Discurso durante a 210ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do Dia Mundial do Hip Hop e do Dia da Umbanda.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. RELIGIÃO.:
  • Registro do Dia Mundial do Hip Hop e do Dia da Umbanda.
Publicação
Publicação no DSF de 14/11/2012 - Página 60810
Assunto
Outros > HOMENAGEM. RELIGIÃO.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, COMEMORAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, REFERENCIA, DIA INTERNACIONAL, MUSICA, PERIFERIA URBANA, COMENTARIO, IMPORTANCIA, CONTRIBUIÇÃO, MUSICA BRASILEIRA, CULTURA, PAIS.
  • HOMENAGEM, ORADOR, REFERENCIA, COMEMORAÇÃO, DIA, RELIGIÃO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Presidente Senador Tomás Correia...

            O SR. PRESIDENTE (Tomás Correia. Bloco/PMDB - RO) - Senador Eduardo Suplicy, eu queria só fazer um registro.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Pois não.

            O SR. PRESIDENTE (Tomás Correia. Bloco/PMDB - RO) - Aqui, está presente o Prefeito Jean dos Santos, da minha cidade, que nos está visitando. É o Prefeito da cidade de Jaru, onde eu moro.

            Eu queria saudar o Prefeito, pedindo desculpas a V. Exª por tê-lo interrompido. Agradeço a V. Exª, Senador Suplicy.

            Saúdo o Prefeito!

            Fique à vontade, Prefeito Jean dos Santos, em nossa Casa.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Seja bem-vindo ao Senado! Coloco-me à disposição ao sugerir a V. Exª que faça do seu Município um dos exemplos da Renda Básica de Cidadania, porque teremos mais elementos para diminuir a criminalidade onde ela for instituída no Brasil.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje, na Câmara dos Deputados, no Plenário nº 2 das Comissões, houve uma Mesa, por iniciativa do querido Deputado Romário, do PSB do Rio de Janeiro, sobre o Dia Mundial do Hip Hop. Eu estava lá com o Senador Rodrigo Rollemberg, que também participou do evento.

            Eu iria, justamente hoje, fazer um pronunciamento sobre o Dia da Umbanda, que será comemorado no dia 15 de novembro. Mas quero, justamente, relacioná-lo a esse outro tema.

            Na oportunidade, contamos com o Deputado Romário; com o Sr. Fabiano Kempfer, que representou o Ministro do Trabalho e Emprego, Brizola Neto; com o Deputado Domingos Neto; com o Deputado Jovair Arantes; com a Srª Márcia Rollemberg, Secretária da Cidadania e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura; com a Srª Silvany Euclênio, Secretária de Comunidades Tradicionais da Secretaria de Políticas da Promoção da Igualdade Racial. Contamos também com a presença do Rappin Hood, do GOG, do DJ Dona, do MC Mano Oxi, do Bboy Will Robson; do Grafite-Rivas; da Moda de Rua - Ninne Ribeiro; do MC Sharylaine, do Big Richard e de muitos outros.

            Nós tivemos um diálogo muito interessante. Em especial, representantes do Rap, do Hip Hop, como Gog e como Rappin Hood, mostraram quão importante é para todos nós brasileiros ouvirmos as canções, as letras do Hip Hop, do Rap, para bem compreendermos os seus sentimentos.

            Se, ao longo do século XX e do início do século XXI, nós tivemos, por exemplo, em Luiz Gonzaga, assim como em seu filho, Gonzaguinha, intérpretes formidáveis dos sentimentos do povo brasileiro, hoje, sobretudo nesses últimos 30 anos, através do Rap e do Hip Hop, nós temos, em seus principais autores, uma formidável interpretação artística, o que faz com que suas letras sejam tão bem consideradas. Não é à toa que esses artistas do Hip Hop e do Rap, hoje, têm uma extraordinária audiência, um extraordinário sucesso, dentre os quais os Racionais MCs, cujas letras dizem, por exemplo:

Negro Drama

Negro drama,

Entre o sucesso e a lama,

Dinheiro, problemas,

Inveja, luxo, fama.

Negro drama,

Cabelo crespo,

E a pele escura,

A ferida, a chaga,

A procura da cura.

Negro drama,

Tenta ver

E não vê nada,

A não ser uma estrela,

Longe meio ofuscada.

Sente o drama,

O preço, a cobrança,

No amor, no ódio,

A insana vingança.

            Por aí, eles seguem, para, ao final, dizerem:

Negro drama,

Drama, drama.

Aê, na época dos barracos de pau lá na pedreira onde vocês tavam?

O que vocês deram por mim?

O que vocês fizeram por mim?

Agora tá de olho no dinheiro que eu ganho

Agora tá de olho no carro que eu dirijo

Demorou, eu quero é mais

Eu quero até sua alma

Aí, o rap fez eu ser o que sou

Ice Blue, Edy Rock e Klj, e toda a família

E toda geração que faz o rap

A geração que revolucionou

A geração que vai revolucionar

Anos 90, século 21

É desse jeito

Aê, você sai do gueto, mas o gueto nunca sai de você, morou irmão?

