Discurso durante a 42ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o posicionamento do Governo Federal frente à seca no Nordeste.

Autor
Cássio Cunha Lima (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PB)
Nome completo: Cássio Rodrigues da Cunha Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, CALAMIDADE PUBLICA.:
  • Considerações sobre o posicionamento do Governo Federal frente à seca no Nordeste.
Publicação
Publicação no DSF de 05/04/2013 - Página 15802
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, CALAMIDADE PUBLICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, CONTENÇÃO, EFEITO, SECA, REGIÃO NORDESTE, DEFESA, ORADOR, AMPLIAÇÃO, INVESTIMENTO, PROTEÇÃO, REGIÃO, ENFASE, SETOR, AGROPECUARIA, REGISTRO, ESFORÇO, SENADOR, MELHORIA, ASSISTENCIA, AGENCIA NACIONAL DE AGUAS E SANEAMENTO BASICO (ANA), ESTADO, ESTADO DA PARAIBA (PB), NECESSIDADE, AGILIZAÇÃO, OBRA PUBLICA, TRANSPOSIÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, REFERENCIA, INICIO, PROCESSO, DETERIORAÇÃO, SOLO, EXPECTATIVA, ATENÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, ASSUNTO.

            O SR. CÁSSIO CUNHA LIMA (Bloco/PSDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, telespectadores e ouvintes da TV e da Rádio Senado respectivamente, nos pronunciamentos que me antecederam - o Senador Armando Monteiro falando por Pernambuco, e o Senador Benedito de Lira trazendo a palavra de Alagoas -, abordaram, mais uma vez, um tema que não pode ser esquecido neste instante gravíssimo da trajetória econômica e social do Nordeste brasileiro. Como já foi dito várias vezes, nesta quadra, o Semiárido convive com a pior seca dos últimos 50 anos.

            A seca é inevitável, é uma realidade do nosso clima. Porém, ela se transforma em calamidade, como acontece agora, no instante em que o Governo Federal demonstra desconhecimento da nossa realidade.

            Eu já disse em outras oportunidades e volto a repetir para que eu não seja mal interpretado: a Bolsa Família é importante, o Seguro Safra é uma conquista relevante; contudo, o Nordeste brasileiro não vive apenas do Bolsa Família. Nós não estamos mais vendo a cena do flagelo humano da seca, porque as pessoas conquistaram, ainda no início do governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, ampliado e consolidado pelo Presidente Lula e, agora, também na gestão da Presidenta Dilma, todo esse amplo programa e espectro de rede de proteção social.

            Ocorre que existe uma economia no meio rural que está sendo desestruturada, sobretudo na pecuária. O nosso rebanho está desaparecendo. No meu Estado, a minha querida Paraíba, nós já perdemos mais de 60% desse rebanho. E, junto com o rebanho que desaparece, ceifa-se uma genética de convivência com o Semiárido que foi construída ao longo dos últimos 200 anos. Porque falta, em primeiro lugar, crédito. O Governo Federal não compreendeu ainda que o produtor, essa classe média rural nordestina precisa, mais do que qualquer outra coisa, de crédito. E ela está endividada perante o Banco do Nordeste, em decorrência desta e de outras estiagens; não consegue honrar os seus compromissos; e a inadimplência não é por outra razão senão por incapacidade de pagamento, pela fragilidade econômica da região. E, simplesmente, esta população rural mediana, que possui 10 reses, 20, 50, 100, 200, 400 cabeças de gado, está sendo simplesmente sacrificada de forma cruel, desumana e dolorosa.

            Ontem, mais uma vez, na cidade de Guarabira - e Guarabira encontra-se no que nós chamamos de brejo paraibano, que é uma região mais úmida -, houve mais um protesto de produtores que acumularam, empilharam carcaças de animais mortos naturalmente, em frente ao Banco do Nordeste. E essa é uma cena que se tem repetido no Nordeste inteiro com os produtores juntando as carcaças de seus animais, colocando nas beiras de estrada, ou vendo esse gado morrer no campo.

            A agricultura, quando vem a seca, se perde naturalmente. O que é preciso é compreender exatamente a dificuldade que está sendo vivida por falta de uma política que contemple esse segmento econômico.

            Hoje à tarde, na Ordem do Dia, aprovamos uma medida provisória que garante mais recursos para assistência às populações atingidas pelo Nordeste. Sobretudo no que diz respeito ao Seguro Safra. E vai se incrementar R$400 para os agricultores familiares no Nordeste, em média. Esse dinheiro é bem-vindo. Mas qualquer pessoa com o mínimo de bom senso, com o mínimo de compreensão de uma atividade econômica estruturada haverá de concluir que R$400 não vão resolver esse drama.

            Ontem eu estive na Agência Nacional de Águas. Fui recebido por Dr. Vicente e por sua diretoria, sempre de forma solícita, de forma cortês, e recebi da mão do Dr. Vicente dados que são extremamente preocupantes.

