Pronunciamento de Ricardo Ferraço em 25/03/2013
Discurso durante a 36ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Comentários sobre a decisão do Congresso Nacional a respeito do veto à lei que regulamenta a distribuição dos royalties do Petróleo; e outro assunto.
- Autor
- Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
- Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
DIREITOS HUMANOS, POLITICA EXTERNA, POLITICA ENERGETICA.:
- Comentários sobre a decisão do Congresso Nacional a respeito do veto à lei que regulamenta a distribuição dos royalties do Petróleo; e outro assunto.
- Publicação
- Publicação no DSF de 26/03/2013 - Página 12688
- Assunto
- Outros > DIREITOS HUMANOS, POLITICA EXTERNA, POLITICA ENERGETICA.
- Indexação
-
- COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, BRASILEIROS, PRESO, PAIS ESTRANGEIRO, BOLIVIA, REGISTRO, ESFORÇO, ORADOR, PRESIDENTE, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES (CRE), ASSISTENCIA, PESSOAS.
- CRITICA, DECISÃO, CONGRESSO NACIONAL, CRITERIOS, DISTRIBUIÇÃO, ROYALTIES, PETROLEO, PRE-SAL, REFERENCIA, ARTIGO, AUTORIA, ECONOMISTA, ATUAÇÃO, REPRESENTANTE, ESTADOS, REGIÃO NORTE, REGIÃO NORDESTE, RELAÇÃO, PROPOSTA, AMPLIAÇÃO, ESCOAMENTO, RECURSOS, ELOGIO, ATIVIDADE, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), QUESTIONAMENTO, CONDUTA, LEGISLATIVO, ASSUNTO.
O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, gostaria de fazer dois registros. O primeiro deles para manifestar, evidentemente, toda a minha indignação -- creio que não apenas minha, mas a indignação dos brasileiros -- em razão das gravíssimas notícias que veiculou, no fim de semana, a revista IstoÉ, dando conta de que brasileiros estão sendo tratados de forma desumana, submetidos a torturas, no presídio de San Pedro, na cidade de Oruro, na Bolívia.
Na condição de Presidente da Comissão de Relações Exteriores, estamos ultimando detalhes, organização e planejamento para que, possivelmente amanhã, possamos visitar a penitenciária de San Pedro, na cidade de Oruro, Bolívia, para identificar in loco, fisicamente, a real condição desses cidadãos brasileiros. Em seguida, iremos até a capital, La Paz, para que, através da nossa missão diplomática, do nosso corpo diplomático em La Paz, possamos conversar com a nossa Embaixada e dialogar com autoridades bolivianas a respeito dessa denúncia da revista IstoÉ.
Que nós estaremos pessoalmente, nas próximas horas, decidindo uma ação, por parte do Senado da República, na direção de oferecermos acompanhamento, de oferecermos total assistência a esses brasileiros que se encontram em condições desumanas, segundo relato, segundo denúncia consistente e robusta da revista IstoÉ. Estamos ultimando, inclusive em contato com a Presidência do Senado, com o Comando da Aeronáutica, para que possamos fazer uma viagem, com urgência, amanhã, para identificarmos pessoalmente a real condição desses brasileiros que se encontram em situação de apuros, segundo a revista IstoÉ, submetidos a todo tipo de ausência de humanidade e respeito, submetidos a tortura e assim por diante.
Sr. Presidente, continua reverberando, continua tendo elevada repercussão na sociedade brasileira, nos veículos de comunicação, a decisão inadequada do Congresso Nacional em relação à subtração dos nossos royalties.
Entre muito do que se falou e do que se escreveu, trago para o plenário do Senado um artigo publicado pelo economista Paulo Guedes: “Os royalties, o Supremo e o estado de direito”.
O espetáculo de canibalismo federativo pelos royalties do petróleo foi parar na Justiça. Os Governos de Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo, bem como a Assembleia Legislativa do Rio, entraram com ações de inconstitucionalidade contra a nova lei de distribuição dos royalties. Mais uma vez, o aperfeiçoamento institucional do Estado de Direito depende de julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF). Em fulminante e acertada decisão, a Ministra Carmen Lúcia suspendeu em liminar a aplicação das novas regras dos royalties, até o julgamento da questão pelo plenário do STF.
A riqueza submersa do pré-sal tornou-se o óleo da discórdia. Nunca antes na história deste País, tantos políticos foram com tamanha sede ao pote. A guerra dos royalties é, na verdade, fruto da profunda insatisfação com o atual regime de distribuição de recursos entre as unidades da Federação.
É apenas a outra face da omissão do Congresso, de um vácuo legislativo quanto à reforma fiscal. E também da ausência desse tema fundamental na agenda do Executivo. Prefeitos, governadores e suas bancadas de Deputados e Senadores exercem pressão legítima pela descentralização dos recursos. Para o atendimento das novas prioridades sociais de uma democracia emergente, a Constituição de 1988 deflagrou o início dessa "sístole" representativa. Mesmo governantes federais que se dizem "progressistas" têm resistido à descentralização administrativa associada a essas transferências.
