Discurso durante a 234ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Saudação ao Senador José Sarney, que de hoje a sábado ocupará a Presidência da República; e outro assunto.

Autor
Vanessa Grazziotin (PC DO B - Partido Comunista do Brasil/AM)
Nome completo: Vanessa Grazziotin
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Saudação ao Senador José Sarney, que de hoje a sábado ocupará a Presidência da República; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/2012 - Página 71008
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, JOSE SARNEY, PRESIDENTE, SENADO, MOTIVO, EXERCICIO, CARATER PROVISORIO, SUBSTITUIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • COMENTARIO, CONCLUSÃO, TRABALHO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), TRAFICO, PESSOAS, ENFASE, INVESTIGAÇÃO, DESAPARECIMENTO, JUVENTUDE, MUNICIPIO, NATAL (RN), ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (RN), REGISTRO, DIFICULDADE, PUNIÇÃO, TRAFICANTE.

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco/PCdoB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada, Sr. Presidente, Senador Capiberibe, do querido vizinho Estado do Amapá.

            Aliás, o Presidente da Casa, o Senador José Sarney, que é um dos representantes, como V. Exª, do Estado do Amapá, neste momento, volta a ocupar, depois de 22 anos, o cargo da Presidência da República. Em decorrência da viagem da Presidenta Dilma, que se encontra na Europa, e da ida do Presidente Marco Maia à reunião do Mercosul, o Presidente Sarney, de hoje até sábado, ocupará a Presidência da República. Então, quero daqui, desta tribuna, fazer uma saudação ao Senador José Sarney, que tem sido o condutor democrata dos trabalhos do Senado Federal, e desejar-lhe uma boa estada à frente da Presidência da República.

            Venho à tribuna, neste momento, Senador Capiberibe, para tecer alguns comentários, algumas observações acerca da Comissão Parlamentar de Inquérito que trata do tráfico nacional e internacional de pessoas, que está em funcionamento nesta Casa desde o ano passado, o ano de 2011. Nós estamos muito próximos do encerramento dos nossos trabalhos, mas, no que pese o encerramento dos trabalhos da CPI do Senado Federal, a Câmara dos Deputados, que, neste ano, instalou uma CPI com o mesmo objetivo, deverá dar continuidade não só às investigações, mas ao debate mais frequente sobre esse tema.

            É um tema que aflige a sociedade brasileira e que talvez agora, Senador Capiberibe, com a novela das 9 horas da Rede Globo de Televisão, Salve Jorge, que aborda como tema central o tráfico nacional e internacional de pessoas a partir do Brasil, a Nação brasileira, o povo brasileiro, o próprio Poder Público, as autoridades constituídas possam prestar mais atenção a esse crime que é extremamente grave, que envolve dezenas, centenas, milhares de famílias no Brasil inteiro e que é o terceiro crime do mundo que mais mobiliza recursos, embora seja o primeiro do ponto de vista da invisibilidade, Sr. Presidente, inclusive no Brasil.

            Essa Comissão Parlamentar de Inquérito que eu tenho a honra de presidir, repito, caminha para a conclusão de seus trabalhos e, possivelmente, na semana que vem, nós deveremos apreciar o relatório da Senadora Lídice da Mata, que é a Senadora Relatora da nossa CPI.

            Eu aqui também quero fazer um destaque ao trabalho que o Senador Davim, que é o Vice-Presidente da CPI, também vem realizando.

            Sem dúvida nenhuma, essa CPI, que foi a primeira a ser criada e instalada nesta Legislatura, foi uma CPI cuja iniciativa partiu da ex-Senadora Marinor, do Estado do Pará, que, aliás, Senador Capiberibe, foi eleita Vereadora na cidade de Belém. Aproveito este momento para registrar que ela foi eleita como a Vereadora mais votada da cidade de Belém. Então, a Senadora Marinor foi a Senadora, à época, que tomou a iniciativa. Instalamos a CPI, e acredito que estamos fazendo um trabalho muito importante.

