Pronunciamento de Aloysio Nunes Ferreira em 01/03/2013
Discurso durante a 19ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Críticas ao PT pela suposta apropriação do legado político do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso.
- Autor
- Aloysio Nunes Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
- Nome completo: Aloysio Nunes Ferreira Filho
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.:
- Críticas ao PT pela suposta apropriação do legado político do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso.
- Aparteantes
- Cristovam Buarque.
- Publicação
- Publicação no DSF de 02/03/2013 - Página 6715
- Assunto
- Outros > PRESIDENTE DA REPUBLICA, ATUAÇÃO.
- Indexação
-
- APRESENTAÇÃO, ORADOR, SUGESTÃO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ABANDONO, CAMPANHA ELEITORAL, INDEBITO.
- CRITICA, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, NEGAÇÃO, EXISTENCIA, CADASTRO, PROGRAMA, POLITICA SOCIAL, AUTORIA, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, OBJETIVO, CADASTRAMENTO, FAMILIA, BENEFICIO, BOLSA FAMILIA, AUXILIO, GAS.
O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Srª Presidente, são tantos os Presidentes reunidos aqui, nesta Mesa!
Srª Presidente, Srs. Presidentes, Srs. Senadores, um dos males das candidaturas precoces, lançadas antes da hora, em que o eleitor começa a se interessar prematuramente pelo processo eleitoral, é, para quem está na oposição, a necessidade premente, em grande parte gerada pelos seus correligionários, de gerar fatos políticos, o que é uma dificuldade imensa, porque a política não é um picadeiro onde é preciso produzir espetáculos permanentes. Mas, para quem está no Governo, o lançamento de candidatura precoce, antes da data da eleição, num contexto de reeleição, leva à confusão inextrincável e prejudicial ao desempenho da própria administração entre propaganda eleitoral e realização. Nos dois casos, há o risco de se ver na situação de falar demais. E, nessa situação, dizia o imortal Sérgio Porto, conhecido também como Stanislaw Ponte Preta, “quem fala demais acaba dando bom-dia a cavalo”.
A Presidente Dilma, que já está em marcha batida na sua campanha de reeleição, vem, cada vez mais - embalada, talvez, pela desenvoltura com que o Presidente Lula volta a ocupar a cena política -, confundindo as bolas: campanha de reeleição com administração. Caso exemplar dessa confusão e dos males que ela traz foi a última reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que participou. Registro que, das nove reuniões realizadas por esse Conselho, também chamado “Conselhão”, composto por empresários, dirigentes sindicais e intelectuais, a Presidente Dilma participou de três.
Nessa última, a Presidente perdeu uma oportunidade maravilhosa, Sr. Presidente: a oportunidade de discutir com as pessoas presentes, pessoas de altíssima qualificação e representatividade, e de ouvir o seu conselho - pois é disso que se trata, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social - sobre os problemas que afetam o nosso País, sobre os problemas que afetam não só sua administração, mas que afetam a vida do povo brasileiro.
Em vez de travar essa discussão e de ouvir os bons conselhos, até para rejeitá-los, se fosse o caso, ela engatou a marcha batida, na velocidade de campanha, para, mais uma vez, apropriar-se, ao fazer a campanha de reeleição, de realizações que não são suas, usando a Presidência da República para atacar os adversários políticos ou aqueles que, como ela supõe, serão seus concorrentes nas próximas eleições, os seus concorrentes mais evidentes, porque há alguns concorrentes que ela teme e ainda não são tão evidentes assim.
Ora, o momento dessa reunião, Sr. Presidente, exigia outra conduta: uma conduta mais sóbria, mais contida. Afinal de contas, essa reunião ocorreu na véspera da divulgação de dado absolutamente constrangedor e preocupante, que trata do crescimento econômico do Produto Interno Bruto do Brasil: 0,9% no ano passado, segundo o IBGE.
Vejam V. Exªs que o Governo havia previsto fechar as contas com 1,6% do PIB, algo que a Presidente Dilma classificou e lamentou como um “pibinho”. As agências ou as consultorias, aqueles que têm como profissão prospectar o ambiente econômico, previam 1%, mas veio abaixo de 1%: veio 0,9%.
