Fala da Presidência durante a 214ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre o transcurso, hoje, do Dia Nacional da Consciência Negra.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
HOMENAGEM, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Reflexão sobre o transcurso, hoje, do Dia Nacional da Consciência Negra.
Publicação
Publicação no DSF de 21/11/2012 - Página 62185
Assunto
Outros > HOMENAGEM, DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • REGISTRO, HOMENAGEM, COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, NEGRO, IMPORTANCIA, DATA, REFERENCIA, RELEVANCIA, MOBILIZAÇÃO, GRUPO ETNICO, EVOLUÇÃO, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, DESIGUALDADE SOCIAL, COMENTARIO, ELOGIO, HISTORIA, VULTO HISTORICO.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - […] Não poderia deixar de me pronunciar no dia de hoje. Comecei pela manhã, numa audiência pública com a participação de dezenas de especialistas -- sociólogos, historiadores, professores -- e de representantes de sete Ministérios discutindo a questão do Dia Nacional da Consciência Negra. Assim, encerro esta sessão fazendo este pronunciamento, já que às 9h, pela TV Senado, tratamos desse tema.

            Hoje é o Dia Nacional da Consciência Negra. Hoje é o dia em que reverenciamos os feitos de um grande heroi, o heroi da nossa pátria Zumbi dos Palmares.

            Hoje é um dia de reflexão, um dia para relembrarmos a história. O Quilombo dos Palmares localizava-se na então Capitania de Pernambuco, na Serra da Barriga, região hoje pertencente ao Município de União dos Palmares, no Estado brasileiro de Alagoas. Lá residiam brancos, negros e indígenas. O quilombo chegou a contar com mais de duas mil habitações.

            Por volta de 1678, o Governador da Capitania de Pernambuco, cansado do longo conflito com o Quilombo de Palmares, aproximou-se do líder de Palmares Ganga Zumba com uma oferta de paz. Foi oferecida liberdade para todos os escravos fugidos se o quilombo se submetesse à autoridade de interesse da Coroa Portuguesa.

            A proposta foi aceita por alguns, mas não por todos. Zumbi disse “não”. Ele não seria escravo de ninguém, muito menos dos portugueses. Ele rejeitou a proposta do governador, desafiou a liderança de Ganga Zumba e continuou a resistência contra a opressão portuguesa. Zumbi torna-se assim o novo líder do Quilombo de Palmares.

            Quinze anos depois de Zumbi ter assumido a liderança, o bandeirante paulista Domingo Jorge Velho foi chamado para invadir o quilombo. Em 6 de fevereiro de 1694, a capital de Palmares foi destruída. Zumbi é ferido. Apesar de sobreviver, foi traído mais uma vez por Antonio Soares e surpreendido pelo então Capitão Furtado de Mendonça em seu reduto -- lembro aqui o nome Serra de Dois Irmãos. Foi apunhalado. Resiste, mas é morto junto com 20 guerreiros quase dois anos após a batalha, em 20 de novembro de 1695.

            Zumbi teve a cabeça cortada, salgada e levada ao Governador Melo e Castro. Em Recife, sua cabeça foi exposta em praça pública, visando desmentir a crença da população de que Zumbi, o filho do vento, o filho da liberdade, era imortal.

            Na verdade, a contribuição do negro na formação social brasileira não se resume somente a Palmares. Nós sempre estivemos presentes nos movimentos sociopolíticos como a Abolição, a expulsão dos holandeses, a revolta dos Malês, a luta pela independência, a Revolução Farroupilha, com os lanceiros negros que, depois do confronto com o poder imperial, foram traídos e covardemente assassinados, a Cabanagem no Pará, o movimento Cabano em Alagoas, a Inconfidência Mineira e, depois, a inconfidência baiana lá em Canudos, a Revolta da Chibata. Estivemos juntos, sim, na longa caminhada contra a ditadura e nas Diretas Já.

