Discurso durante a 225ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Referência à reestruturação do ICMS, tratada na reforma tributária proposta pelo Governo Federal.

Autor
Armando Monteiro (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/PE)
Nome completo: Armando de Queiroz Monteiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
Outros:
  • Referência à reestruturação do ICMS, tratada na reforma tributária proposta pelo Governo Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/2012 - Página 66216

            O SR. ARMANDO MONTEIRO (Bloco/PTB - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho a esta tribuna, no dia de hoje, tratar de um tema que me parece extremamente importante para o País, que irá contribuir para repactuar nossa Federação e, ao mesmo tempo, melhorar a competitividade da nossa economia. Refiro-me à reestruturação do ICMS, questão central na estratégia da reforma tributária, ainda que fatiada, proposta pelo Governo Federal, que hoje, inclusive, foi objeto de discussão na reunião da Comissão de Assuntos Econômicos com o Exmo Sr. Ministro da Fazenda, Guido Mantega.

            Individualmente, o ICMS é o principal tributo do País, com arrecadação equivalente a 7% do PIB e que, ao longo dos seus 46 anos de existência, acumulou profundas distorções, que o afastaram de sua concepção original, que era a de um imposto clássico de valor adicionado, com elevado grau de neutralidade tributária e dotado ainda de eficiência arrecadatória. Com 27 legislações diferentes, instrumento da competição fiscal nociva que se instalou, ele foi ainda, por conta desses desvirtuamentos, catalisador de uma insegurança jurídica que afasta, inibe e paralisa os investimentos. Por tudo isso, o ICMS precisa ser urgentemente reformado.

            Sr. Presidente, com a Constituição de 1988, os Estados ampliaram sua autonomia para legislar sobre o ICMS, ao mesmo tempo em que os instrumentos federais voltados para a promoção do desenvolvimento regional foram se tornando cada vez mais débeis.

            Além disso, o Confaz, que é o órgão de representação dos Estados, esse Conselho Fazendário onde todos os Estados se representam, não foi capaz de garantir a sua função essencial, que é a de harmonização das políticas tributárias estaduais. Assim, o País assistiu a um processo de competição fiscal predatória que resultou na proliferação de benefícios que foram dados à margem das regras estabelecidas pela Lei Complementar n° 24/75, na diversidade de regimes aplicados à cobrança do imposto e distintos procedimentos para reconhecimento de créditos tributários gerados em decorrência das exportações.

            Assim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com a economia cada vez mais competitiva, o peso assumido pelo ônus tributário nas decisões locacionais de investimento e de geração de empregos assume um papel decisivo, digo mesmo crucial. E o ICMS, concebido originalmente como Imposto de Valor Adicionado, passou a ser utilizado intensivamente como instrumento quase que exclusivo na atração de empreendimentos com o objetivo de promover o desenvolvimento regional.

            Para recuperar o seu poder arrecadatório, os Estados, que, de alguma maneira, foram compelidos a promover renúncias fiscais, passaram a privilegiar a busca da produtividade fiscal usando recursos que, ao fim e ao cabo, afetam de forma danosa a nossa competitividade.

            Trata-se, por exemplo, da aplicação de elevadas alíquotas em insumos básicos. Por exemplo, na área de combustíveis, de energia elétrica e de telecomunicações, os Estados, para compensar perdas de arrecadação, foram elevando ao longo do tempo as alíquotas desses insumos básicos, o que significa dizer que, dessa forma, fomos encarecendo o custo desses insumos para a produção.

            Por exemplo, as alíquotas de ICMS variam, na maioria das vezes, de 25% a 30% - estou falando de alíquota nominal - sobre a distribuição da energia elétrica. E o peso desse tributo é estimado em quase 47% na carga tributária consolidada do setor elétrico.

            Os setores mais prejudicados são aqueles intensivos nesses insumos, que não são inclusive tributados em etapas posteriores, ou seja, aqueles setores que, por exemplo, estão voltados para exportação. Eles acumulam créditos quando adquirem esses insumos e não têm como compensá-los, porque evidentemente, na exportação, eles são isentos desse tributo.

            Então, passamos a ter um sistema de acúmulo de créditos que, de alguma maneira, representam um acréscimo de custo das empresas. Além disso, de forma anacrônica, o ICMS onera os investimentos.

            Sr. Presidente, poucos são os países que se dão ao luxo de tributar o investimento. Não há tributação mais irracional do que essa, porque a experiência internacional demonstra que os países desoneram os investimentos para torná-los mais baratos, de modo a estimular a produção que decorre desses investimentos e, aí sim, tributando o produto que advém desses investimentos. O Brasil faz o contrário; o Brasil começa por onerar o investimento.

