Discurso durante a 29ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa de mudanças no modelo econômico adotado pelo Brasil;

Críticas à falha legislativa, que permite que crimes cometidos contra menores de idade sejam prescritos antes que as vítimas atinjam seus 18 anos.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, CODIGO PENAL.:
  • Defesa de mudanças no modelo econômico adotado pelo Brasil;
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, CODIGO PENAL.:
  • Críticas à falha legislativa, que permite que crimes cometidos contra menores de idade sejam prescritos antes que as vítimas atinjam seus 18 anos.
Publicação
Publicação no DSF de 16/03/2013 - Página 10382
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, CODIGO PENAL.
Indexação
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, MODELO ECONOMICO, PAIS, OBJETIVO, RECUPERAÇÃO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, CRITICA, PARALISAÇÃO, DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL.
  • APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ALTERAÇÃO, ARTIGO, CODIGO PENAL, REFERENCIA, CRIME CONTRA A PESSOA, CRIME CONTRA O PATRIMONIO, CRIME CONTRA OS COSTUMES, PREJUIZO, MENOR.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senadora Ana Amélia, V. Exa abriu a sessão e invocou a proteção de Deus. Isso é bom, porque, afinal, não estamos só os dois aqui nesta manhã de sexta-feira. A nossa presença física e a proteção de Deus nos entusiasma a avançar com a discussão de alguns temas interessantes para o País.

            A SRa PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco/PP - RS) - E desejo que Ele nos ilumine também, Senador.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Na sessão de ontem, eu observava o seu discurso com atenção. V. Exa se referia às discussões que fazemos aqui em relação ao Fundo de Participação dos Municípios. De uma forma geral, simplificando a relação, em 1988, quando a nova Constituição foi promulgada, a receita da União era composta basicamente de IPI e Imposto de Renda. Nos cálculos que eu tenho - bastante próximos dos seus -, 80% da receita da União era composta de IPI e Imposto de Renda. E IPI e Imposto de Renda são impostos compartilhados, divididos com Estados e Municípios. Mas, depois disso, veio a história do superávit primário, do endividamento do País, dos juros altíssimos, que levaram os bancos que operam no Brasil, nacionais e internacionais, a baterem recordes, no livro Guinness, em lucratividade. E o Governo Federal, ou ainda, os governos federais - não estou atribuindo, especificamente, a nenhum deles - passaram a oferecer incentivos, vantagens e isenções de Imposto de Renda e de IPI.

            Então, essa receita que compõe o Fundo de Participação dos Estados e Municípios, grosso modo, caiu de 80% da receita federal para 40%. Ou seja, Senadora, a receita distribuída aos Estados e aos Municípios caiu pela metade. Em compensação, as tais contribuições financeiras, que não são compartilhadas, saíram de 20% para 60%, atribuídas diretamente à União sem que Municípios e Estados participassem desse montante.

            Então, vejo com ceticismo essa discussão pela reformulação dos Fundos de Participação de Estados e Municípios, porque eles não pensam em alterar, em questionar o modelo econômico: o lucro fantástico dos bancos com os juros; a dívida pública monumental, que já foi externa e que, depois, migrou para a dívida interna, porque a dívida externa, em dólar e moedas fortes, com a crise global, passou a não render rigorosamente nada enquanto a rentabilidade ocorria com juros altíssimos praticados no Brasil.

            Estamos discutindo o quê? A distribuição da miséria. Uma renda de Estados e Municípios, reduzida pela metade, reúne um grupo de governadores, cada um querendo tirar um pouco do outro e não restabelecer a possibilidade da sobrevivência financeira de Estados e Municípios, com a recuperação da renda estabelecida pela Constituição de 1988.

            Realmente, Senadora, não entendo o porquê dessa recusa da política brasileira, dos governadores em discutir o essencial, que é o modelo econômico. Enquanto nós continuarmos remunerando bancos dessa maneira, não vamos recuperar a capacidade de desenvolvimento.

