Discurso durante a 40ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Relato da viagem de S. Exª à Bolívia, a fim de conferir pessoalmente a situação dos torcedores corintianos ali presos.

Autor
Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR, POLITICA EXTERNA.:
  • Relato da viagem de S. Exª à Bolívia, a fim de conferir pessoalmente a situação dos torcedores corintianos ali presos.
Aparteantes
Aloysio Nunes Ferreira, Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 03/04/2013 - Página 14343
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR, POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, FATO, VIAGEM, ORADOR, DESTINO, BOLIVIA, REPRESENTAÇÃO, COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA NACIONAL, SENADO, OBJETIVO, EXAME, SITUAÇÃO, CIDADÃO, NACIONALIDADE, BRASIL, PRESO, LOCAL, PAIS ESTRANGEIRO, MOTIVO, SUSPEITO, PARTICIPAÇÃO, HIPOTESE, MORTE, ADOLESCENTE, LOCALIDADE, ESTADIO, FUTEBOL, SOLICITAÇÃO, APOIO, MINISTRO DE ESTADO, ANTONIO PATRIOTA, ITAMARATI (MRE), JOSE EDUARDO CARDOZO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), REFERENCIA, RESOLUÇÃO, ASSUNTO.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente, Senador Jorge Viana, Sras e Srs. Senadores, como é de conhecimento de boa parte dos nossos colegas Senadores, tive a oportunidade, na semana passada, como representante da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, de conferir pessoalmente a situação dos 12 brasileiros detidos em Oruro, na Bolívia, sob suspeita de envolvimento na morte do adolescente Kevin Espada, durante um jogo de futebol do Corinthians, pela Taça Libertadores.

            Durante as cerca de 24 horas, Sr. Presidente, que passei na Bolívia, estive acompanhado do Subsecretário-Geral do Itamaraty das Comunidades Brasileiras no Exterior, o Embaixador Sérgio Danese, e pude contar com a importante assessoria do chefe interino da Embaixada do Brasil em La Paz, Ministro Eduardo Sabóia. Tive ainda a imprescindível colaboração e apoio do Deputado boliviano Franz Choque.

            Juntos, visitamos o presídio de San Pedro, em Oruro, uma cidade a três horas da capital La Paz. É lá que os brasileiros estão presos preventivamente desde o dia 20 de fevereiro, quando um jovem boliviano foi tragicamente atingido, cruelmente atingido por um sinalizador marítimo disparado durante uma partida de futebol entre o Corinthians e o San José.

            Depois de conversar com os presos e com autoridades locais, Senador Aloysio Nunes Ferreira, ficou claro que os jovens que lá estão detidos - e é bom destacar que, para além de torcedores ou corintianos, eles são cidadãos brasileiros - têm a sua inocência comprovada por evidências objetivas, como imagens gravadas no estádio no dia dessa tragédia.

            Ao que tudo indica, Sr. Presidente, esses brasileiros estão, na verdade, sendo mantidos como reféns do sistema judiciário boliviano, esta é a minha convicção. Pudemos constatar também que o grupo está com a integridade física comprometida, já que dividem espaço com traficantes de drogas, com estupradores, assassinos e pessoas de elevados delitos.

            Posso dizer, Sr. Presidente, honestamente, que eu temo pela vida desses brasileiros que estão confinados numa prisão que abriga hoje 1.500 detentos, embora com capacidade instalada para 200.

            A conclusão a que chegamos depois dessa viagem é que os 12 brasileiros estão sendo usados como objeto de barganha política por parte do governo boliviano. Isso pelo fato de o Brasil ter concedido asilo político a um Senador da oposição, o Senador Roger Pinto. O Senador boliviano, líder da oposição e decano do Senado Federal, está asilado há mais de 300 dias na Embaixada Brasileira na Bolívia. Mais de 300 dias, num espaço fechado, sem direito sequer a banho de sol!

