Discurso durante a 20ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários acerca da necessidade de reforma do Regimento Comum do Congresso Nacional.

Autor
Jorge Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Jorge Ney Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REGIMENTO COMUM.:
  • Comentários acerca da necessidade de reforma do Regimento Comum do Congresso Nacional.
Publicação
Publicação no DSF de 05/03/2013 - Página 7119
Assunto
Outros > REGIMENTO COMUM.
Indexação
  • COMENTARIO, ATO, PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS, SENADO, CRIAÇÃO, COMISSÃO MISTA, OBJETIVO, REFORMULAÇÃO, REGIMENTO COMUM, CONGRESSO NACIONAL, REFERENCIA, PROCESSO LEGISLATIVO, DELIBERAÇÃO, VETO (VET), MEDIDA PROVISORIA (MPV), ORÇAMENTO.

            O SR. JORGE VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Agradeço o Sr. Presidente, Senador Ricardo Ferraço, cumprimento os demais colegas, a Senadora Ana Amélia, os demais colegas aqui no plenário, todos que nos acompanham pela TV Senado, pela Rádio Senado, pela Internet.

            O que me traz à tribuna, Sr. Presidente, é um ato da Mesa, aliás, um ato conjunto, o Ato Conjunto nº 1, de 2013, do Presidente da Câmara e do Presidente do Senado, que cria uma Comissão Mista destinada a elaborar, em 60 dias, uma proposta de reforma para o Regimento Comum do Congresso Nacional. Esse é um tema - hoje, ainda cedo, dei entrevista para a Rádio Senado - da maior importância.

            E reproduzo, aqui, os termos do Ato Conjunto assinado pelo Presidente Renan e pelo Presidente Henrique Alves, Presidente da Câmara:

O Presidente do Senado Federal e o Presidente da Câmara dos Deputados, no uso de suas atribuições regimentais resolvem:

Art. 1º Fica instituída uma Comissão Mista, composta por 6 Senadores [ou Senadoras] e 6 Deputados Federais, destinada a elaborar, no prazo de 60 dias, Projeto de Resolução de Reforma do Regimento Comum do Congresso Nacional.

Art. 2º A Comissão compor-se-á dos Senadores Romero Jucá, Lobão Filho, Flexa Ribeiro, Walter Pinheiro, Jorge Viana, Ana Amélia, e dos Deputados Federais Cândido Vaccarezza, Osmar Serraglio, Bruno Araújo, Mendoça Filho, Júlio Delgado e Jô Moraes.

            Essa composição começa a trabalhar nos próximos dias e o ato foi assinado dia 1º de março pelo Presidente Renan Calheiros e pelo Presidente Henrique Alves.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, talvez a população não entenda, mas o Regimento Comum é o regimento que estabelece as normas para as reuniões do Congresso Nacional.

            Amanhã, teremos uma sessão do Congresso. Estaremos reunidos no mesmo espaço, na Câmara dos Deputados, Senadores e Senadoras, Deputados e Deputadas, deliberando sobre uma matéria que é prerrogativa do Congresso Nacional, provavelmente sobre um tema que V. Exª trouxe há pouco à tribuna, os vetos presidenciais ligados aos royalties - e que acaba também de ser levantado pelo Senador Dornelles.

            Mas amanhã também a expectativa é que se aprecie, que se comece a debater sobre a votação do Orçamento da União, que deveria ter sido votado ainda no ano passado. E toda essa problemática que estamos vivendo, de certa forma, decorre do que temos de Regimento Comum.

            Nós temos hoje um Regimento Comum que foi elaborado em 1970, em pleno regime militar, no auge do que tínhamos de pior no regime de exceção, o governo Médici. Exatamente naquele período, em 1970, com a Resolução nº 1, elaborou-se o Regimento Comum do Congresso. Imagine em que condições!

            Esse regimento tem 152 artigos, passou por grandes transformações e mudanças a partir da Constituição Federal de 1988, com várias resoluções subseqüentes.

            Então, o que temos é que a partir da Constituição de 88 foram expedidas resoluções que alteram o Regimento Comum, mas não fazem parte do Regimento Comum; é como se elas fossem anexos. Obviamente que estabelecem também as diretrizes para o Regimento Comum.