            Fui até a Agência, ontem, para levar pessoalmente ao conhecimento do Dr. Vicente e de toda a diretoria da Agência Nacional de Águas o debate que foi realizado pela Assembleia Estadual da Paraíba, em Campina Grande, a minha cidade natal, a minha querida e amada Campina Grande, há coisa de 15 dias. Numa sessão especial, a Assembleia somou técnicos, professores da universidade, e o Professor Janiro Rêgo fez uma exposição extremamente preocupante em relação ao Açude Epitácio Pessoa, conhecido mais popularmente como Açude Boqueirão, que abastece não apenas Campina Grande, mas 16 outros Municípios do Semiárido paraibano.

            Pois bem, o Açude Boqueirão, por ser um açude federal - foi construído no Governo Juscelino Kubitschek pelo DNOCS -, tem como gestor a Ana. A Agência Nacional é que gerencia os açudes federais. Boqueirão chegou a praticamente 54% de sua capacidade.

            No último Plano Estadual de Recursos Hídricos, elaborado em 2006, a época em que tive a honra de ser governador da Paraíba, já no meu segundo mandato, constatou-se que a vazão regularizada de Boqueirão é de 1,3 metros cúbicos por segundo. Para traduzir numa linguagem mais simples, a vazão regularizada é aquilo que você pode retirar do açude sem comprometer a sua estabilidade hídrica.

            Pois bem, só para a Cagepa, que é a nossa Companhia de Águas e Esgotos, a Ana concedeu uma outorga de 1,5 metros cúbicos por segundo. Portanto, só na outorga para a Cagepa, já se extrapolou o limite da vazão regularizada do açude.

            Quando se soma com a irrigação que é feita de forma descontrolada, sem nenhuma medição, nós estamos falando de aproximadamente 0,9 a 1 metro cúbico por segundo. Portanto, numa matemática simples, percebe-se que o que está sendo retirado do Açude Boqueirão já representa quase que o dobro daquilo que ele é capacitado para fornecer através da sua vazão regularizada. O que prenuncia um racionamento que Campina Grande já viveu no passado com muito drama, com muito sacrifício econômico para nossa população e para a região inteira do Compartimento da Borborema.

            O apelo que eu faço é para que a Presidenta Dilma ouça o órgão técnico que gerencia as águas do Brasil de forma generalizada, que é exatamente a ANA, e possa adotar providências não apenas em relação à Paraíba, mas também em relação ao Nordeste.

            Tenho em mão o relatório que aponta a evolução dos reservatórios equivalentes. O reservatório equivalente é a soma de todos os açudes com mais de dez milhões de metros cúbicos. Então, a ANA, junto com as agências estaduais - no caso da Paraíba, a Aesa -, faz o monitoramento das barragens e chega à conclusão desse reservatório equivalente, que é essa soma de toda a água acumulada.

            Pois bem. Sr. Presidente, nobre Senador, extraordinário brasileiro, Paulo Paim, que vem dos pampas, que também conhece essa realidade da seca, porque o Rio Grande do Sul também convive com essa realidade, a Bahia tem, hoje, apenas 31% de sua capacidade de acumulação, Pernambuco, numa situação mais grave, tem apenas 29% e a Paraíba, para citar apenas esses três exemplos, tem 36%. Cidades inteiras estão em colapso. Populações urbanas estão sendo abastecidas por caminhões-pipa. Hoje, eu falei com o Presidente da Cagepa, Deusdete Queiroga, e ele me informou, dados atualizados, que mais de vinte cidades paraibanas estão em colapso completo e outras regiões, duramente ameaçadas.

            Numa entrevista que concedi hoje ao Correio Debate, o prestigiado jornalista paraibano Fabiano Gomes informava que o açude em Engenheiros Ávidos, em Cajazeiras, também conhecido, por coincidência, como Boqueirão, está com apenas 13% de sua capacidade de armazenamento. Portanto, a situação é gravíssima. Nós temos que unir a nossa fé para rogar a Deus que chova. Se o Nordeste enfrentar mais uma quadra seca, não há o que se esperar do futuro da nossa região. Se, de acordo com o cronograma original, estivesse pronta a obra da transposição do São Francisco, que é, de fato, estruturante, nada disso estaria acontecendo, ou, pelo menos, parte significativa dos problemas já estaria sanada.

            Durante séculos, o Nordeste clamou, pediu, implorou, exigiu, lutou, até conquistar a transposição do São Francisco, que teve seus estudos iniciais no Governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, com a participação decisiva do atual Conselheiro do Tribunal de Contas Fernando Catão, então Ministro da Integração, que deu a ordem para licitação dos primeiros projetos, mas o fato é que a transposição está com trechos inteiros de obras paralisadas e com um cronograma absolutamente atrasado.

