Discurso durante a 218ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise da questão da desigualdade no Brasil.

Autor
João Costa (PPL - Partido Pátria Livre/TO)
Nome completo: João Costa Ribeiro Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Análise da questão da desigualdade no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 27/11/2012 - Página 63347
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • ANALISE, TEXTO, AUTORIA, ESCRITOR, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), OBJETIVO, DEMONSTRAÇÃO, AUSENCIA, IGUALDADE, PAIS, REFERENCIA, DESIGUALDADE SOCIAL, DIFERENÇA, ECONOMIA, PESSOAS, ESTADOS, FEDERAÇÃO, INVESTIMENTO, DESENVOLVIMENTO CIENTIFICO, REGIÃO.

            O SR. JOÃO COSTA (Bloco/PPL - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Acir Gurgacz; Srªs e Srs. Senadores, senhoras e senhores presentes e aqueles que nos assistem pela TV Senado e nos ouvem pela Rádio Senado, inicio relembrando palavras repletas de ironia de um dos maiores escritores brasileiros, Carlos Drummond de Andrade.

            Na sua obra Poesia e Prosa escreve, a certa altura, um poema que se chama Política Literária, que contém múltiplos significados. Diz Drummond:

O poeta municipal

discute com o poeta estadual

qual deles é capaz de bater o poeta federal.

Enquanto isso o poeta federal

Tira ouro do nariz.

            Esta Política Literária bem pode ser uma imagem da política nacional brasileira. O poeta fala-nos de competição. Competição entre níveis de autoridades que também são níveis de importância, níveis de distância, níveis de conflito e níveis de decisão entre o que está embaixo, o Município, o que está no meio, o Estado, e o que está no topo, o Governo Federal.

            No final, de forma igualmente irônica, Drummond procura dizer-nos que o que resulta desses níveis de importância, de competição, de distância, de conflito é uma soma de nulidades, é um resultado de soma zero, e conclui:

Enquanto isso o poeta federal

Tira ouro do nariz.

            É esta a força da poesia. É como um fogo que ilumina, fala-nos por símbolos, por imagens curtas, fortes e incisivas. Faz-nos ver, em poucas palavras, realidades profundas que normalmente só são explicadas por longos discursos.

            Eu vejo neste pequeno poema, tão cheio da inteligência sarcástica drummondiana, um retrato ainda atual do Brasil de hoje, e, para além de um retrato, um repto para o futuro, um desafio a superar. Chamar-lhe-ei “o desafio das quatro distâncias”.

            Na verdade, neste Brasil que desponta no Século XXI, de tantos contrastes, de tantas injustiças, e também de tantas promessas, neste Brasil de desigualdades internas, mas de crescente afirmação externa na cena internacional e na nova configuração dos poderes mundiais, há quatro grandes distâncias a serem vencidas, que eu gostaria de identificar como os quatro pilares a que devotarei a minha vida e o meu trabalho a serviço do povo, da República e da Federação brasileira.

            O povo não deve ser visto como um “aglomerado” de maltrapilhos, mas como pura expressão de cidadania. As implicações da pobreza, da miséria e do subdesenvolvimento precisam ecoar nas tribunas dos parlamentos brasileiros.

            As distâncias a serem vencidas são: 1ª) A distância entre ricos e pobres, que chamo de distância social; 2ª) A distância entre os Estados, que também chamo de distância federativa; 3ª) A distância física e do conhecimento, chamada distância físico-intelecutal; e 4ª) A distância entre eleitos e eleitores.

            É delas que falarei resumidamente.

            Da distância entre ricos e pobres - a distância social -, tenho a dizer:

            A primeira distância que um político eleito tem que ajudar a vencer é a distância entre ricos e pobres, lutando para aproximar os que têm menos dos têm mais. O verdadeiro exercício democrático exige motivação ideológica, direcionada à paz, ao desenvolvimento, à compreensão, à liberdade, à igualdade e à solidariedade, Do contrário, tudo não passará de uma democracia em sentido formal, vazia de conteúdo, portanto.

            Depois de mais de 600 anos de história, até quando os brasileiros vão continuar permitindo a exploração do homem pelo homem?