            Infelizmente, constatamos também que existe no país vizinho uma latente má vontade com relação ao Brasil e aos brasileiros. Chego a afirmar que esse sentimento beira a xenofobia

            São esses os motivos que nos levam a acreditar que será absolutamente necessária a interferência direta do Governo brasileiro neste caso, que vai exigir uma solução diplomática, uma solução política de alto nível. E falo, aqui, mais especificamente, na participação direta do Sr. Ministro de Relações Exteriores, Antônio Patriota, que, aliás, estará, nesta quinta-feira, participando de uma audiência pública na Comissão de Relações Exteriores, e também do envolvimento direto do Sr. Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, com quem já entrei em contato para agendar uma audiência sobre o assunto. Aguardo apenas o retorno do Sr. Ministro José Eduardo Cardozo, para que possamos, em audiência, detalhar toda a minha percepção, minha impressão e a convicção daquilo a que assisti durante o dia em que estive na Bolívia.

            Não posso, Sr. Presidente, deixar de reconhecer os esforços e o importante trabalho que a equipe do Embaixador do Brasil na Bolívia, Embaixador Marcel Biato, e a própria área do Itamaraty de assistência a brasileiros no exterior, chefiada pelo Embaixador Sérgio Danese, têm feito e seguramente vão continuar fazendo. Mas a minha convicção é a de que nós estamos batendo no teto. A minha convicção, a minha certeza é a de que a nossa missão diplomática não conseguirá ir adiante se não tivermos o envolvimento direto do Governo Federal.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me permite um aparte, Senador Ricardo Ferraço?

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Vou ouvi-lo com atenção e prazer daqui a alguns poucos minutos, meu estimado Senador Eduardo Suplicy.

            Mas temo que essa situação não tenha um desfecho positivo, uma solução célere, se não houver o engajamento decisivo das mais elevadas e específicas autoridades da República brasileira.

            É bom frisar que a prisão preventiva na Bolívia é de pelo menos seis meses. E mais: há inúmeros relatos de pessoas que ficaram presas preventivamente por anos e anos.

            Sr. Presidente, tivemos também a oportunidade, nessa viagem, de falar pessoalmente com o Ministro de Governo da Bolívia, o Sr. Carlos Romero. Apresentei a ele as minhas preocupações com a integridade física e a saúde dos nossos compatriotas, lembrando que estes estão sob a custódia do Estado boliviano.

            É preciso ainda lembrar que o caso também está sendo investigado aqui no Brasil, onde tivemos, inclusive, um réu confesso. Só que o Estado boliviano não reconhece a perícia e as investigações que estão sendo feitas pelo nosso País, numa afronta à Convenção de Nassau, que estabelece a cooperação jurídica entre os Estados.

            Os bolivianos insinuam, inclusive, que nós não estaríamos punindo com o devido rigor da lei o jovem que confessou sua culpa nessa tragédia. Há, por certo, uma indignação por parte de autoridades bolivianas para com o fato de o réu confesso ser penalmente inimputável no País - aqui, no Brasil, a maioridade penal é aos 18 anos; na Bolívia, aos 16 anos.

            Também merece destaque o diálogo que mantive com o Senador Roger Pinto, asilado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há 11 meses na Embaixada brasileira na Bolívia, devido à insistente negação do governo boliviano em conceder a esse Senador salvo-conduto.

            Foi acertada e corajosa, a meu juízo, a decisão do governo brasileiro de conceder asilo político ao parlamentar boliviano, que corria real risco de vida. Pude constatar que todas as supostas acusações feitas a esse Senador, ao Senador Roger Pinto, são infundadas. O que motiva essa perseguição política é o simples fato de que ele faz oposição, ou fazia oposição, ao Governo do Presidente Evo Morales.

