Pela Liderança durante a 52ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com as questões fundiárias envolvendo povos indígenas; e outro assunto.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA, SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Preocupação com as questões fundiárias envolvendo povos indígenas; e outro assunto.
Aparteantes
João Capiberibe, Luiz Henrique.
Publicação
Publicação no DSF de 18/04/2013 - Página 19580
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA, SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • REGISTRO, RECEBIMENTO, FEDERAÇÃO NACIONAL, POLICIA FEDERAL, REFERENCIA, DOCUMENTO, CONTRIBUIÇÃO, MODERNIZAÇÃO, INQUERITO POLICIAL, PAIS.
  • APREENSÃO, ORADOR, AUSENTE, POLITICAS PUBLICAS, COMUNIDADE INDIGENA, PAIS, CRITICA, POSSIBILIDADE, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REFERENCIA, RETIRADA, DIREITOS, INDIO.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco/PSOL - AP. Como Líder. Sem revisão do orador) - Presidente, Senador Paulo Paim...

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Líder do PSOL, é bom destacar.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco/PSOL - AP) - Senador Presidente Paulo Paim, muito obrigado. Queria antes iniciar fazendo um registro.

            Estava aqui ao lado tendo a honra de receber a Federação Nacional dos Policiais Federais, a entidade máxima representante dos policiais federais do Brasil. Faço o registro do presente que recebi da Federação, O Inquérito Policial no Brasil - uma pesquisa empírica, organizada pelo Michel Misse, com contribuições de Arthur Costa, Joana Vargas, José Ratton e Rodrigo de Azevedo, uma importante contribuição para modernizarmos o inquérito policial no País. Faço questão de inaugurar esse debate com a Federação Nacional dos Policiais Federais, um debate que, no meu entender, Senador Paim, o Congresso Nacional tem que enfrentar.

            Mas, Sr. Presidente, hoje, 17 de abril, dia do aniversário do massacre de Eldorado dos Carajás, na nossa Comissão de Direitos Humanos tivemos uma reunião para fazer lembrança e referência a essa data e para lembrar, em especial, o que não avançou de 1996 para cá.

            Depois de amanhã, 19 de abril, é a data definida e intitulada desde o Decreto Lei nº 5.540, de 1943, do Presidente Getúlio Vargas, como Dia do Índio. A denominação Dia do Índio é inadequada, é uma denominação encontrada pelos europeus para designar aqueles que são os povos originários, os povos que estavam aqui antes da chegada do branco português.

            Na última terça-feira, o plenário da Câmara dos Deputados foi ocupado por mais de 600 representantes de 73 povos de várias organizações indígenas de todas as regiões do Brasil.

            Esse fato, Sr. Presidente, me faz lembrar uma poesia de Bertolt Brecht, que nos alerta para o fato de que “do rio que tudo arrasta se diz que é violento. Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem”. Os povos indígenas têm razões de sobra para caracterizar o momento atual como de riscos profundos, de retrocessos a direitos arduamente conquistados na Carta Constitucional de 1988 e em tratados internacionais, como a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho e a declaração da ONU sobre os direitos dos povos indígenas.

            O principal ataque que vêm sofrendo os povos indígenas é do atual modelo de desenvolvimento, que, em nosso País, tem priorizado o modelo agroextrativista exportador, altamente dependente da exploração e exportação de matérias-primas, em especial de commodities agrícolas e minerais. Para viabilizar esse modelo, o caminho cuja implementação se busca é, a qualquer custo, a realização de obras de infraestrutura nas áreas de transporte e geração de energia, tais como rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, usinas hidrelétricas, linhas de transmissão, quase sempre sem reconhecer o direito dos povos originários.

            Isso supõe e potencializa sobremaneira a disputa pelo controle do território no País e explica o fato de alguns setores políticos e econômicos, de interesses vinculados a grandes mineradoras e a grandes empreiteiras, se articularem para avançar com o intuito de se apropriar e explorar os territórios indígenas, dos quilombolas, dos camponeses, das comunidades tradicionais e das áreas de proteção ambiental.

            O objetivo desse ataque, Sr. Presidente, me parece claro. Em primeiro lugar, esses setores querem inviabilizar e impedir o reconhecimento e a demarcação das terras indígenas que continuam usurpadas na posse de não índios.

