Pela ordem durante a 225ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise de um estudo relativo à qualidade do recente ciclo de crescimento do Brasil, realizado pela BCG (Boston Consulting Group).

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela ordem
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Análise de um estudo relativo à qualidade do recente ciclo de crescimento do Brasil, realizado pela BCG (Boston Consulting Group).
Publicação
Publicação no DSF de 05/12/2012 - Página 66219
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ESTUDO, INSTITUIÇÃO DE PESQUISA, LOCAL, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), ASSUNTO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, MELHORIA, QUALIDADE DE VIDA, BRASIL, REFERENCIA, ATUAÇÃO, EFICACIA, POLITICA SOCIAL, REGISTRO, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, ATENÇÃO, OBJETIVO, PROMOÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, MELHORAMENTO, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, EDUCAÇÃO.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, venho falar aqui de um estudo do BCG - Boston Consulting Group, prestigioso instituto de consultoria econômica que lançou, há poucos dias, um estudo muito interessante sobre o desenvolvimento de 150 países do mundo que lança luzes sobre a qualidade do recente ciclo de crescimento do Brasil e, sobretudo, acerca das nossas perspectivas de longo prazo.

            Tal estudo, intitulado Da Riqueza para o Bem-estar, procura desenvolver uma análise de como os países conseguem ou não transformar riqueza e crescimento econômico em bem-estar e qualidade de vida, a partir da construção de uma série de indicadores e coeficientes que dizem respeito a distintos aspectos do desenvolvimento sócio-econômico, como crescimento do PIB per capita, distribuição dos rendimentos, educação, saúde, emprego, boa governança, meio ambiente, capacidade de investimento, instituições democráticas, sociedade civil organizada e atuante.

            Esses indicadores e coeficientes compõem o que o BCG denomina Avaliação do Desenvolvimento Econômico Sustentável, uma metodologia que pretende aquilatar a qualidade do desenvolvimento, sua transformação em efetivo bem-estar para a população e sua sustentabilidade de longo prazo.

            O BCG construiu cinco indicadores e coeficientes básicos para fundamentar seu estudo: o indicador do bem-estar atual, o indicador do progresso recente, o indicador de sustentabilidade de longo prazo, o coeficiente de riqueza/bem-estar e o coeficiente de crescimento/bem-estar. O indicador do bem-estar atual tange ao estágio hodierno da qualidade de vida vigente num país. O indicador de progresso recente mede os avanços feitos nos últimos cinco anos (no caso 2006-2011) no bem-estar social. O indicador de sustentabilidade de longo prazo avalia a capacidade de um país de manter seu desenvolvimento ao longo de um período de tempo dilatado. O coeficiente de riqueza/bem estar mede a capacidade de um país de transformar sua afluência em qualidade de vida. Por último, o coeficiente de crescimento do bem-estar mede a capacidade de um país de transformar seu desenvolvimento econômico recente em qualidade de vida para sua população.

            Esse é um debate muito importante, Sr. Presidente. Eu, na semana passada, tive aqui um debate com o Senador Cristovam Buarque, que fala, com razão, que não basta crescimento por crescimento, nós temos que lutar por um desenvolvimento com inclusão social. Mas o que foi medido aqui pelo estudo do BCG é muito importante. Quanto e como o crescimento se transforma em bem-estar para a população. E tem uma série de indicadores muito interessantes.

            Pois bem, Sr. Presidente, Senadoras e Senadores, nesse estudo do BCG, um dos países que tem maior destaque é justamente o nosso Brasil. Dos cinco índices, em dois nós saímos muito bem. No primeiro, tivemos a nota máxima. Era o indicador de desenvolvimento recente. E também no coeficiente de crescimento do bem-estar, tivemos a nota máxima. O indicador de desenvolvimento recente no Brasil foi 100, o maior da lista, e o seu coeficiente de crescimento do bem-estar foi 1,45, o mais alto entre 150 países.

            O que significa isso, Sr. Presidente? 

