Discurso durante a 30ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Expectativa com trabalho que será desenvolvido pelo Papa Francisco à frente da Igreja Católica.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA.:
  • Expectativa com trabalho que será desenvolvido pelo Papa Francisco à frente da Igreja Católica.
Publicação
Publicação no DSF de 19/03/2013 - Página 10825
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • REGISTRO, ELEIÇÃO, PAPA, REFERENCIA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL DO BRASIL, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), ASSUNTO, ESCOLHA, CARDEAL, COMENTARIO, EXPECTATIVA, ORADOR, RENOVAÇÃO, LIDER, IGREJA CATOLICA, ENFASE, POSSIBILIDADE, AMPLIAÇÃO, REPRESENTAÇÃO, AMERICA LATINA, IGREJA, APOIO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, DEFESA, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP. Pronuncia o seguinte discurso.Sem revisão do orador.) - Meu caríssimo Presidente, meu muito obrigado às suas palavras elogiosas.

            Srªs e Srs. Senadores, todos que nos assistem pela TV Senado e nos ouvem pela Rádio Senado, na semana passada, a Igreja Católica escolheu seu novo comandante, dirigente, escolheu seu principal dirigente. O Papa Jorge Bergoglio, ao ser escolhido, traz na sua escolha um conjunto de simbologias que considero importante aqui destacar.

            E faço questão, Sr. Presidente, de trazer para o plenário artigo publicado no Jornal do Brasil do querido e caríssimo Leonardo Boff, teólogo da libertação e principal referência à Teologia da Libertação, falando sobre a escolha do Padre Francisco.

            Diz Leonardo Boff:

Nas redes sociais havia anunciado que o futuro papa iria se chamar Francisco. E não me enganei. Por que Francisco? Porque São Francisco começou sua conversão ao ouvir o Crucifixo da capelinha de São Damião lhe dizer: ”Francisco, vai e restaura a minha casa; olhe que ela está em ruinas” (São Boaventura, Legenda Maior II,1).

Francisco tomou ao pé da letra estas palavras e reconstruiu a igrejinha da Porciúncula, que existe ainda em Assis, dentro de uma imensa catedral. Depois entendeu que se tratava de algo espiritual: restaurar a “Igreja que Cristo resgatara com seu sangue” (op.cit). Foi então que começou seu movimento de renovação da Igreja, que era presidida [na época] pelo papa mais poderoso da história, Inocêncio III. Começou [Francisco] morando com os hansenianos e de braço com um deles ia pelos caminhos pregando o evangelho em língua popular e não em latim.

É bom que se saiba que Francisco nunca foi padre mas apenas leigo. Só no final da vida, quando os papas proibiram que os leigos pregassem, aceitou ser diácono [sob] à condição de não receber nenhuma remuneração pelo cargo.

Por que o cardeal Jorge Mario Bergoglio escolheu o nome de Francisco? A meu ver foi exatamente porque se deu conta de que a Igreja [atualmente] está em ruínas pela desmoralização dos vários escândalos que atingiram o que ela tinha de mais precioso: a moralidade e a credibilidade.

Francisco [portanto] não é um nome. É um projeto de Igreja, pobre, simples, evangélica e destituída de todo o poder. É uma Igreja que anda pelos caminhos, junto com os últimos; que cria as primeiras comunidades de irmãos que rezam o breviário debaixo de árvores junto com os passarinhos. É uma Igreja ecológica que chama a todos os seres com a doce palavra de “irmãos e irmãs”. Francisco se mostrou obediente à Igreja dos papas e, ao mesmo tempo, seguiu seu próprio caminho com o evangelho da pobreza na mão. Escreveu o então teólogo Joseph Ratzinger: ”O não de Francisco àquele tipo imperial de Igreja não poderia ser mais radical, é o que chamaríamos de protesto profético” (em Zeit Jesu, Herder 1970, 269). Ele não fala, simplesmente inaugura o novo.

Creio que o papa Francisco tem em mente uma Igreja assim, fora dos palácios e dos símbolos do poder. Mostrou-o ao aparecer em público. Normalmente os papas, e Ratizinger principalmente, punham sobre os ombros a mozeta, aquela capinha, cheia de brocados e ouro, que só os imperadores podiam usar. O papa Francisco veio simplesmente vestido de branco. Três pontos são de ressaltar em sua fala inaugural, e são de grande significação simbólica.

A primeira: disse que quer “presidir na caridade”. Isso desde a Reforma e nos melhores teólogos do ecumenismo era pedido. O papa não deve presidir como um monarca absoluto, revestido de poder sagrado como o prevê o direito canônico. Segundo Jesus, deve presidir no amor e fortalecer a fé dos irmãos e irmãs.

A segunda: deu centralidade ao Povo de Deus, tão realçada pelo Vaticano II e posta de lado pelos dois papas anteriores em favor da Hierarquia. O papa Francisco, humildemente, pede que o Povo de Deus reze por ele e o abençoe. Somente depois, ele abençoará o Povo de Deus. Isto significa: ele está aí para servir e não para ser servido. Pede que o ajudem a construir um caminho juntos. E clama por fraternidade para toda a humanidade, onde os seres humanos são se reconhecem como irmãos e irmãs mas [não] atados às forças da economia.