            No início, era o colonialismo, em seguida, o imperialismo e a ditadura, e, atualmente, o capitalismo esquizofrênico, a corrupção e o desvio de recursos públicos.

            Não tenho dúvida, que somente um sistema de democrática participativa e constitucional afastará o povo da servidão e o aproximará do exercício do poder livre e consensual. Esse poder deve ser exercido por uma sociedade livre, justa, pluralista e solidária, com inviolável acesso à verdade e com capacidade de educar e civilizar o cidadão.

E caminhando assim, o povo deve manter-se distante de um modelo de sociedade que fortalece a dominação de uma elite reacionária e gera milhões de escravos do poder.

            Trata-se de um imperativo de justiça social que reduza as desigualdades e que eleve os patamares de dignidade de vida dos nossos concidadãos que ainda vivem na miséria, na pobreza e na carência que afrontam a dignidade humana.

            A justiça social não se concretiza com uma luta entre classes, mas com a cooperação solidária entre elas. Não pela defesa de uma sociedade estritamente igualitária, o que seria utópico, mas de uma sociedade mais justa e equilibrada, Sr. Presidente, sem extremos de riqueza e de pobreza. Não de uma sociedade em que se combata a riqueza, particularmente a riqueza honesta, mas em que se redistribua de forma mais justa, o rendimento, em que se combata e erradique - isso sim - a pobreza e a corrupção, lutando por garantir níveis possíveis de bem-estar para todos.

            Enfim, trata-se de evitar aquela situação tão corrente entre nós e de que, de novo, fala, causticamente, Drummond de Andrade, no seu irônico mas verdadeiro poema Repetição:

Aumenta o salário mínimo?

O custo de vida, máximo,

Torna o mínimo mais mínimo

Criando o mínimo máximo.

            Indiscutivelmente, a política precisa transformar-se em um instrumento capaz de diminuir a distância entre os mais pobres e os mais ricos. Os ricos, desde que com honestidade e de forma reta, podem e devem continuar sendo ricos; os pobres honestos é que não podem continuar sendo cada vez mais pobres. A indignação não deve ser contra a riqueza de poucos, mas, sim, contra a pobreza de muitos. Nada nos deve mover contra a riqueza honesta, mas tudo nos deve congregar contra a riqueza desonesta - a pobreza e a miséria, estas, sim, devem ser alvo da indignação de todos.

            Não tenho dúvida, Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, de que, principalmente pela solidariedade e com respeito ao próximo, é possível diminuir e, até mesmo, acabar com a pobreza e a fome e erradicá-la.

            Sabe-se que "O Estado é um agente que impede muitas injustiças, exceto as que ele próprio comete" (Ibn Khaldün). Mas em um Estado democrático de direito, o Estado também se submete ao comando normativo, à força da lei, portanto. Isso porque entre o forte e o fraco, seja na relação entre os cidadãos, seja na relação entre esses e o Estado, a liberdade escraviza e somente a lei pode libertar os mais fracos do jugo e da feroz, desenfreada e ilimitada ambição dos mais fortes.

            A devida fiscalização na aplicação dos recursos públicos é um importante ponto de partida para diminuir a distância social e física entre as pessoas.

            Indiscutivelmente, o povo tem o direito de sair das estradas e das ruas de terra e de barro e conquistar as rodovias e as ruas de asfalto. De deixar de viver nas ruas e nos barros de madeira e em casas de palha para morar em casas de alvenaria em bairros urbanizados. De alimentar-se no mínimo três vezes ao dia - café da manhã, almoço e jantar. De ver o lixo e esgoto sanitário serem tratados em usinas próprias. De estudar em escola pública descente, com ensino compatível com o que é oferecido pela escola particular. De viver do suor do seu trabalho e livre de doenças. Enfim, o povo tem o direito de viver com prosperidade e dignidade.

            Além das estradas asfaltadas e das pontes de ferro e concreto, é preciso construir pontes humanas que irão unir os pobres e os ricos, os fracos e os fortes, os negros e os brancos, os doentes e os sadios, os analfabetos e o mais culto dos seres humanos.