            Significa que, no período considerado no estudo, 2006-2011, o Brasil foi o País mais eficiente do mundo na transformação de crescimento econômico em bem-estar e qualidade de vida.

            Observe-se que, se o Brasil tivesse um desempenho dentro da média mundial na conversão de crescimento econômico em bem-estar e qualidade de vida, o aumento do seu PIB per capita precisaria ter sido de 13,5% ao ano para alcançar os mesmos resultados qualitativos; ou seja, o Brasil necessitaria ter sido o País com o maior crescimento de PIB per capita do mundo, superando, inclusive, a China, que teve um aumento de seu PIB per capita de 12,5% no mesmo período.

            Em síntese, Senadoras e Senadores, o nosso País, de acordo com esse estudo, é a nação que teve, nesse período histórico recente, o desenvolvimento socioeconômico qualitativamente mais destacado de todo o mundo.

            É necessário levar em consideração, ainda, que o Brasil ficou bem acima dos outros Brics no indicador de progresso recente de bem-estar devido ao seu desempenho superior em áreas muito importantes, como diminuição das desigualdades dos rendimentos, geração de emprego, governança e meio ambiente. Esses fatores fizeram, como já destacamos, o nosso País tirar a nota máxima nesse indicador (100) e ter também o maior coeficiente crescimento/bem-estar (1,45) no período considerado: 2006-2011.

            Ao contrário de outros Brics, o Brasil cresce diminuindo extraordinariamente suas desigualdades sociais, aperfeiçoando sua governança e suas instituições democráticas e fazendo progressos significativos na área ambiental, na qual se destaca por sua matriz energética limpa, fortemente baseada em energias renováveis. Mesmo a China, com suas taxas estratosféricas de crescimento, não conseguiu produzir resultados qualitativamente semelhantes aos do Brasil.

            E por que isso aconteceu, Sr Presidente, Srªs. Senadoras, Srs. Senadores? Por que a qualidade do nosso desenvolvimento recente tem esse amplo destaque mundial? Evidentemente, isso não aconteceu por acaso. Não foram tampouco os cegos mecanismos de mercado que nos conduziram a essa situação de relevo internacional.

            Como todos sabem, já experimentamos, no passado, períodos de crescimento mais intensos, os quais, contudo, não se refletiram na melhoria efetiva de nossos indicadores sociais e de nossa qualidade vida...

            Ao contrário, tínhamos, a bem da verdade, um crescimento sem qualidade, que concentrava renda e exercia uma pressão predatória sobre os nossos ecossistemas. Além disso, vivíamos, nessa época de "milagre econômico", o pesadelo político da ditadura, que, ao contrário do que dizem alguns, nunca foi branda com os opositores do regime e muito menos com o povo brasileiro.

            Na realidade, esse resultado qualitativo extraordinário do nosso crescimento recente foi obtido graças à corajosa decisão política do governo Lula, mantida agora no governo Dilma, de crescer distribuindo renda e oportunidades, em franco contraste com nossa experiência histórica e ao arrepio dos conselhos "técnicos" dos aduladores do mercado.

            Com efeito, a criação de uma gigantesca nova classe média no Brasil definitivamente, Sr. Presidente, não aconteceu por acaso. Ela é fruto de políticas consistentes e conscientes que visam inclusão social, como o Bolsa Família, o aumento real do salário mínimo, o crédito popular, o Minha Casa, Minha Vida, o Luz para Todos, o ProUni, o Reuni, enfim, todos esses programas que, somados a um crescimento do PIB per capita comparativamente mediano, embora bem superior aos anos 90, ao período do neoliberalismo, vem mudando de forma extraordinária a face social do Brasil.

            Caso não tivesse havido esse grande esforço distributivo, caso o empenho social do Brasil tivesse somente acompanhado a média mundial do período, o nosso País precisaria ter apresentado, como vimos, um crescimento do PIB per capita de 13,5% ao ano, superior ao da China, para ter resultados semelhantes.

            Portanto, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, o Brasil, sem dúvida, deu um grande primeiro salto qualitativo em seu nível de desenvolvimento econômico e social.

