Discurso durante a 234ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Defesa da aproximação do Brasil com os países vizinhos ao Amapá.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA EXTERNA.:
  • Defesa da aproximação do Brasil com os países vizinhos ao Amapá.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/2012 - Página 71098
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • DEFESA, APROXIMAÇÃO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, VIZINHO, ESTADO DO AMAPA (AP), OBJETIVO, EVOLUÇÃO, ECONOMIA, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, INFRAESTRUTURA.
  • REGISTRO, VISITA, GOVERNADOR, ESTADO DO AMAPA (AP), DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, ENFASE, FORTIFICAÇÃO, RELAÇÃO, DIPLOMACIA.

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, V. Exª é morador da ponta de baixo deste imenso País. Aliás, nós somos moradores dos extremos: eu venho da ponta de cima; V. Exª, da ponta de baixo.

            Aliás, quero aproveitar a oportunidade para lhe revelar aqui uma situação que me parece peculiar. Lá em cima, temos como vizinho o departamento francês da Guiana. Lá, eles compram carne bovina do Rio Grande do Sul, numa situação que me parece absolutamente inusitada. Essa carne bovina, que sai do Rio Grande do Sul para ser consumida em Caiena e em outras cidades do departamento francês da Guiana, atravessa o Atlântico uma vez, é levada para a França e, de lá, é remetida para a Guiana Francesa. Imagine, Senador Paulo Paim, o preço dessa carne! Do Rio Grande do Sul, essa carne viaja, atravessa o Atlântico, vai a um porto de Marselha ou a qualquer porto francês e volta a atravessar o Atlântico, para desembarcar em Caiena.

            Estou falando isso, porque, neste momento, a Presidenta Dilma Rousseff passou em Paris, lá se encontrando com o Governador do Amapá, que também estava cumprindo uma agenda intensa, a convite do Presidente da França, François Hollande.

            Vou falar um pouco dessa situação, para situar os que nos ouvem pela Rádio Senado e pela TV Senado, os Srs. Senadores e as Srªs Senadoras.

O Amapá mantém, ainda hoje, características de enclave econômico. Essa situação é imposta por condições geográficas: a distância que separa o Estado dos principais centros dinâmicos do País (Belém [o mais próximo] e Fortaleza estão, respectivamente, a 300 quilômetros e 1,2 mil quilômetros de Macapá), somada às dificuldades que, todavia, representam a travessia do estuário Marajoara e a baixa densidade populacional, relegou a região à sua própria sorte.

As concepções de desenvolvimento aplicadas ao Amapá - a Guiana brasileira - visaram, unicamente, à sua integração ao mercado nacional. Até então, nunca se tirou partido do potencial que representa o intercâmbio econômico e cultural com os países vizinhos do Platô das Guianas e das ilhas do Caribe próximo. O objetivo de integração do Amapá ao espaço nacional negligenciou as eventuais vantagens que o Estado poderia tirar de sua situação geográfica. E não poderia ser diferente até há poucos anos, posto que a criação dos territórios, em 1943, visava a consolidar a soberania do Brasil, nas regiões de fronteira. A esse propósito, a questão do Contestado, território situado entre os Rios Araguari e Oiapoque, somente foi resolvida no começo deste século, graças à ação do Barão do Rio Branco, em 1901 [bem no comecinho desse século; estou falando desse século, porque vou revelar, no final, quando foi escrito esse texto].

Entretanto, hoje, vivemos um período marcado pela globalização e pela integração sul-americana. Esse movimento deve favorecer a formação de um polo econômico regional guianense. Apesar do pequeno porte dos mercados vizinhos, a dimensão econômica e populacional do Amapá é compatível com a desses países, tanto mais que o Amapá se encontra em uma situação geográfica particular: os 600 quilômetros de fronteira terrestre comum com a Guiana Francesa, nos confins da Amazônia, separam o Mercosul da Comunidade Econômica Europeia. Como explorar as vantagens que essa situação inusitada nos oferece?