            Há um projeto de minha autoria, para o qual nem sei se a tal Comissão de Constituição e Justiça já designou relator... V. Exª reclamava de projetos seus que, até hoje, não tinham relator; eu sofro da mesma síndrome. Você faz um projeto, mas os interesses dominantes no Congresso arquivam o projeto, não designando relator, e ele fica dormindo dois ou três anos.

            O meu projeto era para a retomada do desenvolvimento econômico. Vamos a alguns dados: a informação que tenho é que, no ano passado, o orçamento do Ministério dos Transportes, por exemplo, era de R$17 bilhões, e o Governo apenas conseguiu aplicar R$3,8 bilhões. Por quê? Pela dureza do Tribunal de Contas da União, pela pressão das ONGs e por uma evidente desestruturação do próprio Ministério dos Transportes, que foi destruído ao longo dos anos. Então, fiz uma proposta.

            A verba de saneamento do Governo Federal foi executada, talvez, em no máximo 10% do seu montante final. Assim, tenho um projeto de lei autorizando o Governo Federal a, ao invés de cobrar a dívida dos Estados e Municípios para com ele, permitir que esses recursos sejam usados em investimentos de infraestrutura. Estaríamos transformando este País num canteiro de obras. Municípios e Estados, ao invés de pagarem as suas dívidas com a União, utilizariam esses recursos em obras de estradas, estradas de ferro, saneamento básico, habitação.

            E habitação é fundamental! A nossa Presidenta Dilma está certíssima nisso. Construção civil brasileira, utilizando uma quantidade fantástica de mão-de-obra. Panificação e construção civil são os setores que mais empregam no Brasil.

            Mas existem outros dados que deve ser analisados.

            Eu lia, ontem, Senador Aloysio, que vem abrilhantar a nossa manhã de sexta-feira, aqui. Já somos três, com Deus, Senadora Ana Amélia: eu, V. Exª e o Senador Aloysio Nunes Ferreira. Eu lia, Senador Aloysio, num artigo do Serra, ontem, que o setor industrial, entre 2009 e 2012, perdeu 1,3 milhão de empregos e que os empregos, no Brasil, cresceram nos serviços e na contenção, no limite de dois salários mínimos. Repeti isso no meu Twitter, na Internet, e, de repente, não mais que de repente, passei a ser agredido, “o que o Serra diz não pode ser levado em consideração”.

            Eu não sou partidário do Serra, da sua visão de levar ao Brasil as políticas e os tratados bilaterais com o mundo inteiro, mas ignorar um dado é de uma mediocridade absoluta. Nós temos que levar essas coisas em consideração.

            Há um processo de paralisação do crescimento industrial; há um avanço brutal do comércio agrícola e das commodities no Brasil, enquanto o crescimento industrial está limitado. E é o crescimento industrial que proporciona bons salários, bons empregos e que faz com que o País avance. O contrário disso é a regressão, é a primarização da economia.

            Então, quando vejo governadores se reunindo aqui, com pompa e circunstância, para discutir a redistribuição dos Fundos de Participação dos Municípios, eu sinto como se eles tivessem tentando redistribuir a miséria. Um quer tirar alguma coisa do outro, e nenhuma visão holística, global da economia brasileira, da inserção da economia brasileira na crise global da economia do Planeta inteiro.

            Acho que isso me soa mais, Senadora, como divertimento. Tenho insistido nisso: do latim divertere, desviar do que importa. Discutimos o Feliciano, na Comissão de Direitos Humanos, que foi abandonada pelo PMDB e pelo PT, que tinham a preferência da escolha, e discutimos questiúnculas. Eu vejo muitos acertos da nossa Presidenta Dilma, mas não vejo nada que mexa na essência do problema da conjuntura econômica e do modelo. Isto, sem a menor sombra de dúvida, me assusta.

            Há, sim, sensibilidade social. As bolsas, que surgiram na época lá do governo Collor - lembra, Senadora, os descamisados? -, foram sofisticadas, reelaboradas, e a sensibilidade social do governo Lula, do governo do PT, é realmente impressionante. E é isso que me faz dizer que estou na Base do Governo. Mas a essência do processo econômico não é tocada.