            Entretanto, o estudo do BCG também traz algumas advertências para o Brasil. Quando consideramos ambos os coeficientes da pesquisa - crescimento/bem-estar e riqueza/bem-estar -, o Brasil também apresenta um bom desempenho, embora inferior ao desempenho somente baseado no coeficiente crescimento/bem-estar.

            É que o nosso País teve o melhor desempenho do mundo no coeficiente crescimento/bem-estar, mas teve um desempenho apenas um pouco superior à média no coeficiente riqueza/bem-estar.

            Tal resultado tem um significado importante. De fato, isso demonstra o caráter recente do processo distributivo no Brasil. Apesar de muito célere e incisivo, tal processo ainda não conseguiu reverter as profundas desigualdades sociais, regionais e raciais historicamente acumuladas no País. Por conseguinte, tal processo de distribuição de renda, que caracterizou o desenvolvimento recente do Brasil, precisa ter ainda continuidade por muitos anos. Por outro lado, isso demonstra também que o crescimento econômico brasileiro precisa consolidar-se no longo prazo, de forma a permitir a continuidade do processo de geração de bem-estar para todos.

            Tal constatação nos conduz à questão da sustentabilidade de longo prazo do desenvolvimento. Como disse, no que tange ao desenvolvimento recente, o Brasil foi o campeão. Teve excelência na transformação do crescimento em bem-estar. Assim, a qualidade do desenvolvimento brasileiro recente foi única, acima de todos os países e bem acima dos demais Brics.

            Não obstante, é preciso reconhecer também que tal processo distributivo tem limites. Não se pode crescer e distribuir renda de forma indefinida apenas com o concurso desses programas. Também não se pode ter a expectativa de crescer somente com base nas exportações de commodities. A sustentabilidade de longo prazo do desenvolvimento depende de fatores estruturais cuja ausência não pode ser compensada por políticas sociais, por mais inovadoras e consistentes que elas sejam.

            Pois bem, conforme o estudo do BCG, o Brasil não tem o mesmo grande destaque quando se trata de analisar os indicadores de sustentabilidade de longo prazo do desenvolvimento,

            No comparativo mundial, vê-se que o País não desfruta de posição muito confortável, quando se trata do indicador de sustentabilidade de longo prazo do desenvolvimento. Sua nota nesse indicador foi de 51,6. Com efeito, apesar de superar a maior parte dos Brics nesse aspecto, inclusive a China, o Brasil ainda está abaixo de alguns países do Mercosul, como Uruguai e Argentina, e bem abaixo da campeã Noruega, que obteve a nota máxima (100). Salientamos que a maior parte dos países da Europa Ocidental, os EUA, o Japão e a Coreia do Sul têm indicadores de sustentabilidade de longo prazo superiores ao do Brasil.

            Mas quais são os fatores que compõem, nesse estudo, o indicador de sustentabilidade longo prazo?

            Os fatores referem-se aos vários aspectos relevantes, como a infraestrutura, as questões demográficas, a capacidade de investimento, o equilíbrio nas finanças públicas, o acesso à saúde etc.

            Contudo, o que tem maior peso específico, maior significado, é o da educação. Saliente-se que estamos falando aqui de sustentabilidade de longo prazo do desenvolvimento socioeconômico, e não somente de crescimento econômico. Lembre-se, a esse respeito, que a educação não apenas fundamenta o crescimento de longo prazo, mas embasa, de modo estrutural e permanente, a distribuição mais equitativa de renda e oportunidades.

            E como está o Brasil, no que tange à educação, segundo o estudo do BCG?

            No estudo do BCG, destaca-se, no que tange à educação, o desempenho da Malásia. Não porque a Malásia tenha um grande sistema educacional. Não tem. Seus resultados no PISA ainda são ruins. No entanto, a sua evolução recente em educação foi muito positiva, superando a dos países de sua região, como Vietnã, Laos, Indonésia, Tailândia, Camboja etc. Foi superior também a do Brasil, que teve um desempenho um pouco acima da média mundial, o que reflete o grande esforço recente do País nessa área.

