Discurso durante a 213ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre recente pronunciamento da Presidente Dilma Rousseff; e outro assunto.

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Considerações sobre recente pronunciamento da Presidente Dilma Rousseff; e outro assunto.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 20/11/2012 - Página 61697
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • REGISTRO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, PAIS ESTRANGEIRO, ESPANHA, ASSUNTO, ENTREVISTA, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFERENCIA, CRISE, NATUREZA ECONOMICA, AMBITO INTERNACIONAL, ENFASE, EUROPA, COMENTARIO, IMPORTANCIA, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL, IMPEDIMENTO, PREJUIZO, BRASIL.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Valdir Raupp, para mim é um prazer subir a esta tribuna depois do Senador Eunício Oliveira, do Estado do Ceará.

            Veja como é o Brasil: sou paraibano, Senador pelo Estado do Rio de Janeiro, devedor dos cearenses, porque, dos 15 milhões de habitantes do Estado do Rio de Janeiro, 1 milhão são cearenses. Então, faço esta homenagem a todo o povo trabalhador do Ceará, no meu Estado, o Rio de Janeiro.

            Digo, Sr. Presidente, que subo a esta tribuna hoje para falar sobre o pronunciamento, que considero histórico, da nossa Presidenta Dilma Rousseff na sessão plenária da Cúpula Ibero-Americana em Cádiz, na Espanha.

            O jornal El País publica longa entrevista de três páginas com a Presidenta Dilma: “Dilma, a forte”. Eu quero fazer, em meu pronunciamento, referência a essa matéria do jornal El País, mas quero começar pelo pronunciamento na sessão plenária da Cúpula Ibero-americana, em Cádis. Começa a Presidenta Dilma:

O panorama internacional de hoje é distinto daquele de 1991, quando as nações ibero-americanas se reuniram pela primeira vez, em Guadalajara, no México. A crise financeira que hoje afeta a Europa golpeia de forma particular a Península Ibérica. Sabemos que Portugal e Espanha estão diante de tarefas de complexa solução, mas sabemos, também, da força desses países, da energia criativa de suas sociedades, de sua capacidade de superação, tantas vezes comprovada ao longo dos séculos.

            De fato, Sr. Presidente, como falou a Presidenta Dilma, a situação econômica e social de Portugal e da Espanha é muito grave. Em setembro, o desemprego, na Espanha, foi de 25,8% e, em Portugal, de 15,7%. O crescimento esperado para a Espanha, neste ano, é de -1,4%, e o de Portugal é de -3%. E os problemas sociais se agravam na região. Na última semana, a Espanha foi obrigada a fazer um acordo, entre bancos e governo, de interrupção, por 2 anos, dos despejos por inadimplência, um dos maiores problemas da crise. No ano de 2011, foram 77 mil famílias despejadas e, no primeiro semestre de 2012, 50 mil. De abril a junho deste ano, registrou-se uma média diária de 526 despejos.

            Continua a Presidenta Dilma - volto a falar do texto da Presidenta Dilma:

Temos assistido, nos últimos anos, aos enormes sacrifícios por parte das populações dos países que estão mergulhados na crise: reduções de salário, desemprego, perda de benefícios. As políticas exclusivas, que só enfatizam a austeridade [fala a Presidenta Dilma], vêm mostrando os seus limites, em virtude do baixo crescimento. E, apesar do austero corte de gastos, assistimos ao crescimento dos déficits fiscais, e não à sua redução. Os dados e as previsões para 2012 e 2013 mostram a elevação dos déficits e a redução dos PIBs.

            Sr. Presidente, a Presidente tem absoluta razão. Existe uma complexa equação macroeconômica que não pode ser resolvida com essa fórmula adotada. Cortam gastos públicos especialmente na área social e nos projetos de investimento. Assim, cada economia fica paralisada, e, portanto, a arrecadação pública diminui. Então, haverá, necessariamente, um aumento dos déficits governamentais, conjugado com PIBs em recessão, devido à falta de demanda do governo e à falta de consumo decorrente do elevado desemprego.