            Nas últimas semanas, Sr. Presidente, o nosso Colegiado realizou atividades intensas por vários Estados brasileiros. Na última segunda-feira, tivemos uma audiência pública na cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas, onde tratamos do caso de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Aliás, o Amazonas - eu quero aqui registrar o que já ficou muito claro durante a nossa audiência - é um dos Estados brasileiros mais avançados no combate a esse tipo de crime, visto que lá no Estado já temos vários núcleos instalados, núcleos de enfrentamento ao tráfico de pessoas, não só na capital, a cidade de Manaus, mas em alguns Municípios, como Presidente Figueiredo, Maués e muitos outros.

            Nesta semana estivemos em Manaus, na segunda-feira, e na semana anterior a esta estivemos na cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte, onde também realizamos uma produtiva audiência pública, que cobrou das autoridades policiais mais empenho na investigação de cinco crianças, Sr. Presidente, que sumiram misteriosamente de um bairro da periferia da cidade de Natal, um bairro chamado Planalto, entre os anos de 1998 e 2001. Ou seja, um crime que atingiu simultaneamente cinco famílias, porque foram cinco crianças que sumiram num mesmo bairro, em condições semelhantes. Até hoje é um crime que está sem uma conclusão.

            E, por incrível que possa parecer, Sr. Presidente, a CPI tem ajudado muito, inclusive tem trazido à luz fatos novos que fazem renascer a esperança das famílias, das mães, dos pais, dos parentes, dos amigos, dos vizinhos, de um bairro todo para que possam saber a localização dessas crianças ou vir a encontrá-las.

            Senador Capiberibe, esse crime aconteceu, repito, há 10 anos, 14 anos. Cinco crianças de cinco famílias diferentes sumiram na cidade de Natal, no bairro conhecido como Planalto, e, 10 anos, 14 anos depois, estamos chegando a informações novas, partindo inclusive da própria Polícia, que não tinha conhecimento do caso nem constava do inquérito de investigação. E nós fazemos esse trabalho com a colaboração, obviamente, do Governo e, principalmente, do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte.

            Em relação a esse caso, já estivemos com o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que garantiu que colocará a Polícia Federal - e o Ministério Público é outro órgão que também estamos procurando envolver - no sentido de federalizar essa investigação, o que deveria ter ocorrido há muito tempo, para dar, repito, uma luz às famílias a fim de que possam reaver, reencontrar suas crianças.

            Antes de Natal, Sr. Presidente, a CPI também esteve na cidade de Salvador. Esses casos ocorrem em todos os Estados brasileiros, mas a Bahia, principalmente, neste último mês e no mês anterior, tem sido matéria frequente dos telejornais, da mídia impressa do País, quando se trata de assuntos relativos ao tráfico de pessoas.

            Ou seja, o trabalho que estamos realizando, desde o primeiro semestre do ano passado, Sr. Presidente, no âmbito da CPI, tem servido para dar maior evidência a um problema que, repito, é extremamente sério, uma autêntica chaga social. E, mais do que isso, o trabalho da CPI vem obtendo importantes avanços no sentido de definir os caminhos mais adequados para dar enfrentamento eficaz a esse tipo de crime sempre relacionado a outras práticas criminosas, o que implica graves violações dos direitos humanos.

            Conquanto o tráfico de pessoas seja um problema que causa apreensão em escala mundial, o Brasil tem motivos para preocupação ainda maior, haja vista estarmos entre os cinco países com maior incidência desse tipo de ilícito.

            Sabe-se que o tráfico de pessoas - já destaquei isto da tribuna - é a terceira atividade mais lucrativa do crime organizado e, segundo os próprios dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc), o tráfico de pessoas faz cerca de 2,5 milhões de vítimas e movimenta aproximadamente US$32 bilhões por ano. É preciso, ainda, considerar que, embora abjeta e repulsiva por si só, essa prática delituosa não se esgota em si mesma, já que seu objetivo, o do tráfico de pessoas, é alimentar outras atividades criminosas, nomeadamente e em especial a exploração sexual de cunho comercial ou não, a exploração de mão de obra escrava e o comércio de órgãos para transplantes, Sr. Presidente, e também a adoção irregular de crianças, principalmente de recém-nascidos.

            No caso do Brasil, apesar de sabermos todos que o tráfico de pessoas é um problema de grande dimensão, existe uma grave deficiência de informações oficiais e precisas a respeito.

