Discurso durante a 23ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa de proposta de emenda à Constituição que determina novo procedimento de composição do STF.

Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Defesa de proposta de emenda à Constituição que determina novo procedimento de composição do STF.
Publicação
Publicação no DSF de 08/03/2013 - Página 8197
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • DEFESA, ORADOR, ALTERAÇÃO, CRITERIOS, COMPOSIÇÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), MOTIVO, DISTANCIA, MODELO, DEMANDA, BRASIL, COMPARAÇÃO, NORMAS, TRIBUNAIS SUPERIORES, PAIS ESTRANGEIRO, ENFASE, APOIO, AMPLIAÇÃO, ROTATIVIDADE, MAGISTRADO, AUMENTO, NUMERO, MINISTRO, IDADE, APOSENTADORIA, EXTENSÃO, PARTICIPAÇÃO, JUDICIARIO, LEGISLATIVO, ESCOLHA, REGISTRO, IMPORTANCIA, PROPOSTA, REDUÇÃO, INFLUENCIA, POLITICA, SELEÇÃO.

            O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmª Srª Senadora Ana Amélia, Presidente desta sessão, Srªs e Srs. Senadores, a construção do modelo constitucional do Judiciário brasileiro com relação ao Supremo Tribunal Federal combina o perfil americano e o europeu, atribuindo à nossa Suprema Corte um duplo papel: primeiro, o de órgão de cúpula do controle difuso de constitucionalidade, atuando no terceiro grau de jurisdição: e, segundo, o de órgão especial e originário no sistema concentrado, com competência exclusiva e única.

            A magnitude dessas atribuições que, por tanto tempo, passou ao largo da percepção institucional em maior medida - mas não de menor importância -, também da percepção popular, vem ganhando extrema e evidente importância nos últimos tempos com o crescente protagonismo assumido pelo Supremo Tribunal Federal e, igualmente, pelas delicadas questões que lhe vêm sendo submetidas. As decisões da nossa Suprema Corte passaram da frieza das paredes do Tribunal para a grande mídia e, por ela, ao povo brasileiro.

            Esse movimento levou, paralelamente, à percepção de deficiências a comprometer o endosso institucional, republicano e democrático do perfil do Supremo Tribunal Federal. Efetivamente, vêm se acumulando, nos últimos anos, as críticas ao modelo constitucionalizado para a composição deste Tribunal.

            A todas as luzes, Srª Presidente, trata-se de sistema defasado e que demanda urgente atualização, com o objetivo declarado de se conduzir à elevada condição de integrante da nossa Corte Constitucional as melhores mentes jurídicas de nosso País, impregnadas de formação jurídica e humanística que permita àquele Tribunal oferecer respostas efetivas às demandas que lhe chegam. Como já dito, a intensa penetração e repercussão jurídica, social, econômica, política e institucional das questões submetidas ao deslinde do órgão de cúpula do Judiciário pátrio demandam que seja repensado o modelo hoje vigente.

            Como premissa, devemos, a todo custo, evitar o erro de se tentar replicar no Brasil modelos importados, que germinaram sobre características políticas, humanas, sociais e institucionais estranhas à nossa realidade e que, exatamente por isso, jamais fortificarão satisfatoriamente na nossa realidade.

            Em apertada síntese, colhe-se no Direito comparado o seguinte quadro:

            A Suprema Corte dos Estados Unidos da América - cuja composição é regrada por normas infraconstitucionais - é feita sem que estejam consolidados requisitos capacitários, sendo a escolha eminentemente política, a critério do Presidente da República e aprovação do Senado, aproximadamente como praticado hoje no Brasil.

            Ocorre assim um forte componente político, cujos efeitos potencialmente deletérios são afastados pela robustez, pela seriedade e exuberância institucional dos órgãos envolvidos lá nos Estados Unidos da América. Os nove membros da Suprema Corte são investidos sem mandato e sem limite de idade, atuando enquanto bem servirem à nação americana, expostos apenas a processo de impeachment. A única exigência para investidura é a comprovação de inexistência de vínculos com o Poder Executivo e com o Poder Legislativo.

            O Tribunal Constitucional austríaco é externo à estrutura dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, mas a inexistência de autonomia administrativa o deixa exposto à força do Poder Executivo. É uma Corte composta de quatorze membros, todos vitalícios, somente podendo perder o cargo por decisão judicial e com aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade. São investidos por dois caminhos: pelo Executivo e pelo Legislativo. Ao Executivo incumbe nomear seis dos seus membros mais o Presidente e o Vice-Presidente, entre magistrados e professores universitários de Direito. Ao Legislativo incumbe nomear os seis membros restantes, por ação do Conselho Nacional, que corresponde à nossa - mais ou menos - Câmara dos Deputados, e do Conselho Federal, que equivale ao Senado Federal. Há uma relação nas nominatas aos partidos com maior representação no parlamento.

