Discurso durante a 27ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca da aplicação da lógica do razoável na interpretação de normas jurídicas.

Autor
João Costa (PPL - Partido Pátria Livre/TO)
Nome completo: João Costa Ribeiro Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONSTITUIÇÃO FEDERAL.:
  • Considerações acerca da aplicação da lógica do razoável na interpretação de normas jurídicas.
Publicação
Publicação no DSF de 14/03/2013 - Página 9545
Assunto
Outros > CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • REGISTRO, PRESENÇA, PLENARIO, SENADO, PREFEITO, MUNICIPIO, MONTE CARMELO (MG), ESTADO DE MINAS GERAIS (MG).
  • COMENTARIO, RELAÇÃO, METODO, OBJETIVO, INTERPRETAÇÃO, NORMA JURIDICA, AUTORIA, PROFESSOR, DIREITO, ORIGEM, PAIS ESTRANGEIRO, MEXICO.

            O SR. JOÃO COSTA (Bloco/PPL - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Senadora Vanessa Grazziotin, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, amigos e amigas que nos honram com suas presenças nesta sessão e também aqueles que nos acompanham e nos ouvem por meio da TV ou da Rádio Senado, de maneira especial, registro entre nós, na tribuna de honra do Senado Federal, a presença do Prefeito de Monte Carmelo, Minas Gerais, cidade localizada no Triângulo Mineiro, Dr. Fausto Reis Nogueira, e de seus convidados: João Batista Chaves Filho, Vice-Prefeito de Monte Carmelo; Argemiro Helder Amorim Barbosa, assessor político do prefeito; e Rafael Costa Mendes, procurador-geral do Município.

            Na condição de filho de Monte Carmelo, em meu nome e em nome dos Senadores Aécio Neves, Clésio Andrade, Zeze Perrella e dos demais Senadores que integram esta Casa, Srª Presidente, Srs. Senadores, transmito aos senhores e a todos os carmelitanos o nosso fraternal abraço.

            Em resumo, Srª Presidente, pretendo falar, nesta tarde, sobre a aplicação, por nós, legisladores, e pelos intérpretes do Direito, da lógica do razoável ou lógica humana, idealizada por Recaséns Siches.

            Um dos grandes erros do século XX - e que se repete no século XXI - foi procurar entender o conteúdo das normas jurídicas através dos métodos da lógica tradicional, isto é, da lógica habitualmente chamada matemático-física, dedutiva ou silogística.

            Esses métodos valem para a Matemática, para a Física e outras ciências da natureza, não sendo, todavia, aplicáveis, quase sempre, ao tratamento dos problemas práticos de conduta humana - domésticos, familiares, econômicos, sociais e jurídicos.

            Há que se destacar que as normas jurídicas não são nem pretendem ser proposições de conhecimento com intenção científica, sobre as quais se possam conferir atributos de verdade ou de falsidade.

            O que se procura dizer é que os conteúdos das normas jurídicas não são lógicas das quais se possa extrair um juízo inflexível e integralmente verdadeiro ou falso.

            As normas do Direito positivo são “instrumentos práticos”, elaborados e construídos pelo homem, para que, mediante seu manejo, venham a produzir, na realidade social, determinados efeitos.

            Assim, longe de ser um “ensaio de conhecimentos vulgares ou científicos”, o Direito, como realidade, “é uma arte prática, uma técnica, uma forma de controle social”.

            A lógica da lei não é estática nem cristalizada, mas dinâmica e evolutiva. Desse modo, observa-se que o conteúdo das normas jurídicas não pode e não deve ser tratado como verdade, mediante emprego da lógica clássica, da lógica do racional.

            Não é demais ressaltar que a aplicação da lógica clássica à interpretação jurídica, em determinados casos, pode conduzir o intérprete, e o legislador também, a um resultado inadequado, insensato, imprudente e, acima de tudo, injusto.

            A vida e a existência humana não podem ser entendidas pelos métodos com os quais se conhecem e explicam os fenômenos da natureza. Os fatos humanos, ainda que tenham suas causas e produzam seus efeitos, possuem uma dimensão desconhecida no mundo da natureza: possuem sentido e significado que se relacionam entre si.