Você tá dirigindo um carro

O mundo todo tá de olho em você, morou?

Sabe por quê?

Pela sua origem, morou irmão?

É desse jeito que você vive

É o negro drama

Eu não li, eu não assisti

Eu vivo o negro drama, eu sou o negro drama

Eu sou o fruto do negro drama

Aí dona Ana, sem palavras, a senhora é uma rainha, rainha

Mas aê, se tiver que voltar pra favela

Eu vou voltar de cabeça erguida

Porque assim é que é

Renascendo das cinzas

Firme e forte, guerreiro de fé

            Sr. Presidente, peço que seja transcrito na íntegra o poema de Mano Brown, dos Racionais MC’s, Negro Drama, como parte deste pronunciamento em que irei falar sobre o Dia da Umbanda.

            “Chegou, chegou, chegou com Deus,

            Chegou, chegou o Caboclo das Sete Encruzilhadas”

            Com esse ponto, eu, Senador Eduardo Matarazzo Suplicy, católico, cristão, quero saudar o Caboclo das Sete Encruzilhadas, a entidade espiritual que fundou a Umbanda. Foi essa entidade que, no dia 15 de novembro de 1908, durante um culto espírita em Niterói, no Rio de Janeiro, se manifestou por meio do médium Zélio Fernandino de Mores para dar início a uma religião genuinamente brasileira, uma religião que respeita a memória ancestral de um País que deve muito do que é ao sangue, às crenças e ao suor do indígena e do negro.

            Segundo palavras do próprio Caboclo das Sete Encruzilhadas, a Umbanda nasceu para os espíritos dos negros e índios poderem dar a sua mensagem de igualdade entre os povos. É uma religião sem luxos ou vaidades, para falar aos humildes. Em uma de suas traduções, Umbanda quer dizer “Deus ao nosso lado”.

            Depois de séculos de sofrimento, de negação, de exclusão, a essência da nova religião pregava um Deus não só ao lado do branco, mas também do vermelho e do negro.

            Por isso, nesse dia 15 de novembro, depois de amanhã, todos nós, umbandistas ou não, precisamos celebrar, pois se trata de data em alusão ao nascimento de uma religião voltada para os excluídos, que são tão parte deste País quanto qualquer brasileiro.

            A Umbanda nasceu depois da Lei Áurea, mas em uma época onde não havia liberdade religiosa, época em que os cultos africanos eram caso de polícia. Todas as religiões que tinham alguma semelhança com rituais africanos eram perseguidas, os terreiros eram destruídos, e os praticantes eram presos. Porém, logo em sua primeira manifestação, Caboclo das Sete Encruzilhadas disse que não haveria caminhos fechados para ele. Sendo assim, por mais que a Umbanda fosse perseguida, conseguiu se sair e seguir sua estrada.

            Ao longo dos tempos, além do Candomblé e de outras religiões de matrizes africanas, a Umbanda absorveu elementos do catolicismo, do espiritismo e da religiosidade indígena. A religião que cresceu e se diversificou é hoje tão plural quanto a alma brasileira.

            Além da Umbanda original, chamada de Umbanda Tradicional, há a Umbanda dos Sete Raios, a Umbanda Kardecista, a Umbandomblé, a Umbanda de Angola, a Umbanda Traçada, a Umbanda Esotérica, a Umbanda Eclética Maior, a Umbanda Iniciática, a Umbanda Sagrada, a Umbanda Guaracyana, a Umbanda Popular ou Cruzada.

            A beleza da Umbanda está no fato de a religião não ter uma cartilha, um livro sagrado, um modelo padrão. Cada casa vem com seu lema, com seus rituais, com seus guias e mentores, com sua maneira de louvar, com suas entidades, mas dentro da verdade e da fé que é a Umbanda.

            Depois de cumprir sua missão de criar os primeiros sete templos que seriam responsáveis por divulgar a Umbanada, Caboclo das Sete Encruzilhadas trabalhou pela organização da nova religião. Após o falecimento do médium Zélio Fernandino, na década de 1970, a entidade não mais se manifesta nos terreiros, mas continua incumbida de zelar pela religião, uma religião que, por inspiração da Nação Nagô, tem como fonte criadora universal um Deus supremo chamado Zambi.

            Aximane Ngana Zambi!

            As minhas homenagens aos pais e mães de santo, às mães-pequenas, aos sacerdotes e sacerdotisas, aos ogãs curimbeiros e ogãs atabaqueiros, aos filhos de santo e a todos os praticantes desta religião, pessoas que são exemplo no barracão e na sociedade.

            Um saravá a todos os preto-velhos, caboclos, crianças, boiadeiros, marinheiros, baianos, orientais, mineiros, malandros, ciganos, exus e pombas-giras que movimentam essa religião vivida no templo, no centro, na tenda, no terreiro.