            O político deve transformar-se em um resistente instrumento, com força para auxiliar as pessoas na construção de pontes que aproximem os seres humanos e acabem com todo tipo de discriminação e preconceito.

            Da distância entre os Estados - a distância federativa.

            A distância que existe na sociedade brasileira entre ricos e pobres, em termos individuais e de cidadania tem o seu efeito de espelho em termos de Estado. Também aqui a desproporção de forças, de poder, de influência e de riqueza é abissal entre os Estados considerados mais ricos e os Estados considerados mais pobres.

            Embora passando por um momento de prosperidade e expansão, o Brasil do Século XXI mostra-se tão infeliz e desamparado quanto o Brasil colonial e o Brasil do império. Ainda temos dois, três ou mais “Brasis” dentro da mesma Federação.

            Há uma conspiração silenciosa para que os Estados-membros mais ricos continuem sendo cada vez mais ricos, e os Estados mais pobres continuem sendo cada vez mais pobres. E preciso romper imediatamente com esse ciclo. É preciso apelar para o Governo Federal para que deixe de continuar a ser poderoso na sua impotência de manter tudo como está. Que deixe de ser forte com os fracos e fraco com os fortes, para ser justo com todos. É urgente aproximar essas distâncias, por meio de um esforço de redistribuição de recursos e impostos, promovendo também uma justiça social entre Estados.

            O Brasil do Século XXI configura-se como uma potência de relevo mundial em termos econômicos. Mas não podemos, sem vergonha, assumir esse papel na cena internacional se continuarem a prevalecer assimetrias de desenvolvimento gritantes entre Estados ricos e Estados pobres dentro de uma mesma Federação.

            De que nos serve a afirmação como potência econômica no plano mundial, se há Estados brasileiros com níveis de desenvolvimento próximos da miséria? De que nos serve sermos uma potência com afirmação mundial em termos de energia e de aeronáutica, se muitos dos nossos concidadãos dos Estados mais pobres vivem abaixo da linha da pobreza? Citando um célebre discurso de Churchill, "há pouca glória num império que pode dominar as ondas, mas é incapaz de tratar os seus esgotos".

            Já com relação à redução da distância federativa existente entre os Estados mais ricos e os Estados mais pobres da federação, exige-se uma ampla discussão do pacto federativo brasileiro.

            Diferente do modelo americano (de federação centrípeta), a federação brasileira é centrífuga, ou seja, partindo de um Estado unitário chegou-se à federação. Nessa condição, naturalmente, as principais competências tributárias permanecem concentradas nas mãos do Poder Central (da União), a quem caberá a repartição tributária aos Estados-membros e ao Distrito Federal. E, nesse ponto, é absolutamente desigual o combate entre os Estados mais pobres e os Estados considerados mais ricos e estrategicamente importantes numa mesma federação.

            A escassez e a timidez no repasse de recursos aos Estados considerados mais fracos e menos interessantes ao desenvolvimento do país, aliada à falta de maior compromisso do Governo Federal com o desenvolvimento desses Estados, aumentam, sobremaneira, a distância federativa. Essa distância acaba contribuindo com os pequenos índices de crescimento, de progresso e de desenvolvimento desses Estados, e, consequentemente, com a pobreza e com a miséria de seus habitantes, de sua gente.

            Os desvios dos recursos nos Estados menos favorecidos, assim considerados o assalto aos cofres públicos e ao dinheiro do povo, aumentam, ainda mais, a distância entre Estados menos e mais afortunados. Disso, não tenho dúvida.

            Com a ausência de informações, com a precariedade da educação e com a generosidade dos eleitores, as oligarquias familiares e um novo estilo de coronéis proliferam-se e multiplicam-se nos Estados mais pobres, que passam a ser terreno fértil a essas práticas. Nesse ambiente propício, alguns políticos passam a ser agricultores que semeiam a fome, a miséria e a pobreza, que passam então, nesse contexto, a serem vistas com inadmissível naturalidade. E isso precisa mudar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Não tenho dúvida.

            É preciso permitir que todos os brasileiros, inclusive os filhos do "Seu" Zé, do "Seu" Pedro, do "Seu" João, do da Silva, da D. Tiana e da D. Maria, entre tantos outros brasileiros humildes, também possam candidatar-se, ser eleitos e construir o bem, um país mais justo e menos desigual.

