Discurso durante a 231ª Sessão de Premiações e Condecorações, no Senado Federal

Entrega da Comenda de Direitos Humanos de Dom Hélder Câmara aos agraciados da 3ª premiação.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM, DIREITOS HUMANOS. :
  • Entrega da Comenda de Direitos Humanos de Dom Hélder Câmara aos agraciados da 3ª premiação.
Publicação
Publicação no DSF de 12/12/2012 - Página 68410
Assunto
Outros > HOMENAGEM, DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, SITUAÇÃO, ATUALIDADE, PAIS, MOTIVO, REALIZAÇÃO, COMISSÃO, VERDADE, HOMENAGEM, ORADOR, RELAÇÃO, HOMEM, AUTORIDADE RELIGIOSA, DEFESA, VITIMA, REPRESSÃO, EPOCA, DITADURA, MILITAR, CONGRATULAÇÕES, SENADOR, REFERENCIA, PESSOAS, PROTEÇÃO, DIREITOS HUMANOS, RECEBIMENTO, PREMIO, SENADO.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Meu querido amigo que brilha esta sessão com a sua Presidência, Senador Inácio Arruda; Procurador da República do Estado do Pará, Sr. Felício Pontes Júnior; Professor livre docente da Universidade Federal do Espírito Santo, membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória e da Associação Padre Miguel em Defesa da Vida, Dr. João Baptista; Arcebispo Emérito da Paraíba, Reverendíssimo Sr. Dom José Maria Pires; grande Líder Sindical no Maranhão, nosso herói Manoel Conceição Santos; Arcebispo Emérito de São Paulo, Reverendíssimo Sr. Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, representado neste ato pelo querido amigo Monsenhor José Augusto Schramm Brasil; representante do Conselho de Direitos Humanos do Distrito Federal, Srª Assunção Raynaod; senhoras e senhores.

            A singeleza desta reunião não está à altura do significado desta reunião, mas existem fatos e existem momentos que não é a pomposidade que descreve a importância do acontecimento, mas é a razão pela qual nós nos reunimos.

            Há anos nós criamos a Comenda dos Direitos Humanos Dom Hélder Câmara, reconhecimento pela contribuição em defesa dos direitos humanos. E este ano, no momento em que o Brasil vive talvez uma das fases mais importantes no que tange aos direitos humanos, nós estamos aqui coroando uma série de fatos que vêm acontecendo. A Presidência da República fez o que ela já deveria ter feito há muito tempo instalando a Comissão da Verdade, que não tem o objetivo nem do ódio nem da vendita, mas tem o objetivo de restabelecer a verdade. A Nação tem que conhecer tudo o que aconteceu para poder saber o que é o Brasil e para entender, compreendendo o que aconteceu e a luta que se fez para o restabelecimento da democracia, ter condições de resistir para que isso não se repita.

            A Deputada Erundina foi além e criou uma Comissão da Verdade na Câmara dos Deputados, com o objetivo de fazer um levantamento, um debate, uma discussão mais profunda de fatos sobre os quais praticamente, durante muito tempo, éramos proibidos e, durante os últimos tempos, por omissão, não se fazia. Essa Comissão está agindo, está viajando pelo Brasil. Frutos dessa Comissão, estão se organizando nos Estados comissões da verdade também para verificar a realidade do que aconteceu em cada Estado.

            Lá, em Porto Alegre, morreu assassinado um coronel do Exército, já aposentado, que trabalhou no setor de segurança. E, no meio dos papéis que se encontraram na sua casa, estava um documento que mostrava o nosso querido Deputado assassinado, desaparecido, que nunca se soube onde estava. E o Dops sempre fez questão de dizer que não tinha conhecimento, que não sabia de nada. Ali está o documento carimbado, com assinatura e tudo, da entrada dele no Dops de São Paulo. Esse trabalho foi fruto da Comissão da Verdade, realizado em Porto Alegre.

            Neste momento em que estamos aqui e agora, a OAB Nacional está reunida para criar a comissão da verdade dela, OAB, para aprofundar o debate sobre essa matéria.

            No meio disso, nesta reunião, em que nós vemos quatro pessoas excepcionais que merecem o prêmio, o respeito e a admiração.

            Fui eu quem propôs a Comenda a Dom Evaristo, e outros colegas Senadores fizeram a representação das comendas que aqui se encontram representadas. Todos aprovaram, por unanimidade, na comissão presidida por V. Exª, Sr. Presidente.

            Todos têm inestimáveis serviços prestados ao Brasil na causa da defesa dos direitos humanos. Eu saudarei os quatro, se me permitem, na pessoa de Dom Evaristo, já que ele não está aqui, nos seus 93 anos, lúcido, mas com a saúde bastante abalada. Dom Evaristo é uma figura notável na história deste País. Se o nosso prêmio se chama Dom Hélder Câmara, ninguém melhor que Dom Evaristo para recebê-lo.

