Discurso durante a 224ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas ao contrato celebrado entre empresa de Cingapura e o Governo do Distrito Federal para o planejamento de desenvolvimento deste para os próximos cinquenta anos.

Autor
Rodrigo Rollemberg (PSB - Partido Socialista Brasileiro/DF)
Nome completo: Rodrigo Sobral Rollemberg
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF).:
  • Críticas ao contrato celebrado entre empresa de Cingapura e o Governo do Distrito Federal para o planejamento de desenvolvimento deste para os próximos cinquenta anos.
Aparteantes
Aloysio Nunes Ferreira.
Publicação
Publicação no DSF de 04/12/2012 - Página 65554
Assunto
Outros > GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF).
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), CONTRATAÇÃO, AUSENCIA, LICITAÇÃO, EMPRESA DE ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, SINGAPURA, REFERENCIA, ELABORAÇÃO, PLANEJAMENTO, PROJETO, URBANIZAÇÃO, BRASILIA (DF).
  • REGISTRO, MANIFESTAÇÃO, FEDERAÇÃO, ASSOCIAÇÕES, ARQUITETO, CATEGORIA PROFISSIONAL, DISCORDANCIA, REALIZAÇÃO, CONTRATO, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), EMPRESA INTERNACIONAL.

            O SR. RODRIGO ROLLEMBERG (Bloco/PSB - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, volto a esta tribuna para falar de um tema sobre o qual já tratei aqui: o contrato realizado pelo Governo do Distrito Federal, sem licitação, com uma empresa de Cingapura para fazer o planejamento do desenvolvimento do Distrito Federal para os próximos 50 anos. E o faço, Srªs e Srs. Senadores, para registrar que a União Internacional de Arquitetos fez duras críticas a esse projeto, bem como a Federação Panamericana de Associações de Arquitetos, que aprovou um documento contra a decisão do Governo do Distrito Federal de contratar, sem licitação, essa empresa de Cingapura.

            Ao final, lerei a manifestação da Federação Panamericana de Associações de Arquitetos, mas o que é lamentável, extremamente lamentável, é que isso tudo está ocorrendo, Senador Aloysio Nunes, às vésperas de Brasília comemorar 25 anos de seu reconhecimento como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco, exatamente pela singularidade do seu projeto, pelo arrojo, pelo talento, reconhecidos mundialmente.

            É importante frisar - e as trouxe aqui - algumas manifestações de pessoas muito qualificadas, que estão fora da disputa política, que demonstram claramente a falta de visão histórica do Governador do Distrito Federal, a falta de capacidade de compreender o que significa Brasília como inovação no urbanismo brasileiro, indo buscar numa empresa em Cingapura, sem licitação, sem consultar ninguém, uma solução, uma fórmula mágica para o desenvolvimento do Distrito Federal nos próximos 50 anos.

            O interessante, Senador Aloysio, é que, às vésperas de completar 25 anos como Patrimônio Cultural da Humanidade, na contratação dessa empresa - uma contratação obscura, cuja cópia eu e o Senador Cristovam Buarque solicitamos formalmente e até hoje nada recebemos formalmente -, não há uma única referência ao fato de Brasília ser Patrimônio Cultural da Humanidade.

            Isso me levou a crer que, numa demonstração de bom senso diante das diversas manifestações da sociedade local e de personalidades da arquitetura e do urbanismo brasileiro e mundial, o Governador pudesse voltar atrás nessa decisão equivocada. Mas não; pelo contrário, assumiu uma postura agressiva, atacando quem criticava o projeto, inclusive como se essa posição fosse fruto de ignorância ou provincianismo.

            Eu vou ler alguns dos comentários que esses grandes arquitetos, representantes de instituições nacionais e internacionais, fazem a respeito desse contrato com uma empresa de Cingapura.

            O jornal O Estado de São Paulo trouxe uma matéria bastante completa com o título “União Internacional de Arquitetos crítica parceria DF-Cingapura”, bem assim O Globo, que, no dia de ontem, também veicula matéria tratando desse contrato sem licitação.

            E ali se diz:

A carta, que será encaminhada à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), expressa preocupação em relação às "consequências negativas - e certamente irremediáveis - à cultura" e reafirma o "caráter simbólico exemplar da capital, cujo futuro não há de ser projetado por gestos mágicos traçados desde pranchetas distantes [bem distantes], mas por um processo permanente". Também reitera a "compreensão de que o planejamento territorial e urbano é tarefa indissociável do exercício da soberania política", destacando a "alta qualificação dos arquitetos e urbanistas brasileiros, capazes de exercer com eficiência as tarefas de planejamento do território de seu País".

