Discurso durante a 223ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do centenário de nascimento do compositor e cantor Luiz Gonzaga.

Autor
Rodrigo Rollemberg (PSB - Partido Socialista Brasileiro/DF)
Nome completo: Rodrigo Sobral Rollemberg
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do centenário de nascimento do compositor e cantor Luiz Gonzaga.
Publicação
Publicação no DSF de 04/12/2012 - Página 65375
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO DE NASCIMENTO, LUIZ GONZAGA, MUSICO, ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), ELOGIO, OBRA MUSICAL, IMPORTANCIA, COMPOSITOR, CULTURA, PAIS.

            O SR. RODRIGO ROLLEMBERG (Bloco/PSB - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Sr. Presidente desta sessão, Senador João Vicente Claudino, prezado Senador Inácio Arruda, Senador Ciro Nogueira, Deputado Federal Osmar Júnior, Senador Cristovam Buarque, Sr. Aurélio Melo, mestre da Orquestra Sinfônica de Teresina, Sr. João Cláudio Moreno, Fagner, Chambinho do Acordeon, que nos honram com suas presenças, quero, de forma muito especial, cumprimentar o diretor de teatro B. de Paiva, que muito nos honra com sua presença e, em nome dele, cumprimentar todos os artistas aqui presentes.

            Luiz Gonzaga foi, sem dúvida, o maior expoente deste celeiro musical chamado Brasil. Além de ser o maior difusor da sanfona no País, reuniu em sua música elementos de todas as três matizes culturais do povo brasileiro: a sanfona, herdada da música europeia, mas já apropriada pelas feiras e festas populares do Nordeste brasileiro; o ganzá, de origem indígena; e a zabumba, que, mesmo sendo autenticamente brasileira, tem sua base na herança da rítmica africana.

            Com um talento raro, musicalidade autêntica, acurada rítmica e um vastíssimo repertório poético-melódico, Luiz Gonzaga herdou a sanfona no sertão de Pernambuco, em uma pequena cidade chamada Exu. Aprendeu a tocar vendo e ouvindo o pai, o sanfoneiro Januário dos Santos, que animava bailes e consertava foles.

            Foi pela força extraordinária, mas também trágica, da aridez nordestina, que Luiz Gonzaga fez da sanfona universal um instrumento de afirmação nacional e, principalmente, do Nordeste brasileiro, como narrativa pessoal que reveste de poder uma região e uma cultura.

            Pela voz de Luiz, o Brasil se descreve pela cultura nordestina, pelos sertões, pelos festejos, pela natureza, pelo futebol, pelos doutores semiletrados e coronéis, pelos cordéis e repentistas, pelo cangaço, pela reforma agrária, pelos caboclos, rezadeiras, contadores de histórias, pela paisagem pernambucana, pelas águas, matos, caminhos, chuvas e secas.

            Luiz é a bandeira do Sertão nordestino, em que tremula o Brasil inteiro.

            Neste ano em que celebramos o centenário do seu nascimento, esse sentido e esse sentimento de brasilidade presentes em sua obra ficaram ainda mais evidentes. Temos celebrações em todo o País, com releituras diversas, reapropriações feitas até em rap e rock, além de obras belíssimas publicadas, como o livro publicado pelo artista Bené Fonteles, que também assinou a curadoria de uma extraordinária exposição que está aqui em Brasília, até o dia 5 de dezembro - apenas mais alguns dias -, no Palácio do Planalto. Para quem não foi, vale realmente a pena conferir.

            Assim como também vale a pena assistir ao filme de Breno Silveira, Gonzaga - de Pai para Filho, que nos mostra uma face mais íntima e intensa da vida de Lula, seus altos e baixos, e a delicada relação com seu filho, também cantor e muito talentoso, o saudoso Gonzaguinha.

            Além disso, diversas releituras e recriações da obra de Luiz Gonzaga ganharam o cenário nacional. Tivemos uma adaptação extremamente sofisticada da obra com direção do músico Chico César. Os forrós, baiões, xotes, toadas, xaxados, cocos e xeréns foram transformados por esse grande músico paraibano, pelas cordas dos violinos, do violoncelo, da viola clássica e do contrabaixo acústico do Quinteto da Paraíba. Mesmo sendo uma apresentação com instrumentos eruditos, o que surpreende foi ver, naquele espetáculo, a força da verve popular pela erudição, a sofisticação da obra de Gonzaga, os matizes europeus, indígenas e africanos, deglutidos e devolvidos numa musicalidade autêntica, expressiva e requintada, tanto pela dimensão melódica quanto na rítmica, simbólica e poética.