            A minha saudação aos falangeiros, que são os mensageiros de orixás como Oxóssi, lemanjá, Oxalá e de tantos outros que dão vida, luz e sentido à nossa vida. Para citar apenas alguns dos falangeiros mais conhecidos nesta religião, de modo a homenagear todos, dou salvas aos caboclos Beira-Mar, Iara, Rompe-mato, Sete Flechas, Vira-Mundo, Jurema, Guaracy, Tupi, Sete Pedreiras, Sete Cachoeiras, Sete Montanhas.

            O meu respeito a todas as entidades que trabalham para ajudar os encarnados com conselhos, curas, descarregos.

            Que, neste 15 de novembro, quinta-feira, celebrando o Dia Nacional da Umbanda, instituído pela Presidenta Dilma Rousseff, por meio da Lei nº 12.644, de 16 de maio último, possamos viver em um País em que ninguém seja perseguido por sua crença, sofra qualquer preconceito por sua prática religiosa ou tenha vergonha em dizer: “Eu sou umbandista”.

            Que possamos reconhecer a Umbanda como parte da nossa raiz.

            Umbanda é o Orixá que é a simplicidade, a pureza e a força da natureza.

            Umbanda é aquele que se dá ao Orixá para depois transmitir aos outros essa energia em forma de auxílio espiritual. É o médium que se entrega aos seus guias para cumprir uma missão maior, para integrar um trabalho histórico e coletivo.

            Umbanda é colocar suas guias para fazer o bem, o bem-comum. É viver sua religião sem querer nada em troca. É vestir branco sem vaidade; é bater cabeça ao seu orixá em sinal de humildade.

            Ser umbandista é não ter vergonha de levar sua oferenda para uma praia, para uma mata, para uma cachoeira, para uma pedreira, para uma encruzilhada. É estar sempre pronto a atender ao chamado da sua religião, seja no terreiro, na encruza, na calunga, enfim, seja onde for que o trabalho tenha de ser realizado.

            Ser umbandista é se alimentar do som e do ritmo dos atabaques, das macumbas e dos tambores.

            A minha alegria àqueles que, a partir da vibração sentida dentro de uma gira, transformam-se em pessoas melhores.

            O meu respeito ao transe, à incorporação, aos passes, às danças, aos cânticos, às bebidas e às comidas que são parte do sagrado.

            O meu respeito aos aprendizados, experiências e corações existentes na Umbanda.

            A minha reverência ao compromisso, ao comprometimento, ao amor e à seriedade daqueles que abraçam a Umbanda.

            O SR. PRESIDENTE (Tomás Correia. Bloco/PMDB - RO) - Senador Eduardo Suplicy, por gentileza, peço licença a V. Exª para prorrogar a sessão por mais uma hora, a fim de que todos os oradores inscritos possam falar.

            Está prorrogada a sessão por mais uma hora.

            Devolvo a palavra a V.Exª.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Obrigado, Presidente Tomás Correia.

            O meu encanto com a pureza da reza, com a beleza dos ritos, com a realidade dos dias de trabalho dentro da religião.

            Os meus parabéns àqueles que se enchem de alegria ao receberem seu Axé.

            Os meus parabéns aos umbandistas de fato, que vão além das palavras e fazem, pensam e sentem o mundo como umbandistas.

            Os meus parabéns àqueles que sabem que para a Umbanda não interessa cor, raça, classe social, tampouco opção sexual, religiosa, política. O que interessa é o respeito, o amor e a fé dentro do local onde se reza, se pede, se chora, se ajoelha, se canta, se agradece.

            Os meus parabéns para aqueles que fazem da Umbanda uma religião de ajuda, de união, de caridade, de luta, de justiça, de cura, de realização, de choro e de contentamento.

            Os meus parabéns àqueles que se dedicam a construir uma Umbanda livre, pronta para servir a todos que a procuram.

            Que, neste dia 15, saibamos aprender com as diferenças, em vez de criticar ou dizer que isso ou aquilo está errado na religião alheia.

            Quero trazer a este Plenário uma máxima sempre repetida dentro da Umbanda: “Dê de graça o que de graça recebestes, com amor, humildade, caridade e fé”.

            Que Zambi abençoe a todos e nos ajude a encontrar a receita do respeito mútuo.

            Quero muito agradecer ao jornalista, poeta e escritor Daniel Campos, que colaborou comigo neste pronunciamento.

            Quero aqui reiterar que, como católico e cristão que sou, manifesto o meu respeito pelo Dia da Umbanda. Observo que muitos valores que nós, católicos, cristãos, temos, como a forma de agir e de respeitar, são valores que também são encontrados naqueles que praticam a Umbanda. E, sobretudo, ressalto o respeito por todas as pessoas e por todas as religiões.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I, § 2º, do Regimento Interno.)

Matéria referida:

- Poema “Negro Drama”, dos Racionais MC’s.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/11/2012 - Página 60810