Discurso durante a 213ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre recente pronunciamento da Presidente Dilma Rousseff.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA INTERNACIONAL.:
  • Comentários sobre recente pronunciamento da Presidente Dilma Rousseff.
Publicação
Publicação no DSF de 20/11/2012 - Página 61717
Assunto
Outros > ECONOMIA INTERNACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PRONUNCIAMENTO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ASSUNTO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, PAIS, EUROPA, REFERENCIA, PREJUIZO, UTILIZAÇÃO, CONTROLE, POLITICA FISCAL, FISCALIZAÇÃO, GASTOS PUBLICOS, NECESSIDADE, RESPONSABILIDADE, GASTOS PESSOAIS, CONSUMO, SOCIEDADE, ENFASE, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, QUALIDADE DE VIDA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, é com satisfação que falo sob sua Presidência, porque vou falar do assunto que V. Exª falou logo cedo, que é o assunto do discurso da Presidenta Dilma.

            Creio que ela foi muito feliz no que se refere ao aspecto específico que vive a Europa hoje, o caso da Europa hoje. A responsabilidade fiscal absoluta, a austeridade fiscal pode levar a um agravamento da crise.

            Mas duas coisas a gente precisa acrescentar. Primeiro é que esses países hoje não têm instrumento de não serem austeros, porque eles não são donos da própria moeda. Eles não fabricam a moeda, Senador Capiberibe. A moeda é uma só na Europa. A única maneira de não haver austeridade seria a expansão monetária na Europa inteira.

            Os europeus estão divididos, e os alemães, que são aqueles que detêm hoje a capacidade de fazer isso, vão se perguntar: “Mas nós fomos responsáveis durante 30 anos. Como é que agora querem aqueles que foram irresponsáveis ao longo de 30 anos receber esses recursos?” Aí você pergunta: “Mas qual é o problema de receber esses recursos?” Isso gera uma pressão inflacionária. Não tem como não haver uma pressão inflacionária quando você aumenta a base monetária. Quando você perde a responsabilidade fiscal, que é um sinônimo de austeridade, você perde o controle da moeda. É claro que vai ser uma inflação ainda pequena - por isso a Presidenta tem razão -, mas é uma inflação pequena que vai penalizar todos os países, inclusive os que fizeram o dever de casa na hora certa, e esses vão reagir.

            A Primeira-Ministra Angela Merkel não é contra fazer isso apenas porque ela é perversa. Ela é contra fazer isso porque a sua base de apoio, porque o povo alemão, com toda a razão, se pergunta: “Nós fizemos um dever de casa. Por que agora nós vamos pagar para tirar os outros da crise?”

            E o que é o dever de casa? O dever de casa é manter o nível de consumo dentro dos limites da renda nacional, sem a necessidade de um endividamento forte para poder financiar o consumo. É assim que a gente tem feito, e foi assim que o Brasil cresceu, num certo momento, gerando uma inflação que chegou ao nível de hiperinflação. Não tínhamos como comprar a produção com o dinheiro circulante. Aí a gente endivida-se para poder comprar o que é produzido. É assim que a gente tem funcionado, por exemplo, para viabilizar a indústria automobilística.

            Quando a gente descobre que precisa de austeridade - e a Europa precisa hoje disso -, vai piorar a crise se agir assim? Criou-se uma armadilha, agravada pelo euro?

            Então, são três armadilhas: o fato de a moeda ser uma só na Europa, o euro; o fato de que é necessário austeridade, porque não há dinheiro para cobrir os gastos do governo; essa é a verdade. A Grécia não tem hoje como pagar o salário dos seus funcionários - teria que vir dinheiro de fora -, e os alemães vão se perguntar: “Por que a gente manda?” E, terceiro, o fato de que, se não se gastar mais dinheiro nesses países, a crise piora. Veja que situação!

            O que a gente tem de lembrar é que o dever de casa não foi feito na hora certa. Os deveres de casa - não vamos chamar de austeridade, chamemos de responsabilidade - foram desenvolvimentos baseados no excesso do consumo, usando a irresponsabilidade fiscal - o Governo jogando dinheiro, dando benefícios - e a irresponsabilidade de um sistema bancário descontrolado.