            Eu tenho aqui em minhas mãos o Regimento Comum. Ele tem 152 artigos e ele se encerraria aqui, exatamente aqui. E tudo isso aqui, que é quatro vezes o tamanho do Regimento, são resoluções que têm de ser consultadas quando se tem dúvida sobre o Regimento Comum do Congresso Nacional. E aí faço algumas observações, Sr. Presidente.

            A primeira delas é essa falta de coesão estrutural do texto do Regimento Comum do Congresso Nacional, e o problema é que elas não estão reunidas em um único texto. Como foi dito, o atual Regimento Comum do Congresso Nacional foi originalmente aprovado pela Resolução nº 1, de 1970. No entanto, muitas resoluções foram sendo editadas em separado. Apesar de serem consideradas parte integrante do Regimento, elas não compõem um texto único. Várias resoluções integram o Regimento Comum, mas não estão reunidas em um só texto. Então, não tenho dúvidas de que essa Comissão tem um trabalho a fazer da maior importância.

            Vamos pegar um exemplo da Resolução nº 1, de 2002, que dispõe sobre medidas provisórias, porque a essência do Regimento Comum é tratar de medidas provisórias - ou seja, aquilo que é comum à Câmara e ao Senado, às sessões do Congresso -, vetos, CPMIs e as matérias orçamentárias; é basicamente isso que o Regimento Comum deve regular. E, referindo-me à Resolução nº 1, de 2002, que dispõe sobre as medidas provisórias, em seu art. 1º o legislador colocou: “Esta Resolução é parte integrante do Regimento Comum”. Contudo, o leitor não a encontra na estrutura do Regimento Comum. A Resolução nº 1, de 2002, é apenas um exemplo das regras dispersas que, desnecessariamente, tanto dificultam o trabalho no Legislativo e geram conflitos e debates, geram demandas judiciais.

            Outro aspecto que eu queria ressaltar é que as principais matérias reguladas pelo Regimento, como falei ainda há pouco, são as medidas provisórias, as matérias orçamentárias, o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentária, a lei orçamentária anual, vetos e CPMIs...

            Essas são as matérias conflituosas, que sempre geram debate, dúvidas, e sempre geram demandas depois de deliberadas no Congresso, nos tribunais, especialmente no Supremo Tribunal Federal.

            Eu queria dizer que, sobre as medidas provisórias, inicialmente faremos um breve histórico: com a promulgação da Constituição de 1988, foi editada a primeira resolução no Congresso para regular o processo legislativo das medidas provisórias. Essa resolução é a nº 1 de 1989. Então, nós temos aí: o Governo do Presidente Sarney, do Presidente Collor, de Itamar, Fernando Henrique, Lula, que, de alguma maneira, até o final do Governo do Presidente Fernando Henrique, vinham - e tudo era resolvido a partir da apreciação dessa Resolução nº 1, de 1989. Entretanto, as medidas provisórias, criadas para serem passageiras na Constituição, como fica expresso no próprio nome - provisórias - passaram a ser quase uma lei permanente, exatamente por conta desse conflito, que nós sempre tivemos. Como agora, amanhã, vamos ter uma sessão onde se consultará a todo instante, a todo momento, o Regimento Comum.

            O Presidente da República editava uma medida provisória e, antes do seu vencimento, em trinta dias, que elas tinham um prazo de trinta dias, eram reeditadas, e, passados mais trinta dias, novamente reeditadas, e assim ficavam anos sendo reeditadas várias, milhares de medidas provisórias, mês a mês. Diante do silêncio de um Congresso que não cumpria o que estava estabelecido na própria Constituição. Isso perdurou até que fosse aprovada a Emenda de nº 32, em 2001, que estabeleceu um novo regramento, ou explicitou o regramento para as medidas provisórias, onde se estabeleceu a Resolução nº 1, de 2002, que vale até hoje.