            Eu começo a pensar, Senador Aloysio Nunes, que, por trás desse contrato sem licitação, existem interesses econômicos, também não declarados, que serão beneficiados com a implementação desse projeto. Vejam bem que um dos projetos que essa empresa de Cingapura vai realizar é a concepção de um centro financeiro internacional em Brasília. Não há nenhuma referência, nesse documento, a que Brasília se transforme num centro turístico internacional, que é uma grande vocação desta cidade como Patrimônio Cultural da Humanidade, mas a de ser um centro financeiro internacional.

            Eu vou solicitar aos órgãos do Distrito Federal qual foi o estudo realizado - se é que há algum estudo - que identificou essa vocação de Brasília para ser um grande centro financeiro internacional. E não quero aqui me manifestar de antemão contra. Eu apenas quero saber o que levou o Governo do Distrito Federal a entender essa como uma vocação de Brasília. E quero saber onde será implementado esse centro financeiro internacional. Porque, muito provavelmente, Senador Aloysio, pela insistência do Governo nesse projeto, sem nenhuma transparência, alguns interesses econômicos e imobiliários, que estão próximos de onde será implantado esse centro financeiro internacional, deverão ser privilegiados.

            Eu quero aqui registrar uma declaração do Presidente da União Internacional de Arquitetos, o francês Albert Dubler. Diz ele, Senador Aloysio, “O mundo inteiro olha para Brasília e eles [se referindo ao GDF] vão olhar para Cingapura”. Enquanto o mundo inteiro olha para Brasília como uma realização excepcional do talento brasileiro, o Governador do Distrito Federal olha para Cingapura, como se Cingapura fosse o suprassumo e tivesse as características para ditar o nosso futuro.

            Mas diz mais o Presidente da União Internacional dos Arquitetos:

            “É algo completamente surpreendente, por várias razões”. Segundo Dubler,a primeira razão é política. “O Brasil é um país democrático e Cingapura, não; então existe um desequilíbrio”. A segunda é a própria arquitetura: “Brasília é um exemplo para arquitetos do mundo inteiro. Não sei para quem Cingapura é um exemplo” - declaração do Presidente da União Internacional dos Arquitetos, o francês Albert Dubler. “Então, é como se chamássemos o McDonald’s para fazer um restaurante de gastronomia na França”.

            Eu acho que não há comparação melhor para o que o Governo do Distrito Federal, mostrando que não tem a compreensão da dimensão histórica de Brasília, que é a capital do nosso País. È, de fato, como se estivesse chamando o McDonald’s para projetar um centro de gastronomia na França.

            E ele conclui: “A superfície de Cingapura é do tamanho de Maceió. É surpreendente que tenham procurado uma empresa assim para fazer uma projeção de longo prazo para uma metrópole que foi escolhida para ser a capital do seu País”. Esta, a opinião do Presidente da União Internacional de Arquitetos.

            E ele completa:

“Há cinquenta anos, quando foi tomada a decisão política de construir Brasília, outras cidades foram criadas, como as que estão em torno de Paris. Todas essas iniciativas encontraram dificuldades depois de certo tempo. Quando analisamos essas dificuldades, vemos que não podemos resolvê-las sem consultar a população”, acrescenta o arquiteto. “É preciso ter governança. Não imagino como esse diálogo vai acontecer com Cingapura. Ter uma ideia de projeto representa 5%; o desenho, 10%; mas 85% é discutir com as pessoas. Para fazer isso temos de convencer a população do projeto”.

            E aí está a questão. Esse contrato foi encomendado, Senador Aloysio, sem que nenhuma pessoa de Brasília soubesse, sem que nenhuma instituição fosse consultada - o IAB, o Iphan, a Universidade de Brasília, a Católica, o Ceub, o setor produtivo, as entidades representativas dos trabalhadores. E, num dia só, esse contrato foi aprovado em três instâncias na Terracap e, no dia seguinte, no Conselho da Terracap. De repente, aparece o Governador em Cingapura com contrato assinado com a empresa que vai fazer o planejamento do desenvolvimento de Brasília para os próximos 50 anos.

