Discurso durante a 38ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Indignação com resoluções do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).

Autor
Sodré Santoro (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Luiz Fernando de Abreu Sodré Santoro
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Indignação com resoluções do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).
Aparteantes
Antonio Carlos Rodrigues.
Publicação
Publicação no DSF de 28/03/2013 - Página 13457
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, RESOLUÇÃO, CONSELHO, CONTROLE, ATIVIDADE, NATUREZA FINANCEIRA, REFORMULAÇÃO, DIRETRIZ, FISCALIZAÇÃO, OPERAÇÃO FINANCEIRA, TRANSAÇÃO, COMERCIO, BENS DE CONSUMO, RESULTADO, EXCESSO, BUROCRACIA.

            O SR. SODRÉ SANTORO (Bloco/PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Inácio Arruda, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, venho hoje à tribuna com o espírito verdadeiramente repleto de indignação contra um absurdo estabelecido pelo Estado brasileiro. Refiro-me às Resoluções nºs 24 e 25 do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o COAF, de 16 de janeiro de 2013.

            A partir de 1º de março, as pessoas jurídicas ou físicas que vendam ou comprem artigos ditos “de luxo” e “de alto valor” ou intermedeiem a sua comercialização ficam submetidas ao rigor da medida, obrigando-se a "manter cadastro de seus clientes e dos demais envolvidos, inclusive representantes e procuradores”. “Luxo” e “alto valor”, no entendimento do COAF, diz respeito a quaisquer bens com valor superior a R$10 mil.

            A primeira questão que se põe é: qual foi o parâmetro utilizado para determinar que R$10 mil é um "grande volume de recursos", como diz a Lei nº 9.613, de 1998, que é objeto de regulamentação pelas referidas Resoluções? Atualmente, qualquer carro usado com mais de 10 anos de uso pode ter esse valor. Então, será considerado possuidor de artigo de luxo e de alto valor o trabalhador que conseguir comprar uma Caravan 1980, por exemplo? E, para não falarem que estou exagerando, trago aqui o anúncio - o anúncio mostra uma Caravan no valor de R$10 mil.

            Além disso, caso o mesmo cidadão faça transações comerciais, em um período de 6 meses, que somem R$30 mil, o vendedor é obrigado a denunciar ao COAF, informando nome completo, número de CPF, número de registro civil, endereço completo ou, se pessoa jurídica, razão social, endereço completo e nome de fantasia, CNPJ, bem como nome completo, CPF e número de registro civil do preposto da empresa.

            Façamos, então, um exercício mental: o mesmo trabalhador que conseguiu adquirir a sua Caravan 1980 tem a oportunidade de adquirir agora um lote para que tenha a sua tão sonhada casa própria. Para tanto, vende a Caravan e utiliza os R$10 mil oriundos desta venda para a aquisição do terreno. Bem; segundo o COAF, ele já transacionou R$20 mil neste período. Em sequência, suponhamos que, por um motivo ou outro, o mesmo trabalhador teve que se desfazer do terreno e por este receba os mesmos R$10 mil. Pronto! É o suficiente para que este seja denunciado ao COAF por ter realizado operações de “grande volume de recursos”, sem nunca ter tido nenhum centavo a mais que os seus R$10 mil.

            Ou seja, Srªs e Srs. Senadores, todos os cidadãos da classe média, parlamentares, magistrados, professores de instituições de ensino, gerente de uma loja de tamanho mediano ou pedreiro, todos passarão a ser vigiados em suas vidas privadas pelo Coaf, que julga ser R$10 mil uma quantia vultosa.

            Como se tudo isso não bastasse, a empresa que não cumprir a norma estará sujeita às punições previstas no art. 12 da Lei n° 9.613, de 1998, que inclui multa e cassação ou suspensão da autorização para o exercício de atividade, operação ou funcionamento. Absurdamente, a multa a ser impetrada pode chegar a R$20 milhões.

            O objetivo é aparentemente nobre, haja vista que é o de coibir a lavagem de dinheiro, bem como prevenir o financiamento de terrorismo. Contudo, não passa de uma monstruosidade jurídica, um incremento da burocracia e uma violação dos mais básicos direitos fundamentais do cidadão, além de invadir competências do Poder Legislativo.

            Em primeiro lugar, é um incremento à burocracia porque reforça determinado elemento que está nas entranhas do Estado brasileiro. Vejamos. O Estado brasileiro tem algumas características que, secularmente, atrapalham, perturbam, dificultam a vida do cidadão comum. Todos sabemos o quanto é difícil abrir uma empresa ou um negócio, vender ou comprar um imóvel ou até mesmo adquirir um automóvel usado. Essa característica, esse amor desmedido pela burocracia é fundado, por sua vez, em dois equívocos.

            O primeiro é o de que todo cidadão é, antes de tudo, mal-intencionado, o que é algo verdadeiramente absurdo. Para o Estado brasileiro, é o cidadão que deve se provar inocente todo o tempo. Para o Estado brasileiro, enfim, o cidadão é culpado mesmo que tenha se comportado, durante toda a sua vida, de maneira correta e idônea, respeitando todos os ditames da lei, da moral e do respeito aos seus semelhantes.