            Estão impondo à Europa um círculo vicioso de corte de gastos, PIBs em recessão, queda da arrecadação pública, aumento dos déficits e mais cortes de gastos, mais desempregos, maiores quedas de arrecadação pública. Isso, obviamente, não é a solução, como salientou a Presidenta.

            Volto ao pronunciamento da Presidenta:

O Brasil vem defendendo, inclusive no âmbito do G20, que a consolidação fiscal exagerada e simultânea em todos os países não é a melhor resposta para a crise mundial e pode, inclusive, agravá-la, levando a uma maior recessão. Sabemos que os impactos da crise são diferentes entre os países, e as respostas à crise também têm suas diferenças e produzem consequências diversificadas. O equívoco, porém, é achar que a consolidação fiscal coletiva, simultânea e acelerada seja benéfica e resulte numa solução efetiva. O que temos visto são medidas que, apesar de afastarem o risco de uma quebra financeira, não afastam a desconfiança dos mercados e, mais importante ainda, não afastam a desconfiança das populações. Confiança não se constrói apenas com sacrifícios. É preciso que a estratégia adotada mostre resultados concretos para as pessoas, apresente um horizonte de esperança e não apenas a perspectiva de mais anos de sofrimento.

            É verdade que a solução de uma crise deve ser uma solução para o problema das pessoas que vivem e trabalham em determinada economia, Sr. Presidente. Não há solução mágica para as finanças de um país que esteja dissociada dos problemas daqueles que são atingidos pelo desemprego. Assim, não se pode conceber a política de austeridade como uma técnica neutra, que não provoca graves efeitos sociais. A única solução para o desemprego é o crescimento econômico distributivo, que gera renda, que distribui renda. As pessoas precisam viver, trabalhar, fazer compras no supermercado para alimentar a família. Para os desempregados, os números da contabilidade pública ruins são meras abstrações e sinais de que haverá mais sofrimento. Os números das finanças públicas de alguns países europeus são preocupantes, mas não adianta tentar melhorar os números sem melhorar a vida das pessoas.

            Vou citar aqui, Sr. Presidente, para reforçar os argumentos da Presidenta Dilma, os déficits nominais de alguns países: Espanha, 9,4%; Grécia, 9,4%; Portugal, -4,4%; Itália, -3,9%; Irlanda, -13,4%. A dívida em relação ao PIB da Espanha chega a 69,3%; a de Portugal, a 108%; a da Grécia, a 170%; a da Itália, a 120%; e a da Irlanda, a 106%. É preciso que se diga: o déficit nominal brasileiro é inferior a 3%, o acumulado está algo em torno de 2,7%, e a nossa dívida pública em relação ao PIB hoje está em torno de 35%.

            Mas volto a falar da Presidenta Dilma:

A atividade econômica mais fraca em 2012, as perspectivas para os anos seguintes e o sofrimento das populações colocam, assim, na ordem do dia a necessidade do crescimento. Urge que os países superavitários também façam sua parte, aumentando seu investimento, seu consumo, e importando mais.

            A solução, Sr. Presidente, apresentada pela Presidenta foi a mesma apresentada por Keynes nos debates que envolveram a criação do FMI em 1947. Keynes defendeu a ideia, que foi derrotada, de que a superação da crise de um país com graves problemas na sua balança comercial com o exterior dependeria também dos seus parceiros comerciais. Os países superavitários deveriam aumentar suas importações, para estimular a economia do país em crise, do país com déficit com o exterior. O país em crise não deveria deprimir ainda mais a sua economia com o objetivo de reduzir suas importações. A visão de Keynes era uma visão muito mais equilibrada da relação econômica entre os países e visava a manter o emprego sempre em elevados patamares. Toda e qualquer política que resultasse em aumento de desemprego sempre foi rejeitada pelo economista inglês. Hoje, as ideias de Keynes são valorizadas mundo afora, mas continuam sendo rejeitadas pelo FMI, que propõe políticas de sacrifício a países já tão fragilizados.