            O senhor falou aqui no descontrole. É verdade. Mas o dinheiro dos bancos descontrolados só é emprestado além da taxa de responsabilidade, como o Brasil tem desde o Proer, porque as pessoas querem dinheiro emprestado. Dificilmente um banco empurra dinheiro se você não quiser assinar uma promissória para pegar o dinheiro emprestado, para comprar o segundo carro, para comprar uma casa na praia - é isso que aconteceu na Grécia e na Espanha -, ou para comprar hotéis no Brasil, como a Espanha fazia até pouco tempo atrás, comprando os hotéis do Rio Grande do Norte, de Alagoas, de Pernambuco, como os portugueses faziam, como os gregos que, como são menores, não faziam aqui, mas espalhavam dinheiro, turismo e consumo por todo o continente. E esgotou.

            A Presidente tem razão de que a austeridade hoje agrava a crise. Mas ela precisava lembrar de que, se não fizer o dever de casa, que é o controle responsável ou o limite responsável do consumo, depois, vem essa armadilha. E aqui não seriam três, porque não temos o euro; temos uma moeda própria. Mas seriam duas armadilhas: a armadilha de ter de fazer a austeridade para poder pagar os custos e saber que, fazendo essa austeridade, a crise se agrava.

            Sem falar, Senador Lindbergh, de um outro ponto: o limite ecológico ao consumo. No caso do Brasil, por exemplo, o alto consumo de automóveis tem duas limitantes graves que vão cobrar um preço altíssimo no futuro. E a Presidenta Dilma não parece perceber isso. Um deles: não cabem mais automóveis nas nossas cidades. O senhor mora no Rio de Janeiro e sabe como é o trânsito. Mas qualquer cidade brasileira hoje sabe como é o trânsito. Então, há um limite. Segundo, há um limite fiscal, porque hoje, para vender carro, o Governo tem de abrir mão de impostos, sob a forma da desoneração do IPI. Ou seja, o Governo se sacrificou em 20 bilhões. Isso se reflete na hora de conseguir um superávit fiscal.

            Chegamos ao limite, mas some todos os produtos. Chegamos ao limite ecológico. Está praticamente comprovado que não acontece um furacão como o Sandy, que chegou a Nova York recentemente, por razões apenas naturais, mas como efeito do processo industrial dos últimos 50 anos. Tínhamos um limite.

            Temos que fazer o dever de casa hoje para não precisarmos de medidas duras de austeridade amanhã, na hora que vai ser pior, porque vamos fazer austeridade sabendo que ela agrava a crise.

            E aqui eu quero fazer justiça: o Presidente Lula e o Ministro Palocci, no começo do governo, tiveram essa percepção. Nós estávamos em um momento que não era ruim: estabilidade monetária com uma taxa de crescimento pequena, e eles foram austeros. Eu sei porque sofri essa austeridade como Ministro da Educação querendo gastar mais, e eles seguravam tudo. Só vieram a abrir anos depois.

            Nós precisamos fazer o dever de casa, e não estamos fazendo. Ele é necessário para evitar a crise que agravaria tanto a situação que exigiria austeridade. E essa austeridade, como disse a Presidenta - e ela tem razão -, agravaria a crise. São razões de ordem financeira, os limites financeiros, que não permitem vender mais do que um certo limite, a não ser criando moeda falsa, que pode ser a moeda impressa, como no caso do país que é dono da sua moeda, como o Brasil fez, ou a moeda bancária, criada por artifícios bancários, a chamada alavancagem de empréstimos. E tem a crise ecológica.

            Por isso eu agora agarro o discurso do Senador Requião: nós precisamos de uma revolução. Nós precisamos de uma revolução, mas essa revolução não é expulsar a chamada troika que chega à Grécia, porque a única maneira de expulsar a troika seria ter feito antes o trabalho que ela está fazendo agora, com soberania, sem precisar vir gente de fora para dizer o que deve ser feito. Não se fez na época o dever de casa; agora tem que ficar de joelhos diante do Fundo Monetário.

            O Lula, nesse ponto, mais uma vez o elogio. Ele conseguiu tirar a gente do Fundo Monetário, mas a gente pode voltar. Não se iludam. Nossa base, nossa estrutura não nos livrou de vez do Fundo Monetário. Não esqueçam que esses países europeus, ninguém imaginava que eles iriam ao Fundo Monetário. A gente pode voltar a precisar, a não ser que a gente faça o dever de casa. Esse dever de casa exige uma revolução, Senador Paim, mas a revolução não é mais aquela dos anos 50. Nós não podemos, Senador Lindbergh, ficar divididos entre uma direita insensível ao sofrimento do povo desempregado e uma esquerda insensível ao sofrimento do povo submetido à inflação. Não podemos ficar num ou noutro. Qual é a saída? A revolução mais forte do que a que se fez até aqui, de mudar o próprio projeto, produto, propósito civilizatório.