            A Presidenta, com coragem, baixou os juros, mas, logo depois, Senador Aloysio, ela liberou o depósito compulsório para que os bancos pudessem emprestar mais e ganhar no volume.

            E eu vejo na imprensa, agora, com o protesto dos desenvolvimentistas do País, ser criado um fundo de dinheiro público, recurso do Erário, para ser transferido para a banca privada, para financiar os processos de privatização de obras, de ações que deveriam e devem ser essencialmente executadas pelo Governo.

            Então, não há um confronto, e há esse divertimento.

            Perdoem-me os Srs. Senadores que estão participando dessa discussão do Fundo de Participação dos Estados e Municípios, mas isso é puro divertimento, porque, na verdade, esse Fundo foi reduzido pela metade.

            Mas, feitos esses comentários, Senadora - e os fiz, realmente, com a intenção de animar um pouco e conseguir algum tempo para que chegassem aqui os Senadores Cícero Lucena e Aloysio Nunes, e, assim, nós pudéssemos dar continuidade às discussões e aos debates desta sexta-feira pela manhã -, eu quero abordar um assunto que já abordei num projeto de lei que apresentei à Mesa anteontem.

            Apesar de todo o avanço da legislação brasileira para proteger os mais vulneráveis, as crianças, especialmente os menores de idade, há ainda, no Código Penal, algumas brechas que favorecem os que praticam crimes contra os nossos meninos e meninas. É por isso que apresentei um projeto de lei que acrescenta um inciso ao art.111 do Código Penal, prevendo que, nos casos de crimes contra a pessoa, contra o patrimônio e contra os costumes praticados em prejuízo de menores, não deve haver prescrição de penas, até que os menores atinjam a maioridade. Assim, estou estabelecendo, nesse projeto, que a contagem da prescrição começa com os 18 anos, evitando que ela ocorra por antecipação.

            Não é justo que uma criança veja o crime contra ela prescrever, sem que ela tenha maturidade, a maturidade mínima necessária, para promover medidas judiciais cabíveis na defesa dos seus direitos.

            Na esfera cível, o Congresso já sanou essa deficiência. O novo Código Civil não permite a prescrição da pena imposta a quem cometa crime contra menores, enquanto durar a incapacidade jurídica do menor ofendido, especialmente quando o menor não tem pais para protegê-lo.

            A titulo de exemplo, vejamos a situação de um menor cujo pai morreu quando ele tinha 8, 9 anos. Suponha-se que, de forma fraudulenta, com a falsificação da assinatura do pai, a herança dessa criança tenha sido transferida para terceiros ou para uma empresa de fachada. Pois bem, quando essa criança, vítima do delito, atingir a maioridade, os crimes contra ela já terão sido prescritos ou praticamente prescritos. Essa é uma situação de crime contra o patrimônio de menores.

            Outra situação igualmente grave que meu projeto quer eliminar é a prescrição de crimes contra a pessoa do menor ou crimes contra costumes cujas vítimas sejam menores. Um menor, vítima de abuso sexual ou de lesão corporal, quando tinha pouca idade, comumente vê-se constrangido a não divulgar as agressões, em vista da fragilidade decorrente da idade, de chantagens ou de ameaças. Por isso, não podemos compactuar com o direito do agressor de ver prescrito o crime cometido. Se os abusos ocorreram quando a criança tinha, por exemplo, cinco anos, quando ela chegar à maioridade, treze anos depois, o criminoso terá sido brindado com o beneficio da prescrição.

            O nosso ordenamento jurídico considera que, aos dezoito anos, a pessoa tem capacidade psíquica e maturidade mínima para tomar a decisão de representar ou não em juízo contra seus agressores. Ora, como representar se o crime prescreveu?

            Eliminada essa grave falha da legislação, a sociedade brasileira vai dispor de mais um meio para coibir os criminosos que se aproveitam da inocência e da fragilidade das crianças para praticar delitos contra elas, certos de que a prescrição do crime vai se amparar na impunidade.