            Na Constituinte, éramos quatro negros, mas estávamos lá: Benedita da Silva, Caó, Edmilson Valentim e este que hoje é Senador, na época Deputado Federal.

            Hoje é uma data, claro, para ressaltar a participação do negro na formação do povo brasileiro. Embora no Senado eu seja apenas um negro, quando olho no horizonte desta tribuna, vejo que caminham de mãos dadas comigo, irmanados, 180 milhões de brasileiros, sendo que metade deles é negra.

            Em 2010, viviam no País 91 milhões de pessoas que se diziam brancas (47,7%). Cerca de 82 milhões declararam-se pardos (43,1%) e 15 milhões, pretos (7,6%). Os amarelos chegaram a quase 2 milhões (1,1%), e os indígenas a 817 mil (0,4%). A população indígena estava concentrada (60,8%) nas áreas rurais, enquanto 15,6% do total da população brasileira viviam nessas áreas.

            No grupo de pessoas de 15 a 24 anos que frequentava estabelecimento de ensino, houve forte diferença no acesso a níveis de ensino pela população segmentada por cor ou raça. No nível superior, encontravam-se 31,1% dos brancos nesse grupo etário, enquanto apenas 12,8% dos pretos e 13,4% dos pardos.

            O Censo revelou também que a defasagem entre idade e nível de ensino que a pessoa frequentava atingiu cerca de 50% das pessoas de 15 a 24 anos que estavam no ensino fundamental, enquanto já deveriam ter alcançado ao menos o ensino médio.

            Ao se observar a posição na ocupação entre brancos, pretos e pardos, pode-se ver uma maior representação das pessoas que se declararam brancos entre os grupos com proteção, por exemplo, da Previdência Social (empregados com carteira de trabalho assinada, militares e funcionários públicos estatutários), assim como entre os empregadores (3,0% entre brancos, enquanto 0,6% entre pretos e 0,9% entre pardos).

            Esse é o quadro.

            Felizmente, o mundo mudou. O mundo está mudando, e hoje a menina dos olhos de qualquer governante que tenha o mínimo de visão de futuro, que, como eu digo, olha além do horizonte, como faz e fez - e por isso foi reeleito - Barack Obama, é a diversidade, é a multiculturalidade, é a inclusão, pois todos sabem que o Estado brasileiro, por exemplo, só se tornará de fato uma economia de primeiro mundo quando acabar com as desigualdades sociais.

            Este é o 20 de novembro das cotas, projeto que tive a alegria de relatar em duas Comissões: na Comissão de Educação e na Comissão de Direitos Humanos.

            Este é o 20 de novembro do Estatuto da Igualdade Racial, que apresentei há mais de 15 anos e que aprovamos; é lei.

            Este é o 20 de novembro da reeleição, repito, do primeiro Presidente negro dos Estados Unidos, Barack Obama.

            Este é o 20 de novembro do reconhecimento da constitucionalidade das cotas pelo Supremo Federal.

            Este é o 20 de novembro em que o Supremo terá um Presidente negro.

            Este é o 20 de novembro da Miss Universo angolana, uma negra.

            Este é o 20 de novembro de celebrarmos as conquistas e de continuarmos a luta, como lancei naquele histórico livro, que é o mais procurado no meu gabinente, que leva o nome O Rufar dos Tambores, porque o rufar dos tambores nas ruas é que vão implementar e consolidar a luta pela igualdade de direitos e oportunidades.

            Saibam todos que, sem pressão no Executivo, no Legislativo e até no Judiciario, não avançaremos. É a mobilização popular que escreve uma história que aponta na linha da liberdade, da igualdade e da justiça.

            Hoje é 20 de Novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, martírio de Zumbi dos Palmares.

            A luta dele continua viva entre nós, nas mãos do povo brasileiro. A melhor forma de celebrarmos essa data, de homenagearmos negros, brancos, índios, pobres, todos os discriminados do nosso País, é aprovarmos o fim do fator previdenciario e o aumento para aposentados e pensionistas, que são tão discriminados neste país, sejam brancos, sejam negros, sejam índios. Ah! Como seria bom se o Congresso fizesse isso!