Por fim, evitou toda a espetacularização da figura do papa. Não estendeu os braços para saudar o povo. Ficou parado, imóvel, sério e sóbrio, diria, quase assustado. Apenas se via a figura branca que olhava com carinho para a multidão. Mas irradiava paz e confiança. Usou de humor falando sem uma retórica oficialista. Como um pastor fala aos seus fiéis.

Cabe por último ressaltar que é um papa que vem do Grande Sul, onde estão os pobres da Humanidade e onde vivem 60% dos católicos. Com sua experiência de pastor, com uma nova visão das coisas, a partir de baixo, poderá reformar a Cúria, descentralizar a administração e conferir um rosto novo e crível à Igreja.

            Sr. Presidente, na verdade, a escolha, por parte do Colégio de Cardeais, do Papa Francisco, a escolha de Jorge Bergoglio traz, de fato, um conjunto de simbolismos.

            O primeiro dos simbolismos é a escolha do Papa, de não ter sido escolhido um papa eurocêntrico, não ter sido escolhido um papa europeu. Que profundo significado! Ele poderia ser latino-americano, poderia ser africano, ambos dialogariam com o canto do Planeta onde está a maioria dos pobres, com o canto do Planeta, o hemisfério sul, o hemisfério sul da Latino América, o hemisfério sul da África, com o canto do Planeta onde estão as maiores e enormes desigualdades, com o canto do Planeta onde está a maior concentração da riqueza nas mãos de poucos e a maior concentração da miséria nas mãos de muitos. Independente de qualquer outra conotação, somente a escolha de um papa do hemisfério sul do Planeta, mais do que um papa latino-americano, traz o significado de ser um papa que vem dos explorados. Um papa que conhece e reconhece o sofrimento concreto de um povo ao longo dos séculos.

            O segundo significado é por ter sido um papa latino-americano. E o primeiro papa latino-americano da história traz o legado de um papa que vem de um continente que nasceu sob a égide da exploração da espada. Por assim dizer, o continente latino-americano é ocupado e colonizado sob as bênçãos da cruz e sob o poder da espada. Índios são mortos, povos são destruídos, africanos são segregados de sua família. E esse papa vem deste continente, que tem esse símbolo de ter sido exatamente um continente erguido sob a égide da exploração, inclusive com a outrora autorização da Igreja.

            O segundo símbolo fundamental e importante é que é um papa jesuíta. Os jesuítas, que têm um papel tão importante na Latino América, os jesuítas que foram fundamentais no Concílio Vaticano II e os jesuítas que propagandearam pela Latino América a Teologia da Libertação, que, mais do que teologia de libertação, é a ideia de teologia dos pobres, é a ideia de uma teologia que compreende a Igreja e o seu principal compromisso. E este é o principal compromisso da Igreja, ou seja, o compromisso com os pobres.

            A escolha de um Papa jesuíta está lá no Evangelho, na célebre passagem de Mateus (cap. 19, versículo 24), que diz que é mais fácil passar um camelo pelo fundo do buraco de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus.

            A escolha pelos pobres está presente no Evangelho, a escolha pelos pobres está presente no começo da Igreja. É a Igreja fundada sob a ética cristã, que se inicia rebelde, inclusive rebelde contra o grande império de então, o Império Romano; inclusive rebelde subvertendo esse prédio e não sucumbindo, realizando as suas reuniões, as suas missas, nas catacumbas e reiterando o nome de igreja, mas não igreja como instituição sacrossanta, todo-poderosa, que tem origem formal a partir do Conselho de Nice, no século III da era cristã, e com assimilação, por parte do Império Romano, da Igreja como sua religião oficial. Não é essa a igreja que é suscitada pela escolha do Evangelho e pela igreja inicial, a igreja das catacumbas.

            A igreja das catacumbas vem de ecclesia, do grego: comunidade. A igreja que se reunia nas catacumbas partia de um princípio, primeiro, elementar: era a comunidade que se reunia, e a vida dessa ecclesia era em comunhão, como muito bem diz Leonardo Boff no artigo que acabei de ler.

            A escolha de Francisco é dentro desse... São Francisco de Assis surge questionando a igreja que começava a se estabelecer como instituição. A visão de São Francisco era a visão do crucifixo, que falava com ele e dizia: “Vai e reconstrói a minha igreja. Vai e deixa claro que o que prego é uma igreja que escolha os pobres e que possa agir pelos pobres”.

            A terceira grande simbologia é a escolha de Bergoglio de ter Francisco como nome, de ser o primeiro a ter como referência São Francisco, com todos os legados que isso representa, a ideia, na Igreja cristã, de São Francisco.