            Na Grécia, por exemplo, e eu estive recentemente visitando-a para ver a crise, uma das coisas mais interessante foi conversar com um professor universitário que me disse que o salário dele foi reduzido em 40%. Perguntei como ele sobrevivia. Ele disse: primeiro renegociei o aluguel da casa. Como ninguém está podendo pagar, o dono baixou o valor. Segundo, tirei meu filho da escola privada e botei na escola pública. Mas como agora tenho 40% do meu tempo livre, porque baixaram o salário e a carga de trabalho, estou usando parte do meu tempo livre para melhorar a escola pública onde meu filho estuda. Terceiro, parei de usar o carro, mas, como todo mudo parou, agora eu vou mais depressa de ônibus do que antes ia de carro. Ou seja, mudou o padrão de definição do bem-estar desse professor. O bem-estar dele não é o carro novo, o bem-estar dele não é se endividar para comprar mais coisas, o bem-estar dele não é ter o filho na escola privada. O bem-estar dele é ajudar a escola privada, é andar de ônibus eficientemente.

            Agora, isso não pode ser assim para um operário, porque o operário já não tem seu filho na escola privada, o operário não vai de carro. A gente tem que tratar diferentemente. Austeridade tem que ser para uma parte da população, não para todos. Precisa de austeridade na soma dos gastos, mas tem que escolher quem paga o preço da austeridade. Quem é que serve de exemplo hoje? O Presidente Obama.

            Qual é o discurso e a política do Presidente Obama? Aumentar os impostos sobre os ricos para cobrir o déficit, ou seja, austeridade, mas não penalizando os pobres.

            O que ele está fazendo com os pobres? Um projeto de saúde pública que nunca se imaginou que os Estados Unidos teriam, investimento elevado em educação, ciência e tecnologia, para fazer a economia crescer, não produzindo o mesmo de sempre, mas um produto novo, uma perspectiva nova em que se põe o bem-estar na frente da renda e do consumo. E, mais do que bem-estar, se põe até a felicidade das pessoas na frente do bem-estar e o bem-estar na frente do consumo, libertando, inclusive, as pessoas da dívida, porque a gente esquece que essa classe média que surgiu - e que não é uma coisa ruim - está endividada. É uma ascensão escravizando-a. A gente esquece esse lado da ascensão das classes no Brasil. Subiram no consumo e se escravizaram no tempo. Têm que trabalhar mais para poder pagar um empréstimo que pegaram para comprar mais. É um falso benefício e, pior do que falso, insustentável por muito tempo, como a Europa mostrou.

            Por isso eu fico feliz por estar aqui, falando do que disse a Presidenta Dilma e dizendo que ela tem razão, na lógica da Europa de hoje, mas ela não tem razão na lógica de um processo histórico mais amplo. Em um processo histórico mais amplo, nós temos que mudar o propósito do próprio crescimento como objetivo, até porque suponhamos que o crescimento volte na Europa e nos Estados Unidos, que se mantenha aqui maior ainda e na China. O mundo explode! Não cabe um aumento sustentado de 5% da economia mundial durante 10 anos. Não cabe ecologicamente. Não tem onde colocar os carros, o dióxido de carbono vai provocar um aumento da temperatura, as cidades litorâneas serão inundadas, a população vai ficar endividada. São muitos os empecilhos para que o crescimento volte.

            Daí, vamos revolucionar o propósito da revolução. O propósito da revolução não pode aumentar o consumo para todos a uma taxa sustentável de crescimento. O propósito da revolução tem que ser aumentar o bem-estar da população, tem que ser aumentar a felicidade das pessoas. Isso vem de quê? Poder andar na rua sem ser assaltado. E isso não aparece no PIB. Você poder andar na rua, no Rio de Janeiro, do cinema para um café. Isso não aparece no PIB, mas melhora a qualidade de vida, faz o País mais civilizado. É essa a palavra que está faltando. Não é crescer; é civilizar-se que o Brasil precisa. Tem que mudar o propósito. E, aí sim, a gente lutar pela revolução, uma revolução nova. Uma revolução, Senador Randolfe, com um propósito novo, onde esteja o meio ambiente equilibrado, onde esteja ninguém com necessidade básica, onde esteja ninguém escravizado pela dívida - pela dúvida sim, porque tudo isso gera dúvidas, mas não pela dívida -, onde todos disponham de uma escada social que é uma escola de qualidade igual para todos. Por isso, se eu fosse criar um slogan dessa revolução de que o Senador Requião falou aqui, eu diria: o filho do mais pobre brasileiro na mesma escola do filho do mais rico. Só que essa é uma revolução tão radical que as pessoas não acreditam que ela seja possível, mas já se fez em tantos lugares do mundo. Escola desigual é uma característica de alguns países, não de todos os países.