            Em 2008, o Senado Federal pôs fim -- nós aqui aprovamos por unanimidade -- ao famigerado fator preevidenciário, principal inimigo dos trabalhadores brasileiros.

            Agora é a vez da Câmara dos Deputados. Eu diria -- nós gostamos tanto de futebool -- que a bola está na marca do pênalti.

            Deputados, não errem esse pênalti! Caminhem com tranquilidade, deem um chute certeiro e façam um gol de placa!

            Eu quero ver as redes balançarem, eu quero ver os tambores tocarem, eu quero ver, com o fim do fator previdenciário e com o reajuste dos aposentados, a alegria, ainda este ano, de milhões de brasileiros que terão uma ceia de Natal, com certeza bem melhor, se isso acontecer.

            Você que está nos assistindo agora, você, cidadão brasileiro, militante social, vocês que não mais aceitam essas políticas que discriminam, em nosso País, negros, brancos, índios, pobres, aposentados, idosos; você que não é um escravocrata, que é um abolicionista, que acredita que, no nosso País, a gente pode ser livre, livre, livre; você que quer que o nosso povo possa ter o direito de seguir o vento, de se banhar em águas cristalinas; você que quer beber o abraço do irmão amigo e daqueles tantos e tantos que, com suas mãos calejadas, constroem o nosso Brasil; você que acredita nisso tudo, envie mensagens aos Deputados. Digam não ao fator! Utilizem as redes sociais, peçam a eles que votem o fim do fator e o reajuste dos aposentados.

            Mártires de ontem, Zumbi, Tiradentes, Sepé Tiaraju, Tancredo Neves, homens que tinham o horizonte como sina, eles são exemplos da insistência, da coragem e da resistência, de que é justo buscar, sim, o caminho da igualdade de direitos e oportunidades.

            Mártires de hoje, aposentados, pensionistas, idosos, pessoas negras e brancas, pobres, indígenas, aqui socorro-me de Castro Alves: Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura… Se é verdade isto que estou vendo. Tanto horror perante os céus, principalmente em relação à vida de índios, negros, idosos e aposentados?!

            Hoje é dia 20 de novembro. Eu não poderia fazer um discurso diferente. Peço liberdade para milhões de brasileiros. Assim escrevemos nossas páginas, assim escrevemos nossa história.

            Espero que os Deputados Federais, que todos, todos… Não teve um que tenha dito, na campanha recente, que era a favor do fator previdenciário. Todos diziam que eram contra o fator e todos diziam que eram a favor dos aposentados e pensionistas. O homem público tem que marcar a sua vida e a sua história para poder olhar para os filhos e netos amanhã e dizer: “eu fui coerente”. O discurso e a prática não eram diferentes.

            Por isso, eu faço um apelo aqui aos Deputados: aprovem o fim do fator previdenciário, porque confisca o salário só dos pobres, os mais pobres, que perdem a metade do seu salário no ato da aposentadoria; os altos salários não perdem. Só os pobres que perdem, só os trabalhadores no Regime Geral da Previdência, aqueles que atuam na área urbana.

            Deputados Federais, aprovem o fim do fator e o reajuste do aposentado.

            Assim nós desejamos, assim nós lutamos, assim eu luto, assim eu creio, assim é a minha vida e que seja a nossa vida.

            Viva 20 de novembro, viva Zumbi dos Palmares, vivam negros, vivam brancos, vivam índios, vivam amarelos, vivam aposentados, vivam pensionistas, viva a liberdade, viva a igualdade.

            Eu sou daqueles que sonham que um dia nós teremos uma previdência universal e que os pobres não sejam chamados a pagar a conta, porque, hoje, no Brasil, é assim, devido ao famigerado fator, e não teve uma política de reajuste dos aposentados.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/11/2012 - Página 62185