            Mas não é só o Presidente da União Internacional de Arquitetos que critica. Vou, aqui, agora, citar o nosso querido João Filgueiras Lima - o Lelé Filgueiras -, conhecido arquiteto brasileiro, com uma forte ligação com Brasília, reconhecido mundialmente, autor dos projetos do Sarah, entre vários outros, e grande colaborador de Niemeyer, que diz que é lamentável. Refere-se a esse contrato dizendo: “Acho lamentável a proposta para acompanhar o planejamento da cidade por 50 anos. Não existe quem seja vidente ou faça ficção científica, e ainda é um planejamento que envolve um país que não tem afinidades culturais conosco”. Essa é a opinião do Lelé Filgueiras, que, na visão do Governador Agnelo, deve ser um provinciano, pois todos os que estão criticando os projetos são assim chamados; porém, é uma pessoa respeitada e conceituada em todo o mundo.

            Mas diz também o Presidente do IAB nacional, Sérgio Magalhães:

Planejar-se o futuro de Brasília, a partir de pranchetas localizadas em Cingapura, é um ato de lesa-cultura. O País não pode dar a si mesmo um atestado de deslumbramento ingênuo ante expressões urbanísticas e arquitetônicas de outro contexto e de outra cultura, as quais, aliás, e com todo o respeito, se apresentam como transplantadas dos países mais desenvolvidos.

            Ou seja, é a velha ideia da subserviência! É impressionante a falta de compreensão histórica de Brasília, porque Brasília exatamente rompeu com essa visão de o bom era o de fora. Uma das questões que caracterizou Juscelino naquele momento de efervescência cultural e política brasileira foi valorizar o talento brasileiro, reunindo o que há de melhor no talento brasileiro: JK, Oscar Niemayer, Lúcio Costa, Athos Bulcão, Burle Marx. Essa é a grande característica de Brasília; foi isso que fez de Brasília - e vamos comemorar agora sexta-feira - a primeira cidade moderna considerada patrimônio cultural da humanidade. E o Governador do Distrito Federal, numa visão pequena, subserviente - e tomara que seja só isso -, submete-se a um contrato feito dessa forma com uma empresa de Cingapura.

            Ouço com muita alegria o Senador Aloysio Nunes.

            O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco/PSDB - SP) - Muito obrigado Senador Rollemberg. Este aparte não o faço com muita alegria, mas com constrangimento, porque me parece que esse episódio, já tratado por V. Exª assim como pelo Senador Cristovam Buarque aqui no Senado, é profundamente constrangedor. Constrangedor porque revela tamanha estreiteza mental por parte do Governador do Distrito Federal, que me faz pensar que por trás desse contrato, firmado sem licitação com uma empresa de Cingapura, não há nada de mais caviloso ou cabeludo. É simplesmente uma besteira; trata-se de uma besteira. Logo depois do golpe de 64, o jornalista Sérgio Porto - que usava para esse efeito o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta - criou uma coluna nos jornais em que ele verberava a burrice imperante no País. Ele chamou essa seqüência de asneiras cometidas pelo governo militar como Festival de Besteiras que Assola o País (Febeapá). É digno de figurar esse episódio no Febeapá do Sergio Porto, porque, como bem diz V. Exª, o planejamento urbano tem que ser uma expressão orgânica da cidade; tem que ser o resultado da interação entre o planejador, o técnico, a prancheta e a inteligência, a vida, a vida real; exige diálogo, exige compreensão profunda da história, da dimensão cultural da vida urbana, das suas dimensões econômicas reais e não apenas imaginárias. Vamos criar aqui um centro financeiro internacional; e, por que não, um centro de peregrinação religiosa? Quer dizer, isso não acontece assim simplesmente no desenho de um técnico ou numa planilha elaborada em um escritório de consultoria. O planejamento urbano surge da interação entre o técnico e a cidade. O técnico que não tem diálogo com a vida da cidade não serve para fazer esse trabalho. Então, creio que isso é simplesmente uma besteira, um desperdício de dinheiro público. Já está atraindo para Brasília um tipo de curiosidade que eu preferia que não atraísse, como essa expressa pelo Presidente da União Internacional de Arquitetos, que diz muito bem que o deslumbramento com o estrangeiro é a pior forma de provincianismo. Macaquear dessa forma uma experiência estrangeira, que nada tem a ver com realidade de Brasília, é quase que um insulto aos macacos. Por isso, Senador Rollemberg, com tristeza, venho fazer essa nota de rodapé ao seu discurso, torcendo ainda para que o Governador do Distrito Federal mude de ideia e adote métodos mais ortodoxos, convencionais e corretos, discutindo com a cidade, em todas as suas dimensões, as pautas para o planejamento de seu futuro. Muito obrigado.