            Não obstante, esse nosso desempenho nessa grande área estratégica é ainda claramente insuficiente. Note-se que a Malásia teve, no período considerado (2006-2011), um crescimento do seu PIB per capita muito próximo ao do Brasil.

            Claro está que a Malásia é um país de dimensões modestas, com 28 milhões de habitantes distribuídos em pouco mais de 300.000 km2. Isso facilita as ações. No entanto, o estudo do BCG destaca alguns fatores que podem explicar essa performance recente da Malásia. Em primeiro lugar, a Malásia tem duas vezes mais professores per capita que os demais países de sua região. Segundo, a Malásia tem um nível de inclusão digital significativamente superior ao da região. Terceiro, e mais importante, a Malásia tomou a decisão política de elevar a qualidade de seu ensino à dos países mais desenvolvidos em 15 anos.

            Ora, Sr. Presidente, o Brasil tem de fazer a mesma coisa. Os nossos progressos recentes em educação são significativos e importantes. Mas é preciso mais. O Brasil necessita de um salto quântico em seu sistema educacional.

            Pois bem, a oportunidade de ouro para esse salto surgiu com o pré-sal. Com efeito, as gerações atuais disporão, com essa nova riqueza, de centenas de bilhões de dólares para investimentos.

            O Brasil precisa decidir o que fazer com essa nova riqueza. Vamos transformá-la em bem-estar para toda a população ou vamos canalizá-la, essencialmente, para as populações dos Municípios e Estados Brasil afora? Vamos manter e aprofundar a qualidade do nosso desenvolvimento recente ou vamos deteriorá-la? Vamos conferir sustentabilidade de longo prazo ao ciclo recente de crescimento ou vamos nos arriscar no consumo perdulário e no agigantamento da máquina pública, que inviabilizarão a continuidade do nosso desenvolvimento socioeconômico?

            O estudo do BCG nos dá elementos para essa crucial tomada de decisão. A pesquisa distingue claramente dois grupos de países que seguiram trajetórias diferentes quanto à qualidade de seu desenvolvimento.

            Há os países que têm elevada renda per capita e, ao mesmo tempo, o melhor desempenho em bem-estar. São os países que o BCG denomina de Top 15. Entre eles está a Noruega, que recebeu nota máxima no indicador atual de bem-estar.

            Por outro lado, há os países que têm níveis elevados de renda per capita, mas não possuem um bom desempenho no que tange ao bem-estar. Esses são os países ricos em petróleo e que se acomodaram naquele processo.

            São nações que, em geral, sucumbiram à doença holandesa, não diversificaram a sua estrutura produtiva, não reduziram, em escala suficiente, as suas desigualdades sociais, não criaram um bom sistema de governança, não têm instituições democráticas e são grandes poluidores e emissores de gás carbono.

            Essas notáveis diferenças entre esses dois grupos de países, os Top 15 e os países ricos em petróleo, podem ser exemplificadas pela Noruega, pertencente ao primeiro grupo, e pelo Katar, que está no segundo grupo.

            A Noruega, ressalte-se, também é um país rico em petróleo. Porém, a Noruega tem uma trajetória muito diferente da trajetória dos países que têm abundância de recursos naturais. Em 1990, cerca de duas décadas após o descobrimento das grandes jazidas de petróleo e gás no Mar do Norte, o parlamento norueguês decidiu criar um fundo soberano dedicado a gerir os recursos não renováveis do petróleo com critérios intergeracionais. Essa foi a inspiração da Presidenta Dilma ao criar aqui o nosso fundo.

            Tal fundo, que já ultrapassa 650 bilhões, é usado para financiar educação, seguridade social, ciência e tecnologia. Com isso, não se gerou inflação, não houve corrida aos importados, não se criou uma máquina pública avantajada, não houve doença holandesa ou qualquer outra doença econômica. Pelo contrário, a Noruega é uma economia robusta, com um dos maiores índices de IDH do Planeta e uma sólida democracia. Suas perspectivas de longo prazo são excelentes e seu nível de bem estar atual é o maior do planeta...