            No mês passado, foi divulgado o resultado de um levantamento realizado em parceria entre a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, abrangendo o período entre 2005 e 2011. Essa pesquisa, Sr. Presidente, indica, entre outras informações, que 475 brasileiros e brasileiras - reparem nos números - teriam sido vítimas do tráfico de pessoas nos últimos 7 anos, dos quais 337 sofreram exploração sexual e 135 foram submetidas a trabalho forçado, trabalho escravo.

            O próprio titular da Secretaria Nacional de Justiça, Dr. Paulo Abrão, reconhece, contudo, que o tráfico de pessoas no Brasil - seja na modalidade do tráfico internacional, seja do tráfico interno - é um fenômeno ainda registrado de forma muito deficiente pelos órgãos de enfrentamento ao crime. Um dos motivos para isso é a invisibilidade das vítimas, que raramente procuram as autoridades e muitas vezes sequer se reconhecem como tais.

            Os autores do levantamento admitem que os números lá constantes - ou seja, o relatório de que acabo de falar - colocam que, no período de 2005 a 2011, apenas 475 brasileiros e brasileiras teriam sido vítimas do tráfico de pessoas. Ou seja, os próprios órgãos que divulgaram esse relatório reconhecem que os números, por si só, mostram a deficiência na investigação, na apuração e no enfrentamento, no Brasil, em relação a esse crime grave, que é o crime de tráfico de pessoas.

            Sr. Presidente, registrei aqui que as dificuldades e a invisibilidade se dão, muitas vezes, porque a própria vítima se sente culpada sem ser, mas a vítima se sente culpada, a vítima se sente como a própria criminosa, então, não procura ajuda, não procura fazer a denúncia.

            Por outro lado, há uma questão que considero até mais grave do que essa, que é o despreparo das autoridades policiais do Brasil para o enfrentamento desse crime, porque, quando se trata de desaparecimento de uma pessoa maior de idade, dizem: “Não, a pessoa é maior de idade, saiu, fugiu, foi para onde bem quis”. Não há nem registro feito. Quando é menor de idade, Sr. Presidente, dificilmente se coloca imediatamente a suspeita de tráfico que deveria acontecer, porque isso facilitaria muito o trabalho de investigação em nosso País.

            De fato, Sr. Presidente, esses números não condizem com a realidade. O exemplo é uma reportagem recente publicada na revista IstoÉ, que, apoiando-se em informações do Ministério Público e da Polícia Federal, relata que já chega a 70 mil o número - 70 mil, olha a diferença para as 400...

(Interrupção do som.)

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco/PCdoB - AM) - Contraditoriamente, a própria imprensa braisleira divulga que chega a aproximadamente 70 mil o número de pessoas levadas para o exterior por traficantes. E a outra informação também constante da matéria jornalística dá conta de que cerca de 10% dos mais de US$30 bilhões movimentados pelas máfias do tráfico de pessoas passam pelo Brasil, Sr. Presidente.

            Com esse trabalho da CPI, tenho a convicção de que estamos dando maior nitidez à dimensão e às múltiplas nuances do problema do tráfico de pessoas em nosso País.

            Se antes o tráfico de pessoas era apenas uma observação empírica, que registrava principalmente mulheres sendo enviadas para destinos estrangeiros com fins de exploração sexual, hoje, transcorridos mais de 18 meses em que a CPI vem desenvolvendo suas atividades, já conseguimos recolher elementos suficientes para alertar as instituições e as autoridades de que é necessária uma intervenção séria, determinada e rigorosa.

            Além de comprovar que a prática do tráfico de pessoas é disseminada em nosso País, fazendo dezenas de milhares de vítimas de norte a sul, a Comissão vem constatando, também, que os esforços envidados até aqui pelas autoridades no combate ao problema têm alcançado apenas resultados muito modestos.

            Também é muito pequeno o número de criminosos no Brasil, Senador Capiberibe, que cumprem pena por tráfico de pessoas. Dados do próprio Sistema Penitenciário brasileiro relativos a outubro de 2011, disponibilizados pelo Ministério da Justiça, indicavam a existência de apenas 36 pessoas cumprindo pena por tráfico internacional de pessoas e outras 16 por tráfico interno, e todos eles crimes relacionados para fins de exploração sexual.