            O segundo equívoco é que não se leva em conta que, a cada novo controle, há um novo impacto econômico que recai nas costas do contribuinte, já tão oprimido pelos custos financeiros e tributários que lhe são impostos pelo Estado brasileiro. Um controle a mais significa dinheiro a menos para o cidadão.

            Em segundo lugar, os direitos do cidadão são afetados porque nunca os controles são suficientes, sempre é necessário algo a mais para garantir uma quantidade infinitesimal a mais de segurança jurídica. É sempre preciso uma regra a mais, um registro a mais, uma informação a mais, uma autenticação a mais. Nunca o Estado brasileiro está satisfeito. Sempre é preciso exigir algo do cidadão, mesmo que isso seja absolutamente inútil. Sempre é preciso invadir um pouco mais a vida privada do cidadão brasileiro. Sempre o Estado se sente no desejo de mutilar um pouco mais as liberdades individuais. A liberdade do indivíduo é algo sagrado no Estado democrático de direito. Violá-la é violar a democracia. As Resoluções, portanto, violam a democracia.

            Em terceiro lugar, invadem competência do Poder Legislativo, como observa o tributarista Raul Haidar: “Na Constituição Federal se vê que só leis podem criar sanções e obrigações” e “Ou o Judiciário derruba esse monstro de imediato e o Congresso reage contra isso, ou implantamos de vez a ditadura fiscalista”.

            Em outras palavras, o Estado brasileiro impõe ao cidadão uma situação autenticamente kafkiana. O cidadão é acusado sem mesmo ter cometido qualquer espécie de crime ou delito. O cidadão, na mentalidade torta do Estado brasileiro, é culpado, sem nunca ter violado norma legal ou regra ética.

            Segundo Marco Antonio Pinto de Faria, especialista em planejamento tributário e contábil, as obrigações de investigar e policiar qualquer tipo de conduta fraudulenta são do Governo. É como se o Estado terceirizasse o serviço que deveria prestar e não pagasse nada por isso.

            É impossível que uma empresa tenha infraestrutura e pessoal suficiente para fazer todas as averiguações que o Governo exige, sob risco de perda de registro profissional, multa, penhora de bens e prisão.

            A ditadura fiscalista do Coaf está se implantando no Brasil. Um valor de R$10 mil abarca praticamente qualquer coisa. Até um carro velho é considerado um produto de luxo e de alto valor pelo Coaf.

            No âmbito da invasão do Poder Legislativo, extrapolam as Resoluções do poder regulamentar do Executivo sobre a norma oriunda do Legislativo, segundo José Afonso da Silva em seu livro Processo Constitucional de Formação de Leis, pois que a norma, Lei nº 9.313, de 1998, refere-se a transações em espécie, e as referidas Resoluções deixam subentendido que essa se aplica a qualquer meio de pagamento.

            As Resoluções não são apenas um absurdo em termos de burocracia. Não. Estas são ainda piores do que os habituais desmandos do Estado: é a supressão do Estado de direito no Brasil, é a vitória da arbitrariedade, do abuso, da ilegalidade promovida pelo Estado brasileiro. Nos moldes do que aconteceu com a juventude nazista, que, insuflada pelo governo, denunciava seus pais, pois é nisso que as Resoluções pretendem transformar os cidadãos brasileiros.

            Em arremate, os textos das Resoluções imbuem o Presidente do referido Conselho de poderes ditatoriais, pois dá a este a prerrogativa de expedir instruções complementares às mesmas de forma monocrática, ou seja, ao sabor de seu arbítrio.

            Peço, pois, em nome da democracia e do instituto que predispõem a todo cidadão sua inocência até que se prove o contrário, que o Coaf recupere o bom senso e revogue imediatamente as Resoluções nºs 24 e 25, de 2013, afiançando-se aos cidadãos brasileiros as garantias e os direitos fundamentais previstos pela Constituição Federal.

            O Sr. Antonio Carlos Rodrigues (Bloco/PR - SP) - Senador Sodré, V. Exª me permite um aparte?

            O SR. SODRÉ SANTORO (Bloco/PTB - RR) - Pois não, Senador.

            O Sr. Antonio Carlos Rodrigues (Bloco/PR - SP) - Senador Sodré, essas diligências, se vierem a ser aprovadas, são todas inconstitucionais. Conversando, o senhor levantou também o caso dos advogados. É outro absurdo que o Presidente Antônio Gustavo Rodrigues defendeu, outro dia, em um seminário. Muito obrigado, Senador.

            O SR. SODRÉ SANTORO (Bloco/PTB - RR) - Obrigado, Senador. Mas não vai entrar em vigor, já está em vigor.

            O Sr. Antonio Carlos Rodrigues (Bloco/PR - SP) - Já está em vigor.

            O SR. SODRÉ SANTORO (Bloco/PTB - RR) - Srªs e Srs. Senadores, caso haja a manutenção dessa anomalia jurídica, voltarei a esta tribuna para reforçar os argumentos aqui expostos e promover outras ações cabíveis ao fato.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/03/2013 - Página 13457