Discurso durante a 34ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do transcurso, hoje, do Dia Internacional pela Eliminação e Discriminação Racial.

Autor
Ângela Portela (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Ângela Maria Gomes Portela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Registro do transcurso, hoje, do Dia Internacional pela Eliminação e Discriminação Racial.
Publicação
Publicação no DSF de 22/03/2013 - Página 12164
Assunto
Outros > DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • REGISTRO, DIA INTERNACIONAL, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, CRESCIMENTO, MORTE, NEGRO, COMENTARIO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, CRIAÇÃO, POLITICAS PUBLICAS, AÇÃO AFIRMATIVA, ESPECIFICAÇÃO, IMPLANTAÇÃO, SECRETARIA, PROMOÇÃO, IGUALDADE RACIAL, RESERVA, VAGA, UNIVERSIDADE FEDERAL.

            A SRª ANGELA PORTELA (Bloco/PT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, com palestras, análises teórico-críticas, debates, manifestações públicas e sessões solenes vivenciamos hoje (21), em todo o país, o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial. Esta data foi instituída em 1976, pela Organização das Nações Unidas (ONU), que a escolheu para marcar na memória do mundo, o massacre de mais de 80 negros que foram mortos e centenas de outros que ficaram gravemente feridos, no dia 21 de março de 1960, na cidade de Shapeville, em Johannesburg, na África do Sul.

            Vítimas do preconceito racial, estes negros foram atacados, quando participavam de uma manifestação em que cerca de 20 mil pessoas protestavam contra a “lei do passe”. Trata-se da lei que, àquela época, exigência da população negra da África do Sul, o uso de cartões de identificação para poderem circular nas chamadas áreas “brancas” da cidade.

            Quando falamos de discriminação racial, estamos a falar da quebra do princípio da igualdade. Esta quebra se dá com relação à raça, cor, sexo, idade, trabalho, credo religioso ou convicções políticas. De acordo com a Convenção Internacional para a Eliminação de todas as Normas de Discriminação Racial da ONU, a prática de discriminar por questão racial, significa:

            “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada na raça, cor, ascendência, origem étnica ou nacional com a finalidade ou o efeito de impedir ou dificultar o reconhecimento e/ou exercício, em bases de igualdade, aos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou qualquer outra área da vida pública".

            E, senhores e senhoras legisladores, passados mais de 50 anos do massacre de Shapeville e mais de três décadas, após a instituição do dia de combate ao racismo, ainda temos de reclamar de racismos.

            Falo, nobres colegas, de um fenômeno cultural, que se apoia em crenças, segundo as quais há uma hierarquia entre as raças, etnias e pessoas. No Brasil, em pleno século 21, o racismo, muitas vezes, velado e sutil, está fortemente presente no seio de nossa sociedade. Neste Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, não podemos esconder os números da violência que atinge a população negra de nosso tão diversificado país.

            Dados do Mapa da violência 2012 revelam que, em dez anos, ou seja, no período de 2002 a 2010, morreram assassinados no país, 272.422 cidadãos negros, com uma média de 30.269 assassinatos ao ano. É um número que representa um volume de mortes violentas muito superior à de outras regiões do mundo, que enfrentam conflitos armados internos e/ou externos.

            Baseados no Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), da Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), organismo do Ministério da Saúde, os dados mostram que, só em 2010, o Brasil chegou ao estratosférico número de 34.983 mortes de negros. Tal fenômeno acontece paralelamente a fortes quedas nos assassinatos de brancos.

            Conforme os dados disponíveis no Mapa da violência 2012, considerando o conjunto da população, entre 2002 e 2010, as taxas de homicídios brancos caíram de 20,6 para 15,5 homicídios - queda de 24,8% - enquanto a de negros cresceu de 34,1 para 36,0 - um aumento de 5,6%.

            Os números citados são reforçados pelos dados de outra pesquisa. Intitulada “Violência contra a juventude negra no Brasil”, pesquisa realizada pelo DataSenado, em outubro último de 2012, revelou que a maioria dos homicídios que ocorrem no Brasil atinge mais as pessoas jovens. Conforme os dados, do total de vítimas em 2010, cerca de 50% tinham entre 15 e 29 anos. Mas o recorte de raça revela que desses, 75% são negros.

            Nesta pesquisa - feita com 1.234 pessoas, de 123 municípios -, a maioria (66,9%) dos entrevistados - pessoas com 16 anos ou mais e que têm acesso a telefone fixo - afirmou serem os negros as principais vítimas de violência. Apenas 14% disseram serem os brancos. Três por cento apontam os indígenas e 1% os asiáticos.