            Gonzaga não era para amadores. Sua sofisticação estava na simplicidade, saía do mais do mesmo, com criações arrojadas, mas de grande apelo popular. Fundia maxixe e o choro, xote e xaxado e tantos outros gêneros musicais num caminho de afirmação criativa. Já no início da carreira, apropriou-se, com uma linguagem própria, do repertório "gringo" dos tangos, boleros, valsas e foxtrotes, ainda nos anos 40, época em que o País vivia o boom hollywoodiano do sonho dos musicais, vindos a bordo da Política da Boa Vizinhança, pós 2ª Guerra Mundial.

            Mas ele também traçou um verdadeiro caminho de superação, quando assumiu as suas raízes e passou a cantar a sua terra, a sua origem nordestina, o que abriu vias importantes para a consolidação de um movimento popular contemporâneo brasileiro que se encaixava fora da redoma folclorista ou dos dogmas paraideológicos que sempre tiveram pretensão de “organizar o Carnaval” e as expressões do povo.

            E o mais interessante foi que ele fez tudo isso sem perder a dimensão universal, global. Não por acaso teve tanto sucesso no exterior. Ao cantar os rios, o mar, o dia e a noite, o chão e o céu, a vida e a morte, as plantas, os pássaros, as tristezas e alegrias, o amor e o ódio, o branco e o negro, a sabedoria, a esperança, a espiritualidade, o silêncio, Gonzaga cantou também o mundo, cantou sentimentos, cantou a vida, cantou a humanidade.

            O que me chamava muito a atenção em Luiz Gonzaga - e eu sou apaixonado pela obra de Luiz Gonzaga - é a sua extrema versatilidade. Ele tinha um fino humor. Por exemplo, o Senador Cristovam colocou aqui como era forte na sua música a ligação com o jumento. E eu me lembrei de uma cena em que ele relata, em uma música, como se o jumento tivesse entrado em uma roça de milho e falado: “Luiz, comi seu milho, e como, e como, e como”. Ou quando ele se refere, como se estivesse se referindo a uma namorada - a música gera suspense -:

É meu xodó,

É meus amô

Ela me acompanha

Pelos canto adonde eu vou

É companhia de qualidade

É de confiança e tranquilidade

            E ele está se referindo à sua égua, em que ele ia para a feira.

            Ele descrevia também, como ninguém, a vida de um vaqueiro, de um pequeno vaqueiro do Nordeste brasileiro, quando ele se refere, por exemplo, chegando ao final da casa, quando vai guardar sua boiada, que “são dez cabeças, é muito pouco, é quase nada, mas não tem outras mais bonitas no lugar”. Ele se refere sendo recebido pelos seus filhos que “são dez fiinho, é muito pouco, é quase nada, mas não tem outros mais bonitos no lugar”.

            Era um romântico, quando em Assum Preto ele se compara ao Assum Preto que canta, triste, porque perdeu os olhos. E ele se compara, dizendo que “roubaram meu amor, que era a luz dos olhos meus”. Mas era também de uma força social muito grande. Talvez essa tenha sido a questão mais marcante do Luiz Gonzaga. E quando ele, em Asa Branca - ele que é uma pessoa muito ligada à religião e a Deus -, não consegue entender o porquê e pergunta a “Deus do céu por que tamanha judiação” com o Nordeste brasileiro, naquele momento de seca profunda. Como disse muito bem o Senador Inácio Arruda, é este momento que, infelizmente, o Nordeste brasileiro vive mais uma vez.

            E ele diz, com muita força, que eles agradecem a ajuda dos sulistas, naquela seca do Sertão, mas mostrando uma força muito grande, um conteúdo social muito grande. Ele diz, como já foi dito aqui, que “uma esmola, para o homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.

            O Senador Cristovam foi muito feliz ao descrever as inúmeras virtudes, os inúmeros ensinamentos, a imensa versatilidade de Luiz Gonzaga. Portanto, fico muito feliz e muito honrado de ver o Senado brasileiro, hoje, homenageando essa figura.

            Um centenário como o de Luiz Gonzaga tanto tem a nos ensinar não só pela sua trajetória pessoal, mas pela inestimável herança cultural e atualidade em que ela se manifesta. E, hoje, depois de 100 anos de seu nascimento, podemos dizer, sem nenhuma dúvida, que Luiz Gonzaga foi não somente o Rei do Baião, mas ele é patrimônio cultural da humanidade.

            Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/12/2012 - Página 65375