            Volto ao pronunciamento da Presidenta:

O que parece cada vez mais claro é que, sem crescimento, será muito difícil o caminho da consolidação fiscal. Os ajustes serão cada vez mais onerosos socialmente e cada vez mais críticos politicamente.

O Brasil tem implementado medidas de estímulo econômico sem comprometer a prudência fiscal. Também fomos atingidos pela crise, através da redução dos mercados internacionais, mas estamos ampliando os nossos investimentos públicos e privados em infraestrutura. Além disso, reduzimos a carga tributária sobre a folha de pagamento e fizemos a reforma de previdência dos servidores públicos.

Promovemos programas sociais que, além de seus efeitos de distribuição de renda, contribuem para manter a demanda interna. Temos logrado, assim, apesar da crise internacional, manter o desemprego em níveis bastante baixos.

            Novamente, comentando a fala da Presidente, de fato o desemprego no Brasil caiu de 12,4%, em 2003, para algo em torno de 5,4% hoje. Mas chamo a atenção para o fato de que o Brasil ousou fazer política de distribuição de renda, ousou aumentar o salário mínimo em mais de 60% em termos reais nos últimos 10 anos, o que aumentou o rendimento do mercado formal e informal de trabalho, e distribuiu renda via Previdência Social Pública, que paga por mês 29 milhões de benefícios, e 70% desses têm um piso de um salário mínimo. O programa Bolsa Família atinge 13,5 milhões de famílias - em 2004, no ano da sua criação, eram apenas 6,6 milhões.

            Por isso, como disse a Presidenta, temos um grande mercado interno de consumo, cujo movimento de oferta e de demanda gerou, nos últimos 6 anos, mais de 11 milhões de empregos com carteira assinada.

            Volto ao pronunciamento da Presidenta:

Quando nos reunimos em Guadalajara, duas décadas atrás, a América Latina ainda vivia as consequências de sua “crise da dívida”. Os governantes de então, aconselhados pelo Fundo Monetário Internacional, acreditavam, erradamente, que, apenas com drásticos e fortes ajustes fiscais, poderíamos superar com rapidez as gravíssimas dificuldades econômicas e sociais nas quais estávamos mergulhados. Levamos, assim, duas décadas de ajuste fiscal rigoroso, tentando digerir a crise da dívida soberana e a crise bancária que nos afetava, e, por isso, nesse período, o Brasil estagnou, deixou de crescer e tornou-se um exemplo de desigualdade social.

            Esse eu considero, Senador Cristovam, um balanço importante da Presidenta Dilma Rousseff sobre os anos 90 e sobre o enfrentamento àquele período.

            Concedo o aparte ao Senador Cristovam Buarque, com grande honra.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador Lindbergh Farias, eu estava ouvindo o seu discurso lá fora e, depois, aqui. A mim me tocou também o discurso da Presidenta na Espanha, que merece uma análise mais profunda. Ela tem razão. Em um momento de crise, a austeridade pode levar a um agravamento desta, mas a austeridade pode ser necessária em momentos que não estamos em crise, para evitá-la. Se olharmos hoje a Espanha, Portugal e a Grécia, veremos que eles não saem da crise com austeridade, mas eles entraram na crise por falta de austeridade. Eles entraram na crise por excesso de endividamento para viabilizar o consumo e por excesso de consumo propiciado pelo real quando ele chegou a esses países. E veio a bolha, que é o contrário da austeridade. Está faltando uma palavra que diga austeridade com a mesma metáfora da bolha. Creio que nós, como V. Exª falou...

(Interrupção do som.)

           O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Sr. Presidente...

