Discurso durante a 46ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Congratulação à cantora Daniela Mercury por tornar pública a decisão de se casar com a jornalista Malu Verçosa.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO.:
  • Congratulação à cantora Daniela Mercury por tornar pública a decisão de se casar com a jornalista Malu Verçosa.
Publicação
Publicação no DSF de 10/04/2013 - Página 16576
Assunto
Outros > FEMINISMO.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, CANTOR, ESTADO DA BAHIA (BA), MOTIVO, ANUNCIO, CASAMENTO, HOMOSSEXUAL.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Senador Presidente, Paulo Davim, Srªs e Srs. Senadores, eu quero hoje registrar, da tribuna do Senado, o meu respeito à excepcional cantora baiana que tanto tem contribuído para animar os carnavais de Salvador e de tantos festivais musicais em todo o Brasil e no exterior pelas entrevistas que concedeu, nesses últimos dias, para as revistas Veja e Época, para o Fantástico, da Rede Globo, e diversos outros meios de comunicação.

            Nessas entrevistas, ela decidiu tornar pública sua decisão de se casar com a jornalista Malu Verçosa, editora da TV Bahia, e também disse que está profundamente apaixonada por ela. Por que ela quis tornar pública a relação? Assim respondeu Daniela:

Porque quis ter minha dignidade preservada. Como todo mundo, quero ser aceita, ter liberdade, ser respeitada. Não suportaria ficar escondida. E o único jeito de não ficar escondida, com medo das fofocas, foi tratar isso como uma coisa natural - que, de fato, é.

            Ao ser perguntada sobre como seus pais e filhos reagiram à situação, ela que é mãe de dois filhos, já adultos, do primeiro casamento, e de outros três adotados, do segundo, assim respondeu:

Falei com um por um. Para o meu pai, eu telefonei, e disse que tinha me apaixonado por Malu. Ele me perguntou: “Minha filha, não é um pouco cedo para você viver essa relação?”. Eu disse que não, e que queria levar Malu para ele conhecer. Claro que não foi fácil. No fim da ligação, ele disse que não conseguia entender direito, mas que me amava. Minha filha de 15 anos perguntou se eu estava feliz e eu disse que sim. Depois que eu e Malu colocamos as fotos na internet, ela me mandou uma mensagem: "Vocês estão fazendo a maior confusão". E, Iogo depois, mandou outra: "Vocês estão lindas nas fotos".

            Ao ser perguntada se ela havia se casado no civil, ela disse:

Não. Nosso casamento foi assim: dias atrás, passamos por Paris e, naquela cidade romântica, compramos as alianças e trocamos os anéis. Imagine: fizemos isso em meio àquela enorme passeata que houve lá, de pessoas que são contra o casamento gay. Colocamos as alianças e fomos à Sacré-Coeur, já que somos as duas católicas. Fomos fazer nossas orações e pedir proteção. Logo em seguida, Iigamos para a nossa família para contar a novidade. Não oficializamos a relação porque, por enquanto, não vimos necessidade. Mas, se as coisas práticas da vida pedirem, resolução sobre herança, por exemplo, daí podemos casar. Eu acho importantíssimo ter um instrumento legal que respeite e dê permissão ao casamento gay. Todo mundo fica mais protegido assim.

            Ao ser perguntada: “Sua coragem de expor publicamente essa relação rendeu muitos elogios. Mas o que a senhora diria a pessoas, ou fãs, que eventualmente tenham ficado desapontados com a revelação?”, respondeu: “Sinto muito. Espero que, a cada minuto, isso fique mais fácil para vocês. Eu não quero chocar, não quero agredir. Estou feliz, estou amando e não abro mão dessa condição. Minha mensagem é de amor”.

            Eu quero aqui dizer que, ao longo de minha vida, aprendi a ter o respeito por aquelas pessoas que acabaram, de alguma maneira, optando por terem uma relação homossexual. Muitas pessoas, inclusive, muito próximas; amigas que conheci e que tiveram outra relação que não a heterossexual. São pessoas que muitas vezes, para mim, demonstraram ter o melhor caráter possível, pessoas extremamente honestas, pessoas sinceras e que se sentiram com necessidade de ter uma relação com pessoas do mesmo sexo, ou vontade, ou mesmo se apaixonaram por essas pessoas. E eu aprendi, ao longo de minha vida, a respeitar essas pessoas.