Com efeito, os países mais próximos do Amapá, com população de 500 mil habitantes, representam uma população de 2,5 milhões de habitantes - Guiana: 1 milhão; Suriname: 500 mil; Trinidad e Tobago: 1,3 milhão; e Guiana Francesa: 140 mil [...]. Com níveis de renda semelhantes (com exceção da Guiana Francesa, cujos índices se aproximam aos dos países europeus), essas economias podem encontrar complementaridades para seus intercâmbios.

Mais do que nunca, há necessidade de se conceber uma estratégia de desenvolvimento visando a essa integração. Ela permitiria não apenas uma dinamização das atividades econômicas do Amapá, mas também desempenharia um papel de ponta-de-lança para a indústria nacional, sobretudo a paraense e a nordestina.

Entretanto, a perspectiva de integração regional requer um considerável esforço por parte do Estado e da União na construção de infraestrutura, notadamente transportes e energia.

No que diz respeito aos transportes, a pavimentação da estrada Oiapoque - Macapá é um imperativo. No entanto, essa questão sempre foi relegada a segundo plano. Inclusive, recentemente, por ocasião do último plano de transportes para o Brasil, o Amapá foi o único Estado a não ser contemplado com esse benefício. Essa situação se explica, em parte, pela concepção que ainda preside tais decisões: a estrada é vista apenas como um fator de integração econômica do Amapá e deste com o resto do País, e não como um elemento de integração com os países vizinhos.

Tanto mais que, em pouco tempo, será possível viajar por terra de Macapá a Georgetown. A última barreira que ainda impede essa travessia - 70 quilômetros que separam as cidades de Regina e Saint Georges de L’Oyapock - será vencida em 1999 pelo governo da França. Ao Estado brasileiro restará pavimentar 430 quilômetros de estradas em péssimo estado que ainda separam o Brasil dos países do Platô das Guianas. O custo dessa obra é da ordem de R$90 milhões.

Além do mais, do ponto de vista do mercado interno amapaense, a ausência de transportes e de energia é um fator limitante para o desenvolvimento de suas atividades econômicas. A pecuária (250 mil cabeças), por exemplo, prospera nas regiões de campos alagados e de cerrado (os dois ecossistemas representam aproximadamente 20% do Estado). Além da madeira e da pesca, dispõe de um notável potencial de expansão (carne e embutidos, leite e derivados, indústria agroalimentar e pescados, móveis etc). Porém, a precariedade das infraestruturas inibe e inviabiliza essas atividades que, ainda hoje, são insuficientes para suprir o próprio mercado do Estado.

E, portanto, todos os países vizinhos são grandes importadores, inclusive de alimentos.

A Falta de energia é outro fator limitante. Por essa razão, o Amapá encontra dificuldades de responder a demandas de investidores, inclusive da Guiana Francesa, potencialmente importantes. Estes pretendem aproveitar as vantagens comparativas que o Brasil pode oferecer na região do Oiapoque, para produzir bens que, através de Caiena, poderiam alcançar a Comunidade Europeia, além de Martinica e Guadalupe (igualmente integrantes da Comunidade Econômica Europeia), além de outros países do Caribe com os quais mantém relações comerciais tradicionais.

Como prova do dinamismo e do potencial regional, discute-se hoje, por exemplo, a aplicação de investimentos para a produção de energia no Oiapoque, graças à criação de uma empresa com capitais brasileiros e franceses para a produção de 7,5 megawatts hidráulicos. Discute-se, igualmente, a possibilidade de investimento no setor da pesca, além da instalação de um frigorífico com capitais guianenses.

Finalmente, o governo do Estado do Amapá é bastante sensível a toda iniciativa da diplomacia brasileira junto aos países vizinhos e às instituições internacionais americanas (Tratado amazônico, Mercosul, OEA, Aladi) no que tange a essa questão: principalmente naquilo que concerne a um maior conhecimento das vantagens e das barreiras institucionais, jurídicas e econômicas que tal integração passa a suscitar ao nível dos países da região.