           Hoje, a meu ver, nós estamos precisando de um pouco de austeridade, para evitar que, depois, tenhamos de evitá-la e gastar muito para retomar o crescimento, porque virá a inflação. Ninguém tem dúvida de que o contrário de austeridade é inflação, mas, em países como a Espanha, a Grécia e Portugal, é melhor a inflação do que a miséria que estão vivendo. Mas aqui não estamos naquela situação, felizmente, e em grande parte - vamos falar com franqueza - pela austeridade do Presidente Lula no começo do seu governo. Ele foi austeríssimo. E eu vivi isso, pois, como Ministro da Educação, queria dinheiro, o que me era negado todo o tempo pelo Ministro Palocci. Talvez, ele tivesse razão naquele momento mais do que eu, que estava apressado para fazer a revolução educacional, que não fizemos até hoje. Então, é preciso tomar cuidado com essa afirmação de que a austeridade tem de ser evitada. Ela agrava a crise depois que estamos nela, mas é necessária - e não chamemos de austeridade, mas de responsabilidade - nos momentos em que não estamos em crise. E creio que estamos correndo o risco de sair da responsabilidade. Se olharmos a inflação hoje, veremos que ela já está bastante elevada, embora dentro dos limites. Mas se lembrem de que, hoje, conseguimos controlar a inflação por medidas artificiais, como o controle do gasto do custo da gasolina, que está ameaçando a estabilidade da Petrobras. Controlamos a inflação pelo sacrifício de R$20 bilhões do Governo para colocar à disposição da indústria automobilística, vendendo carro mais barato, e pelo controle das tarifas de eletricidade que ameaçam as empresas elétricas. Então, a inflação hoje está usando meios artificiais, e, depois, cobra-se um preço altíssimo. Sem eles, a inflação estava muito alta. Então, não é hora de pensarmos em desperdício, em gastos elevados, porque hoje ainda estamos em tempo de evitar a tragédia europeia. Depois que chegar lá, terei de vir aqui e dizer: é melhor emprego com inflação do que miséria sem inflação. Mas são duas coisas entre as quais eu não gostaria de escolher. Já vivemos muito a inflação e sabemos que grande parte do avanço social que o Brasil teve foi graças à estabilidade monetária. Não vamos ignorar isso. O salário mínimo só subiu acima da inflação em níveis do PIB, que o Lula fez - e foi positivíssimo! -, por causa da estabilidade monetária. Sem estabilidade monetária, aumenta-se o salário mínimo hoje, e, amanhã, ele já está baixo. Foi a estabilidade monetária que criou essa classe média que tantos comemoram. Sem estabilidade monetária, essa classe média não teria surgido...

(Interrupção do som.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Agradeço... Ah, sim, o Senador ainda não acabou de falar! Pode concluir.

            O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. Bloco/PMDB - RO) - Ainda faltam 4 minutos, que podem ser prorrogados por mais...

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Não vai precisar prorrogar por minha causa, embora seja um tema que mereça ser muito debatido. Está aqui quem poderia debatê-lo muito bem: o Senador Requião. Sem estabilidade monetária, não teria havido a ascensão das classes C, D, E. Isso não teria ocorrido. Não adianta dizer que foram só as medidas tomadas. Foram as medidas tomadas e um quadro de estabilidade monetária. Por isso, temos de zelar muito por essa estabilidade. E temo que esteja começando a haver certa irresponsabilidade fiscal, seja pelo excesso de exonerações de impostos, seja pelo controle de preços artificialmente, seja por excesso de gastos, o que, às vezes, é decorrente da própria Constituição, não de decisão do Governo. Então, acho que a Presidenta teve razão ao dar aquela sugestão para a Europa na crise que está hoje, mas não dá para aplicar aquilo no Brasil, antes de aqui haver uma crise como a europeia.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Senador Cristovam Buarque, primeiro, quero agradecer o aparte de V. Exª. Eu só queria dar uma opinião sobre o seu aparte. Essa crise da Europa nem é crise da falta de austeridade, como dizem alguns, nem crise do Estado do bem-estar social. Essa crise é a crise da desregulamentação do sistema financeiro, numa política liberal radical, que deixou o sistema financeiro completamente livre, sem bases, estimulando empréstimos sem bases concretas para as pessoas pagarem. Essa é a base da crise americana e da crise europeia também. Os bancos europeus contraíram empréstimos com bancos americanos e foram afetados por aquela crise. Essa crise, depois, virou a crise das dívidas soberanas. Jogaram a crise no colo do Estado.