            São Francisco é aquele que faz a escolha clara pelos pobres, que não frequenta os palácios dos imperadores e que se recusa, como filho e representante de Deus, a usar as vestes que separam a Igreja do seu povo. Mais que isso, essa escolha tem uma sinalização claramente de uma necessidade atual do mundo: a necessidade da defesa do meio ambiente. É o São Francisco do passado que fala da reconstrução da Igreja, que extrata irmão sol e irmã lua, que trata os animais como irmãos, que diz que deve se amar a Deus, mas não se pode amar a Deus se também não amar a sua criação.

            Essas duas simbologias também são bem atuais, no mundo em que vivemos claramente a escolha dos ricos, a escolha pela riqueza, em que a Igreja, principalmente ultimamente, tem se burocratizado e tem se distanciado muito do povo. E um mundo atual onde nunca, na história humana, concretamente, destruiu-se tanto o meio ambiente. Não à toa a imagem de um padre que também faz referência a São Francisco retoma a necessidade atual de a Igreja ter um concreto compromisso com a preservação do meio ambiente. Isso conflita, inclusive, com posições que assumimos aqui no Congresso Nacional. Quando votamos um Código Florestal que claramente foi votado e apresentado aqui para atender aos interesses do agronegócio nacional e para prejudicar a preservação ambiental em nosso País, nós estamos atentando contra uma obra da criação divina. A obra do Deus deve ser reverenciada tanto quanto a reverência que nós devemos fazer a Deus.

            Este Padre, Bispo de Roma, designado na semana passada, com tantos significados, e assumindo, como se não bastassem os significados da sua designação, a designação de Francisco… Espero e quero acreditar que esse conjunto de simbologias dialogue com o mundo atual.

            Nós precisamos muito, Sr. Presidente, do diálogo. Nós precisamos do diálogo, primeiro, para compreender que vivemos - e a Igreja tem a obrigação cristã e histórica de apontar isso - em um mundo de desigualdades e apontar concretamente que o que um norte-americano, um estadunidense consome em um dia, em alimentos, corresponde ao que um africano leva um ano para consumir. Desigualdades tão antagônicas como essa é dever histórico de a Igreja apontar.

            Espero que a indicação do Papa Francisco seja também um símbolo para a reconstrução e retomada do diálogo e da necessária aproximação da Igreja com os oprimidos e com os pobres. Ao contrário do que vi ser repercutido, do que vi ontem em alguns jornais, a torcida de que a escolha de um Papa latino-americano significaria exatamente uma espécie de novo Wojtyla, um novo Karol Wojtyla, um novo Papa João Paulo II, que, dizem, um dos argumentos de sua designação no passado, teria sido para articular a queda da chamada Cortina de Ferro, do que estava em curso na União Soviética, na Polônia.

            Da mesma forma, alguns jornais repercutiram ontem que a escolha de um Papa latino-americano seria para apontar um necessário contraponto ao processo que está em curso na América Latina. Não vejo, não acredito, não aceito e não me parece que é essa a simbologia.

            Ao se escolher um Papa latino-americano, que escolhe a denominação de Francisco, que significa a sua aproximação com os pobres e o compromisso da Igreja com os pobres e a preservação ambiental, atual e necessária para o mundo moderno, ao contrário do que é dito, se está dialogando com processos que estão em curso na América Latina.

            Porque o que está em curso... Ainda há pouco foi lido, o Senador Cristovam utilizou a tribuna para fazer a leitura dos lamentáveis números do IDH de nosso País, da localização do IDH de nosso País neste mês, e apontou que, dentre os países que estão à frente em Índice de Desenvolvimento Humano, se encontram Venezuela, Cuba e Bolívia.

            É bom que se diga aqui...

(Soa a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) - E falo isso já para concluir, Sr. Presidente, é bom que se diga aqui, concretamente, que Bolívia e Venezuela melhoraram seus IDHs nos últimos dez anos. É fundamental que isso seja dito.

            Então, ao contrário do que é apregoado, a indicação de um Papa que tem a escolha pelos pobres significa fortalecer processos que estão em curso; que erradicam o analfabetismo, como erradicaram na Bolívia, que diminuíram a mortalidade infantil, como tem diminuído no Uruguai, como tem diminuído na Venezuela, como tem sido reduzida a níveis quase a zero em Cuba.

            Então, significa que tudo conspira a favor de nós construirmos o mundo, e esse é o significado central, parece-me, a escolha de um Papa que no seu nome já define qual é a sua opção preferencial pelos pobres. Significa fortalecer processos...

(Soa a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) - ...de Estados nacionais que estão em curso que erradiquem o analfabetismo, que promovam igualdade social. Significa dizer - e esse me parece que é o grande sinal que a Igreja dá com a escolha com o Papa Francisco - que não são os ditames do mercado e do capital que podem prosperar em primeiro lugar, mas, sim, a escolha sempre pelos pobres e pela construção de um mundo de igualdade e de justiça social. Fazendo isso, a Igreja se aproxima cada vez mais dos mandamentos cristãos e da sua escolha original: a escolha pelos pobres, pelos oprimidos.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/03/2013 - Página 10825