de ter cursado uma faculdade; portanto, quase que dois terços.

            Quais as profissões mais cobiçadas? Professor, enfermeiro e médico, porque é do eles sentem necessidade. Eles não têm médico, não têm assistência à saúde, nem que seja do enfermeiro, e não há professores nas comunidades indígenas de um modo geral; 92% acham importante ter medicamentos farmacêuticos nas aldeias. Mas aí alguns indigenistas ou gigolôs, que vivem às custas da causa indígena, dizem que não, que eles têm que se tratar com mato, com as plantas medicinais etc., quando isso é uma coisa do passado, passado mesmo. Está aqui dito pelos próprios índios; 79% sonham em ter um banheiro dentro de casa. Ora, é um absurdo alguém ter um banheiro dentro de casa? 79% deles sonham com isso; 47% afirmam que ter chuveiro com água quente é muito importante.

            Na aldeia Bororó, 86% preferem habitações de alvenaria. Ainda assim, os indigenistas, as ONGs, que também vivem disso - aliás, há algumas ONGs que precisam ser muito bem entendidas, porque ONGs que são hoje comandadas por ex-presidente da Funai, ONGs que têm pessoas funcionárias da Funai.

            Fui Presidente da primeira CPI das ONGs, aqui no Senado, Senadora Ana Amélia, o que mais se viu foi ONG enrolada com questão justamente da assistência à saúde aos indígenas, isto é, roubando o dinheiro que era para dar assistência aos índios. A CPI acabou, encaminhou material recolhido ao Ministério Público, algumas providências foram tomadas.

            Mas isso aí é uma caixa-preta. Aliás, a Presidente Dilma começou a abrir essa caixa-preta das ONGs, porque até então eram tidas como entidades sacrossantas. Ali só havia pessoas que eram, realmente, vestais, pessoas que só queriam o bem, que não queriam saber de dinheiro, e depois se comprovou exatamente o contrário, e a Presidente Dilma adotou uma postura muito dura. Agora, vamos debater aqui, no Senado, as regras para que essas organizações não governamentais queiram viver à custa das verbas governamentais, isto é, à custa do dinheiro público - ou são não governamentais ou são governamentais, parceiras, pelo menos.

            E o Presidente Fernando Henrique, inspirado por sua esposa, criou as Oscips, que ,na verdade, são ONGs legalizadas, que têm outra feição, e não essa mentira de dizer, como o Greenpeace e tantos outros que têm sede em outros países, e que vêm aqui, na verdade, fazer a defesa dos interesses desses países, e não dos nossos interesses; 20% têm propriedade registrada em seu nome fora das aldeias.

            No meu Estado, a grande aldeia dos índios são, justamente, as periferias da capital e dos Municípios do interior. Os índios moram lá e, na aldeia, eles têm uma espécie de sítio, onde eles plantam, colhem e, legitimamente, sobrevivem; 57% acham que as terras onde vivem deveriam ser maiores e que a demarcação de reserva melhoraria a vida dos índios em geral - isso, entre os índios Ianomâmi, que são índios mais afastados, com menos contato com a civilização; 89% não estariam dispostos a deixar sua aldeia, para morar em outro lugar; 59% mantêm tradições culturais, com festas e rituais; 71% vivem em aldeias, com língua ou dialeto próprio; 16% acham que não são devidamente reconhecidos como cidadãos brasileiros.

            E aí, Senadora Ana Amélia, alguns dados que são estarrecedores. Primeiro, vamos aos problemas que eles identificam - eles -, e não os que os seus porta-vozes não autorizados identificam: 30% frisam que o principal problema é acesso aos serviços de saúde; 16%, falta de emprego. Esses ongueiros acham que o índio não tem que ser empregado, que o índio não precisa ganhar dinheiro.

            Saneamento básico, 16%; alimentação precária, 12% - e há uma pregação de que, estando na reserva, eles não passam fome, que lá cai o maná, e que, portanto, não há por que eles se preocuparem com o trabalhar. Eles estão aqui dizendo que têm alimentação precária.

            Acesso à educação, 10%; falta de transporte, 9%; falta de recursos econômicos próprios, 6% - e isso estando em cima de reservas minerais fabulosamente ricas; qualidade de moradia, 5%; acesso à energia, 5%; falta de investimentos públicos e privados, 3%.