            Faço este pronunciamento nesta manhã de sexta-feira, referindo-me a um projeto que já dei entrada para tramitação no Congresso, para pedir o apoio das Srªs e dos Srs. Senadores, e o faço nesta manhã maravilhosa, com esta Casa cheia, se não de presença física pelo menos com brilhantes e inteligentes Senadores e Senadoras.

            A SRª PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco/PP - RS) - Senador Requião, temos abordado esses dois temas, digamos, com frequência, pela relevância.

            A questão da federação e da repartição de recursos, como V. Exª fala, é repartir a miséria. Mas, na verdade, quando a União não inclui na composição do FPM ou do FPE as contribuições, que, como disse V. Exª, é um volume maior do que aquele que existia até 1988, na Constituição, alguma coisa precisa ser feita.

            Mas concordo em gênero, número e grau com essa avaliação de V. Exª a respeito do desempenho da economia, da macroeconomia brasileira, que é um tema muito caro a V. Exª, que tem ouvido muitos especialistas nessa área. O País, nesse aspecto, está patinando.

            Então, eu queria cumprimentá-lo pela forma como aborda essa questão da macroeconomia brasileira e dos gargalos que temos em todos os setores.

            E, nesse caso da questão da criminalização, o menor é duplamente fragilizado. A violência acontece dentro de casa, onde, exatamente por pressão emocional, por pressão de medo, agrava-se o sofrimento dessa criança.

            Então, eu queria cumprimentá-lo, à luz de que estamos discutindo aqui o Código Penal com tantas polêmicas surgidas sobre a qualidade desse trabalho.

            Cumprimento o Senador Requião.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Senadora, eu tenho imaginado o Brasil como uma propriedade rural, como uma família que tivesse uma pequena propriedade rural, com uma casa em más condições de habitabilidade. E essa propriedade rural está empenhada, ela está gravada com dívidas pesadas.

            Em determinado momento, o chefe dessa família consegue um empréstimo, um financiamento.

            Esse financiamento que ele conseguiu seria suficiente para amortizar a sua dívida e lhe dar a oportunidade de, em quatro ou cinco anos, investindo na propriedade, recuperá-la e mantê-la no domínio da família por muito tempo, ou para sempre, digamos assim.

            Contudo, em vez disso, ele se preocupa com a manutenção do status, com a manutenção da qualidade de vida, da ilusão de um período econômico favorável. E, em vez de utilizar o dinheiro que conseguiu para amortizar a sua dívida e reinvestir na propriedade, tornando-a produtiva, ele reforma a sala e o banheiro. E logo mais adiante ele perde a propriedade.

            Eu quero dizer que sou absolutamente favorável às políticas sociais, às bolsas, à renda mínima do Senador Suplicy, às medidas que a nossa Presidenta tem tomado, ao enfrentamento dos bancos. Mas, se nós não tivermos uma política comercial, industrial, uma política de exportação, de importação, a médio prazo, nós estaremos nos precipitando para o abismo da impossibilidade de uma recuperação em curto prazo de tempo. Nós acabaremos indo para uma situação parecida com a da Grécia, da Espanha, da Itália e do mundo inteiro.

            A SRª PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco/PP - RS) - De Portugal.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Então, nós temos que aplaudir a política social do Governo e a política social praticada nos últimos anos, mas não é possível que nós fechemos os olhos, por exemplo, para a diminuição anunciada pelo Serra, no seu artigo de antes de ontem, de 1,3 milhão de empregos industriais, entre 2009 e 2012.

            Apoio, sim, as políticas sociais. A diferença da conduta do Governo brasileiro em relação ao que faz a Espanha, na mão do Goldman Sachs, a Itália, a Grécia é enorme, porque lá eles estão tentando recuperar o capital financeiro e, aqui, a nossa Presidenta e os governos do PT nos últimos anos tem se preocupado com a vida do povo. Mas essa preocupação não pode compreender - como a mim parece que está compreendendo - a ausência de uma política industrial, a ausência do crescimento econômico baseado na industrialização do País, sem o que não há que falar, em médio prazo, em soberania nacional.

            Obrigado pelo espaço, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/03/2013 - Página 10382