Discurso durante a 34ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão acerca da necessidade de preservação da água no mundo.

Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Reflexão acerca da necessidade de preservação da água no mundo.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2013 - Página 11851
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • REGISTRO, DIA INTERNACIONAL, AGUA, COMENTARIO, PROGRAMA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), CONSCIENTIZAÇÃO, SUSTENTABILIDADE, CONSUMO, IMPORTANCIA, PRESERVAÇÃO, RECURSOS AMBIENTAIS, IGUALDADE, DISTRIBUIÇÃO, ACESSO, RECURSOS HIDRICOS.
  • REGISTRO, CONSTRUÇÃO, OBRA PUBLICA, INFRAESTRUTURA, RECURSOS HIDRICOS, REGIÃO NORDESTE, CRITICA, TERCEIRIZAÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, REDISTRIBUIÇÃO, AGUA.

            O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente Senador Paulo Paim, Exmªs Srªs e Srs. Senadores, em meu último pronunciamento desta tribuna, abordei dois temas que, ao mesmo tempo em que se interligam em prol de um mundo justo e saudável, traz à tona um terceiro e definitivo argumento de extrema oportunidade para se falar hoje. A conjugação do conceito de consumo sustentável com os direitos básicos do consumidor revela e nos remete àquele que é o mais crucial elemento de consumo oferecido pela natureza: a água.

            Amanhã, dia 22 de março, comemoramos o Dia Mundial da Agua, instituído pelas Nações Unidas, em 1993, portanto, há exatos 20 anos. O objetivo maior foi o de criar um momento de reflexão, análise, conscientização e elaboração de medidas práticas para resolver o problema da contaminação e da degradação das águas pela ação do homem, como também da real ameaça de sua escassez num futuro próximo. No intuito de orientar as celebrações deste ano, a ONU escolheu o tema "Cooperação pela Água", com foco na divulgação de iniciativas para utilização conjunta e consciente da água doce.

            Aliado à instituição do Dia Mundial da Água, as Nações Unidas aprovou e editou, também em 1993, a Declaração Universal dos Direitos da Água, da qual vale aqui extrair alguns de seus principais dispositivos:

A água faz parte do património do planeta. Cada continente, cada povo, cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão é plenamente responsável aos olhos de todos.

            E vai adiante.

O direito à água é um dos direitos fundamentais do ser humano: o direito à vida, tal qual é estipulado pelo art. 3º da Declaração dos Direitos do Homem.

            E continua.

A água não é somente uma herança dos nossos predecessores; ela é, sobretudo, um empréstimo aos nossos sucessores. Sua proteção constitui uma necessidade vital, assim como uma obrigação moral do homem para com as gerações presentes e futuras.

            Continua ainda as Nações Unidas.

A utilização da água implica o respeito à lei. Sua proteção constitui uma obrigação jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza. Essa questão não deve ser ignorada nem pelo homem nem [tampouco] pelo Estado.

A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteção e as necessidades de ordem econômica, sanitária e social.

           Encerra as Nações Unidas nesse documento divulgado.

           Essas afirmações e recomendações justificam-se principalmente pelo fato de que, apesar de dois terços do nosso Planeta serem constituídos de água, apenas 0,008% desta água é potável, ou seja, própria para consumo. Foi dentro desse cenário que as Nações Unidas também proclamou, por meio da Resolução 58/217, o período de 2005 a 2015 como a Década Internacional para Ação, sob o título "Agua, fonte de vida". O foco da iniciativa era o de implementar programas na tentativa de atingir os objetivos acordados internacionalmente sobre questões ligadas à água contidos no capítulo 18 da Agenda 21, nos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio e no Plano de Implementação de Johannesburgo.

           O fato, Sr. Presidente, é que estamos no limiar do término desta década instituída pelas Nações Unidas e as preocupações com os recursos hídricos de nosso Planeta continuam. E digo recursos hídricos de forma genérica, Sr. Presidente, pois, como se sabe, a importância da água vai muito além de um mero conceito de um bem da natureza. A vitalidade da água está no 'matar da sede', no 'lavar do corpo e das coisas', e também no 'irrigar da terra', no 'gerar da energia', no 'navegar das embarcações' e, até mesmo, no 'umidificar do ar' que respiramos. E nada mais representativo do conceito de consumo sustentável do que a água potável, a água límpida, pura e transparente.

           Esta simbologia está bem retratada no Brasil por meio também de uma diversidade de exemplos do uso da água como meio básico para uma série de empreendimentos e atividades. Em recente discurso nesta Casa, mais especificamente na Comissão de Serviços de Infraestrutura, tive oportunidade de anunciar a inauguração dos dois primeiros trechos do Canal Adutor do Sertão Alagoano, ocorrida no último dia 12 de março, com a presença de Sua Excelência a Presidenta Dilma Rousseff. Trata-se de uma das mais importantes obras federais de infraestrutura hídrica no Nordeste brasileiro, pois permitirá o desenvolvimento da economia regional pela melhoria das condições de abastecimento humano e dos perímetros de irrigação, pelo desenvolvimento da piscicultura e do agronegócio, bem como pelo remanejamento das adutoras coletivas existentes.