            Precisamos de uma revolução. Solidário eu sou com o Senador Requião quando aqui falou, mas a minha revolução não é a mesma que ele pareceu defender. Sou solidário com o Senador Lindbergh quando elogiou aqui o discurso da Presidenta Dilma, dizendo que não é hora de austeridade na Europa, mas lembrando que isso é conjuntural neste momento da Europa, porque não fizeram o dever de casa da responsabilidade no momento certo. Foram irresponsáveis os gregos, todos, como nós estamos sendo. Mas esse é outro discurso.

            E nós hoje estamos sendo irresponsáveis ou estamos fazendo o dever de casa? Eu tendo a achar que não estamos fazendo o dever de casa. Qual é a prova? A inflação já está chegando ao limite, e não dos 4,5%, que são a meta, mas dos 6,5%, que são 2% acima da meta. E não passa disso porque estamos sacrificando a Petrobras, mantendo o preço do combustível abaixo do que é necessário para cobrir os custos de investimento que a Petrobras precisa fazer. Estamos mantendo a tarifa da energia elétrica abaixo do que é necessário para modernizar o sistema. Estamos mantendo o preço do automóvel abaixo do que deveria ser, sacrificando o Tesouro Nacional. Ou seja, estamos entrando naquele velho e perigoso caminho do controle de preços. Isso é perigoso, porque não estamos fazendo o trabalho estrutural.

            O Senador Requião falou aqui: as classes D e E subiram, os pobres receberam a bolsa, mas tudo isso... Aliás, ao contrário, nada disso é estrutural, Senador Paim, nem mesmo essa coisa que talvez seja a mais importante do Governo Lula, que foi o aumento do salário mínimo, graças, inclusive, a sua luta, Senador Paim. Mas nem isso é permanente. Ao mudar o governo, isso pode acabar. Nem mesmo o salário dos professores, que é fruto do meu projeto do piso salarial, é permanente, porque, com a inflação, vai-se comer o salário mínimo. Por isso quem luta por um bom salário mínimo tem a obrigação de lutar pela estabilidade de preços. A carestia é inimiga de um bom salário, a carestia come o salário. É falso o aumento de salário em tempos de carestia, em tempos de inflação.

            Eu acho que esta foi uma boa tarde, Senador Lindbergh, que permitiu trazer para cá a palavra revolução, que trouxe o Senador Requião, e que tantos têm medo de usar aqui, nesta tribuna, que trouxe corretamente a sua lembrança do discurso da Presidenta Dilma, no que se refere ao momento presente, em que a austeridade pode ir contra o crescimento. Não é nem o crescimento. Eu não farei questão do crescimento. A austeridade levaria ao agravamento do sofrimento do povo. Vinte e seis milhões de desempregados continuarão desempregados se a austeridade for adotada. Mas não podemos analisar só circunstancialmente, conjunturalmente. Sem o dever de casa feito 20 anos atrás, como a Alemanha vem fazendo, essa crise ocorre.

            Por isso hoje talvez tenha, sim, que se gastar mais do se pode na Europa, não sei como, tendo em vista que é uma só moeda e tantos países. Não sei como. Como convencer a Alemanha...

(Interrupção do som.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - ...como convencer os países que fizeram o dever de casa a colocar dinheiro naqueles que foram irresponsáveis com o consumo naquele momento, usando os bancos irresponsáveis e sem controle. Mas vai ter que se gastar dinheiro como se gastou depois da Segunda Guerra para recuperar a Europa daquela tragédia. Conseguiu-se dinheiro através de uma coisa chamada Plano Marshall, mas tinham ali os Estados Unidos por trás, que jogaram o dinheiro. Hoje não tem mais os Estados Unidos por trás, não é a China que vai fazer isso. Por isso vamos ter um período muito duro na Europa e no mundo, mas tentemos fazer o dever de casa hoje para não possamos isso amanhã. Lembrem-se de que a Argentina já foi muito rica e nós, pobres. Hoje a Argentina está pobre, nós estamos ricos. O Chile já foi um exemplo, o México já foi um exemplo, já caiu e os ciclos vão acontecendo, os países, melhorando e piorando, porque não fazem o dever de casa na hora certa.

            A grande lição hoje, Senador Lindbergh, é nós dizermos que está na hora de fazer o dever de casa para evitar que aqui aconteça a tragédia que hoje acontece em tantos países do mundo. Para mim, se eu fosse resumir o que a gente falou aqui, seria: é hora de fazer o dever de casa.