            Para que V. Exª tenha uma ideia, uma mesma planta para a produção, por exemplo, de papel e celulose, que é intensiva de capital, se ela se localizar no Chile, a mesma unidade custa menos, entre 17% e 18%, do que no Brasil, porque lá eles ou conferem imunidade tributária ou diferem o imposto, ou seja, o empresário só passa a pagar aquele tributo quando a unidade entra em operação. No Brasil, quando se inicia o projeto e se adquirem as máquinas, antes mesmo de produzir, o empresário já está pagando o tributo no investimento. E, no caso do ICMS, que é o principal tributo, quando se adquire uma máquina, o Estado só devolve esse imposto que é pago na máquina em 48 meses. Veja que isso se traduz em um custo financeiro que está associado ao carregamento desse crédito por um período tão longo. Portanto, é mais uma - eu diria - das trágicas peculiaridades do Sistema Tributário Nacional, que é disfuncional para a economia, que contém uma irracionalidade que, de alguma maneira, o condena a ser um dos sistemas mais caóticos do mundo.

            Nesse processo, então, para melhorar o ambiente da tributação no Brasil, é fundamental aproveitar toda essa discussão da uniformização das alíquotas interestaduais para também resolver essa questão dos créditos tributários que estão associados aos investimentos.

            Lembro ainda que esse imposto se desfigurou de tal forma, meu caro Presidente, que, embora tendo nascido como um Imposto de Valor Adicionado, ele é - pasme V. Exª - um imposto que contém ainda uma cumulatividade. Por quê? Porque há uma série de créditos que não podem ser compensados no processo produtivo.

            Permita-se exemplificar. Todo o material de consumo que é adquirido nas empresas, no escritório, não pode ser compensado, porque, aqui no Brasil, prevalece o conceito de crédito físico e não de crédito financeiro. Ou seja, só podem gerar crédito aqueles insumos que estão diretamente incorporados ao produto e não aquelas despesas que decorrem, vamos dizer, das atividades de suporte indispensáveis à operação da empresa. Lá fora, por exemplo, na experiência do IVA, que é o Imposto de Valor Adicionado, na Europa, todos os créditos que correspondem à compra de material de consumo, à energia que é consumida no escritório da empresa, tudo isso gera crédito e a empresa, por consequência, só paga o imposto sobre o valor que ela adiciona efetivamente no processo de transformação.

            Outro mecanismo que passou a ser largamente utilizado pelos Estados - e eu diria que de forma perversa - é o da substituição tributária, sobretudo considerando a sua utilização na produção industrial. Daí deriva-se a fixação de margens arbitrárias de comercialização que resultam no aumento do preço final das mercadorias ao consumidor, reduzindo inclusive o capital de giro das empresas, que são obrigadas a antecipar o recolhimento.

            Lembro ainda que com essa indiscriminada utilização do mecanismo da substituição tributária as micro e pequenas empresas estão vendo inteiramente anulados os incentivos que de alguma maneira lhes foram proporcionados com o advento do Regime Simplificado de Tributação, o Simples.

            As empresas que são optantes do Regime Simplificado de Tributação estão sendo alcançadas do outro lado pelo mecanismo da substituição tributária, o que faz com que os benefícios do Simples sejam inteiramente anulados. 

            Adicionalmente, a antecipação de cobrança do diferencial de alíquotas em operações interestaduais para o momento em que o produto cruza as divisas estaduais é fonte adicional de distorção e representa mais uma barreira ao comércio interestadual, ferindo de alguma forma a coesão federativa.

            Observa-se um evidente e perigoso processo de esgotamento da utilização do ICMS como instrumento de atração de investimentos, que se traduz no acirramento dos antagonismos e no enfraquecimento dos interesses comuns entre Estados, ameaçando, como já foi dito, a própria coesão da federação. Portanto, o ICMS ergue barreiras tributárias ao comércio interno, estimula o comércio de Estados de distintas regiões do País com outros países, desarticula cadeias produtivas internas, provoca a perda de segmentos importantes do parque industrial, desestimulando ainda a agregação de valor à exportação de produtos decorrentes da exploração dos nossos recursos naturais, todos esses efeitos deletérios à economia nacional e ao próprio conceito de um federalismo sadio e equilibrado.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é preciso recuperar a concepção original do ICMS, de um imposto de vocação nacional focado no valor adicionado e dotado da indispensável neutralidade tributária. Para tal, é fundamental o papel da União como ente coordenador e árbitro desse processo, assim como foi exercido esse papel no processo de consolidação fiscal, que representou um dos pilares da estabilidade macroeconômica alcançada pelo Brasil.

            O fortalecimento do regime federativo não requer a existência de territórios fiscais distintos como os que foram sendo construídos no Brasil. Os entes federados compõem uma só nação e, portanto, o sistema tributário precisa ser concebido em bases verdadeiramente nacionais.