Para aumentar sua arrecadação e influência política, o Governo Federal recorreu com frequência a novas contribuições não compartilhadas com Estados e Municípios. A concentração de poder político e recursos em torno do Governo Federal, mais de um quarto de século após a redemocratização, demonstra uma transição incompleta do antigo regime militar rumo à grande sociedade aberta. Por omissão do Congresso, para conforto do Executivo e hipertrofia de seus poderes, persistem essa centralização e todos os seus vícios. Do mensalão à guerra dos royalties, dependemos do Supremo para corrigir práticas degeneradas que ameaçam o nosso estado de direito.
A inércia de nossas lideranças diante de uma causa justa - ou seja, a descentralização de recursos da União para Estados e Municípios - tornou-se o pretexto para uma violência inconstitucional contra Estados produtores. "Encontramos já na clássica democracia ateniense os primeiros conflitos entre a vontade irrestrita de uma assembleia e a tradição do estado de direito", em Direito, legislação e liberdade, que foi escrito por Friedrich Hayek. "Mas em tempo algum foi permitido alterar leis de forma inconsequente, por um simples decreto dessa assembleia", afirmou H. M. Jones, em Democracia Ateniense, em 1957.
"Os proponentes das alterações estavam sempre sujeitos a acusação de procedimentos ilegais, que, se aceita pelos Tribunais, invalidava o decreto proposto e expunha o autor do projeto a severas penalidades."
São robustas as alegações dos Estados produtores. A Constituição de 1988 assegurou-lhes as receitas dos royalties como compensação pelos problemas causados pela exploração do petróleo. Em contrapartida, eles abriram mão da cobrança de ICMS do petróleo, transferindo tal receita aos Estados não produtores. A nova lei é inconstitucional em todas essas dimensões. Expropria os Estados produtores de suas receitas constitucionalmente legítimas. Premia o canibalismo federativo, ao transferir mais de 50% dos royalties aos não produtores, sem que tenham de devolver o ICMS já retirado dos Estados produtores. E prescinde de um dos atributos de uma boa lei: que tenha efeitos prospectivos, e não efeitos retroativos.
A sábia decisão da Ministra Cármen Lúcia impede a lambança de um Congresso que se meteu a legislar de forma imprópria ao mérito da matéria, atropelou direitos constitucionais estabelecidos e provocou irresponsáveis efeitos retroativos nas finanças dos Estados produtores - não apenas as novas licitações seriam submetidas ao novo regime de distribuição dos royalties, mas também contratos juridicamente perfeitos já em vigor. "Se nem certeza do passado pudesse ter, como poderia o brasileiro se sentir seguro no Estado de Direito? -- diz a Ministra Cármen Lúcia em seu despacho. "A relevância dos fundamentos apresentados na petição inicial desta ação e a plausibilidade jurídica dos argumentos nela expostos, acrescidos dos riscos inegáveis à segurança jurídica, política e financeira dos Estados e Municípios, impuseram-me, nas palavras da Ministra Cármen Lúcia, o deferimento imediato da medida cautelar requerida".
Ficaram registrados no episódio os avanços oportunistas e antirrepublicanos sobre os royalties por parte, inclusive, de políticos conhecidos da Nação brasileira. O economista Paulo Guedes cita o Governador Cid Gomes e o Governador Eduardo Campos e até mesmo o ex-Presidente do Senado, José Sarney. Estados do Norte e do Nordeste, que se lançaram com extraordinário apetite sobre os royalties do petróleo, atiraram em seu próprio pé. As próximas licitações, programadas para 2013, ocorrem também em suas regiões e os tornam potencialmente produtores.
A Agência Nacional do Petróleo oferecerá áreas com reservas potenciais de 19,1 bilhões de barris de petróleo e 397 bilhões de metros cúbicos de gás natural, o maior volume, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, já ofertado. Do total, 9,1 bilhões de barris estão em 289 blocos localizados em 11 Estados, dez deles no Norte e no Nordeste. A maior parte das áreas de gás fica, inclusive, no Estado do Maranhão.
O Ministro Joaquim Barbosa, no episódio do mensalão, e, agora, a Ministra Cármen Lúcia, na guerra dos royalties, consolidam a reputação e a credibilidade institucional do Supremo Tribunal Federal. Demonstra-se, mais uma vez, a importância do Poder Judiciário para o Estado de direito.
Infelizmente, Sr. Presidente, nós não conseguimos, pela via da política, da boa política, da política com P maiúsculo, da política como ciência civilizatória, encontrar, no ambiente do Congresso Nacional, um diálogo, um consenso, que pudesse nos levar a uma convergência. Abrimos mão da política, ferramenta mediadora dos interesses coletivos e da civilização humana. Abrimos mão desse protagonismo e o cedemos ao Supremo Tribunal Federal, que, em bom tempo, por decisão da Ministra Cármen Lúcia, de forma cautelar, impediu que essa violência pudesse ser perpetrada contra os nossos Estados, na linha do direito do Estado democrático.
É a manifestação que faço, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.