            O que surpreende, o que chama a atenção é que, para a construção de estádios para a Copa do Mundo ou para investimentos para as Olimpíadas - dois eventos importantíssimos, que contam com o nosso apoio, com o nosso estímulo e com o nosso melhor desejo de pleno sucesso -, para a construção de estádios de futebol, o Governo Federal estabeleceu um regime diferenciado de contratação, aprovado por este Senado, para que exatamente essas obras ficassem fora dos rigores burocráticos da Lei de Licitações, a conhecida Lei nº 8.666, para dar agilidade para a construção de campos de futebol, de estádios de futebol para atender ao calendário estabelecido pela Fifa, como se o calendário humano do Nordeste não fosse ainda mais importante do que o calendário imposto pela Fifa. Por qual razão? Eu confesso, e vou dizer de forma muito sincera, que juro que não entendo por que o Governo Federal não usa, para a transposição do São Francisco, a mesma prioridade, a mesma agilidade, a mesma disposição de fazer que tem utilizado para concluir os estádios da Copa.

            Recebi agora a notícia de que, para cumprir os prazos, só no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, foram contratados mais de três mil trabalhadores recentemente para que a obra seja entregue dentro do prazo, enquanto que a transposição dos São Francisco continua paralisada.

            O apelo que dirigimos neste instante ao Governo Federal, ao ilustre Ministro da Integração, Fernando Bezerra, pessoa pela qual tenho total respeito e, inclusive, amizade pessoal, é para que se possa adotar, na obra da transposição, os mesmos critérios utilizados para as obras da Copa e que a transposição se transforme em uma realidade efetiva.

            Temos, no Senado, uma comissão especial de acompanhamento da obra. Recentemente, S. Exª o Ministro Fernando Bezerra lá esteve prestando depoimento e trazendo esclarecimentos à Comissão, que é presidida pelo meu companheiro Vital do Rêgo Filho e que tem como membro o Senador Cícero Lucena, além da relatoria do Senador pernambucano Humberto Costa. O Ministro foi taxativo e, ao justificar o atraso da obra, apresentou como uma das razões principais a ausência, a esta altura - pasmem! - de projeto executivo. A esta altura, a transposição do São Francisco não tem a integralidade dos projetos executivos para a sua construção, além dos problemas ambientais, de outros problemas de caráter burocrático, de licitação.

            É chegada a hora de o Governo adotar na transposição - repito e insisto - os mesmos critérios que estão sendo utilizados para o cumprimento dos cronogramas para as obras da Copa do Mundo e também das Olimpíadas.

            Senador Walter Pinheiro, ilustre representante da Bahia, Estado que não está fora dessa realidade, digo a V. Exª, que conhece profundamente o semiárido baiano, que conhece a realidade do Nordeste como um todo, que é hora de realizarmos um movimento suprapatidário. Não estou aqui politizando nem diminuindo esse debate. Falo em nome da Oposição brasileira, dirigindo-me a uma das mais respeitáveis e destacadas Lideranças do Governo, que até o ano passado era Líder do PT no Senado Federal, para que possamos, talvez em conjunto, chegar à Presidenta Dilma e mostrar a ela que tudo que foi feito até aqui merece reconhecimento e elogio, mas é insuficiente, absolutamente ineficaz diante da gravidade do problema, porque chegará um tempo em que, por mais que se criem mecanismos de ampliação para os caminhões-pipas, por exemplo, não teremos onde buscar água.

            E o Nordeste enfrenta outro drama ainda mais grave, Presidente Ferraço, que é o seu processo aceleradíssimo de desertificação. O que é uma região, hoje, semiárida caminha para se transformar numa região árida. Parcelas importantes do território nordestino já estão desertificadas. É preciso tecnologia para conviver com a seca - e essas tecnologias existem, estão disponíveis -, é preciso crédito e financiamento para esse produtor médio, que está alijado, está esquecido dos programas governamentais, é preciso incorporar oportunidades de trabalho e de educação para os nossos jovens, mas, sobretudo, é preciso fazer a gestão da água que nos resta.

            Vou concluir minha fala chamando a atenção exatamente para a necessidade de a ANA, de o Governo Federal, em parceria, é claro, com os governos estaduais, promover a gestão dos recursos hídricos que estão disponíveis.

            Remeto-me novamente ao açude de Boqueirão. Não há controle da água que está sendo dali retirada. Não se sabe sequer exatamente o quanto está sendo retirado, sem falar nos aspectos da evaporação, do assoreamento natural desses mananciais.

            Portanto, é chegada a hora de agir, é chegada a hora de tomar providências, antes que seja tarde, antes que estejamos diante de uma calamidade de proporção ainda maior do que a que nós estamos vivendo.

            Fica, novamente, o meu apelo, a minha palavra, o meu grito, o meu brado, de forma firme, de forma contundente, para que um dia nós possamos ter o Nordeste brasileiro respeitado, como sua população e sua gente merecem.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/04/2013 - Página 15802