Discurso durante a 38ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o Papa Francisco.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA.:
  • Considerações sobre o Papa Francisco.
Publicação
Publicação no DSF de 28/03/2013 - Página 13507
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, POSSE, CARGO, PAPA, IGREJA CATOLICA, COMENTARIO, DOUTRINA, LIDERANÇA, RELIGIÃO.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, falo e sinto-me no dever de falar. Eu diria que não apenas os católicos, mas eu diria que o mundo inteiro sente que nós estamos vivendo uma hora diferente. O Habemus Papam que o cardeal francês anunciou nunca sintetizou tão bem o que devemos esperar do novo Pontífice, do que o nome que ele escolheu para o seu pontificado: Francisco.

            É que, nos últimos oito séculos, Francisco significa um modo de vida voltado, essencialmente, para os mais desvalidos e para a natureza. Era assim a vida de Francisco. É assim a mensagem do novo Papa.

            São Francisco de Assis foi um revolucionário do seu tempo. O franciscanismo continua sendo, no nosso tempo. O Homem do Milênio, como é chamado, marchou contra todas as ideias consumistas do seu tempo. Despiu-se do luxo para cuidar das manjedouras.

            Um dia, ouviu uma mensagem: "Não vês que a minha Igreja está em ruínas? Vai e restaure-a para mim". No princípio, ele pensou tratar-se da velha igrejinha de São Damião, naquele seu tempo realmente em ruínas. Somente depois ele se deu conta de que não se tratava da igreja física, de tijolos e argamassa, mas "a igreja construída na fé, na humildade e no amor ao próximo".

            Fé, humildade e amor ao próximo. Eis aí a mensagem do novo Papa. Já se vão oito séculos desde o caminho traçado por São Francisco de Assis. Oitocentos anos de franciscanismo. Parece que, agora, uma nova mensagem foi soprada sobre os cristãos de todo o mundo: "Não vês que a minha Igreja está em ruínas? Vai e restaure-a para mim". Certamente, essa foi também a mensagem agora percebida pelo Papa Francisco. E é essa a orientação que ele nos dá, fundamentada no seu exemplo de vida.

            Embora tantos anos desde a trajetória de São Francisco e a do Papa Francisco, eu vejo fortes correlações entre esses dois momentos distantes na história. Naquele tempo - o tempo de São Francisco -, o mundo, mantida as devidas proporções, também passava por grandes transformações. Foi lá que a moeda adquiriu as conotações que conhecemos hoje. Foi lá o surgimento do que chamamos hoje "mundo dos negócios". Foi lá o domínio das cidades sobre a nobreza do campo.

            Naquele tempo, a Igreja também passava por grandes transformações. O poder da Igreja era marcado pela posse de bens materiais. Pela supremacia dos Papas sobre os reis.

            Eu fico imaginando a repercussão da pregação de São Francisco de Assis, em um tempo em que, na Igreja ou fora dela, o que vingava era o "ter". Uma Igreja de posses, um mundo de negócios. Nesse cenário de bens materiais, surge alguém que prega o ser, a fé, a humildade e o amor ao próximo, como essência da vida.

            Não há como negar que o mundo vive hoje igualmente um tempo de turbulências, na Igreja e fora dela. Hoje, o que mais se vê é a mercantilização da vida, em todos os aspectos, inclusive na religião. O ser deixou de ser, e o ter tomou o lugar do ser. Eu já repeti, aqui, diversas vezes, que, agora, há uma completa inversão de valores: hoje, é preciso ter para ser. Se você não tem, você não é.

            O mundo dos negócios construiu um imenso muro de paredes virtuais que deixa do lado de lá uma imensa massa de excluídos. Do lado de lá; do lado de cá. Do lado de cá, o ter; do lado de lá, os que não conseguem nem mesmo ser. Para o mercado, eles não são, porque não têm; estão fora dele; não propiciam lucro e, pior, acarretam despesas com saúde, educação, segurança e outras tantas condições que lhes são, na verdade, um direito, o direito à vida na sua plenitude, como manda a Constituição, como manda a fé.

