Discurso durante a 38ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão acerca das privatizações pelo Governo Federal.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PRIVATIZAÇÃO.:
  • Reflexão acerca das privatizações pelo Governo Federal.
Publicação
Publicação no DSF de 28/03/2013 - Página 13505
Assunto
Outros > PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, POLITICA, PRIVATIZAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, REFERENCIA, CONCESSÃO, PORTOS, AEROPORTO, RODOVIA, FERROVIA, CRITICA, AUSENCIA, PROJETO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, EXCESSO, DEPENDENCIA, EMPRESA MULTINACIONAL.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srs. Senadores que nos assistem e nos ouvem pela TV Senado, as últimas medidas anunciadas pelo Governo colocam a necessidade de refletirmos sobre um caminho que está sendo apontado, parece-me, como alternativa da política econômica do Governo, que é o caminho das privatizações. É uma escolha política, embora, Srª Presidente, não me pareça que seja originalmente o projeto que conduziu, inicialmente, o Presidente Lula e que conduziu, posteriormente, a Presidente Dilma Rousseff. Não foi esse. Lembremos, inclusive, que a Presidente Dilma foi eleita com uma forte crítica ao modelo privatizante adotado nos anos 90, principalmente pela coalizão do PSDB e Democratas. É importante, antes de entrar nesse mérito, fazermos algumas reflexões sobre os números que temos do crescimento na América Latina.

            Recentemente, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, a conhecida Cepal, fez uma projeção sobre o desempenho do Produto Interno Bruto da América Latina. A projeção do organismo indica que o crescimento neste ano será encabeçado pelo Panamá, com 9,5%; seguido do Haiti, 6%; Peru, 5,9%. Bolívia, Chile, Costa Rica, Nicarágua e Venezuela crescerão 5%. Sobre a Venezuela, é bom lembrar que ela vem de séries históricas de crescimento, que giram em torno de 6% a 10%. O México terá expansão de 4% em sua economia, segundo dados da Cepal.

            O Brasil, segundo essa estimativa, deveria crescer 1,6%, em 2012.

            Veja, Srª Presidente, o disparate: enquanto a economia do Panamá crescerá 9,5%; enquanto a do Haiti crescerá 6%; enquanto a do Peru crescerá 5,9%, a previsão do nosso crescimento é de 1,6%, e, nas análises mais otimistas da equipe econômica, talvez nós cheguemos a 3%.

            Na América Latina, iremos ficar somente na frente do Paraguai, que terá um crescimento negativo de 1,4%.

            Esta semana o IBGE publicou o resultado do PIB em 2012: a expansão foi de 0,9%. Assim, o PIB, em valores correntes, alcançou a cifra de R$4,403 trilhões, em 2012. O Produto Interno Bruto per capita alcançou R$22,402 mil.

            Esses números nos revelam, Srª Presidente, que, apesar de todo o esforço feito pelo Governo, de setores da mídia, está latente e patente que a crise econômica chegou ao nosso País, e chegou com muita força. Os remédios, em contrassenso a isso, os remédios apresentados pelo Governo continuam sendo os mesmos que têm sido aplicados no Brasil há pelo menos 20 anos. Os remédios têm sido esterilizar metade do orçamento federal com o pagamento da dívida pública e ampliar a entrega do patrimônio público para a iniciativa privada.

            Isso mostra que estamos hoje claramente sem um projeto próprio de desenvolvimento ou soberania. Cada vez me parece isso mais claro. Sob o ponto de vista produtivo, temos uma economia claramente desnacionalizada, e isso em prejuízo da indústria nacional, que tem sofrido repetidas vezes com a desnacionalização, e não só com a desnacionalização - a senhora mesmo, Presidente Ana Amélia, e outros Senadores aqui têm repetido o processo de desindustrialização da economia nacional -, temos tido uma indústria cada vez mais dominada por multinacionais. Temos uma indústria sem autonomia e temos, em especial, uma dependência de multinacionais em setores da nossa economia, que ficam dependentes e não têm nenhum tipo de autonomia científica ou tecnológica. Talvez a única exceção nesse processo seja a Petrobras, que tem sido permanentemente atacada, talvez por isso, até por ser exceção nesse processo.

            Continuamos com o modelo agrícola baseado na importação de insumos, defensivos e sementes, sem agregar valor na economia nacional, um modelo agrícola baseado sobremaneira em monoculturas extensivas, voltadas única e exclusivamente para a exportação de commodities. Ainda fazemos o que era feito no Brasil no final do século XIX, no início do século XX. Ainda produzimos farelo para ser consumido pelos porcos europeus - e aí eu falo da espécie animal mesmo dita.

            Além disso, a expansão da renda e do emprego dos trabalhadores de baixa qualificação somente foi possível a partir de um forte processo de endividamento do Estado. Nós estamos vendo, em curso, um forte processo de endividamento do Estado, das empresas e das famílias.