            O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias Bloco/PT - RJ) - Parabéns, Senador Cristovam Buarque, pelo pronunciamento, por esta tarde de debates.

            Eu lamento que, por estar na Presidência, não tenha o direito de fazer apartes, mas quero parabenizá-lo pela profundidade e a complexidade do seu pronunciamento. E se eu posso fazer, antes de passar para o Senador Randolfe, um comentário, eu estive também na Grécia, acompanhando as eleições gregas. Tenho um documentário que quero passar a V. Exª sobre a crise grega, chamado Dividocracia, feito por jornalistas gregos. E tem lá uma fala de Daniel Cohn-Bendit, Daniel Le rouge, Daniel o Vermelho, das passeatas de 68 em Paris.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Que é Deputado europeu.

            O SR. PRESIDENTE (Lindbergh Farias. Bloco/PT - RJ) - Que é Deputado europeu, fazendo uma denúncia gravíssima sobre a relação da Alemanha e da França com a Grécia quando dizia o seguinte: “Os bancos alemães e franceses forçaram um empréstimo ao Estado grego para comprar armas, navios, fragatas da indústria bélica alemã e grega”. Fez um estudo muito interessante do peso disso na dívida grega.

            Estou falando isso porque acho que a gente tem que ter muito cuidado com o discurso: “Ah, os responsáveis gregos não fizeram o dever de casa enquanto os alemães trabalharam duro”. Eu acho que a situação é mais complexa. E esse é um documentário muito interessante acerca da situação. Acabei de fazer o relato.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Sr. Presidente, eu acho que...

            Senador Randolfe, se aceita, queria dizer. Mas, veja bem. Para onde foi esse dinheiro? Foi para as Olimpíadas gregas. E nós estamos fazendo uma. Para onde foi na Espanha? Para a Copa de futebol e para as Olimpíadas. Nós estamos fazendo. Para fazer trem-bala. Nós estamos fazendo trem-bala. Ou seja, estamos fazendo hoje o que esses países fizeram naquela época sob a forma de gastos além do possível, como a Argentina fez também com a sua Copa e com outros projetos, em vez de investir em uma infraestrutura eficiente que aumente a produção, porque o trem-bala não vai aumentar a produção. Vai ser bom para reduzir o tempo, mas não é fazer, por exemplo, com o mesmo dinheiro, uma rede ferroviária nacional, que a Grécia não fez.

            Por isso o Cohn-Bendit tem razão de que eles empurravam dinheiro, mas dinheiro só se empurra quando se quer receber dinheiro. Quando não se quer receber dinheiro não tem como. Mesmo que seja por meio de publicidade. Como me irrita profundamente ver a quantidade de publicidade na televisão de tantos cartões de crédito. Devia ser proibido publicidade de banco, da mesma maneira que devia ser proibido publicidade de bebida, porque dívida vicia tanto quanto o álcool. E o álcool tem um efeito no indivíduo; a dívida tem um efeito social muito grave.

            Então, em tudo isso, você vê que tem razão um, tem razão o outro, mas a gente não está conseguindo aprofundar necessariamente. Eu não nego: eles não fizeram o dever de casa.

            E os bancos se aproveitaram. Talvez seja hora de os bancos pagarem. Talvez seja hora, sim, de estatização de todos os bancos da Europa. Mas estatizar para continuar emprestando para financiar consumo perdulário ecologicamente irresponsável não adianta. Não adianta.

            Lembre-se de que Mitterrand teve que fazer isso há uns 25 anos. Ele nacionalizou os bancos, saneou e, depois, entregou outra vez ao setor público. Pode ser, eu não sei. Ou pode ser cada um sair do euro. Mas vai ser muito trágico sair do euro. Vai ser um sofrimento, talvez, maior do que o sofrimento do próprio desemprego, que já é um sofrimento brutal. A Grécia fora do euro é uma explosão de preços e, durante anos, será um país absolutamente marginal e de extrema pobreza.

            Isso faz com que o mundo saiba que é muito complexa a situação. E por isso saiba que tem que ir além de voltar a crescer. Tem que definir que tipo de avanço - não disse crescimento - nós queremos, que tipo de civilização nós queremos. E não apenas quanto de crescimento, como é a sensação que, eu creio, está prevalecendo hoje nas lideranças mundiais e na liderança do Governo brasileiro também, prisioneiro dessa armadilha da taxa de crescimento do PIB, em vez da liberdade, do avanço, da melhoria, do padrão de qualidade de vida, de bem-estar e de felicidade do povo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/11/2012 - Página 61717