            Com essas mudanças, o Presidente da República ficou impedido de reeditar medidas provisórias. E aí nós tivemos, em contrapartida, um prazo: o prazo de trinta dias da vigência passou para sessenta, podendo ser reeditado mais sessenta dias. Isso em 2001, com aquela modificação, salvo engano, uma proposição apresentada pelo então Deputado Aécio Neves. O certo é que, esgotado o prazo de cento e vinte dias sem que o Congresso se manifestasse, a medida provisória perdia o efeito.

            Ora, Sr. Presidente, com essa questão o nosso Governo inclusive se viu diante de um grande desafio. Até ai, não era tão complicado se governar neste País, em que se busca a todo o momento e se recorre a todo momento às medidas provisórias. Elas eram reeditadas quase que indefinidamente. E com essa normativa exatamente no começo, quando o Presidente assume, ficou explicito que ela deixaria de ser lei em 120 dias, caso não viesse a ser apreciada pelo Congresso. Ai estava se colocando novamente a importância do Congresso, mas estava se colocando um desafio para o Governo de compor uma aliança em condição de governar. Daí surgiu o governo de coalizão que teve que ser montado por necessidade pelo Presidente Lula especificamente no segundo mandato. E de lá para cá as medidas provisórias passaram a tramitar separadamente nas duas Casas: na Câmara e no Senado. Primeiro ocorre uma manifestação prévia na Comissão Mista de deputados e senadores, caso aprovada a MP vai à votação na Câmara e depois segue para o Senado.

            Em resumo, o fim da reedição pelo Presidente da República e a tramitação separada na Câmara e no Senado foram as duas grandes mudanças feitas pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001, regulamentada na Resolução nº 1, de 2002.

            Mais isso estava escrito, mas não vinha sendo cumprido, as comissões não apreciavam às medidas provisórias e elas iam direto para o plenário. Nós ficamos assim até março de 2012, quando veio uma outra novidade. Esse judicializado estava esperando uma decisão do Supremo. E a diferença é que em 2001 as mudanças foram feitas pelo Parlamento. E aí eu chamo a atenção, Sr. Presidente, dos colegas senadoras e senadores.

            Vejam só, havia uma normativa constitucional; ela não foi regulamentada. O Parlamento aclarou essa normativa com a 32, de 2001. Uma parte da tramitação de medidas provisórias ficou ainda não sendo cumprida. Recorre-se ao Supremo, e o Supremo começa, então, a substituir o papel do Congresso.

            E eu acho que essa é a coisa mais grave que temos hoje acontecendo no País: em virtude de o Congresso não cumprir com as suas prerrogativas, quem perde aqui recorre ao Supremo e o Supremo começa a estabelecer normas, substituindo, inclusive, as prerrogativas do próprio Congresso.

            É o caso típico. Em março de 2012, veio essa novidade, onde o Supremo alterou a tramitação das medidas provisórias. E por que razão ele fez isso? Porque se recorreu ao Supremo sobre a Emenda nº 32, e o Plenário do Supremo declarou inconstitucional o art. 5º da Resolução nº 1, de 2002, entendendo que o prazo de funcionamento das comissões mistas não deveria ser de 14 dias improrrogáveis; para o Supremo, as MPs devem ficar nas comissões mistas pelo tempo que for necessário para a sua aprovação ou rejeição, só saindo de lá em direção à Câmara dos Deputados quando forem efetivamente apreciadas, mesmo que para isso leve bem mais tempo do que os 14 dias.

            É dentro desse fato concreto que encontramos algo que alguns traduzem como judicialização da política. É quase um processo, porque é absolutamente normal que se recorra ao Supremo Tribunal quando se tem uma dúvida sobre a aplicação da nossa Constituição. O Supremo é o guardador da Constituição, é quem pode interpretar a Constituição. Mas quem elabora as leis é esta Casa.

            Agora, aqui, o costume é esse: perde-se uma votação, recorre-se ao Supremo no outro dia. E isso tem tirado as prerrogativas do Senado, da Câmara e do Congresso Nacional. Falo isso sem medo de errar. Isso não era assim. Até, salvo engano, a presidência do grande jurista e parlamentar Paulo Brossard, até ali, quando se tentava recorrer sobre matérias que são prerrogativas do Congresso, o Supremo devolvia, dizendo: “Essa matéria é prerrogativa do Congresso. O Congresso resolva, delibere sobre ela”.