Na América Latina, talvez, nós estejamos apenas atrás do Paraguai. Nós estamos atrás dos Estados Unidos, nós estamos atrás da África do Sul, da Arábia Saudita, da Venezuela, e a Venezuela está sem governo, com um presidente moribundo, com uma economia inteiramente desorganizada. Nós estamos atrás da Malásia, da Polônia, do Japão! O Japão, que, há muitos anos, vinha se arrastando em uma letargia econômica, cresceu mais que o Brasil, praticamente o dobro: 1,9%.
Esse é um tema que merecia, sem dúvida alguma, a reflexão da Presidente na plateia que ela reuniu. Em vez de fazer propaganda eleitoral e de falsificar a história do Brasil e os dados da administração pública no que diz respeito ao cadastro dos pobres que seriam beneficiados nos programas de transferência direta de renda, como ela o fez, ela poderia ter aproveitado, por exemplo, para discutir e ouvir a opinião dos empresários do setor de infraestrutura sobre o programa que o Governo pretende lançar, ou já lançou, para dinamizar a construção de ferrovias e de rodovias e para fazer a ampliação de portos.
Havia ali empresários que têm opinião crítica a esse respeito. O Presidente da Câmara Brasileira da Indústria de Construção, Paulo Simão Safady, disse, por exemplo, que faltou diálogo com o setor privado antes de se lançar o Plano Nacional de Logística. Essa era ocasião para entabular diálogo com o setor privado, o que, na opinião de um dirigente de uma associação representativa desse setor, faltou.
Paulo Godoy, Presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), que não é uma organização sindical dessas vinculadas ao sistema sindical brasileiro, que vive da contribuição patronal. Não! É uma associação independente. Segundo Paulo Godoy, o Governo teria de fazer mais mudanças para atrair os investidores e até mesmo o financiamento dos projetos de desenvolvimento pelo setor financeiro privado. Por que não perguntar ao Sr. Paulo Godoy que incentivos, em sua opinião e na da Abdib, seriam necessários para atrair mais e mais investimentos nessa área, uma vez que a capacidade de investimento do setor público, não apenas do ponto de vista financeiro, mas do ponto de vista operacional, está esgotada? Já se viu que o Governo teve de fazer malabarismos contábeis para poder apresentar um superávit primário. O limão está espremido, não dá mais! É preciso, realmente, atrair o setor privado, rompendo dogmas ideológicos do PT. Perdeu-se a ocasião de discutir com esses empresários o que fazer.
O Governo submeteu ao Congresso a medida provisória que trata dos portos, para dar mais competitividade aos portos ditos privados, que são portos que integram a cadeia produtiva de um determinado ramo, sob o comando de empresa, permitindo-a operar cargas de terceiros. Aliás, retoma projeto que havia sido apresentado ao Senado pela Senadora Kátia Abreu, que foi bombardeado pelo Governo na Comissão de Assuntos Econômicos e que, agora, o Governo, voltando atrás, resolve encampar. Parabéns ao Governo! Mas, ao encampá-lo, introduz na medida provisória elementos que são, para dizer o mínimo, altamente polêmicos. Não me refiro à questão da mão de obra, que está gerando tanta celeuma no mundo sindical, mas que o Governo perdeu a oportunidade, ao baixar essa medida provisória, de eliminar os entraves burocráticos que são, em grande parte, responsáveis pelo atravancamento dos nossos portos, pela dificuldade da operação de carga e descarga, na movimentação de cargas nos nossos portos.
O Governo, nessa medida provisória, promove centralização absurda, retrocesso no modelo de gestão dos portos, esvaziando inteiramente a competência dos órgãos regionais, que cumpriam a função de articular políticas locais, regionais e de âmbito nacional, em torno dos portos, que têm a vocação de ser polos de desenvolvimento regional. Esvaziou a competência desses órgãos representativos do setor privado, dos poderes locais e do Governo Federal, que se reuniam para traçar uma estratégia de gestão desses portos. Essas competências foram inteiramente esvaziadas, no plano local, e transferidas para o Ministro dos Portos, de tal forma que a MP que foi reclamada durante tanto tempo pelo setor privado acabou, logo que editada, passou a gerar descontentamento e crítica do próprio setor privado.