            A fome, a miséria e a pobreza precisam ser vistas sempre com olhos de indignação e revolta; jamais com naturalidade.

            É uma distância que tem de ser superada por melhores ligações físicas...

            Desculpem.

            O desvio do dinheiro do povo, dos recursos que, embora insuficientes ao desenvolvimento e crescimento dos Estados mais pobres, podem diminuir a dor, a angústia e o sofrimento de milhares de pessoas.

            Falo agora da distância física e de conhecimento, a chamada distância físico-intelectual.

            A terceira distância que é preciso corrigir, num país de dimensão continental como o Brasil, é a distância física, em termos de infraestrutura, que separa os seus Estados, os seus Municípios e os seus cidadãos. É uma distância física, mas não é apenas isso, é muito mais: é uma distância de informação e de conhecimento.

            É uma distância que tem que ser superada por melhores ligações físicas, de ferrovias, de estradas, de ligações marítimas, fluviais e aeroportuárias, mas também, e sobretudo, de ligação pelas autoestradas da informação e do conhecimento, por aquilo a que os sociólogos modernos chamam de "os nós das redes".

            É a via do saber e do conhecimento que nos aproxima do labirinto da luz e nos afasta do poder das trevas, daquilo a que alguém chamou o "tempo de progressão da obscuridade".

            O caminho do conhecimento é o verdadeiro caminho da transformação. O conhecimento conduz ao saber, do saber à mudança e, depois, ao progresso.

            Falo sobre a última distância: a distância entre eleitores e eleitos, a chamada distância política.

            Há outra distância que tem que ser vencida no Brasil e pela qual passa, em grande parte, a reabilitação da política democrática, sempre sujeita aos ataques da demagogia: aquela que separa eleitos de eleitores, aqui denominada de distância política.

            Todos sabemos que uma das causas de maior descontentamento nas democracias é a acusação, nem sempre justa, feita a muitos políticos de só se lembrarem dos seus eleitores na hora de lhe pedirem o voto.

            A ligação entre eleito e eleitor não pode, por isso, Sr. Presidente, resumir-se ao período eleitoral, ao dia da eleição e pouco mais. O esforço de comunicação com os eleitores tem que ser permanente, ouvindo as suas queixas, angústias, sofrimentos e aspirações legítimas e, por sua vez, prestando-lhes conta do seu trabalho e das suas ações e intervenções.

            Mandato de atenção, sabendo ouvir, mas mandato de exigência e independência. O político precisa ser independente, justo e imparcial, devendo permanecer longe das querelas partidárias, regionais e locais. A melhor maneira de honrar e retribuir os milhares de votos que recebeu é manter-se próximo do certo, do honesto e da verdade e longe de tudo que possa prejudicar o povo.

            Somente juntos, com respeito, diálogo e com retidão de conduta, os políticos, de oposição e situação, não importa, o povo e as autoridades encontrarão uma solução para os problemas que tentam arrastar o Brasil para índices negativos em vários setores.

            Termino com a afirmação de uma convicção, que é também um compromisso solene: é possível administrar o bem público com honestidade, retidão e respeito ao próximo. A força do voto popular e o pleno exercício da cidadania podem transformar a vida do povo brasileiro. Basta que, nas eleições, os eleitores escolham candidatos absolutamente comprometidos com o bem e com a felicidade do povo.

            A política está ligada à ideia de liberdade. O objetivo da política é garantir e proteger a vida no sentido mais amplo; é a busca constante da felicidade dos concidadãos, dando-se efetividade aos princípios, ações, gestos e fundamentos inerentes à dignidade humana.

            A grande transformação do Brasil, Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, não depende mais de uma revolução, de canhões, armas, golpes, exércitos e baionetas. Depende unicamente do pleno exercício da cidadania, do direito e da força do voto consciente. E isso os brasileiros já conquistaram.

            Trabalhando por essa mudança e pela redução das quatro distâncias referidas, espero contribuir para um Brasil melhor.

            Muito obrigado a todos.

            Tenham todos uma boa tarde.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/11/2012 - Página 63347