            Os dados de ambos os estudos nos levam a concluir que há no país, uma tendência crescente de mortalidade seletiva. No caso em estudo, esta tendência é claramente, direcionada para a população negra.

            No contexto regional, o Mapa da Violência 2012, mostra que a Região Norte, com 125,5% de casos, foi a que evidenciou o maior crescimento no número de homicídios negros no país, entre 2002 e 2010. Em Roraima, em 2002, foram registrados 21 casos de homicídios de pessoas brancas, enquanto o total de negros assassinados foi 91. Em 2010, ano que fecha o período da pesquisa, foram assassinados em Roraima, oito brancos contra 103 negros.

            Com base nestes números, o ordenamento das unidades da federação pelas taxas, mostrou que foi de 8,5 em Roraima, no ano de 2010. Os números do período estudado são reveladores do grau de discriminação com a população negra em nosso Estado.

            O racismo ou a discriminação está em todas as esferas da sociedade; em casa, na escola, no trabalho e nas ruas. Combatê-lo é obrigação primeira de todo administrador público, de todo político, de todo educador, mestre ou pregador.

            Mas hoje temos, sim, o que comemorar. Somos, é verdade, a última nação da América a abolir a escravidão. Mas, somos, também, o primeiro país a criar, na esfera federal, um órgão especial, com status de ministério, para tratar do combate ao racismo e da superação das desigualdades raciais. A criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR), que tem o comando da Ministra de Estado Chefe de Luiza Bairros é uma conquista da população negra, nestes últimos 10 anos. Criada no governo do ex-presidente Lula, a SEPPIR é resultado de décadas de luta de organismos e entidades negras por ações efetivas do Estado, a com vistas à institucionalização das políticas de promoção da igualdade racial no Brasil.

            O Estatuto da Igualdade Racial também representa uma conquista histórica do povo negro brasileiro, quer podemos celebrar hoje. Sancionando pelo ex-presidente Lula, está em vigor desde o dia 20 de outurbro de 2010. Depois de tramitar por quase uma década pelo Congresso Nacional, este instrumento legal, passou a possibilitar a correção de desigualdades históricas, no que toca às oportunidades e aos direitos de cerca de 90 milhões de brasileiros.

            Também podemos celebrar hoje, o fato de termos uma nova Lei de Cotas, ação afirmativa que garantirá que, no mínimo, 50% das vagas nas Universidades Públicas sejam destinadas a estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, especialmente os pobres, negros e indígenas.

            As cotas, que serão aplicadas progressivamente até 2016, são essenciais para dar oportunidades educacionais aos mais pobres e para combater o racismo, reparam uma chaga histórica que ainda marca profundamente a nossa sociedade. Na última década, foi graças à implantação de políticas sólidas e consistentes de promoção e proteção dos direitos humanos, que os direitos das mulheres e dos negros brasileiros passaram a pautar a vida pública do país.

            Portanto, senhores colegas, quando falamos de negros estamos a falar de uma parcela da população que representa, atualmente, 50,6% da nossa sociedade, e que se encontra em situação desprivilegiada, no mercado de trabalho, no índice de escolarização, nas condições de moradia, na qualidade de vida, de saúde, segurança e nas possibilidades de ascensão social.

            Joaquim Nabuco, um abolicionista que, ao entrar para a Câmara federal, trouxe para a cena política nacional, a campanha pelo Abolicionismo, escreveu há mais de um século:

            “A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil. Ela espalhou por nossas vastas solidões uma grande suavidade; seu contato foi a primeira forma que recebeu a natureza virgem do país, e foi a que ele guardou; ela povoou-o como se fosse uma religião natural e viva, com os seus mitos, suas legendas, seus encantamentos; insuflou-lhe sua alma infantil, suas tristezas sem pesar, suas lágrimas sem amargor, seu silêncio sem concentração, suas alegrias sem causa, sua felicidade sem dia seguinte... É ela o suspiro indefinível que exalam ao luar as nossas noites do norte.”

            Como ditam os números de homicídios de negros em nosso país, as palavras do escritor e abolicionista, infelizmente, ainda prevalecem. Mas meu sonho e minha luta -na vida política e pessoal - é de ver, em curto tempo, o racismo ser superado em nossa sociedade. Só assim, poderemos nos orgulhar por sermos uma nação composta por negros, brancos, amarelos, pardos e indígenas. Afinal, é desta mistura étnica, que advém a riqueza cultural de nossa sociedade.

            Era o que tinha a falar hoje.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/03/2013 - Página 12164