Em vez de discutir essas questões, a Presidente Dilma envereda, mais uma vez, pelo surrado discurso da paternidade: quem começou isso, quem começou aquilo, para novamente desfiar a ladainha de que nós não herdamos nada, nós construímos tudo, fazendo tábula rasa de 500 anos de história do Brasil.
O alvo dessa vez foi o Cadastro Único para Programas Sociais, que foi criado pelo Presidente Fernando Henrique, em 2001. A Presidente chegou a destrambelhar-se no seu discurso, essa é que é a verdade, quando, raivosamente, saiu-se com a seguinte pérola: “É conversa que tinha cadastro”. Vejam que bela linguagem, que linguagem elevada, presidencial: “É conversa que tinha cadastro”.
Srª Presidente da República, desculpe-me, não é conversa que tinha cadastro. O cadastro existiu concretamente e cadastrou, em apenas um ano e meio, mais de 5 milhões de famílias beneficiárias de programas como o Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio-Gás, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e Agente Jovem. Enquanto isso, o PT, em dez anos, cadastrou apenas 1,4 milhão por ano, em média. Quer dizer, por que jogar fora todo o esforço que se fez no governo anterior só para dizer que começou tudo no governo do PT?
Sem a operação, o trabalho do presidente anterior, do governo anterior, que cadastrou 5 de milhões famílias, nós não teríamos o cadastro hoje. É óbvio: o governo do PT fez sua parte, o presidente Fernando Henrique, o governo de Fernando Henrique iniciou o cadastro e fez sua parte com as dificuldades de implantação, inclusive a nossa colega a Senadora Lúcia Vânia teve uma participação importante na construção desse Cadastro Único.
De modo que houve continuidade, soma de esforços, Senhora Presidente, com mudança importante, na unificação desses benefícios sob o nome de Bolsa Família. Agora, também com retrocesso conceitual e prático, o Governo atual abandonou o critério numérico, o critério de renda da conceituação de pobreza utilizado anteriormente ao governo Lula, e que foi utilizado inclusive em Brasília, no governo Cristovam Buarque.
A renda de corte era de meio salário mínimo per capita. Está aqui o Senador Cristovam Buarque, do Bolsa-Escola. Meio salário mínimo per capita para definir quem era pobre e ¼ do salário mínimo para definir a extrema pobreza. Esse era o critério com base no qual foi elaborado esse cadastro e com base no qual programas pioneiros, como esse desenvolvido pelo Senador Cristovam Buarque aqui em Brasília, foram construídos.
O corte de renda hoje para o extremamente pobre é de R$70,00, muito abaixo daquilo que deveria ser, se fosse obedecido o critério anterior, que seria de R$169,00.
Peço a V. Exª, Sr. Presidente, que me permita acrescentar ao meu discurso matérias de imprensa na íntegra, que cito, resumidamente, agora, para refrescar a memória da Presidente da República.
Agência Brasil, 13 de julho de 2002: “Cadastro único simplifica acesso a benefícios sociais”. Foi noticiado o que estou repetindo agora.
Mais de nove milhões de família brasileiras com renda de até R$90,00 por pessoa têm direito a participar dos programas de assistência social. Isso significa que quase 40 milhões de pessoas poderão ser beneficiadas [...]
Para simplificar o acesso dos cidadãos a esses programas [Bolsa Alimentação, Bolsa Escola, Programa de Erradicação de Trabalho Infantil] foi criado o cadastro único.
Está aqui. A Folha de S. Paulo, de 5 de março de 2003, publicou:
“Lula pode descartar Cadastro Único Social”, matéria da jornalista Marta Salomon.
Um dos principais legados da era Fernando Henrique Cardoso na área social corre o risco de ir para o lixo. Depois de ter custado aos cofres públicos mais de R$100 milhões, o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal vai passar pelo menos por uma reforma na administração Luiz Inácio Lula da Silva, que cogitou até de descartar o trabalho já feito.
Cogitou, mas, felizmente, não o descartou!
Bem, concluo este meu pronunciamento, Sr. Presidente, com uma sugestão, pois nunca é demais sugerir. A oposição tem também a função não apenas de criticar, mas de sugerir, de apontar os caminhos. Quero sugerir à Presidente Dilma que deixe a campanha eleitoral de lado e que governe o País. Um País que, infelizmente, apresenta hoje índice de crescimento econômico abaixo do crescimento vegetativo da população brasileira. Portanto, nós estamos caminhando para um cenário de redução efetiva da renda per capita, conjugado com a inflação que teima em sair do controle.