            Nesse sentido, duas diretrizes na reforma do ICMS são fundamentais: a migração da cobrança para o destino, com a uniformização das alíquotas nas operações interestaduais, o que pode ser feito por projeto de resolução do Senado, e a reconstrução de um aparato legal e institucional que discipline o exercício da autonomia dos Estados na administração e na legislação do imposto, evitando, de forma efetiva, a reedição dessa competição fiscal nociva.

            No primeiro caso está se reduzindo o espaço de munição para a guerra fiscal, dado que o funding tributário para atrair de forma ilegal os empreendimentos cai de forma expressiva com a redução da alíquota interestadual.

            No segundo caso, o projeto de lei complementar apresentado pela Comissão de Especialistas, que foi em boa hora criada pela Presidência desta Casa, propõe soluções para os estímulos fiscais concedidos à revelia do Confaz e propõe a manutenção da regra da unanimidade, por meio de convênio, para a autorização de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais, abrindo uma única exceção, a possibilidade de aprovação por dois terços dos Estados de incentivos fiscais que atendam simultaneamente às seguintes condições: primeiro, a aplicação fica restrita apenas a produtos que saiam das fábricas para outros Estados; que o Estado beneficiário tenha o valor adicionado bruto da indústria de transformação abaixo da média nacional; que o prazo de duração do incentivo não venha a ser superior a 8 anos e que resulte da carga tributária efetiva, equivalente a essa nova alíquota interestadual de 4%.

            Além disso, deve-se fortalecer a função mediadora da instituição responsável pela harmonização tributária estadual, o que, efetivamente, não foi conseguido pelo Confaz. Para que se possam quebrar as resistências e desconfianças com relação à aprovação das propostas é preciso implantar um sistema de compensação fiscal bancado pela União que assegure um processo automático de reposição dessas perdas. É, por assim dizer, um seguro de manutenção das receitas dos Estados. Consagrar um regime de transição para evitar, evidentemente, perdas abruptas. E essa proposta aponta um horizonte de 8 anos para a convergência até essa alíquota de 4%. Fortalecer e efetivar a política de desenvolvimento regional, inclusive nas políticas de caráter nacional, como as políticas industrial, de inovação, de desenvolvimento científico e tecnológico e da educação.

(Soa a campainha.)

            O SR. ARMANDO MONTEIRO (Bloco/PTB - PE) - Eu creio, Sr. Presidente, que o novo conceito de uma política de desenvolvimento regional deve voltar-se para essas áreas que são, por assim dizer, portadoras de futuro. São áreas que poderão oferecer a essas regiões inclusive um diferencial competitivo. E, por tudo isso, as políticas nacionais têm que incorporar essa visão regional.

            Hoje, a política industrial do Brasil praticamente não incorpora, meu caro Senador Lindbergh, essa visão espacial e regional. É hora de fazermos valer esse conceito fundamental de que as políticas nacionais têm que incorporar uma visão regional. 

            É preciso ainda avançar na perspectiva de mudanças em outras questões de cunho federativo, porque essa agenda federativa, em última instância, pode, se bem utilizada, oferecer um processo de compensações cruzadas, de modo a ajudar a consecussão desse objetivo mais amplo, que é o de se buscar, finalmente, a construção de um novo sistema na área do ICMS.

            E, para isso, lembramos a questão que está aqui, sob exame desta Casa, dos novos critérios de rateio do FPE, da mudança do indexador da dívida dos Estados, a questão da própria repartição dos royalties, tudo isso possibilitando a recomposição de instrumentos fiscais e financeiros de uma nova política de desenvolvimento regional, sem prejuízo, no entanto, de alguns fundos e recursos que já são hoje oferecidos a essas regiões, como o FNE e o FNDE, que precisam também ser preservados. E, finalmente, recuperar a capacidade dos investimentos públicos, incentivando a cooperação federativa entre União e Estados com essa visão espacial e regional.

            Para concluir, Sr. Presidente, a agenda federativa se impõe como condicionante para se avançar nas reformas inadiáveis, sobretudo na reforma tributária. Assim como a inflação gerava incertezas, adiava investimentos, distorcia a alocação dos recursos e da produção, o nosso sistema tributário cria disfunções significativas que comprometem, que minam a competitividade da economia nacional.

            A insegurança jurídica decorrente das incertezas com relação à convalidação dos incentivos fiscais, de um lado, e o estabelecimento de passivos tributários decorrentes da glosa dos créditos do ICMS nas operações interestaduais por alguns Estados, de outro, paralisam os investimentos e criam um risco adicional para a operação das empresas.

            Assim como no combate à inflação, é imprescindível que a União tome a frente desse processo, buscando a harmonização e a racionalidade das políticas tributárias, ou seja, que concilie os interesses federativos em nome do interesse nacional e, aí sim, contribua de forma decisiva para um maior coesionamento da Nação.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, pela tolerância.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/2012 - Página 66216