            De repente, neste cenário em que o consumismo tornou-se uma verdadeira religião, em que a Igreja passa por fortes provações, surge um novo Francisco, que, como o santo de oito séculos atrás, se desveste da suntuosidade e se veste na santidade: Sua Santidade - e não “Sua Suntuosidade” -, o Papa.

            Eu confesso que eu já tinha perdido minhas esperanças de que seria possível, nesta época, um Francisco nos dias atuais, naquilo que representa esse nome há oito séculos.

            Eu imaginava, minha querida Presidente, que o consumismo seria, mais dia, menos dia, uma espécie de religião única e globalizada a mercantilizar inclusive a fé. É evidente que eu imaginava menos ainda que o Papa viesse da Argentina, com todo o respeito que merecem os nossos hermanos, claro.

            Eis que surge um Papa, que dispensa o ouro do anel, que dispensa a pompa da cerimônia, que dispensa o luxo das vestes, a grife dos sapatos, o requinte dos discursos, a suntuosidade da moradia, exatamente como Francisco de Assis.

            Eu busco parte da sua homilia, na primeira missa solene, que marcou o início do seu pontificado:

Queria pedir, por favor, a quantos ocupam cargos de responsabilidade em âmbito econômico, político ou social, a todos os homens e mulheres de boa vontade: sejamos “guardiões” da criação, do desígnio de Deus inscrito na natureza, guardiões do outro, do ambiente; não deixemos que sinais de destruição e morte acompanhem o caminho deste nosso mundo! Mas, para guardar, devemos também cuidar de nós mesmos. Devemos também nos lembrar de que o ódio, a inveja, o orgulho sujam a vida; então guardar quer dizer vigiar sobre os nossos sentimentos, o nosso coração, porque é dele que saem as boas intenções e as más: aquelas que edificam e as que destroem. Não devemos ter medo de bondade, ou mesmo de ternura. A propósito, deixai-me acrescentar mais uma observação: cuidar, guardar requer bondade, requer ser praticado com ternura. [...]

            Antes ele já havia dito:

[...] a vocação de guardião não diz respeito apenas a nós, cristãos, mas tem uma dimensão antecedente, que é simplesmente humana e diz respeito a todos: é a de guardar a criação inteira, a beleza da criação. Como se diz no livro de Gênesis e nos mostrou São Francisco de Assis: é ter respeito por toda a criatura de Deus e pelo ambiente onde vivemos. É guardar as pessoas, cuidar carinhosamente de todas elas e cada uma, especialmente das crianças, dos idosos, daqueles que são mais frágeis e que muitas vezes estão na periferia do nosso coração. É cuidar uns dos outros na família: os esposos guardam-se reciprocamente, depois, como pais, cuidam dos filhos, e, com o passar do tempo, os próprios filhos tornam-se guardiões dos pais. É viver com sinceridade as amizades, que são um mútuo guardar-se na intimidade, no respeito e no bem. Fundamentalmente, tudo está confiado à guarda do homem, e é uma responsabilidade que nos diz respeito a todos. Sede guardiões dos dons de Deus! E quando o homem falha nesta responsabilidade, quando não cuidamos da criação e dos irmãos, então encontra lugar a destruição e o coração fica ressequido. Infelizmente, em cada época da história, existem ‘Herodes’ que tramam desígnios de morte, destroem e deturpam o rosto do homem e da mulher.

            Longa vida ao Papa! E que ele consiga livrar-se dos Herodes que existem, inclusive, dentro da própria Igreja, que tramam, destroem e deturpam.

            E que todos nós sejamos seguidores do Francisco do nosso tempo, no discurso e na prática. Aliás, no discurso temos sido verdadeiros "papas". Nas palavras, não há quem não professe a opção preferencial pelos pobres. Na prática, a preferência pelos nobres.

            Repito: nos plenários, nos palanques e na mídia, há um discurso preferencial pela pobreza. Nos gabinetes, uma ação preferencial pela nobreza.

            Quem sabe esteja aí a grande lição do Papa Francisco, inspirada na vida do santo que lhe deu nome pontifício: transformar o discurso em prática, a palavra em ação.