            Diferentemente de boa parte do ordenamento constitucional estrangeiro, a Constituição de 1988 assumiu, como proposta, não só a garantia dos direitos fundamentais contra o poder do Estado e sua natural tendência ao abuso, mas também a inserção de um bloco programático dirigente com a finalidade de fornecer à atividade estatal uma direção política, vinculada e permanente.

            Houve, com isso, Srª Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, a constitucionalização dos critérios do justo comum e da política justa; de princípios como o da proporcionalidade e o da razoabilidade e, como não poderia ser diferente, da lógica do razoável.

            Mais do que nunca, a atual Constituição brasileira volta para um resultado justo, tendo, como objetivo principal, a mudança social por meio do D2ireito. Dessa forma, a nós legisladores e aos intérpretes da Constituição e das normas infraconstitucionais caberá a difícil tarefa de dar efetividade às normas constitucionais relacionadas às transformações políticas, econômicas e sociais.

            Isso significa que, em relação à Constituição, seus preceitos devem estar contidos nos valores universais, incondicionais e necessários.

            Eminente jurista e filósofo mexicano, o Prof. Dr. Luis Recaséns Siches, nascido em 1903 e falecido em 1977, contribuiu, notavelmente, para o aperfeiçoamento do Direito. Ele foi o primeiro a idealizar e a defender a denominada lógica do razoável ou lógica humana.

            O Prof. Recaséns Siches desenvolveu uma proposta articulada, pautada em uma maneira inédita de interpretar o Direito. Para isso, ele alerta a comunidade jurídica para a necessidade de se reformularem concepções tradicionais, como a da função judicial e dos métodos interpretativos.

            Propõe, sobretudo, a superação do uso exclusivo da lógica tradicional em prol do alcance de soluções mais justas mediante o uso da lógica do razoável.

            Dessa forma, a lógica do razoável apresenta-se como o meio mais satisfatório de solução dos problemas decorrentes da elaboração, da interpretação e da aplicação do Direito.

            O Prof. Recaséns Siches acrescenta que o Direito não é uma ciência, mas um instrumento hábil para provocar na realidade social determinados resultados. Obviamente, isso não nega a existência de uma ciência do Direito, a saber, a ciência que estuda esse instrumento prático que o Direito é.

            Com a aplicação da lógica do razoável ou lógica humana, deve-se considerar inconstitucional qualquer projeto de lei, lei ou ato normativo cuja aplicação conduza a uma solução injusta, irrazoável e desproporcional, Senador Pedro Taques.

            Nesse ponto, vários recursos poderão auxiliar o legislador e o intérprete na busca dessa conclusão; entre eles, a inadequação ou incongruência entre os meios, os fins ou objetivos.

            Considerando a inaplicabilidade à interpretação da lógica tradicional ou clássica - salvo raríssimas exceções -, a lógica do razoável ou lógica humana, em harmonia com as espécies, métodos e princípios de interpretação, é capaz de auxiliar, orientar e conduzir o legislador e o intérprete à melhor solução.

            Todavia, a lógica do razoável não deve ser considerada como método de interpretação único ou exclusivo, em que pese o reconhecimento de sua elevada importância.

            Pelo que se expôs aqui, entende-se poder classificar a lógica do razoável como um princípio hermenêutico de interpretação da Constituição, colocando-o ao lado de outros, como os princípios da proporcionalidade (de índole alemã) e da razoabilidade (de origem americana).

            Vê-se que as normas gerais, como a Constituição, as leis e os regramentos "falam da única maneira que podem falar: em termos relativamente gerais e abstratos".

            Em contrapartida, a vida humana e as realidades sociais possuem, sempre, caráter particular e concreto.

            Por conseguinte, para cumprir ou impor uma lei ou um regramento jurídico, é inescapavelmente necessário converter a regra geral em uma norma individualizada, transformando os termos abstratos e genéricos em preceitos concretos e singulares.

            Para o Prof. Recaséns Siches, "una norma jurídica es un pedazo de vida humana objetivada". Com tal afirmação, explica que para se compreender cabalmente a norma jurídica é preciso analisá-la...

(Soa a campainha.)

            O SR. JOÃO COSTA (Bloco/PPL -TO) - ... desde o ponto de vista da índole e da estrutura da vida humana.

            Já estou terminando, Srª Presidente.