            Ele atuou na maior comunidade católica apostólica do mundo, que era São Paulo. Perseguido pelo governo por suas ações, ele criou as comunidades de base, uma revolução na Igreja, determinando exatamente a ida das elites da Igreja para as vilas, para as favelas, agrupando essas vilas e favelas em grupos eclesiais da Igreja e dando a elas uma consistência de Deus, sim, da liberdade, sim, mas da nossa Pátria, dos direitos humanos, mostrando que eles tinham que se reunir e debater e discutir e avançar.

            O movimento das comunidades da Igreja avançou, cresceu. Dizem alguns que deste movimento e da atuação deste movimento chefiado por D. Evaristo, dos grupos de base da Igreja Católica, acabaram surgindo núcleos do PT que o Lula, com muita competência, a gente entrou, participou e, depois, aconteceu.

            Dom Evaristo foi muito combatido. Houve um momento em que ele foi considerado o líder católico mais importante do mundo, logo ali atrás do Papa. E o combate a ele foi tão grande que esquartejaram a Diocese de São Paulo. Era grande demais o poder de Dom Evaristo com aquela multidão de 10 milhões que compunha aquela comunidade e não dava para controlar. Então, dividiram em quatro. Deixaram Dom Evaristo ali no centro, digamos assim, centro histórico da Igreja Católica em São Paulo e criaram dioceses com bispos e arcebispos em roda disso.

            Mesmo assim, Dom Evaristo continuou. Continuou com seu trabalho, continuou com sua luta, continuou com seus sermões, continuou com seu protesto. A campanha do Brasil Nunca Mais, coordenado pela Arquidiocese de São Paulo, durante os seis últimos anos da ditadura militar, atuando de forma discreta...

            O SR. PRESIDENTE (Inácio Arruda. Bloco/PCdoB - CE) - Senador Simon, os alunos do Colégio Militar de Rio Verde acompanham a nossa sessão neste instante e a entrega da Comenda Dom Hélder Câmara aos que lutam pela defesa dos direitos humanos em nosso País.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - ...em uma situação quase clandestina. Trinta especialistas, coordenados por Dom Evaristo, recolheram, estudaram e sistematizaram as informações contidas em um milhão de páginas de 707 processos copiados sigilosamente, entre 1979 e 1985, nos arquivos do Superior Tribunal Militar.

            Reunindo cópias - essa equipe de Dom Evaristo - da quase totalidade dos processos políticos que transitaram pela Justiça Militar brasileira entre abril de 1964 e março de 1979, especialmente aqueles que atingiram a esfera do Superior Tribunal Militar, o projeto conseguiu realizar a mais abrangente pesquisa sobre a repressão exercida pelo regime militar a partir de documentos produzidos pela própria ditadura.

            O objetivo central era a preservação desses documentos, ameaçados de desaparecimento diante da iminente democratização do País. O material foi todo microfilmado e remetido clandestinamente ao exterior, fugindo de uma eventual apreensão pelos militares.

            Nascia ali um documento definitivo para a história do País, contido em 12 volumes publicados em apenas 25 cópias e entregues a instituições, bibliotecas e universidades do exterior. O material foi, enfim, repatriado em segurança para o Brasil, em junho de 2011, e hoje faz parte do acervo do Arquivo Edgard Leuenrouth, abrigado na Universidade de Campinas, à disposição dos historiadores e estudiosos da História do Brasil.

            Mais de 10 mil documentos que estavam anexados aos processos do STM, com depoimentos dos próprios presos torturados, foram copiados em xerox, constituindo uma das mais importantes fontes constituindo em uma das mais importantes fontes documentais sobre as organizações de resistência ao regime naquele período.

            Esse trabalho coordenado pelo Cardeal Arns é uma contribuição fundamental para o estabelecimento da verdade sobre o regime militar e o avanço dos direitos humanos no Brasil. O livro que assumia todo esse esforço, Brasil: Nunca Mais, publicado no Brasil, pela Editora Vozes, teve 39 edições publicadas até 2009, com tradução para vários países.

            Ao longo da sua vida, Dom Paulo foi responsável por outras iniciativas importantes na luta pela dignidade da pessoa e na defesa dos direitos humanos. Em tempos de forte censura, o Cardeal implementou o São Paulo, o semanário arquidiocesano que passou a sofrer um forte controle do censores do regime.

            Em 1972, criou a Comissão Justiça e Paz, de São Paulo, fórum permanente de denúncias contra violências praticadas pelo regime militar, que patrocinou a publicação do livro Meu Depoimento sobre o Esquadrão da Morte, de autoria do bravo Promotor Hélio Bicudo.

            Naquele ano, como Presidente Regional da CNBB, publicou um documento de grande repercussão, Testemunho de Paz, com fortes críticas ao arbítrio da ditadura.

            Frade franciscano - desculpe, mas sou da Ordem Terceira e me orgulho disso...

            O SR. PRESIDENTE (Inácio Arruda.Bloco/PCdoB - CE) - O senhor é da Ordem Terceira e eu sou Inácio Francisco de Assis.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - Obrigado. Dom Paulo foi sempre fiel aos seus votos de pobreza. Em 1973, nomeado cardeal pelo Papa Paulo VI, trocou o suntuoso Palácio Pio XII por uma casa simples no bairro do Sumaré. Os US$5 milhões obtidos pela venda do palácio foram destinados por Dom Paulo à construção de centros comunitários na periferia mais pobre de São Paulo.