            O Papa Francisco demonstrou ter o que anda em falta na maioria de nós: a sensibilidade. E, convenhamos, sem sensibilidade não há política. É preciso ser capaz de compartilhar a dor do semelhante, como ensinou o Papa, como deve ser a boa política.

            Repito uma pequena expressão da sua homilia, para aguçar a nossa sensibilidade: os "que estão na periferia do nosso coração". E eles ainda são muitos. O mundo tem, coincidentemente, o mesmo número de católicos ainda mergulhados na fome, o mais sangrento Herodes do nosso tempo.

            Louvável a sensibilidade de um Colégio Cardinalício, ao escolher um Papa da América Latina. Feliz a inspiração que tiveram do Espírito Santo. Afinal, mais de 40% do 1,2 bilhão de católicos do mundo são latino-americanos. Só nós, Brasil, somos mais de 120 milhões, ou mais de 10% do catolicismo mundial.

            Católicos ou não, não há como negar a surpresa e a incredulidade causada pela renúncia do Papa Bento XVI. Católicos ou não, não há também como negar a surpresa e a esperança renovada com a escolha do Papa Francisco. Parece que as turbulências da Igreja tendem a se dissipar, agora que o barco de Pedro tem um novo timoneiro. Quem sabe os ventos da esperança possam levar o mundo a um porto seguro.

            Sim, querida Presidente, minha conterrânea, ninguém esperava uma pessoa como Francisco. Se bem que, vendo agora a biografia - que, confesso, não conhecia muito -, vê-se que ele não está pregando, porque pregar agora, na hora da posse, é algo que a gente tem que esperar um tempo para ver entre a pregação e a realidade. Mas o que ele está pregando, vendo a biografia dele, é o que ele vem fazendo ao longo do tempo.

            Cardeal, chefe da Igreja de Buenos Aires, ele não aceitou o palácio que é a sede do Cardinalício. Escolheu um apartamento simples, de classe média, pequeno, onde ele foi morar. Dispensou o carro e dispensou o chofer, e andava de metrô e andava de ônibus. Fazia sua própria comida. Conta ele que, muito pobre, no tempo de criança, aprendeu a cozinhar e foi cozinhando e, diz ele, até que hoje é um bom cozinheiro. Era assim ontem.

            Quando chegou, primeiro dispensou o anel de ouro por um anel de prata, banhado. Segundo, dispensou aquela capa, afinal, bonita, espetacular, que lhe dá uma pompa enorme, para parecer como os demais. Terceiro, quando foi olhar o apartamento, o Papa viu e disse: “Mas aqui cabem mais de 100 pessoas. Eu não preciso de tanto.” E locou um pedaço da moradia, e vai residir num décimo daquilo que seria o seu apartamento.

            Falou com simplicidade ao povo. Na hora de terminar, disse: “Até logo e bom apetite” - era hora do almoço, e ele desejou um bom apetite.

            Quando foi visitar o seu antecessor em Castel Gandolfo, foram à capela, e seu antecessor ficou atrás e deixou o lugar principal para o Papa. Ele não aceitou. Veio para o lado, trouxe o antecessor, e ficaram os dois rezando juntos, em pé de igualdade.

            O cardeal emérito de São Paulo, que é gaúcho que nem o atual cardeal, estava do lado dele na Capela Sistina na hora da votação. Quando os números foram encaminhando, encaminhando, quando se sentiu que ele iria ganhar, o cardeal disse a ele: “Não te esqueça dos pobres”. E ele fez questão de contar isso ao povo quando ele falou ao povo. Quando o Cardeal Hummes me disse “não te esqueça dos pobres”, eu escolhi o meu nome, Francisco. Foi a forma que ele teve de escolher o próprio nome.