            Alguns números ilustram isso para nós, Sr. Presidente. No Brasil, nós temos 1.046 terras indígenas. Dessas 1.046 terras indígenas, apenas 363 estão regularizadas, 335 terras estão em alguma fase do procedimento de demarcação e 348 são reivindicadas pelos povos indígenas no Brasil. Até o momento, lamentavelmente, não têm sido tomadas, por parte do Governo e de sua instituição, a Funai, providências a fim de dar início aos procedimentos para essa demarcação.

            Em segundo lugar, outra tentativa contra os direitos dos povos indígenas é a busca por reabrir e rever procedimentos de demarcação de terras indígenas já finalizados. Além disso, em terceiro, querem continuar a invadir, explorar e mercantilizar as terras demarcadas, que estão na posse e sendo preservadas pelos povos indígenas.

            Como se tudo isso não bastasse, nós temos o total sucateamento de políticas para os povos indígenas no Brasil, a concreta ausência. A saúde indígena antes, na Fundação Nacional de Saúde… E eu quero abrir um parêntese: no meu Estado, o Ministério Público Federal identificou o desvio de mais de R$65 milhões, em uma investigação de 2011, da saúde indígena, recursos que deveriam ser aplicados pela Fundação Nacional de Saúde naquele momento, para garantir a saúde do índio - aos povos Kwazá, Galibi, Galibi-Marworno, Wayãpi, Tiriyó, entre outros localizados no Amapá -, foram surrupiados, roubados. E, ainda hoje, em que pese à investigação do Ministério Público Federal, os responsáveis pelo desvio de mais de R$60 milhões da saúde indígena, que condenou e condena vários povos indígenas do Amapá e do norte do Pará à morte, não foram responsabilizados.

            Prevalece a velha máxima, Sr. Presidente: o que é pouco dito. Alguns temas são muito fáceis de ser ditos, falados. É mais fácil, no Brasil, mandar para a cadeia jovens, adolescentes, mandar para a cadeia negros, mandar para a cadeia pobres e até responsabilizar índios pelos males do País. É muito difícil colocar na cadeia político corrupto, é muito difícil colocar na cadeia político corrupto que indica gestor para instituições como a Fundação Nacional de Saúde, que rouba dinheiro do índio, que tem procedimentos de investigação sobre ele. Os procedimentos não chegam conclusos, os índios morrem em decorrência disso, e o corrupto, que surrupiou, que se apropriou do dinheiro público, fica impune.

            Então, não invertamos os fatores. É fácil falar - e às vezes falar, inclusive, da tribuna - que o pobre, negro, às vezes jovem, tem que ir para a cadeia. É difícil falar que o político corrupto e as indicações do político corrupto têm que responder pelos crimes que cometem.

            Por isso, Sr. Presidente, os povos indígenas do País - não vou insistir na denominação européia, “indígenas” -, os povos originários do País terão pouco para celebrar no dia 19. É o dia 19, a próxima sexta-feira, um dia necessário mais à reflexão sobre o conjunto de ataques para a retirada dos direitos dos povos indígenas.

            Aqui mesmo, sobre o Congresso Nacional - e é uma das justificativas pelas quais, nesta semana, na Câmara Federal, os povos indígenas ocuparam o plenário -, paira uma ameaça, talvez a maior de todas as ameaças aos povos indígenas do País. Refiro-me à possibilidade de aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº 215, de 2000. Essa proposta tem o objetivo de alterar os arts. 49, 225 e 231, da Constituição. É quase que revogar, Presidente, é quase retirar o espírito da Constituição de 1988, que consagra direitos dos povos indígenas.

            O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Senador Randolfe.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco/PSOL - AP) - Senador Capiberibe, é com muito prazer que eu quero ouvir o seu aparte, porque nesse tema o senhor tem mais autoridade do que eu.

            O governo que mais avançou, e eu faço questão, antes de lhe conceder o aparte, de fazer este registro aqui. Nenhum governo estadual, na história do Brasil, avançou tanto nos direitos dos povos indígenas quanto o governo de V. Exª, que tive a honra de integrar entre 1995 e 1999, no Amapá. Entre 1995 e 2002, no Amapá.