            Ouço com prazer o Senador Eduardo Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Prezado Senador Ricardo Ferraço, quero cumprimentá-lo porque V. Exª, como Presidente da Comissão de Relações Exteriores, tomou a iniciativa, na semana passada, de convidar alguns de nós, como os Senadores Pedro Taques, José Agripino Maia e eu próprio, para acompanhá-lo nessa missão. Não fosse a reunião do Conselho Consultivo, na terça-feira, pela manhã, em que já havia confirmado a presença, na Prefeitura Municipal de São Paulo, eu o teria acompanhado. Mas acho que V. Exª procedeu da maneira mais adequada e, agora, nos reporta a visita que fez aos brasileiros detidos em Oruro, na Bolívia. Ali, V. Exª, conversando com eles, percebeu que não é adequado que estejam lá detidos como os culpados por algo que não foram os responsáveis. É claro que todos nós lamentamos a tragédia da morte do rapaz, infelizmente alvejado por aquele sinalizador. Inclusive, um rapaz de 17 anos, aqui no Brasil, já confessou que foi ele próprio quem efetuou o disparo, Mas há outros casos ali, como o de um rapaz que foi filmado enquanto tocava um instrumento musical na hora em que aconteceu o acidente. Ele, inclusive, já emagreceu mais de...

(Interrupção do som)

(Soa a campainha.)

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - ... segundo a família. Então, V. Exª pôde perceber de perto o que aconteceu. De modo que será muito importante a audiência que teremos com o Ministro Patriota, na próxima quinta-feira, oportunidade em que V. Exª relatará esses pormenores, assim como a situação do Senador que se encontra asilado na Embaixada do Brasil em La Paz. Eu cumprimento V. Exª pela iniciativa e reafirmo que V. Exª fala por todos nós, membros da Comissão de Relações Exteriores, por nós Senadores. A minha solidariedade pela sua iniciativa.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Agradeço a V. Exª e peço um pouco de condescendência, Sr. Presidente, para que possa concluir a minha fala, já caminhando para o encerramento.

            Em nossa opinião, o Brasil, o maior país e a maior economia da América do Sul, está obrigado a ser solidário e generoso com os extraordinários desafios da Bolívia, sobretudo os desafios no campo social. Todavia, essa não pode ser uma solidariedade a todo e qualquer custo. Há princípios e valores que precisam ser preservados e precisam ser respeitados.

            A relação com a Bolívia é de primeira importância para o Brasil. Temos com a Bolívia uma fronteira de 3.500km, que vai do Acre até o Estado do Mato Grosso do Sul; uma fronteira maior que a do México com os Estados Unidos da América. Temos, ainda, inúmeros, incontáveis desafios conjuntos, como o combate ao narcotráfico. Sem contar, Sr. Presidente, outros tantos interesses comuns, como, por exemplo, os mais de 20 mil estudantes brasileiros na Bolívia e mais de cem mil bolivianos que vivem no Brasil.

            São motivos para que defendamos uma relação de solidariedade e generosidade do Brasil com a Bolívia. Contudo, essa relação, que já é sensível, precisa ser construída e mantida em bases democráticas, em bases transparentes e com respeito à segurança jurídica, meu caro Senador Vital do Rêgo, Presidente da Comissão de Constituição e Justiça. Não podemos, entretanto, nos iludir e acreditar que essa relação está imune a problemas.

            Sr. Presidente, o que acabo de expor fundamenta a minha convicção de que a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, que tenho a oportunidade de presidir e que compartilho com tantos das Srªs e dos Srs. Senadores, deve empreender, com urgência, uma avaliação de nossa complexa relação com a Bolívia, por meio de audiências públicas, debates e outras ações que estaremos desdobrando no curso das nossas prerrogativas e do nosso exercício parlamentar. O primeiro passo para um debate franco e aberto das relações do Brasil com a Bolívia...

(Soa a campainha.)

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - ... será tomado no próximo dia 4 de abril, quando receberemos S. Exª o Ministro Antonio Patriota em nossa Comissão de Relações Exteriores.

            Tenho, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a mais absoluta certeza de que esse debate será muito bem-vindo e terá muito a acrescentar, não apenas no referente às questões internacionais hoje em pauta, como também, nesse caso particular vivido pelos brasileiros que estão detidos preventivamente na penitenciária San Pedro, em Oruro, assim como esse asilo político concedido a um Senador perseguido pelo governo boliviano, há quase um ano, sem, entretanto, alcançar, por parte do governo boliviano, respeito à decisão do Governo brasileiro, concedendo ao Senador Roger Pinto salvo-conduto para que ele possa sair do país.