            O Conselho Constitucional francês é composto por ex-Presidentes da República, com mandato vitalício, além de mais nove membros, com mandato único de nove anos, sendo três escolhidos pelo Presidente da República, três pelo Presidente da Assembleia Nacional e três pelo Presidente do Senado. Não há qualquer espécie de requisito prévio para a escolha, inclusive formação jurídica, e, igualmente, não há limite de idade mínima e máxima.

            O Tribunal Constitucional alemão compõe-se de dezesseis membros, divididos em dois Senados - que correspondem aqui em nossa Justiça às Turmas ou Câmaras -, situados no mesmo plano hierárquico. Em cada um, três juízes deverão ser escolhidos entre juízes dos Tribunais Federais superiores - ou seja, do Supremo, do Trabalho, do Administrativo, do Social e de Finanças -, e os demais, livremente. A escolha é feita por eleição pelo Parlamento Federal, o Bundestag - que corresponde à nossa Câmara dos Deputados -, e pelo Conselho Federal, o Bundesrat -- que equivale ao nosso Senado Federal -, sendo metade dos escolhidos para cada um. A investidura se dá por mandato de 12 anos, vedada a recondução, com limite de idade mínimo de 40 anos e máximo de 68 anos para o exercício da magistratura.

            O Tribunal Constitucional de Portugal é formado por 13 juízes divididos em duas sessões, sem hierarquia. A investidura ocorre por duas formas distintas: por escolha pela Assembleia da República (10 membros), por eleição entre as candidaturas apresentadas; e por cooptação pelo próprio tribunal (três membros). Desses membros, seis devem ser oriundos de tribunais, ou seja, do Supremo Tribunal de Justiça, dos tribunais judiciais de primeira e segunda instância, do Supremo Tribunal Administrativo e dos demais tribunais administrativos e fiscais. Dos outros sete juízes, é exigida apenas a formação acadêmica em Direito. Todos os membros possuem mandato de nove anos, sem aposentadoria compulsória ou limites de idade mínima e máxima, sendo proibida a recondução.

            No que tange às competências das diversas supremas cortes, um célere exame revela a sobrecarga imposta ao nosso Supremo Tribunal Federal, na medida em que, somente quanto ao controle de constitucionalidade, o modelo brasileiro, como já dito, combina os critérios difuso - nos casos concretos, em qualquer processo e juízo - e concentrado, por via das Ações Diretas de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade e da Arguição de Descumprimento de Preceito Constitucional. Nas demais cortes, via de regra, adota-se apenas um dos modelos.

            Sra Presidente, Sras e Srs. Senadores, da análise dessa valiosa experiência estrangeira e com foco para a realidade, as instituições e os mecanismos de poder no Brasil, são colhidos subsídios básicos da Proposta de Emenda à Constituição no 3 de 2013, que apresentei no último dia 20 de fevereiro, com mais 29 Senadores que a subscreveram, ou seja, são coautores, e aos quais, de antemão, agradeço pelo apoio.

            São os pontos centrais de nossa proposição:

            a) a investidura por mandato;

            b) o aumento numérico na composição da Corte;

            c) o aumento da idade para aposentadoria compulsória e para nomeação;

            d) a adoção de lista quádrupla para indicação;

            e) o estabelecimento de restrições às indicações;

            f) a elevação da maioria do Senado Federal necessária à aprovação da indicação presidencial.

            Para melhor detalhar esses pontos, Srª Presidente, enumera-se cada um deles:

            1. A investidura por mandato tem por objetivo garantir a necessária atualização ideológica nas linhas construtoras das decisões do Supremo Tribunal Federal, mediante a renovação de seus quadros. Assim, é fixado o mandato de 15 anos, mantendo-se aos atuais integrantes a regra em vigor, sem mandato.

            2. O aumento numérico para 15 ministros na composição do Supremo emerge do desafiador volume processual no aguardo do pronunciamento daquela Corte, e homenageia o princípio da celeridade processual, insculpido no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal.

            Nesse diapasão, Srª Presidente, faço aqui um parêntese: não bastasse a enorme quantidade de processos sob a égide do Supremo - somente em 2010, por exemplo, o Supremo julgou mais de 103 mil ações - outro fator que retarda os trabalhos ordinários daquela Corte é o sistema de empréstimo de ministros do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça ao TSE, o Tribunal Superior Eleitoral.

            Trata-se de modelo que retira precioso tempo e energia dos ministros para desenvolver atividades que também já se acumulam na Justiça Eleitoral. Além disso, o fim da atuação paralela dos Ministros no TSE evitaria a antecipação de entendimentos em processos que, porventura, cheguem ao Supremo Tribunal Federal.

