Fala da Presidência durante a 44ª Sessão Especial, no Senado Federal

Em memória dos mortos no Holocausto e para marcar o transcurso de setenta anos da insurreição dos judeus no Gueto de Varsóvia.

Autor
Flexa Ribeiro (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PA)
Nome completo: Fernando de Souza Flexa Ribeiro
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Em memória dos mortos no Holocausto e para marcar o transcurso de setenta anos da insurreição dos judeus no Gueto de Varsóvia.
Publicação
Publicação no DSF de 09/04/2013 - Página 16191
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, GRUPO ETNICO, VITIMA, PERSEGUIÇÃO, TORTURA, HOMICIDIO, NAZISMO, LOCAL, PAIS ESTRANGEIRO, ALEMANHA, PERIODO, SEGUNDA GUERRA MUNDIAL.

            O SR. PRESIDENTE (Flexa Ribeiro. Bloco/PSDB - PA) - Srs. Senadores; Srªs Senadoras; senhor sobrevivente do Holocausto, Sr. George Legmann; filhos dos sobreviventes do Holocausto, Srª Szyja Ber Lorber, Srª Blima Lorber; Embaixador da República da Sérvia, Exmo Sr. Ljubomir Milic; Encarregado de Negócios e Primeiro-Secretário da República Tcheca, Sr. Viktor Dolista; Encarregado de Negócios da República da Polônia, Sr. Marceli Minc; Ministro para Assuntos Econômicos e Temas Globais da Embaixada da República Federal da Alemanha, Sr. Martin Eberts; Ministro Conselheiro da Embaixada da Itália, Sr. Andreas Ferrarese; Ministro Conselheiro da Embaixada dos Estados Unidos da América, Sr. Todd Chapman; Presidente da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro, Sr. Herry Rosenberg; Presidente da Wizo do Brasil, Srª Helena Kelner; Presidente da Wizo de Minas Gerais, Srª Maria Auxiliadora Buelli; Presidente da Wizo de Brasília, Srª Abitbol Raschkousky; Presidente da B’Nai B’Rith, Sr. Abraham Goldstein; Coordenadora do Instituto Shoah de Direitos Humanos, Srª Maria Luiza Tucci Carneiro, minhas senhoras e meus senhores, a tragédia do Holocausto carregou de sombras a história contemporânea, imprimindo formas indeléveis na consciência humana moderna. Recuperar e refletir sobre a memória desse terrível capítulo da história mundial deveria servir como poderoso alerta dos perigos que a discriminação, o preconceito, a intolerância, o ódio e o racismo representam para a civilização.

            Uma sessão especial como esta, em memória dos mortos no Holocausto e do transcurso dos 70 anos da insurreição dos judeus no Gueto de Varsóvia, tem precisamente o significado de demarcar simbolicamente a solidariedade deste Parlamento com as vítimas das grandes tragédias humanas, mas, particularmente neste caso, a afirmação dos valores básicos de uma democracia inclusiva, que pratica ativamente os valores da tolerância racial e do respeito à adversidade.

            Pois foram precisamente esses os valores solapados pelos estados totalitários nos anos de 1930/1940. O programa executado pelo regime nazista de Adolf Hitler, que resultou na morte de mais de 6 milhões de judeus, em curto espaço de tempo, articulou, a partir da chamada “solução final” da questão judaica, em 1942, o sistema de extermínio, por meio da discriminação de populações inteiras, identificando-as e marginalizando-as no encarceramento coletivo em campos de concentração e guetos e na organização de máquinas de terror nos campos de extermínio.

            O Gueto de Varsóvia, cuja população judia antes da guerra remontava a um terço da população total, era o maior dos guetos judeus erguidos pelos alemães durante a Segunda Guerra. Quando as deportações de Treblinka iniciaram, o Gueto contava com mais de 450 mil judeus. Em três meses, de julho a setembro de 1942, mais de 260 mil moradores de Varsóvia foram transportados para o campo de extermínio.

            A insurreição do Gueto de Varsóvia constituiu, portanto, reação desesperada e desafiadora da pequena porção da população judaica que ainda permanecia viva, algo em torno de 60 mil pessoas. Articulada meses antes do massacre final, que teve início na noite da Páscoa judaica, em 19 de abril de 1943, foi concebida na certeza, por parte dos judeus, de que os nazistas estavam a concretizar os planos de seu extermínio final.

            O impulso primordial da preservação da vida, contudo, estava presente naquela sedição, que passou a servir de exemplo a muitas outras que espocaram logo a seguir, favorecendo a marcha da resistência aos nazistas. Revelaram-se, também, em muitos documentos que cristalizaram aquele instante, testemunhos de vida de artistas, intelectuais, pessoas comuns de todas as idades, inclusive crianças, verdadeiros sopros de vida que respiravam naquele ambiente macabro da morte.

            Tragédias humanas dessa dimensão sempre passam para a posteridade a imagem da terra arrasada, de um mundo sem futuro, que resvala para a desesperança.

            Lembra-nos a interpretação de Walter Benjamin, filósofo alemão vitimado pelo Holocausto, para o quadro de Paul Klee, Angelus Novus, onde vemos uma cadeia de acontecimentos, o anjo da história de Benjamin, perspectiva apenas - aspas -:

... catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar fragmentos, mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu.

            Fecho aspas.

            A tempestade assume em Benjamin o nome de progresso. Uma nova história, que tem como material os fragmentos das ruínas, mostraria que deles também cresce o mundo com perspectivas novas, portadoras de futuro. Isso explica porque, mesmo nas situações mais desprovidas de humanidade, como são as circunstâncias de um genocídio, é possível captar sinais da busca incansável por um mundo melhor, refletidos no brilho de um olhar, na expressão de quem luta com todas as forças para preservar a vida.