            As dificuldades do Brasil em aplicar os rigores da lei aos traficantes de seres humanos são conhecidas no âmbito internacional. Relatório recentemente divulgado pelo Departamento de Estado norte-amerícano afirmou que o Governo brasileiro "não está em total conformidade com os padrões mínimos para a eliminação do tráfico, embora esteja envidando esforços significativos para tanto".

            E aqui eu registro que a partir do segundo madato do Presidente Lula é que o Brasil passou a ter um Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Inclusive, os Núcleos de Enfrentamento que estão sendo instalados em todos os Estados brasileiros - o Amazonas, meu Estado, é um dos mais adiantados nisso - são parcerias realizadas entre o Ministério da Justiça, do Governo Federal, e os Govemos estaduais. E tudo isso constante do Plano de Enfrentamento. Entretanto, temos a segunda versão do Plano já elaborada, já concluída, aguarda apenas a assinatura da Presidenta Dilma.

            Em algumas áreas, Sr. Presidente, como na fiscalização do trabalho escravo, nós da CPI temos registrado inegáveis avanços. Mesmo nesse caso, entretanto, a legislação deixa brechas à impunidade. A lei pune a organização do trabalho escravo, mas não contempla uma série de condutas que estão descritas no tratado internacional relativo à matéria, já ratificado pelo Brasil, como, por exemplo, transportar, transferir, alojar ou acolher trabalhadores traficados.

            E aí, os artigos 231 e 231-A de nosso Código Penal tratam, respectivamente, do tráfico, mas apenas relatam, caracterizam, tipificam o tráfico como "para fins de exploração sexual".

            Solicito de V. Exª, Sr. Presidente, que inclua a íntegra do meu pronunciamento nos Anais da Casa, pois quero apenas fazer um breve fechamento da minha intervenção, dizendo que nós deveremos apresentar, aliás, já apresentamos,...

(Soa a campainha.)

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco/PcdoB - AM) - ...sugestões, projetos para a mudança do Código Penal Brasileiro. E não basta mudar o Código Penal Brasilleiro em relação ao tráfico de pessoas, precisamos de leis, leis específicas, leis concisas, que garantam uma robustez maior às iniciativas públicas no sentido de enfretar esse problema muito grave que acomete mutias pessoas em nosso País.

            Eu finalizo, Sr. Presidente, dizendo que considero o trabalho da CPI um trabalho que vem ajudando a sociedade brasileira. E, não tenho dúvida, o maior ganho que poderemos ter com essa CPI será a mudança, os avanços na legislação brasileira, como forma de dar visibilidade ao crime e melhor aparelhar o Estado brasileiro, assim como conscientizar a sociedade brasileira no sentido da importância do enfrentamento a esse crime, que é grave. Repito: o tráfico de pessoas não existe por si só.

(Soa a campainha.)

            A SRª VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco/PCdoB - AM) - Ele antecede outros crimes bárbaros: adoção de crianças, exploração sexual, exploração para trabalho forçado e até mesmo retirada e comercialização de órgãos, Sr. Presidente.

            Recentemente, conversando com um amigo acerca da telenovela da Rede Globo, das 21h, meu amigo me dizia: “Aquilo é uma ficção”. Não é ficção. O que a telenovela está mostrando não é ficção, é a mais pura realidade, é exatamente daquele jeito que as coisas acontecem. Jovens mulheres, não só mulheres, mas homens, transexuais e crianças são traficadas, tratadas como animais, Sr. Presidente, privadas de liberdade, exploradas. Isso existe, não é ficção.

            Então, é essa cultura que nós temos que mudar na sociedade brasileira e, sem dúvida alguma, a CPI, no meu entendimento, vem realizando um belo trabalho.

(Soa a campainha.)

            A SRa VANESSA GRAZZIOTIN (Bloco/PCdoB - AM) - Eu quero fazer uma homenagem não apenas à ex-Senadora Marinor, mas à Senadora Lídice da Mata e ao Senador Paulo Davim, que têm sido parlamentares incansáveis no debate desse tema pelo Brasil afora.

            Muito obrigada, muitíssimo obrigada pela compreensão e pelo tempo a mais que V. Exa me concedeu, Senador Capiberibe.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/2012 - Página 71008