(Soa a campainha.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Falo muito isso. Inclusive, mais à frente, neste pronunciamento, cito o último artigo de Paul Krugman, que fala sobre a Suécia, um exemplo bem-sucedido de Estado do bem-estar social, mostrando que a situação da Suécia é completamente diferente. A Suécia cresce e está fora dessa crise econômica.

            Eu atribuo a origem de toda essa crise à desregulamentação violenta do sistema financeiro norte-americano e europeu.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Sr. Presidente, permita-me aproveitar esta sessão de segunda-feira à tarde para...

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Para ter uma aula com o Senador.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Só quero dizer, Senador Lindbergh, que, com um sistema financeiro muito regulamentado, o consumo não aumenta. Grande parte da bolha que há no sistema imobiliário e também no sistema de bens de consumo se dá graças a um sistema bancário irresponsável. Mas banco não empresta obrigado; as pessoas vão tomar o empréstimo. Hoje, no Brasil, está havendo um pouco disso, com os financiamentos em 100 meses de venda de carros, como havia até pouco tempo. Então, houve, sim, uma irresponsabilidade bancária, como o senhor diz. Essa foi a principal causa da crise, mas essa veio pelo crescimento do PIB além do que era possível sem jogar dinheiro não existente. O que se fez? Para vender mais, mais, mais, inventou-se dinheiro. Como é inventar dinheiro? O banco empresta; o dinheiro não existe do ponto de vista das reservas, mas circula. Essa circulação sem uma base cobra um preço alto. O preço é esse da Europa. Aí isso se agrava se se mantém a austeridade. Além disso, eu creio que a gente deve começar a substituir austeridade por responsabilidade. É necessária uma responsabilidade para retomar a crise. Ao mesmo tempo, a austeridade, como está sendo feita, agrava a crise. Só mais esse minuto para concluir. A orgia bancária foi decorrente de uma orgia consumista, se não, não haveria orgia bancária. Banco não empresta dinheiro a quem não quer tomar dinheiro emprestado. E nós temos tido um incentivo para que tomem dinheiro, e tomem dinheiro, e consuma, e compre, e compre. Aí, um dia, isso cobra um grande preço, e vem a necessidade de uma austeridade radical e até mesmo suicida.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Eu só quero destacar que havia uma ideologia, um conjunto de ideias por trás dessa desregulamentação: a ideia de que não é necessária a presença do Estado nem para regular o sistema financeiro. Faço questão de dizer isso.

            E digo também, Senador Cristovam Buarque, a situação fiscal brasileira... Eu citei aqui os números da dívida pública: Portugal, 108%, dívida em relação ao PIB; Grécia, 170%. Se bem que esses países estão em crise muito grande. A nossa dívida pública é cadente. Nós estamos, agora, aos 12 meses acumulados, em 35%. Sabe de quanto a Europa, o Tratado de Maastricht quer obrigar os países a ter um déficit nominal? Inferior a 3%. Só a Alemanha está inferior a 3%. Nós, aqui, somos inferiores a 3%. Nos últimos 12 meses, com todas as dificuldades do ano, com desonerações, o nosso déficit nominal está em 2,7% do PIB.

            Agora, quando a Presidenta fala em um plano de austeridade, eu entendo, Senador Cristovam, que V. Exª tem razão quando fala que é necessário ter responsabilidade fiscal. E quando ela falou em crítica aos planos de austeridade, eram aquelas políticas de ajustes descoladas de qualquer perspectiva de crescimento.

            E eu cito, novamente, um trecho que eu acho muito importante, porque acho que é uma avaliação dos anos 90, do que vivemos aqui no Brasil e na América Latina, muito interessante, e eu vou repetir essa parte da fala da Presidenta:

Quando nos reunimos em Guadalajara [México], duas décadas atrás, a América Latina ainda vivia as consequências de sua ‘crise da dívida’ [palavras da Presidente.]. Os governantes de então, aconselhados pelo Fundo Monetário Internacional [FMI], acreditavam, erradamente, que apenas com drásticos e fortes ajustes fiscais poderíamos superar com rapidez as gravíssimas dificuldades econômicas e sociais nas quais estávamos mergulhados. Levamos assim duas décadas de ajuste fiscal rigoroso, tentando digerir a crise da dívida soberana e a crise bancária que nos afetava, e, por isso, nesse período, o Brasil estagnou, deixou de crescer e tornou-se um exemplo de desigualdade social.