            Dentre inúmeros casos que conheci, certo dia, em 1979, quando eu era Deputado Estadual, na Assembleia Legislativa de São Paulo, fui procurado pela Presidente do Movimento em Defesa do Menor, Srª Lia Junqueira, que estava muito preocupada com diversas situações que aconteciam na Febem, inclusive de maus-tratos com os menores.

            Um dia ela me disse que havia uma moça de 17 anos e meio que, desde os 14 anos, estava colocada na FEBEM, colocada por sua tia, e que sua mãe e seu pai haviam falecido. Ela disse que, se houvesse alguém que se responsabilizasse por aquela moça, ela poderia ter autorização do juiz de menores para sair. Fui conhecer a senhorita Sandra Mara Herzer, de 17 anos e meio, que tinha grande talento como poetisa e havia escrito inúmeros poemas. Eu disse a ela que me responsabilizaria perante o juiz para que ela pudesse fazer um estágio, aprender a atender telefone, tirar xerox, atender pessoas, mas que eu lhe daria uma atribuição. Tendo em conta a sua história e a capacidade de ela redigir tão bem, eu sugeri que ela tivesse como responsabilidade escrever a história de sua própria vida.

            Essa moça tinha uma característica: ela, embora jovem moça e até muito interessante, se sentia como se homem fosse e se vestia com um jeans, uma blusa e uma camiseta como se fosse um rapaz. Assim ela trabalhou comigo por dois anos, escreveu a história de sua vida, mas à certa altura, quando ela quis fazer exame para um concurso na Assembleia Legislativa, ao mostrar sua identidade para o responsável daquele exame, ele lhe disse: “Mas como assim, você está vestida de homem e é, na verdade, uma moça?” Ela ficou tão nervosa e preocupada que acabou não passando no exame.

            Pouco depois, ela me mostrou um poema que escreveu em que ela falava em dar término à sua vida. Eu lhe disse: “Olha, seu livro já está aceito pela Editora Vozes. Os responsáveis, Rose Marie Muraro e Leonardo Boff se comoveram”. Rose Marie Muraro disse que até Leonardo Boff havia chorado ao ler os poemas de Sandra Mara Herzer, que assinava Anderson Herzer. E disse a ela que o livro, certamente, teria grande sucesso.

            Infelizmente, um mês depois, ela se jogou do Viaduto 23 de Maio. Eu acabei indo ao Hospital das Clínicas a um chamado de socorro. Ela havia colocado meu nome e telefone em seu bolso, e acharam-no.

            Quando eu estava no Hospital das Clínicas, no Pronto Socorro, fazendo doação de sangue, infelizmente, recebi a notícia de que ela falecera. Embora ela tivesse me reconhecido e mostrado grande ansiedade na hora em que me viu, sofria muito pela queda acontecida.

            Esse livro, A Queda para o Alto, por sugestão, até ficou um nome...

(Interrupção de som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Só para concluir, Sr. Presidente.

            Foi meu amigo, o publicitário Carlito Maia, que, ao ouvir a história, sugeriu que o nome do livro de Sandra Mara Herzer fosse A Queda para o Alto. Esse livro já está na 28ª edição, editado pela Editora Vozes. É uma história muito bonita, dedicada, sobretudo, aos menores, às crianças, que, na sua tenra idade, não tiveram oportunidade plena à cidadania. É um livro muito lido por jovens, principalmente nas áreas mais carentes, nas áreas periféricas.

            Certo dia, em Heliópolis, São Paulo, um grupo de jovens me pediu que contasse um pouco da história de Sandra Mara Herzer, porque resolveram fazer uma peça, um drama, que foi apresentado em mais de 20 teatros naquele ano de 2000, 2001, contando a história dessa jovem.

            Eu apenas aqui cito a história de Sandra Mara Herzer, que se chamava, como autora, Anderson Herzer, para demonstrar o respeito que eu tinha, e tenho, por pessoas que, às vezes, sendo homens, sentem vontade de ter um companheiro masculino, ou, sendo mulheres, como no caso de Daniela Mercury, depois até de ter se casado com dois homens, ter tido dois filhos com o primeiro e adotado três com o segundo - aliás, uma atitude muito cristã -, resolveu, agora, se casar com essa jornalista.

            Então, aqui, quero expressar o meu sentimento de respeito por Daniela Mercury e por pessoas que, como ela, resolvem tomar um caminho que, eu acho, também precisa ser respeitado.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/04/2013 - Página 16576