            Concedo um aparte, com prazer, ao Senador Aloysio Nunes Ferreira.

            O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco/PSDB - SP) - Meu caro Senador Ricardo Ferraço, Presidente da Comissão de Relações Exteriores, V. Exª teve, realmente, um gesto extraordinariamente lúcido, corajoso e oportuno, na visita que fez, em nome de todos nós, à Bolívia, com estes dois objetivos: verificar a situação a que estão submetidos os brasileiros presos naquele país e também a situação do político boliviano que pediu asilo à embaixada brasileira. Em relação ao segundo tema, eu só queria lembrar o seguinte: a ditadura do Pinochet, logo depois do golpe, passados alguns dias, algumas semanas do golpe, concedeu salvo-conduto...

(Soa a campainha.)

            O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco/PSDB - SP) - ... para refugiados que estavam sob o abrigo da representação diplomática da Itália, do Panamá, da Suécia. Veja V. Exª: a ditadura de Pinochet! E o governo boliviano não concedeu o mesmo tratamento a esse Senador. Em segundo lugar, uma indagação que eu faria a V. Exª: como está sendo a assistência jurídica prestada a esses brasileiros? O instituto do habeas corpus tem vigor na Bolívia? Imagino que sim. Foi impetrado habeas corpus? Qual foi a decisão da Justiça boliviana? Se V. Exª pudesse nos dar, a todos nós, informações a esse respeito, eu agradeceria.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Meu caro Senador Aloysio Nunes Ferreira, pude conversar com técnicos, profissionais da embaixada e até mesmo com o advogado que está defendendo esses brasileiros.

            Há toda uma dificuldade de acesso aos autos. Depois de pouco mais de 30 dias...

(Soa a campainha.)

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - ... inclusive, o promotor que liderava e coordenava as investigações, foi substituído. De modo que não sabemos se o novo promotor vai considerar as provas que foram constituídas; se teremos que constituir novas provas e evidências para que esse processo possa se dar com transparência e com acesso livre.

            Estou certo e convicto de que estamos, sim, diante de um fato político e diplomático. Estou convicto de que esses brasileiros não são presidiários preventivos, não estão presos preventivamente; eles são reféns. Reféns de um conflito que estamos vivendo com a Bolívia. A Bolívia não aceita. Há manifestações públicas na imprensa da Bolívia contra o nosso embaixador, por ter concedido asilo político a um perseguido político. E, há poucos...

(Interrupção do som.)

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - ... dias, houve uma reunião, na cidade de Cochabamba, na Bolívia, onde esteve presente o Ministro Patriota, esteve presente o Presidente Evo Morales; e, de lá para cá, o que podemos constatar, no caso do Senador boliviano asilado na nossa embaixada, no escritório comercial, no escritório diplomático da embaixada, transformado numa sala para confinar o Senador, é que as visitas foram restritas e que, na prática, a situação é uma situação que necessita de uma solução.

            Portanto, é uma situação que não preserva sequer a Convenção de Nassau, que estabelece cooperação jurídica entre os nossos países, e esses temas todos serão enfrentados nessa audiência pública em que teremos o prazer e a satisfação de recebermos, aqui na Casa o Sr. Ministro Antônio Patriota.

            Há, portanto, todo uma...

(Interrupção do som.)

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - ... os brasileiros têm advogado, é um advogado boliviano, mas o próprio advogado boliviano manifesta incertezas, manifesta inseguranças, porque não consegue sequer acesso aos autos para que ele possa fazer uma defesa efetiva e objetiva desses brasileiros.

            É essa a manifestação que faço no Plenário da Casa para dar conhecimento amplo aos Srs. e Srªs Senadores, mas esse enfrentamento e esse debate de forma detalhada nós precisamos fazer na Comissão de Relações Exteriores, na próxima quinta-feira, com o Sr. Ministro Antonio Patriota.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, muito obrigado, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/04/2013 - Página 14343