            Essa fragilidade, nós podemos sentir também até na área de serviços, que, tradicionalmente, é dominada pelo capital nacional. O avanço do capital estrangeiro na área de serviços é notório e abrangente. Diferentes setores são exemplos claros desse processo: bancos, supermercados, estabelecimentos de ensino, hospitais, planos de saúde. Um conjunto de outros serviços públicos essenciais ao dia a dia da população tem sido transferido, crescentemente, às mãos de investidores que nem nacionais são, mas investidores externos veiculados a interesses de capital internacional.

            Pressionado pelas reduzidas taxas de investimento da economia brasileira e o nosso baixíssimo crescimento econômico, o Governo resolveu lançar um ambicioso programa como uma espécie de tábula rasa, como, ainda, uma espécie de última cartada para recuperar o crescimento econômico.

            Esse programa é baseado em quê? Repito, no mais do mesmo. É um programa voltado para a área de portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, hidrovias, geração e transmissão de energia elétrica, petróleo e gás.

            Os números projetados pelo Ministro da Fazenda, recentemente apresentados para investidores internacionais em Nova York, chegam a um montante anunciado de 235 bilhões de concessões desses setores para investidores externos.

            Para os interessados nesses investimentos, é concedida uma taxa real de retorno, que será superior a 10% ao ano, descontada a inflação, e um prazo de duração dos contratos ampliado, que vai variando de 30 a 35 anos. Quem dera os investidores brasileiros ou a indústria nacional tivessem essas vantagens!

            Ainda, para completar, o Governo oferecerá crédito subsidiado em um montante correspondente a 65%, a 80% do valor dos investimentos previstos. Veja, então, uma taxa de retorno ao investimento de 10%. Qual o investidor internacional que não quer uma taxa como essa? Um prazo de duração de contrato que vai até 35 anos? É o tempo de uma geração inteira. O Governo, além disso, oferece vantagens que garantem o retorno a esses investimentos, como se não bastassem as vantagens que eu já citei, de 65% a 80% do valor que o investidor externo vai aplicar nos investimentos em nosso País.

            Com uma alavancagem com essa, essa alavancagem para esse investimento, para a entrada aqui de capital externo, será ainda garantida pelo Governo, através do BNDES, que pouco tem feito para o desenvolvimento econômico e social do País, para os investimentos locais, que oferece vantagens desse porte para investidores externos e não oferece vantagens iguais desse tamanho para investidores brasileiros. Ou, ainda, quem dera que os Estados brasileiros, quem dera que os Municípios brasileiros pudessem contar com tantas vantagens comparativas para investimento em infraestrutura nos Municípios, por parte do Poder Público. Mas esse conjunto de vantagens são todas oferecidas em Nova York para investidores estrangeiros. E essas vantagens, de igual porte, não são oferecidas aqui, no Brasil, para a indústria nacional, para os investidores nacionais, não são oferecidas para os entes subnacionais, governos municipais, governos estaduais.

            Agora, tem o anúncio de privatização dos portos. Na prática é isso, lógico. Há sempre um eufemismo para o nome. No passado era mais claro, era privatização. Agora, usa-se um eufemismo: concessão. Diria que é um charme na denominação para dizer o que, na prática, é a mesma coisa. Na prática, o que ocorre, o modelo, é o mesmo.

            A chamada medida provisória dos portos estabelece novas regras de operação dos terminais portuários no Brasil. Na prática, vai representar a privatização do setor. O Governo planeja ceder à iniciativa privada o controle de um setor que não somente é estratégico para a nossa soberania, estratégico para o desenvolvimento do nosso País, mas também é claramente um setor lucrativo. E aí não estou questionando a necessidade de modernizar ou não o setor. É verdade. A estrutura de sindicatos, de corporações, de estivadores, como existe hoje, ainda é uma estrutura de padrão medieval, precisa ser modernizada. Mas a modernização tem de ser com a privatização, com a entrega dos portos, na prática, para a iniciativa privada? Qual vai ser o grau retorno? Qual vai ser o retorno para a economia nacional desse modelo de privatização?

            Alguns dos defensores dessa medida provisória utilizaram o mesmo argumento quando da privatização dos aeroportos. Segundo essa visão, era necessária - abre aspas - “a modernização” da infraestrutura do País e que essa modernização dependeria, fundamentalmente, do incremento do investimento privado.

            No caso brasileiro, essa não tem sido a verdade da experiência. Temos uma economia viciada nas altas taxas de juros e no lucro financeiro fácil. Só ocorre, ainda que parcialmente, quando o Estado, com dinheiro público, através do BNDES, dá todas as garantias possíveis para que esses investimentos tenham alta taxa de retorno.