            Agora, vamos comparar os índios com os dados do Brasil: renda familiar mensal inferir a dois salários mínimos. No Brasil, 44%, brasileiros em geral; entre os índios; 79%.

            Famílias beneficiadas pelo Bolsa Família: no Brasil como um todo, 25%; entre os índios, 64% recebem Bolsa Família. Não é errado, mas demonstra que, se eles recebem Bolsa Família, é porque não conseguem produzir o suficiente para se alimentarem adequadamente.

            Taxa de analfabetismo, 9% no Brasil e 33% entre os índios; fumantes, 15% no Brasil e 29% entre os índios; com curso superior, no Brasil, 11% de brasileiros, de modo geral, e, entre os índios, 6%. Vejam que é um número considerável. Se considerarmos que a maioria acha que índio é aquele que anda nu ou de tanga no meio da floresta, é um dado muito importante mostrar que 6% da população indígena do Brasil tem curso superior. Portanto, um deles poderia ser Presidente da Funai e não um não índio Presidente da Funai.

            Casa com banheiro, no Brasil de modo geral, 98% dos brasileiros têm, e entre os índios, 18%; acesso à Internet, no Brasil, 37%, e entre os índios, 11% têm acesso à Internet. Portanto, os índios não são aqueles do tempo de Pedro Álvares Cabral e nem querem ser os índios da época que o Brasil foi descoberto.

            Não têm trabalho remunerado, no Brasil, brasileiros de modo geral, 6%, e entre os índios, 70%; 46% recebem cesta básica da Funai, além do Bolsa Família; 29% vivem da agricultura, da criação de animais, da caça ou da pesca de subsistência; 9% apenas fazem artesanato para vender e 6% têm chuveiro quente em casa.

            Srª Presidente, eu acho uma hipocrisia a política indigenista da Funai. É uma mentira, como se dizia antigamente, para inglês ver. Qualquer brasileiro que tenha tido contato, realmente, com as comunidades indígenas, que tenha visitado, conheça, que tenha vivido por perto delas ou ido lá com frequência, verá que, na verdade - e aqui não há um dado importante - , enquanto a expectativa de vida do brasileiro, hoje, é 75 anos, entre os índios não passa de 60, Senadora Ana Amélia. Por quê? Porque eles ainda morrem de doenças que são evitáveis por vacinação ou por uma medicação simples.

            Então, quero aqui deixar esse registro e dizer que eu espero que a Presidente Dilma, que já deu uma grande melhorada naquela política indigenista, de fato, faça uma política indigenista de acordo com o querem os índios e não com o que querem algumas instituições, principalmente essas ONGs que vivem às custas, justamente, desta aura bonita que é a figura do índio.

            Como médico, preocupo-me com que tipo de benefício qualquer política traz para o ser humano, e essa política indigenista da Funai não traz nenhum benefício para os seres humanos índios.

            Quero aqui, portanto, encerrar, até mesmo antes de estocar o tempo que a Presidente me deu, pedindo a V. Exª que autorize a transcrição desta matéria que julgo de muita importância. Gostaria até de sugerir ao Senado brasileiro, através do Data Senado, que fizesse uma pesquisa semelhante, porque é preciso tratar esse problema com seriedade, com honestidade e, sobretudo, com a preocupação com a situação dos cidadãos índios.

            Ainda existe uma alta taxa de mortalidade materna entre as índias, as mulheres índias. Ainda existe uma alta taxa de mortalidade infantil entre as comunidades indígenas. Isso é inaceitável no Brasil. E não adianta fazer bonito para inglês ver, dizendo que nós já demarcamos 14% do território nacional para uma população de indígenas que corresponde a 0,3% da população brasileira.

            Pode ter quem goste tanto quanto eu do ser humano índio, mas, mais do que eu, ninguém gosta, muito menos Greenpeace e outras ONGs similares.

 

DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I, § 2º, do Regimento Interno.)

Matérias referidas:

- Painel Vera Magalhães - Passivo (Folha de S.Paulo);

- Cooperativismo e bem estar (Folha de S Paulo);

- Índios estão integrados ao modo de vida urbano, afirma pesquisa (Folha de S. Paulo);

- Dois terços dos indígenas recebem do Bolsa Família (Folha de S.Paulo);

- O que querem os índios (Veja);

- O sonho da modernidade (Veja).


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/11/2012 - Página 60526