(Interrupção do som.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) ...As futuras gerações de noruegueses poderão desfrutar, por muito tempo, da riqueza gerada pelo petróleo de hoje, mesmo quando esse recurso não renovável acabar.

            O mesmo não se pode dizer do Katar e de outros países ricos em petróleo. O Katar tem uma renda per capta de 102 mil dólares, praticamente o dobro da Noruega. No entanto, seus indicadores estão bem abaixo daqueles da Noruega. Seu coeficiente de riqueza e bem estar , 0.83, é particularmente baixo.

            Assim, a capacidade do Katar de gerar bem-estar com sua extraordinária riqueza é muito limitada.

            Pois bem, Sr. Presidente, o Brasil precisa escolher qual trajetória seguirá. Uma trajetória que nos transforme no futuro em algo semelhante à próspera, educada, democrática, equitativa Noruega ou a trágica trajetória da maioria dos países ricos em petróleo e em outros recursos naturais.

            O Brasil tem uma grande vantagem para tomar essa decisão. A descoberta de nossas grandes jazidas de hidrocarbonetos é tardia. Trata-se da última grande descoberta de petróleo. Podemos, dessa maneira, aprender com os trágicos erros dos países ricos em hidrocarbonetos.

            Foram dois erros fundamentais. O primeiro erro foi não ter entendido que o petróleo é um recurso não renovável...

(Soa a campainha)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Acho que é para concluir, não é, Senador Armando!

            O SR. PRESIDENTE (João Costa. Bloco/PPL - TO) - Senador, desculpe. Receba as minhas desculpas.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Obrigado, já caminhando para o final aqui.

            O Brasil tem uma grande vantagem para tomar essa decisão. A nossa descoberta foi tardia.

            Dois erros fundamentais aconteceram com esses países ricos em recursos naturais e em petróleo. O primeiro foi - e eu já estava falando sobre isso - não ter entendido que o petróleo não renovável, finito.

            Trata-se de uma riqueza extraordinária, mas finita, que estará disponível para poucas gerações. O segundo erro, relacionado ao primeiro, foi não ter, em geral, investido essa riqueza de forma consistente, de modo a assegurar a continuidade do desenvolvimento.

            Com efeito, boa parte desses países preferiu utilizar a renda do petróleo para aumentar o consumo perdulário de bens importados e os gastos de custeio em máquina pública. No curto prazo, isso teve o efeito de fazer subir as taxas de inflação, gerando a chamada doença holandesa. No médio e longo prazo, destruiu-se a estrutura produtiva não relacionada à cadeia dos hidrocarbonetos, inibiu-se a diversificação da economia, estrangulou-se o desenvolvimento social e político e submergiram-se os países numa dependência parasitária da renda do petróleo.

            Tal dependência tende a provocar crises periódicas, em virtude das oscilações dos preços dos hidrocarbonetos no mercado internacional. Quando o preço dessas commodities aumenta, incrementam-se as importações e os gastos de custeio, que não podem ser mais mantidos nos mesmos níveis, quando o preço cai.

            A nossa querida vizinha Venezuela, por exemplo, experimentou esse processo nos anos 80 do século passado, o que a conduziu à crise política do "caracazo", rebelião popular motivada pelos aumentos de preços de bens de subsistência.

            Após o boom do petróleo nos anos 70, a queda dos preços dessa commodity na década de 80 forçou os governos venezuelanos a endividar-se para manter as importações (inclusive as importações de alimentos) e os gastos de custeio, gerando inflação e carestia. No "caracazo", calculam que tenham morrido cerca de 3.500 venezuelanos, mas a vítima maior foi o país, que não conseguiu realmente se desenvolver.