            Mas, nos últimos anos, não tem sido assim. O Congresso está sempre esperando uma decisão da Justiça para poder trabalhar e cumprir suas prerrogativas, constitucionais inclusive. Foi o caso, agora, desse debate, é o caso agora desse debate sobre vetos, que tem todo o vínculo com o que falo neste pronunciamento.

            E o fato, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como se vê, é que o regramento sobre as medidas provisórias vem sendo alterado e que o texto atual está ficando obsoleto. Para piorar, as normas sobre os procedimentos de medidas provisórias estão fora da estrutura do Regimento Comum. Então, essa comissão tem que trazer para dentro do texto do Regimento Comum o regramento sobre medidas provisórias.

            O segundo item de que o Regimento Comum trata são matérias orçamentárias. Essas matérias orçamentárias são o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual, a LOA. E a regulamentação está na Resolução nº 1, de 2006, que é separada também do corpo do Regimento Comum. Isso deixa bem claro o quanto é acertada a decisão dos Presidentes das duas Casas de nomear uma comissão para tratar de unificar essas normativas e fazer um Regimento Comum que tenha regras claras, que aponte o caminho de maneira clara para eventuais conflitos.

            Se as matérias que estão vinculadas ao Regimento Comum são conflituosas, e o são - Orçamento, vetos presidenciais, funcionamento de CPMIs, comissões parlamentares mistas, e, ao mesmo tempo, medidas provisórias -, é fato que uma grande contribuição que estaríamos dando para o Congresso seria o estabelecimento de um novo Regimento Comum que atenda a essa expectativa, para que a gente saia desse quase confronto permanente, que é absolutamente, eu diria, até antipedagógico para a sociedade, porque esse conflito permanente entre o Congresso e o Supremo não existe. Mas fica parecendo que ele existe. O Supremo tem a sua independência e deve-se recorrer a ele somente quando necessário, e o Parlamento tem que cumprir as suas prerrogativas e deixar de ficar recorrendo ao Supremo por qualquer coisa, porque nós estamos vivendo, claramente, um processo de judicialização das eleições, da política, das deliberações, do Senado, da Câmara e do próprio Congresso. E eu entendo que não é boa para a independência dos Poderes a situação que nós estamos vivendo.

            Então, Sr. Presidente, eu queria concluir aqui a minha fala, dizendo que, diferentemente das MPs das matérias orçamentárias, que são disciplinadas por resoluções esparsas, os vetos e as CPMIs encontram abrigo no texto do Regimento Comum. Eles encontram abrigo.

            Mesmo assim, nada impede que os procedimentos sejam revisados dentro dos limites fixados na Constituição, e é isso que essa Comissão certamente fará. Estou muito agradecido pelo privilégio de poder fazer parte dessa Comissão e poder colaborar para que possamos ter um Regimento Comum que ajude a resgatar o respeito e o prestígio que são tão essenciais para o fortalecimento do Congresso Nacional.

            Amanhã teremos um debate, um enfrentamento, e já antecipo que, com as regras de hoje, certamente o lado perdedor vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal.

            Mas seria muito importante que já tivéssemos regulamentado todos os artigos da Constituição que dependem de regulamentação, que tivéssemos atualizado, da década de 70 para os dias de hoje no Brasil, o Regimento Comum e o Regimento do Senado e o mesmo para o Regimento da Câmara.

            O Regimento do Senado está nas mãos do Senador Lobão Filho, e a Mesa Diretora do Senado está solicitando que haja a tramitação dele na Comissão e que ele possa chegar à Mesa Diretora do Senado, para que encontremos uma maneira de encaminhá-lo ao Plenário. E penso que, com isso, o Presidente desta Casa, o Senador Renan, e a Mesa Diretora cumprirão o seu papel de ajudar a resgatar o prestígio, o respeito e as prerrogativas do Senado e do Congresso Nacional.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/03/2013 - Página 7119