            Aqui, a Presidente, na minha avaliação, fez o diagnóstico correto: indicou que o ajuste fiscal proposto pelo FMI à América Latina, durante três décadas - que hoje estão chamando de austeridade fiscal -, para casos de países em crise fiscal e comercial, o FMI, desde o seu início, em 1947, já com uma postura conservadora, impunha uma forma bastante peculiar. Um país deficitário na sua balança comercial, endividado, para receber os empréstimos de socorro do Fundo, deveria cortar gastos públicos de forma drástica, o que resolveria os dois problemas econômicos. O corte de gastos reduziria os déficits da conta corrente e, em consequência, contribuiria para a estabilização da dívida pública. Além disso, o corte de gastos públicos reduziria a capacidade de compra da população e, portanto, reduziria também a demanda por produtos importados, contribuindo para o equilíbrio comercial com o exterior.

            Durante décadas, o FMI somente impôs políticas econômicas; basicamente obrigava países em dificuldades a cortar gastos governamentais e a conter o crédito para o consumo das famílias. A partir dos anos 90, o FMI passou a propagandear e a impor reformas estruturais aos países em crise. Para o FMI, o receituário somente de políticas econômicas não era suficiente. Foi daí que surgiu a principal organização em defesa da implementação de reformas propostas pelo Consenso de Washington, entre elas as privatizações do patrimônio público e a desregulamentação financeira.

            Sr. Presidente, meu pronunciamento é longo, vou ter que interromper.

            O SR. PRESIDENTE (Valdir Raupp. PMDB - RO) - Gostaria de quantos minutos mais para concluir? Três minutos?

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Três minutos. Eu queria concluir falando do resultado político aqui para a América Latina nos anos 90.

            O que aconteceu com a Argentina? O Presidente Carlos Menem governou a Argentina de 1989 a 1999. Deixou o país em crise, endividado, com patrimônio público dilapidado, com alto índice de desemprego e pobreza. Em 1999, assumiu Fernando de la Rúa, que resolveu aplicar o mesmo receituário para solucionar as crises: cortar gastos públicos das áreas sociais, aumentar impostos, promover arrocho salarial ao funcionalismo público. Não obteve sucesso. O povo argentino foi às ruas com o sentimento de tolerância zero às medidas orientadas pelo FMI, e De la Rúa foi obrigado a renunciar no dia 20 de dezembro de 2000. Fugiu da sede do governo, a Casa Rosada, de helicóptero, cenário quase idêntico ao do Equador, onde o Presidente Lucio Gutiérrez, também de helicóptero, em 20 de abril de 2005, abandona o Palacio de Carondelet, situação que vivenciamos aqui, no Brasil, com os episódios de 1992, no Governo Fernando Collor de Mello; Carlos Andrés Pérez, na Venezuela; Salinas de Gortari, no México.

            Chamo a atenção porque esse foi o resultado político da implantação desse criticado plano de austeridade da Presidenta Dilma, aqui, na América Latina.

            Sr. Presidente, eu havia feito um discurso mais longo, porque diziam que, às segundas-feiras, a gente teria uma flexibilidade. Agradeço muito a V. Exª pelo tempo, quase dez minutos a mais. Então, agradeço muito a tolerância.

            Acabo minha fala trazendo aqui o jornal El País: “Dilma, a forte”. Uma entrevista de três páginas com matéria de capa.

            Cito aqui o primeiro trecho da entrevista ao jornal El País, em que a Presidente diz:

O problema europeu não é o seu estado de bem-estar social, mas sim o fato de terem aplicado soluções inadequadas contra a crise, que resultaram em um empobrecimento da classe média. E se essas coisas continuarem assim, será gerada uma recessão generalizada.

            Muito obrigado e obrigado pela tolerância de V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/11/2012 - Página 61697