Ontem, o Senador Mário Couto, ocupando a tribuna, desceu a minúcias ilustrando, o que digo agora com dados concretos, sobre o aumento do preço da farinha, do açaí, do feijão, do macarrão, do óleo de cozinha. Tudo a mostrar, Sr. Presidente, que esta política econômica fracassou e que é preciso mudá-la urgentemente. E é para esta tarefa que nós, da oposição, conclamamos a Presidente da República, para assumir a liderança em projetos de reformas urgentes e importantes, de modo a destravar esses gargalos terríveis que asfixiam o povo brasileiro.
Ouço o aparte, se V. Exª me permitir, Sr. Presidente, rapidamente, do Senador Cristovam Buarque.
O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador Aloysio, esse é um tema que nós deveríamos estar debatendo com muito mais cuidado do que estamos fazendo. Eu lamento que sua fala, que é importantíssima, não esteja possibilitando aqui um grande debate. Nós estamos criando ilusões, sobretudo no uso do verbo “superar” a pobreza. Mesmo que essas pessoas tivessem saído da pobreza com R$70,00 a mais por mês, elas não teriam superado a pobreza.
(Soa a campainha.)
O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - A superação é ir sem volta. Hoje, mesmo que R$70,00 permitissem sair da pobreza, isso não é seguro. Basta uma inflação de 4% ou 5% ao mês que, em cinco anos, cai quase à metade o valor disso. Basta um governo, por alguma razão, decidir mudar o programa e criar outro que nós já temos, outra vez, a pobreza de volta. Então, a Presidente errou quando usou a palavra “superação”. É um erro. Ela maculou o dicionário ou quis nos iludir. Além disso, como o senhor mesmo disse, R$70,00 não fazem com que as pessoas fiquem fora nem temporariamente. Eu posso não estar fazendo as contas certas, mas deve dar menos de dois pães por dia por cada pessoa de uma...
(Interrupção do som.)
O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - ...pouco tempo. É um a dois pães por dia para uma família de cinco. Então, nós precisamos levar mais a sério o problema da pobreza no Brasil. E, finalmente, há uma prova de que as coisas não estão bem: é o Governo comemorar o aumento do número de pessoas com Bolsa Família. Se o Programa estivesse indo bem, a gente estava comemorando a redução dos que dele necessitam, e não comemorando o aumento tantos anos depois de o Programa implantado. Eu tento descobrir, mas os dados do Ministério do Desenvolvimento Social não permitem; não é que não permitam acesso, é que são muito complicados. Eu tenho quase certeza de que, hoje, há muitos pais do Bolsa Família que foram crianças do Bolsa Família. Logo, o Programa fracassou. Ainda que seja reconhecido como um ato de generosidade, não é um ato de transformação.
(Soa a campainha.)
O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Essa transformação vem da estrutura, não vem das finanças; e aí, vem da economia, criando emprego com salários, vem da educação, criando a possibilidade do emprego, e vem do atendimento dos serviços sociais essenciais, como saúde e segurança. A quantia de R$70,00 por mês é pouco demais para se dizer que a pessoa saiu da pobreza naquele instante. Um programa de transferência de renda é insuficiente para dizer que houve superação. E, finalmente, essas pessoas não mudaram de posição social. Continuam na mesma. Talvez o estômago delas - isto é bom - tenha mudado da posição de necessidade. Hoje, conseguem comer, mas não dá para chamar de superação e nem mesmo de passagem fora da pobreza. Derrubamos, praticamente, o muro que separa os que comem dos que não comem, mas não derrubamos o muro que separa os que têm emprego dos que não o têm, os que têm educação dos que não o têm, os que têm saúde dos que não a têm. Por isso, esse tema é tão importante ser debatido. Eu o felicito por trazê-lo aqui.
O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP) - Obrigado.
Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Cristovam Buarque, que enriquece sobremaneira o meu pronunciamento. Tenho certeza de que V. Exª será uma das vozes mais acatadas, mais ouvidas nos debates que, em boa hora, a atual Mesa Diretora resolveu instituir no horário da Ordem do Dia para a participação do Senado no equacionamento dos grandes temas nacionais.
Muito obrigado.