            A pergunta a ser feita é: com tantas vantagens oferecidas pelo BNDES para investidores - que na sua grande maioria não são do Brasil - investirem em nossos aeroportos, em nossos portos, se esse conjunto de vantagens fosse oferecido ao capital nacional ou se fosse oferecido para o Poder Público nacional, não poderia dar resultado 

não poderia dar o resultado, e não seria esse resultado mais vantajoso, não para o mercado, mas para os interesses da sociedade brasileira? Essa é a grande pergunta a ser feita.

            O problema é que nós temos um setor privado. E não falo do setor privado nacional, mas desses sobre os quais o Ministro da Fazenda fez, recentemente, exposição em Nova York, que vêm com muita facilidade investir no Brasil.

            Ora, o princípio do capitalismo, desde o seu surgimento e desde a sua versão mais moderna do capitalismo industrial financeiro, nos séculos XVIII, XIX e XX, é o risco. É esse o princípio da livre iniciativa, da chamada livre concorrência. Investir com todas as garantias do Estado, com possibilidade de carência, de manutenção dos contratos por 30 a 35 anos, com possibilidade de retorno, por parte do Estado, de 60% a 80% dos investimentos?

             Seria ótimo que esse tipo de “risco”, entre aspas, fosse ofertado ao capital nacional. Mas esse “risco” está sendo ofertado, oferecido em Nova York para as empresas internacionais e sem um plano concreto de retorno.

            Privatização de aeroportos? Está em curso a de Brasília, um dos mais lucrativos do Brasil, mas qual será o retorno em relação aos aeroportos menos lucrativos, como o de Macapá, capital do meu Estado, como o de Boa Vista ou como o de Porto Velho?

            Qual é o grau de investimento nesses outros aeroportos que não oferecem lucro e que não têm tantas garantias do Estado para investimento?

            Esse plano de concessões e privatizações prevê o repasse para a gestão privada de 7,5 mil quilômetros de rodovias, 10 mil quilômetros de ferrovias. Os aeroportos já privatizados e, agora, os terminais portuários brasileiros.

            A perspectiva é que esse pacote de concessões/privatizações mobilize cerca de R$200 bilhões nos próximos cinco anos, sem contar os R$36 bilhões previstos para a construção do trem-bala, um volume de recursos que, como já afirmamos anteriormente, será em sua maior parte financiado com o BNDES, com juros subsidiados. Repito: oferta que não é feita ao capital nacional, oferta que não é feita aos entes subnacionais, governos e municípios.

            Bastava ouvir o próprio Governo, especialmente os órgãos que existem para pesquisar os problemas de forma séria. E vou citar aqui um deles, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que, em estudo recente, publicado na revista Desafios do Desenvolvimento, reforça aqui a tese que estamos destacando.

            Diz o Ipea, na sua revista - reitero, o Ipea é uma instituição do Governo, ligado à Presidência da República:

Sem a participação majoritária do Estado na condução, dificilmente teremos uma taxa de investimento que cresça para além dos atuais 18%, de modo sustentável e com direcionamento social. Diz o referido estudo que “para setores como energia elétrica, petróleo e gás, companhias privadas têm mais interesse, seja individualmente ou em parceria com estatais. Mas isso não ocorre no ramo de transportes, em que muitos projetos possuem baixa viabilidade financeira e, por isso, não atraem o setor privado.” É o caso dos aeroportos. Apenas entre 10 e 12 interessam ao setor privado. E os outros? E os novos, que ainda precisam ser construídos?

            E os que não interessam ao setor privado? Somente dez, segundo estudos do próprio Governo, interessam ao setor privado. “Esse cenário revela, por um lado, a dificuldade em se contar com o setor privado como financiador de projetos de médio e longo prazo.” Isso é dito não por mim, Srª Presidente, isso é dito pelo Ipea

            De qualquer forma os defensores da medida provisória não conseguem explicar como será modernizador e quais serão os retornos, para o Brasil e para o Estado Nacional, deste modelo dito de concessão que, na prática, é de privatização.

            Parece-me, Srª Presidente, que esse não é o melhor caminho. Aliás, eu estou convencido de que esse não foi o caminho dito nas campanhas do ciclo de governo do PT, tanto do governo dirigido pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva quanto do governo dirigido pela Presidenta Dilma.

            O modelo de privatizações foi atacado e denunciado como elemento, como peça do outro, não para ser utilizado como instrumento e executado, na prática, com todas as vantagens e garantias que o Estado nacional pode dar. Repito, esses recursos do BNDS, essas garantias do Estado poderiam ser muito melhor aplicadas se fossem para o setor privado nacional e se fossem, em especial, para os entes subnacionais: os Estados e Municípios.

            Pena que há tantas vantagens para os investidores externos e tão poucas para os que estão aqui no País.

            Apesar disso, Srª Presidente, quero concluir, desejando a V. Exª uma belíssima e abençoada Páscoa, com a graça de Deus; para nós, para todos os que nos assistem, para o povo brasileiro.

            Muito obrigado. Boa noite.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/03/2013 - Página 13505