            Em outras palavras, a aplicação das normas jurídicas não consiste em um mero "reviver a pauta", em puramente copiá-la, mas, pelo contrário, implica algo novo. Vale lembrar que esse "algo novo" não está previamente contido na norma geral.

            Por derradeiro, relembro o processo de individualização e de concretização da norma geral, e da consequente aplicação dessa ao caso singular. Portanto, todo esse processo de elaboração, individualização, de concreção e de aplicação da norma jurídica deverá ser regido por um tipo especial de lógica, diferente da lógica tradiciona. Enfim, deve ser regido pela lógica da ação humana, que se remete a valores e dirige-se à realização de fins.

            A doutrina oferece exemplos, visando demonstrar...

(interrupçao do som.)

(Soa a campainha.)

            O SR. JOÃO COSTA (Bloco/PPL - TO) - ...a diferença que a aplicação da lógica do razoável pode causar no âmbito das possíveis soluções.

            Sr. Presidente, Eduardo Suplicy, Recaséns Siches cita vários exemplos de aplicação da lógica do razoável. Em um deles cita Radbruch para contar que em uma estação ferrioviária da Polônia havia um cartaz que mencionava um dispositivo da norma ferroviária, cujo texto dizia, abro aspas: “É proibida a entrada de cachorros”. Um certo dia, alguém quis entrar naquela estação com seu urso, alegando que a norma proibitiva referia-se, apenas, aos cachorros e não a ursos ou outros animais, mas teve o seu acesso impedido pelo vigia, notadamente porque o urso, na condição de animal silvestre, é, em tese, muito mais agressivo do que o cachorro. No dia seguinte, o mesmo guarda autorizou a entrada de um deficiente visual juntamente com o seu cão-guia, que, em face da cegueira daquele, orientava seus passos.

(Interrupção do som.)

            O SR. JOÃO COSTA (Bloco/PPL - TO) - ..,de maneira alguma, converter um cachorro em urso, nem é capaz de permitir a entrada de um cachorro quando essa for vedada.

            Para o comando normativo, urso será sempre urso, e cachorro será sempre cachorro; o primeiro, animal selvagem, enquanto que o segundo, animal doméstico.

            Assim, não há a menor dúvida de que, de acordo com a lógica tradicional, as duas soluções encontradas pelo vigia devem ser recriminadas. A primeira, porque deveria ter permitido a entrada do urso, já que a norma só impedia a entrada de cachorro; a segunda, porque não poderia permitir a entrada do cachorro que acompanhava o deficiente visual, uma vez que a norma proibia a entrada de cachorro.

            Essas duas soluções nitidamente simples, Sr. Presidente, Srs. Senadores, refletem quão inadequado é o uso da lógica tradicional no universo das relações humanas. Os mencionados exemplos nos sugerem as veementes suspeitas de que a lógica tradicional não se mostra capaz de solucionar grande parte dos problemas de interpretação jurídica.

            E mais: além de não resolvê-los, a lógica tradicional produz consequências díspares e irrazoáveis.

            Já termino, Sr. Presidente.

            O Prof. Recaséns Siches explica que isso se deve ao fato de que a lógica tradicional possui caráter meramente enunciativo do ser e do não ser...

(Soa a campainha.)

            O SR. JOÃO COSTA (Bloco/PPL - TO) -...não contendo pontos de vista valorativos nem estimações a respeito da correlação entre meios e fins, tampouco sobre a eficácia dos meios em relação a determinados fins.

            Conclui-se, por fim, Sr. Presidente, Eduardo Suplicy, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, que a lógica do razoável é independente, mas harmônica com os demais princípios que norteiam a interpretação das leis, com as espécies e com os vários métodos de interpretação. A lógica tradicional ou clássica tem seu lugar de aplicação, mas são raros os casos.

            Com essas breves considerações, Sr. Presidente, considerando a exiguidade do meu tempo e o número de oradores inscritos, requeiro que as demais peças deste pronunciamento sejam dadas como lidas.

            Obrigado pela atenção e pela gentileza. Tenham todos uma boa tarde.

            Muito obrigado.

 

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR JOÃO COSTA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

Matéria referida:

- A lógica do razoável ou lógica humana


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/03/2013 - Página 9545