            Esse é um artigo nosso, escrito em 1997 e publicado na Gazeta Mercantil, um jornal que prestou, durante décadas, um serviço importante à economia brasileira e que hoje já não existe. Esse artigo foi publicado na segunda-feira, dia 17 de março de 1997.

            Eu passo a corrigir os dados. A população do Amapá, que era de 500 mil, hoje é de 700 mil habitantes. No departamento francês da Guiana, era de 140 mil; hoje, a população está atingindo 250 mil. Havia 20 mil brasileiros naquele momento, hoje devem chegar a quase 50 mil brasileiros. A segunda língua falada na Guiana é a Língua Portuguesa.

            Dessa realidade, descrita nesse artigo para os dias de hoje, muita coisa mudou. A estrada a cargo dos franceses, de Regina a São Jorge do Oiapoque, foi concluída em 2011. No entanto, o trecho nosso da BR-156, de Macapá ao Oiapoque, ainda está por ser concluída. Ainda nos resta algo em torno de 170 quilômetros para concluir essa estrada.

            A ponte sobre o Rio Oiapoque está concluída. Nesse momento o Governo do Estado conclui o acesso à ponte, o entorno à ponte, e a nossa expectativa é de inaugurá-la no ano que vem.

            A energia elétrica, a PCH, do Salto Cafesoca, do Oiapoque, continua no papel. No entanto, nós temos hoje duas hidrelétricas em construção e, em 2013, vamos estar interligados ao sistema nacional de energia elétrica. Portanto, já em 2013, nós vamos ter uma solução definitiva, com energia estável, com energia segura e de menor preço.

            Em 1997, eu não falei da comunicação via Internet, até porque ainda estávamos engatinhando. Naquela época, não tínhamos ainda interligação pela web, mas, hoje, graças à cooperação que nós desenvolvemos com a França, temos um cabo que está atravessando o leito, a lateral da BR-156, que deverá nos conectar por banda larga a partir de março do ano que vem.

            Falta-nos o Porto de Santana, até porque os países do platô da Guiana têm dificuldade de receber navios de grande calado, e nós temos um porto, que é o Porto de Santana, que pode receber navios, que pode receber cargas e distribuir nos países do platô da Guiana, uma vez concluída a BR-156, a pavimentação asfáltica até Caiena e, com a ponte, distribuir no departamento francês da Guiana, no Suriname, na Guiana, chegando a Roraima.

            Hoje, pela manhã, o Senador Romero Jucá falou aqui da necessidade do asfaltamento da estrada que liga Boa Vista a Georgetown, o que faria com que tivéssemos um eixo completo, uma ligação completa rodoviária, saindo do Amapá a Roraima e de lá aos Estados Unidos, enfim, tomaríamos a Panamericana.

            Então, houve, de fato, uma evolução muito grande nesses anos. Trabalhou-se muito. Tivemos um hiato de retração na cooperação durante os oito anos do Governo que nos antecedeu, quer dizer, que antecedeu o Governador Camilo Capiberibe. Houve um distanciamento da cooperação, e isso terminou fazendo com que se diminuísse o ritmo em que estávamos trabalhando.

            É verdade que, para o Amapá, para aquela região e também, evidentemente, para os Estados vizinhos, essa integração com os países do platô da Guiana pode dinamizar a nossa economia; e vai dinamizar com a infraestrutura que está sendo implantada neste momento.

            Por último, eu gostaria de lembrar aqui uma situação, no mínimo, curiosa, que ocorreu nesta semana, no que se refere à relação entre Brasil e França.

            O Governador do Amapá, Camilo Capiberibe foi convidado pelo presidente francês. Esse convite foi antes da visita da Presidente Dilma. E, bom, coincidiu que a Presidente estava na França, e o Presidente François Hollande também convidou o Governador do Amapá para participar desse jantar, que aconteceu na quarta-feira. O curioso é que essa cena se repetiu exatamente igual há 16 anos, quando eu era Governador.