            Em 1974, quando o grande aumento do preço internacional do petróleo criou condições objetivas para que a Venezuela e outras economias exportadoras do petróleo pudessem dar um salto qualidade em seu desenvolvimento, o grande Celso Furtado, escreveu: (Eu transcrevi um livro sobre royalties do petróleo que transcrevia essa fala do nosso professor saudoso Celso Furtado que falava sobre a Venezuela)

Poucas vezes um desafio tão sem ambiguidades se apresentou a um grupo de dirigentes, ampliando abruptamente o campo do possível... Nos próximos dois decênios, a Venezuela poderá ter saltado a barreira que separa subdesenvolvimento de desenvolvimento, sendo quiçá o primeiro país da América Latina a realizar essa façanha, ou terá perdido a sua chance histórica. Pelo menos sobre um ponto básico existe consenso: a inação ou a omissão do Estado não constitui uma opção.

            Infelizmente, como sabemos, a Venezuela não conseguiu aproveitar essa chance histórica. Destaque-se que, apesar dos esforços de anos recentes, a Venezuela até hoje não conseguiu diversificar a sua economia e continua dependente das importações de alimentos e produtos manufaturados.

            Evidentemente, além da Venezuela, muitos desses países exportadores de hidrocarbonetos ainda não se prepararam para a inevitável fase "pós-petróleo". Saliente-se, todavia, que não apenas os países produtores de petróleo precisam se preparar para essa fase, mas também o Planeta como um todo.

            Eu encaminho para o meu final, agradecendo a tolerância de V. Exª.

            De fato, as exigências do combate ao aquecimento global levarão, mais cedo ou mais tarde, à criação de uma economia "descarbonizada", sustentada por fontes renováveis e limpas de energia. Tal preparação implica, necessariamente, investir a renda do petróleo em áreas que nos permitam melhorar a qualidade do nosso desenvolvimento e lhe dar sustentabilidade de longo prazo.

            Ante tal quadro ameaçador, a decisão histórica do Governo da Presidenta Dilma de investir os royalties dos contratos futuros do pré-sal em educação é evidentemente meritória. E eu parabenizo, em especial, o Ministro Mercadante, pela sua capacidade de defesa de que esses recursos dos royalties sejam, de fato, vinculados à educação. Tal decisão nos posiciona, sem sombra de dúvida, na trajetória correta. A trajetória capaz de produzir uma maior diversificação da nossa estrutura produtiva, de gerar capacidade de inovar em grande escala, de criar mais cidadania, de gerar, nessas paragens tropicais, uma economia verde e criativa e uma autêntica sociedade do conhecimento.

            Com efeito, o investimento em educação, como bem reconhece o estudo do BCG, é o que mais repercute positivamente na sustentabilidade de longo prazo do investimento. Isso porque tal investimento tem profundas consequências econômicas, sociais e políticas.

            No plano econômico, ele aumenta a qualificação da mão de obra e, consequentemente, dos empregos que podem se ofertados.

Além disso, ele cria a base para a pesquisa científica e a geração massiva de inovação, uma grande carência do Brasil e algo fundamental para aumentar a competitividade da nossa economia, especialmente no campo industrial.

            No plano social, o investimento em educação resulta em melhor distribuição de renda e oportunidades. Um país que dê acesso à educação de qualidade para toda a população será, necessariamente, um país com baixa desigualdade social.

            No plano político, o investimento em educação cria uma cidadania mais bem formada, informada e mais atuante, o que acarreta consequências positivas para a democracia e suas instituições.

            Por conseguinte, a decisão de investir em educação nos coloca justamente na trajetória capaz de nos manter, no longo prazo, como o país que mais vem se destacando na conversão de crescimento econômico em bem-estar efetivo para toda a sua população.

            Mas essa recente decisão tem também outros dois méritos.

            Primeiro, ela respeita os contratos existentes e os direitos adquiridos afetos aos Estados e Municípios produtores. Com efeito, todos os contratos efetuados sob o antigo regime de concessão não serão afetados. A distribuição dos royalties e participações especiais para a educação só será efetuada a partir da celebração dos novos contratos sob regime de partilha. Assim, os Estados e Municípios produtores, inclusive o meu querido Estado do Rio de Janeiro, poderão continuar a contar com as verbas que já haviam comprometido com gastos futuros. Não haverá batalhas judiciais a esse respeito.