            Os militares não gostavam do jornal, também detestavam a rádio da Arquidiocese de Dom Paulo, a Nove de Julho, que divulgava notícias que desagradavam ao regime.

            Em novembro de 1973, sob o pretexto de perempção, apesar dos relatórios técnicos em contrário, o Presidente Médici assinou decreto tirando do ar a rádio incômoda do Cardeal de São Paulo.

            Em 1974, com uma coragem rara na cúpula da Igreja, viajou a Brasília com familiares de presos políticos para um inédito encontro com o General Golbery do Couto e Silva, braço direito do Presidente Geisel, levando ao Chefe da Casa Civil um dossiê sobre o desaparecimento de 22 dissidentes presos pela ditadura.

            Em outubro de 1975, desafiando as autoridades, celebrou na Catedral da Sé um histórico culto ecumênico em memória do jornalista Vladimir Herzog, morto sob torturas no DOI-Codi do II Exército, na primeira manifestação pública do País, que denunciava abertamente as torturas.

            Em 1976, junto com o argentino Adolfo Pérez Esquivel, Nobel da Paz, Dom Paulo denunciou a “guerra suja” de repressão na Argentina com o golpe comandado pelo General Videla. Em 1977, junto com o Presidente americano Jimmy Carter, futuro Nobel da Paz, recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Notre Dame, de Indiana.

            Em 1978, Dom Paulo implantou em sua diocese o CLAMOR, um grupo de assistência a refugiados das ditaduras do Cone Sul do continente, fundamental para salvar vidas de centenas, de milhares de pessoas que buscavam asilo em democracias da Europa. Indiferente aos humores do regime, Dom Paulo era um defensor permanente de figuras malditas na Igreja, como Dom Hélder Câmara e Dom Pedro Casaldáliga. Passou a ser uma voz veemente na luta pela anistia e na defesa de sindicalistas perseguidos pela repressão.

           Em 1980, clamou pela libertação dos líderes dos metalúrgicos do ABC detidos em todas as greves que projetaram o líder de São Bernardo, Luís Inácio Lula da Silva.

            Dom Paulo era o único religioso, em todo o mundo, eleito pela Assembleia Geral da ONU, de 1981, como membro fundador da Comissão Independente Internacional das Nações Unidas para Questões Humanitárias.

            Em 1985, criou a Pastoral da Criança, com a ajuda da irmã, a pediatra Zilda Arns, morta em janeiro de 2010 no terremoto que devastou o Haiti.

            A crônica da vida e da luta de Dom Paulo Evaristo Arns por tudo isso é que é exemplo denso e emocionante de alguns e de alguém devotado sem limites à causa imemorial da justiça, da liberdade e dos direitos humanos.

            Ninguém tem melhores atributos do que Dom Paulo para agasalhar os méritos e virtudes alcançados pelo patrono dessa Comenda dos Direitos Humanos do Senado Federal, o nosso inesquecível Dom Hélder Câmara.

            É uma honra para o Brasil ter alguém com a estatura de Dom Paulo Evaristo Arns.

            Homenageio Dom Evaristo, mas, na verdade, quero estender isso, pela importância e pelo significado, aos nossos bravos companheiros: o Exmº Sr. Felício Pontes Júnior; ao bravo Dr. João Baptista; ao bravo Arcebispo Emérito da Paraíba, Revmº Sr. Dom José Maria Pires; ao grande líder sindical do Maranhão Manoel Conceição Santos; e a V. Exª., o gaúcho Monsenhor Augusto Brasil, representante de Dom Evaristo.

            Querida Erundina, é emocionante o trabalho de V. Exª em torno dos direitos humanos. V. Exª é uma pessoa acima do bem e do mal. Podia ser hoje Vice-Prefeita de São Paulo, mas seus princípios, seu estilo não permitiram que isso fosse feito. Continua na planície, numa comissão complicada e difícil, mas exercendo o seu trabalho.

            Meu querido e bravo Presidente Arruda, V. Exª, lá no seu Ceará e aqui, no nosso Congresso Nacional, representa aquilo que temos de melhor.

            Sabemos que muitas falhas, muitos equívocos existem no Legislativo brasileiro. Muita coisa tem a mudar, mas estou aqui desde 1979 e nunca vi uma Mesa tão representativa como esta. Os quatro homenageados pelo mérito real, puro e sincero do que representam. E, cá entre nós, olho para este Deputado e olho para esta Deputada, Erundina, e olho para o nosso Senador, e peço a Deus, um dia, um dia, a esmagadora maioria dos Deputados e Senadores do Congresso brasileiro, não digo iguais, mas seguirão o caminho, o método e terão a personalidade tua e tua, por vocês representam o que têm de melhor na sociedade brasileira.

            Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/12/2012 - Página 68410