            Quando eu era Governador, o Presidente Fernando Henrique, em maio de 1996, com uma grande comitiva, com governadores do Rio Grande do Sul, da Bahia e de vários Estados, Ministros, Parlamentares, foi a Paris assinar a renovação do Acordo-Quadro de Cooperação franco-brasileira. Ao longo da ditadura, houve um distanciamento. A França se distanciou do Brasil durante o período da ditadura e retomou essa cooperação, com maior intensidade, a partir de 1996. E, como tínhamos interesse muito específico de construir uma cooperação efetiva entre o Amapá e o departamento francês da Guiana, nós introduzimos uma cláusula nesse acordo, a cláusula VI, que permitiu uma cooperação regional, permitiu que fizéssemos contratos e também que desenvolvêssemos vários acordos de cooperação entre o Amapá e a Guiana. E eu fui convidado não para participar da comitiva do Presidente Fernando Henrique, mas pelo presidente francês, para participar do ato de assinatura da renovação do Acordo-Quadro.

            Há até fotografias muito parecidas, Sr. Presidente, em dois momentos diferentes: no primeiro momento, em 1996, eu, o Presidente Fernando Henrique e o Presidente Jacques Chirac; e, agora, a Presidente Dilma, o Governador Camilo Capiberibe e o Presidente da França, François Hollande.

            Estou falando dessa curiosidade, para dizer-lhes que as autoridades da República têm um olhar para cima, têm um olhar voltado para o Brasil do Sul.

            O Brasil do Norte é este imenso território, 60% do território brasileiro, meio invisível, que precisamos revelar para a sociedade brasileira.

            São 700 quilômetros de fronteira com a França. E é preciso estreitar essas relações, sim.

            O Presidente Lula também buscou aproximar a cooperação com a França, e para nós, no Amapá, isso é fundamental. A presença da Presidente Dilma na França, sucedendo os esforços feitos pelo Presidente Lula, a recepção calorosa dada pelo Presidente da França, François Hollande, ao Governador do Amapá e, lá atrás, a do Presidente Chirac devido à nossa presença ali mostram o desejo, a vontade dos dois países e das duas regiões, o Amapá e a Guiana, de continuarem construindo essa cooperação em busca de melhores condições de vida para as nossas populações.

            Por último, Sr. Presidente, gostaria de informar que a nossa Secretária Jucinete, da Receita do Amapá, acompanhada de outros técnicos, passou esta semana aqui, fazendo simulações, discutindo, propondo essa nova partilha do FPE, um trabalho exaustivo.

            É possível, sim, fazer uma partilha mais justa do FPE, sem que os Estados percam. Agora, seria fundamental a presença do Governo Federal, porque essa é uma questão federativa, que mexe com o conjunto dos Estados brasileiros.

            Conversando com os líderes em busca de uma solução... Nós a queremos, precisamos dela, porque o prazo é exíguo, está-se esgotando. Agora se esgota o prazo dado pelo Supremo Tribunal Federal.

            Foram três anos para resolver esse problema, em que poderíamos ter, inclusive, pedido a intervenção, a participação do Governo Federal, do Ministério do Planejamento, para que pudéssemos construir um consenso em torno dessa nova partilha. Isso até agora não aconteceu, mas tenho a convicção de que é possível, sim.

            Agora, há algo estranho acontecendo, porque não é possível... Precisamos resolver esse problema, e um passa para o outro. Vou ao Líder, que diz: “Nós estamos totalmente de acordo”. Todos estão de acordo, e nada anda. É preciso esclarecer isso.

            Pedi à Mesa ontem esclarecimento e, na segunda-feira, vou insistir em que possamos chegar a um consenso sobre essa nova partilha do FPE.

            Era isso, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/2012 - Página 71098