            Segundo, ela respeita integralmente também a nova distribuição de recursos entre Estados e Municípios efetuada soberanamente por este Congresso Nacional. De fato, a nova medida provisória que plasma a decisão do Poder Executivo reproduz fielmente a tabela elaborada pelo Legislativo para a progressiva repartição dos recursos entre os entes federados.

            A decisão do governo brasileiro não pode, porém, demorar muito para ser ratificada pelo Congresso e posta em prática. A imprecisão jurídica sobre o novo regime de exploração de petróleo vem impedindo a celebração dos novos contratos de partilha, que são os mais vantajosos para o País, pois permitem o controle estratégico do óleo mesmo após a sua retirada das jazidas.

            Portanto, seria de todo conveniente que o Congresso Nacional tivesse, neste momento, a mesma coragem e a mesma visão histórica que teve o parlamento norueguês, quando criou o fundo soberano do petróleo e colocou a Noruega numa trajetória virtuosa, que rende frutos para os noruegueses de hoje e assegura o futuro dos noruegueses de amanhã.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil deu o primeiro grande salto em seu desenvolvimento, graças à decisão de distribuir renda e criar um grande mercado de consumo de massa. Geramos, nesse processo, uma nova classe média e incluímos boa parte da população no presente consumo de bens duráveis e de uma relativa afluência material. Temos, assim, um desenvolvimento socioeconômico de qualidade, reconhecido mundialmente. Mas isso não basta. Não basta para os jovens deste País, não basta para o Brasil.

            O presente virtuoso precisa ter continuidade de longo prazo. Novos horizontes precisam ser explorados. E, para isso, o Brasil precisa superar a sua grande fraqueza: a ausência de um sistema educacional de qualidade para todos e em todos os níveis.

            O Brasil só será um País efetivamente forte e sólido quando todas as suas crianças, adolescentes e jovens tiverem acesso à educação de qualidade, independentemente de condição social, raça e gênero. O desenvolvimento brasileiro só terá consistente sustentabilidade de longo prazo, quando o País desenvolver pesquisa científica e quando nossas empresas inovarem de forma massiva, concorrendo em condições de igualdade com as firmas dos países mais desenvolvidos. A nossa jovem e dinâmica democracia só se aprofundará com uma cidadania bem formada.

            Assim sendo, Sr. Presidente, a decisão corajosa e histórica de investir os royalties do pré-sal em educação representa a decisão de incluir a nossa nova classe média e o País nas utopias do futuro.

            É, Srªs e Srs. Senadores, o segundo e definitivo salto no processo de desenvolvimento brasileiro.

            Como disse o grande Celso Furtado, nesses momentos históricos, em que se joga o futuro do País, a inação e a omissão não constituem opção. Temos de escolher pensando em nossos filhos e netos. Temos de escolher pensando nas futuras gerações, que viverão bem melhor, neste País fantástico chamado Brasil, se tomarmos, hoje, neste Parlamento, a decisão correta: a decisão de acordar o gigante adormecido e mandá-lo à sala de aula.

            Sr. Presidente, eu agradeço muito a V. Exª.

            Era um pronunciamento longo, dada a importância deste momento. A Medida Provisória que vincula os recursos, royalties, à educação está vindo para este Congresso Nacional. É hora, independentemente das discordâncias que temos - Estados produtores e não produtores de petróleo -, de haver uma grande unidade nacional, para que esse projeto, essa vinculação seja aprovada. Tenho certeza de que daqui a 20 anos a gente vai olhar para o passado e dizer que aquela foi uma decisão histórica, que pode estar abrindo as possibilidades para a gente investir 10% do PIB em educação, como quer o Plano Nacional da Educação, e abrir as possibilidades para este País dar esse grande salto no nosso processo de desenvolvimento.

            Muito obrigado a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/12/2012 - Página 66219