            O SR. RODRIGO ROLLEMBERG (Bloco/PSB - DF) - Muito obrigado, Senador Aloysio Nunes. Incorporo as suas colocações ao meu pronunciamento. Também desejo que o Governador volte atrás nessa insensatez.

            Passo aqui também a manifestar a opinião do jornalista e embaixador Pedro Luiz Rodrigues, que hoje escreve na coluna do Cláudio Humberto, em que num parágrafo diz:

Mas, em se tratando do envolvimento de recursos públicos relativamente expressivos (mais de oito milhões de reais), assinar um contrato dessa natureza sem que se sigam os procedimentos que buscam assegurar plena transparência à operação, parecerá aos brasilienses uma ação moralmente inadequada.

            A minha maior preocupação, Senador Aloysio, é com o desdobramento disso. Vamos dize que essa empresa conclua e vá definir onde a cidade terá um novo aeroporto, onde terá um centro financeiro. E as implicações que essas coisas terão no futuro do Distrito Federal a partir da valorização imobiliária de determinadas áreas, de determinadas vocações que não são da cidade? Vai-se gastar dinheiro buscando incentivar isso, e por aí vai.

            E por fim, Senador Alvaro, que preside a sessão, eu vou ler, para ficar registrado nos Anais desta Casa, a carta da Federação Panamericana de Associações de Arquitetos, entidade de representação de todos os arquitetos das Américas.

A Federação Panamericana de Associações de Arquitetos, entidade de representação de todos os arquitetos das Américas, reunida em seu XXIV Congresso Panamericano de Arquitetos, que se realizou em Maceió, Estado de Alagoas, Brasil, tomando conhecimento do contrato realizado entre o Governo de Brasília e empresa de consultoria de Cingapura, para a elaboração do chamado “Plano Brasília 2060”, que pretende traçar os Planejamentos Estratégicos e Planos Diretores Setoriais para a Região de Brasília, considerando:

1. A dimensão simbólica de Brasília para a cultura mundial;

2. Sua dimensão política, como instrumento de afirmação da soberania de um país americano até então em busca de seus melhores destinos;

3. O especial momento em que vive o Brasil, de consolidação de uma economia pujante e de pleno exercício democrático;

4. O reconhecimento internacional de Brasília como “Patrimônio Cultural da Humanidade”;

Resolve:

1. Expressar ao Governo da República Federativa do Brasil sua preocupação quanto às consequências negativas - e certamente irremediáveis - à cultura americana e universal da intervenção de uma empresa de Cingapura para planejar os próximos cinquenta anos de Brasília.

2. Reafirmar o caráter simbólico exemplar da capital brasileira, cujo futuro não há de ser projetado por gestos mágicos traçados desde pranchetas distantes, mas por um processo permanente de concepção-desenho-participação, condição essência do desenvolvimento de cidades democráticas.

3. Destacar a alta qualificação dos arquitetos e urbanistas brasileiros, reconhecida internacionalmente, capazes de exercer com eficiência as tarefas de planejamento do território de seu país.

4. Reiterar a compreensão dos arquitetos americanos de que o planejamento territorial e urbano é tarefa indissociável do exercício da soberania política, expressão da cidadania.

Maceió/AL, novembro de 2012.

            Era esse o registro, Sr. Presidente, com as manifestações do Presidente da União Internacional de Arquitetos, o Sr. Albert Dubler, com a manifestação do Sr. Sérgio Magalhães, Presidente do IAB nacional, com a manifestação do jornalista e embaixador Pedro Luiz Rodrigues, com a manifestação do querido Arquiteto Lelé Filgueiras, para alertar o Distrito Federal no sentido de que é lamentável, absolutamente lamentável, no momento em que deveríamos estar celebrando os 25 anos de Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade, provocando uma reflexão interna sobre qual a contribuição que Brasília pode dar ao Brasil, neste novo momento que o País vive, estamos aqui lamentando uma postura sem dimensão histórica, uma postura subserviente - e, aí sim, provinciana - do Governo do Distrito Federal, que vai buscar em Cingapura a solução, as alternativas para o nosso desenvolvimento econômico.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/12/2012 - Página 65554