            Talvez, Srª Presidente - e aqui deixo para reflexão desta Casa -, é chegada a hora de resolvermos em definitivo esse problema com a criação da carreira própria para Ministros do TSE e dos TREs.

            3. O aumento da idade para aposentadoria compulsória é fixada em 75 anos. A regra atual de 70 anos revela-se, hoje, defasada e incompatível com a realidade da maioria dos ministros. Recentes casos mostraram o desvínculo obrigatório de ministros em plenas condições físicas, mentais e intelectuais para continuarem exercendo a magistratura máxima de nosso País. Além do mais, valoriza-se com a proposta a experiência e a maturidade, bem como o reconhecimento dos serviços prestados. De toda forma, mantém-se a idade de 70 anos para a aposentadoria voluntária, com provimentos integrais. O mesmo conceito, especialmente quanto à valorização da experiência, da maturidade e do acúmulo de conhecimento, justifica elevar a idade mínima de 35 anos para 45 anos para ser nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal.

            4. A adoção de lista quádrupla para escolha de Ministro pelo Presidente da República objetiva arrefecer o processo político que se esconde nas indicações de Ministros e, ao mesmo tempo, valorizar as instituições integrantes do mundo jurídico dando-lhes a competência para sugerir nomes. Assim, os quatro nomes a serem levados à escolha do Presidente da República serão extraídos de deliberação dos Tribunais Superiores, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e, por fim, da Ordem dos Advogados do Brasil, cada qual sugerindo uma indicação.

            5. A obrigatoriedade de dois terços do Senado para a aprovação do nome indicado pelo Presidente da República presta-se a consolidar uma maioria efetivamente representativa da vontade da Câmara Alta do Congresso Nacional. A regra de hoje prevê a maioria absoluta. Assim, a exigência de 54 votos favoráveis em vez de 41, certamente dará mais peso institucional ao novo integrante da Corte e, ao mesmo tempo, demandará maior responsabilidade às indicações dos nomes e ao próprio Senado ao apreciá-los.

            6. As restrições veiculadas visam a eliminar, ou reduzir ao mínimo, a influência política que se possa pretender usar para pavimentar o acesso à elevada condição de Ministro da Suprema Corte brasileira. Para tanto, são criadas regras da chamada quarentena, estipulando que não poderá integrar a lista quádrupla quem, nos quatro anos anteriores, tenha ocupado cargo de Ministro de Estado, Presidente de agência reguladora, Advogado-Geral da União ou mandato eletivo no Congresso Nacional, e, ainda, que tenha sofrido condenação criminal por órgão colegiado.

            Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é sempre oportuno lembrar, a partir da lição de Oscar Vilhena, que a história do Supremo Tribunal Federal no Brasil apresenta episódios que já faziam detectáveis necessidades de alteração. Referindo-se ao governo Floriano Peixoto, esse doutrinador anota que:

As diversas intervenções - mais ou menos incisivas - a que foi submetido o Tribunal nesse período são prova do desconforto que o Supremo provocou para alguns presidentes. Floriano Peixoto não preencheu por um longo período as vagas de juízes que se aposentaram, inibindo, dessa forma, a possibilidade do Supremo de julgar, uma vez que não era alcançado o quorum mínimo previsto por lei para o seu funcionamento. Ao fazê-lo, nomeou o médico Barata Ribeiro, que foi Ministro por mais de um ano, até que o Senado anulasse a sua nomeação. Também buscou nomear os generais Galvão de Queiroz e Ewerton Quadros, que não tomaram posse. O Presidente Hermes da Fonseca também deixou de acatar decisões do Supremo, o que gerou protestos por parte dos Ministros Pedro Lessa e Amara Cavalcanti. (Supremo Tribunal Federal: jurisprudência política, publicada na Revista dos Tribunais, 1994, p. 74.)

            No período Vargas, o citado autor anota:

No Período Vargas, do padrão de relacionamento que variou na Primeira República, entre o conflito e a submissão do Supremo em relação ao governo, prevaleceu a submissão. O reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal do governo provisório instaurado em 1930 foi manifestado alguns dias após a tomada do poder por Getúlio Vargas, pelo seu Presidente Godofredo Xavier da Cunha, ao transmitir ao Presidente da República os [- aspas -] “melhores votos” para o governo de fato, que se instalara. (Também do mesmo livro, p. 75.)

            Oferecemos, assim - e por isso a presente proposta de emenda à Constituição -, à análise e decisão inicial do Senado Federal, confiantes de que saiba o constituinte reformador interpretar corretamente os reclamos abundantes pelas alterações que se fazem tão necessárias.

            Era o que tinha a dizer, Srª Presidente, Senadora Ana Amélia, Srªs e Srs. Senadores, agradecendo, mais uma vez, a V. Exª a tolerância do tempo que me foi concedido.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/03/2013 - Página 8197