            Temos registro desses lampejos de esperança na exposição que inauguramos hoje sobre as crianças do Holocausto. Momentos trágicos como aqueles podem ser férteis de testemunhos da solidariedade e da coragem humana. Chamo atenção, senhoras e senhores, para o papel ativo desempenhado por alguns brasileiros no resgate de vítimas que escaparam ao Holocausto.

            Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa, Secretária do Consulado Brasileiro de Hamburgo, e o Embaixador Luiz Martins de Sousa Dantas, titular da Embaixada de Paris, tiveram seus nomes registrados no Jardim dos Justos entre as Nações, no Museu do Holocausto, em Israel, por terem colaborado ativamente para salvar vidas do extermínio nazista.

            Para o regime de Getúlio Vargas não foi conveniente se ver automaticamente identificado a quaisquer das forças em conflito nos anos 1930/1940. Por isso, não pôde optar por adotar abertamente qualquer bandeira antissemita. O Estado Novo, contudo, manteve com os estados totalitários europeus afinidades de natureza política e ideológica.

            O Ministério das Relações Exteriores varguista adotou, nesse contexto, portarias secretas para impedir a entrada de judeus. Em 7 de junho de 1937, ficou estabelecida a negativa de concessão de vistos a toda pessoa que se declarasse ou que se soubesse ser judia. A essa portaria seguiram-se mais cinco circulares secretas nas quais se proibiam vistos ou vistos temporários a estrangeiros de origem semítica.

            Tudo isso feito à surdina, em silêncio e em segredo, o que permitiu ao País defender-se publicamente de acusações de antissemitismo. Mundo afora, os consulados brasileiros passaram a negar sistematicamente a concessão de vistos a judeus angustiados com a perseguição do regime nazista.

            Aracy Rosa e o Embaixador Luiz Martins ignoraram tais orientações e facilitaram a concessão de documentos a foragidos da perseguição nazista.

            Chefe da seção de passaportes, Aracy preparou vistos para judeus, permitindo sua entrada no Brasil, atitude que contou com o apoio de Guimarães Rosa, então cônsul adjunto. Naquele tempo, Aracy ainda não era casada com o maior nome da literatura moderna brasileira, o mesmo Guimarães Rosa que a homenagearia com a dedicatória de sua obra máxima Grande Sertão: Veredas.

            Souza Dantas era Embaixador brasileiro na França desde 1922. Testemunhou, portanto, a chegada em massa de refugiados da invasão germânica, em 1940. Solicitou, naquela ocasião, permissão para conceder visto a pessoas sem documentos de identificação ou a portadores do Passaporte Nansen, documento de identificação pessoal reconhecido internacionalmente e emitido pela Liga das Nações a refugiados apátridas.

            Por meio desse expediente, Souza Dantas desobedeceu sistematicamente às ordens restritivas a entrada de judeus no Brasil, concedendo centenas de vistos a refugiados judeus e não judeus.

            Despertou, com isso, a ira das autoridades brasileiras, que se preparavam para intimá-lo judicialmente, quando atingiu a idade para se aposentar e escapou, assim, da punição.

            Historicamente, senhoras e senhores, o Brasil tem-se afirmado como País que adotou integralmente a mensagem universal dos perigos que a discriminação, o preconceito, a intolerância, o ódio e o racismo representam para a civilização.

            Parece certo que não vivemos uma democracia racial completa. A nossa experiência colonial organizou-se em torno da escravidão e no sistema que consagrava, no plano dos valores, a hierarquia entre as raças. A emancipação da escravidão demonstrou, claramente, as dificuldades enfrentadas por africanos e seus descendentes na afirmação dos direitos de cidadania no regime republicano.

            Os indicadores dos censos demográficos são testemunhos fiéis de que as desigualdades de ordem econômica e social se sobrepõem e são reforçadas pelas desigualdades raciais.

            Nossa experiência de relações raciais, porém, foi diferente daqueles países que passaram por processos semelhantes e sofreram grandes tragédias animadas pelo ódio racial.

            Por isso, senhoras e senhores, tive a iniciativa de apresentar requerimento solicitando esta sessão especial em memória dos mortos no Holocausto e do transcurso de 70 anos da insurreição dos judeus no Gueto de Varsóvia. Desperta e revigora, em todos nós, a necessidade imperiosa de afirmação dos valores universais da tolerância racial e do respeito à diversidade, fundamentos de qualquer regime democrático verdadeiramente autêntico.

            Ao abordar os traumáticos acontecimentos do Holocausto, gostaria ainda de mencionar, para encerrar, o quanto devemos aproximar culturas e praticar a tolerância. Karol Wojtyla, em seu papado, chamou os judeus sempre de - aspas - "amados irmãos mais velhos" - fecho aspas.

            João Paulo II foi o primeiro Papa a pedir perdão aos judeus pelo que a Igreja fez na Inquisição e, posteriormente, ao que os cristãos fizeram durante a guerra. Foi o primeiro a orar juntamente com rabinos e representantes de outras religiões a favor da paz mundial. Faço esta menção, pois, como todos sabem, temos na nossa Igreja católica um novo líder, o Papa Francisco.

            Sabemos do longo diálogo inter-religioso entre o Papa e o rabino Abraham Skorka, reitor do Seminário Rabínico Latino-Americano, com sede em Buenos Aires, e que resultou na publicação do livro de diálogos Sobre o Céu e a Terra, que aborda temas como Deus, o capitalismo e a morte. E torcemos para que ele continue esse importante trabalho de praticar a tolerância e a paz entre os povos, num momento em que novamente temos um clima tenso entre alguns países.

            Era o que tinha a dizer.

            Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/04/2013 - Página 16191