            No mesmo segmento, não se pode deixar de citar a imensa obra de infraestrutura, no mesmo Nordeste brasileiro, de transposição e revitalização das águas do São Francisco, do que é uma verdadeira dádiva da natureza ao nosso País, e que representa, em seu curso, o reflexo de um dos principais caminhos do desenvolvimento brasileiro desde a sua descoberta.

            Ainda no campo dos grandes empreendimentos nordestinos com o uso racional e tecnológico da água, é importante citar a Usina Hidrelétrica de Xingó, instalada no Rio São Francisco, na divisa dos Estados de Alagoas e Sergipe, e que tive a honra não só de retomar sua construção quando exerci a Presidência da República, como também de impulsionar os investimentos necessários e que garantiram a sua inauguração.

            Contudo, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, ainda há muito a se fazer no mundo para se potencializar e melhor distribuir o consumo da água. Dados das Nações Unidas revelam que aproximadamente 1 bilhão de pessoas no Planeta - 1 bilhão de pessoas no Planeta! - não têm acesso à água, não têm acesso sequer à água suficiente para as suas necessidades mais básicas de consumo. Este número pode alcançar, em 2025, 1,8 bilhão de pessoas. Uma vida digna requer um consumo - é essa a estimativa - de 110 litros de água por dia. Mas o que se vê nesse quesito é uma acentuada disparidade entre os países. Nos Estados Unidos, a média de consumo diário é de 300 litros por pessoa; na Europa, 200 litros; no Brasil, 150 litros. Em compensação, na África Subsaariana o consumo fica entre 10 e 20 litros por dia, por pessoa.

            Em suma, Sr. Presidente, o acesso aos recursos hídricos ainda se mostra desigual e antagônico, como o próprio comportamento dos fenômenos naturais que observamos no Planeta envolvendo a água. Ainda vivemos - e ao que tudo indica isso será cada vez mais frequente - sob os paradoxos da seca versus enchentes; das nevascas versus o degelo das camadas polares; dos invernos rigorosos, em que pese o aquecimento global.

            E aqui cabe a reflexão sobre as sábias palavras de Montaigne, datadas de quase cinco séculos: "A natureza é um doce guia, mas não mais doce do que prudente e justa."

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a solução para todos esses problemas de preservação ambiental aponta para a tomada de medidas urgentes por parte dos poderes públicos, passa pela conscientização das sociedades de consumo, pela necessidade de uma nova postura, e desemboca na certeza de que temos que quebrar paradigmas quando nos referimos ao uso e à gestão dos recursos hídricos. Somente assim estaremos alcançando, na prática, o conceito de consumo sustentável.

            Pelo lado do Poder Público, especificamente no Brasil, há de se cobrar, por exemplo, a responsabilidade constitucional do Estado, pois a entrega dos serviços de distribuição de água não pode e não deve ser repassada para o setor privado, que enxerga a população não como usuária de um serviço essencial à vida, mas como uma mera consumidora.

            Pelo lado da sociedade, há de se tornar mais ciente, por exemplo, quanto à nocividade do desperdício de água e à importância do seu uso com parcimônia e racionalidade. Apenas a título de exemplo - um singelo exemplo que torna fácil alcançar e compreender o seu significado -, num ato simples do cotidiano como escovar os dentes, em três minutos se gastam, com a torneira aberta, durante a escovação, 540 litros de água por mês, ao passo que, com a torneira fechada, durante a escovação, o consumo é de apenas 60 litros. Vejam a enorme diferença e o desperdício monumental que devemos estar fazendo no Planeta todos os dias.

            Enfim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil possui todas as condições de dar exemplos positivos ao mundo, pois temos a maior e mais complexa diversidade de ecossistemas do Planeta.

(Soa a campainha.)

            O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Já concluo, Sr. Presidente.

            Basta citar, apenas no campo dos recursos hídricos, o oceano que nos margeia, os estuários que nos misturam, os lagos que nos espelham e os rios e regatos que nos contornam. São todas fontes que podem se tornar inesgotáveis se exploradas corretamente. Além disso, temos o maior volume de água doce, cerca de 12% de todas as fontes mundiais, e um dos maiores reservatórios de água subterrânea, o Sistema Aquífero Guarani, de alto valor estratégico pela localização em áreas de grande demanda de água, as Regiões Sul e Sudeste, e de parte das Regiões Sudeste e Centro-Oeste. Ou seja, temos a maior quantidade e a melhor qualidade em termos de recursos hídricos. Resta-nos agora saber explorá-los. Caso contrário, Sr. Presidente, corremos o risco de concluir que a única forma de garantir a sobrevivência do Planeta será, paradoxalmente, a adoção de um modelo de progressivo e permanente decrescimento econômico do mundo. Afinal, como afirmou Francis Bacon, há 400 anos, “a natureza só é comandada se é obedecida".

            Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2013 - Página 11851