            Com os gestos que ele vem tendo, o diálogo dele com a nossa Presidente, o diálogo dele com a Presidente da Argentina, o diálogo dele com os outros cardeais, o apelo que ele faz aos cardeais, eu creio que estamos iniciando uma etapa importante. E, olha, eu vejo com emoção, agora em julho, a Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro. Falam em dois milhões de jovens. E ele virá e faz questão de dizer que virá e assistirá a todo o congresso. Eu acho que está aí um grande momento. Eu acho que está aí um grande momento de, com esse Papa, conversar e abrir um diálogo em torno de uma tese positiva para nossa humanidade. Falar com o rabino dos judeus, com homens das outras igrejas, com os presidentes, desde o americano até o chinês, e conseguir reunir um grupo de gente e fazer uma tentativa de uma pauta positiva para a humanidade. Eu nunca vi uma expectativa tão grande de que isso possa acontecer.

            Nós não vivemos mais aquele momento em que uma nação dominava, e o resto era subalterno. Hoje uma nação é grande, quase que domina, mas há outras nações que também são iguais. E hoje é o motivo de a gente dizer que ninguém pode pensar em uma guerra mundial, porque ninguém sai ganhando.

            Então, está faltando uma ideia, um sentido de vida. Para mim, isso tinha de nascer na ONU. Lamentavelmente, a ONU hoje é um fracasso. Com o negócio do Conselho de Segurança, que, nas discussões que eu tive - guri, guri - com Oswaldo Aranha, lá no Morro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro… Eu era estudante de Direito, e ele me respondia: “É, meu guri, mas, se nós não tivéssemos criado o Conselho de Segurança, não saía a ONU, porque só na expectativa de que os vitoriosos, os grandes teriam um conselho para selecionar as coisas é que saiu a ONU.” Agora, se saísse uma ONU em que um plenário de todas as nações desse as decisões, americanos, russos e companhia não iriam aceitar.

            Mas hoje, exatamente nesse sentido é que eu acho que é possível. Reparem que nós temos um Presidente americano cujo mandato foi renovado; nós temos um Presidente chinês que lança uma mensagem completamente diferente do que era a China há 20 anos; nós temos a Rússia com um Presidente, é verdade que volta, mas está chegando; temos um mundo hoje infelizmente sem grandes lideranças. Nós não temos um Churchill, nós não temos um De Gaulle, nós não temos os nomes que honraram e que foram brilhantes nos últimos tempos.

(Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - Talvez vivamos um momento que, dizem alguns, é um momento de transição do que é para o que vai ser. Talvez até por isso que nós não temos hoje nenhum nome que possa bater na mesa e dizer “eu não vou para essa reunião” e ridicularizar.

            Mas, pelo contrário, se o Papa conseguir se integrar, conseguir, nas suas conversas, nos seus diálogos, com o americano aqui, com o russo ali, o Brasil e os cinco países que integram os BRICS, se nós pudéssemos fazer essa reunião e iniciar um entendimento, algo de diferente, que possa começar leve, mas que seja uma expectativa nova e grande...

            Eu agradeço, Srª Presidente, mas não nego que fiquei muito feliz, e foi talvez, nesses meus últimos tempos, o momento em que eu mais respirei e respeitei a realidade do nosso mundo, a escolha do Cardeal.

(Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - Não tinha expectativa. Não entendi direito a renúncia do que saiu.

(Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - As interrogações... Já encerro. As interrogações que estávamos seguindo, o que tinha acontecido no Banco do Vaticano, nas acusações que envolvem a Igreja... Inclusive se falava que um dos grandes preferidos para sair como Papa era o Cardeal gaúcho, de São Paulo, que, no entanto, eu dizia, um dia antes, quando eu o ouvi falar, e ele defendeu o Banco do Vaticano, e ele taxou elogios à cúpula romana. Eu digo: “Esse não vai ser.” E não foi. Não foi porque, infelizmente, ele escolheu o lado errado, mas acho que Deus acertou, e Francisco será um grande nome. Eu vejo com muito carinho, com muita alegria este momento da nossa Igreja.

(Soa a campainha.)

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - Espero que muita gente vá se surpreender. Não será uma mudança para que tudo continue igual. Eu acho que, como ele é, o estilo da vida dele, como ele exerce o dia a dia dele, ele vai fazer na nossa Igreja.

            Obrigado a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/03/2013 - Página 13507