            V. Exª assumiu o governo do Amapá, em 1995, com os povos indígenas totalmente esquecidos, o conjunto das populações indígenas Tiriyó, Wayãpi, em especial os Wayãpis, que não existiam no Amapá até o governo de V. Exª. Os Wayãpis foram reconhecidos, tiveram protagonismo e existem hoje ainda devido às políticas públicas do governo de V. Exª para mantê-los vivos, porque era um povo que já estava em extinção. Tiriyós, Kwazás e tantos outros povos indígenas sempre têm lembrança do governo de V. Exª

            V. Exª iniciou o seu governo em 1995 sem o conjunto das terras indígenas demarcadas no Amapá e saiu do Governo, em 2002, com o conjunto, sendo o Amapá o primeiro Estado do Brasil a ter todo o seu território indígena demarcado. E isso ocorreu devido ao esforço e à cobrança de V. Exª.

            Antes de lhe conceder o aparte eu não poderia deixar de fazer esse registro.

            O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - Muito obrigado, Senador Randolfe. Quero parabenizá-lo pela brilhante análise da evolução da luta dos povos indígenas no nosso País e dizer-lhe que o seu testemunho em relação à política indígena que nós desenvolvemos no Amapá faz com que hoje todas as terras indígenas daquele Estado estejam demarcadas, homologadas e que tenhamos políticas específicas que fazem de nós uma sociedade mais feliz, uma sociedade que respeita as diferenças. Esse tipo de sociedade que respeita as diferenças é o que nós queremos para todo o Brasil. É evidente que não é possível... Como V. Exª observou, nós temos um rastro triste do passado. Este é um País que praticou genocídio em relação às populações indígenas. E, se não é possível reparar o passado, nós podemos melhorar o presente e garantir o futuro dessas comunidades que ainda sobrevivem em situações penosas. E quero manifestar e agradecer a V. Exª pelas suas palavras. Eu estava falando aqui para o Senador Luiz Henrique que V. Exª foi o nosso Secretário da Juventude aos 21 anos. A precocidade de V. Exª é notória. E parabenizá-lo pela matéria que apareceu na revista Carta Capital, colocando-o numa posição de destaque e de surpresa agradável na política. Também queria parabenizar a revista, porque da política e dos políticos em geral a gente ouve desqualificação. E é muito raro que uma publicação importante dedique várias páginas para destacar a atuação política, o desempenho, o brilhantismo de V. Exª, do Deputado Tiririca, do Deputado Jean Wyllys e também do Deputado Romário. Eu fico muito feliz quando a gente tem esse destaque na política, porque considero a política um instrumento fundamental, decisivo para a sociedade, um instrumento de mudanças, que pode provocar avanços. E é claro que também pode provocar retrocesso. Nesse aspecto nós vivemos no País, em relação à causa indígena, um momento preocupante, um momento de retrocesso. A expectativa é de que a gente ponha a mão na consciência e, enfim, reafirme que este País só será uma democracia, só garantirá um povo feliz e convivendo com tranquilidade quando respeitar as diferenças, entre elas a diferença entre esta civilização e a civilização indígena, que insiste, penosamente, em conviver conosco. Muito obrigado.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco/PSOL - AP) - Eu é que lhe agradeço, Senador Capiberibe.

            Senador Luiz Henrique, tenho o maior prazer em ouvi-lo.

            O Sr. Luiz Henrique (Bloco/PMDB - SC) - Posso fazer um acréscimo?

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco/PSOL - AP) - Pois não.

            O Sr. Luiz Henrique (Bloco/PMDB - SC) - Simplesmente para dizer que V.Exª é o símbolo do Senado que nós queremos: um Senado embasado, um Senado que vai ao fundo das questões, que aprofunda o debate, um Senado lúcido, um Senado criativo, um Senado propositivo, um Senado capaz de construir leis justas e sábias para o nosso País. Parabéns a V. Exª!

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco/PSOL - AP) - Eu fico mais do que lisonjeado pelas duas considerações vindas principalmente de dois Governadores que fizeram o melhor para o povo dos seus Estados. Em um deles em especial, sou testemunha disso, porque sou quase, eu diria, cúmplice, uma vez que participei do governo, tive a honra de participar da bela obra que foi o seu governo no Amapá. E fico honrado, Senador Luiz Henrique, pela consideração de V. Exª e pela história e trajetória política que tem desde o então MDB, na luta pela democracia.

            Senador Capiberibe, ontem eu ainda brincava aqui. Ontem nós votamos o Estatuto da Juventude. A luta pelo Estatuto da Juventude teve um capítulo central e um capítulo primeiro, quando tive a honra de ser escolhido por V. Exª para ser Secretário de Juventude do seu governo. Eu dizia ainda ontem: “É um ato de extrema ousadia um governador convidar um garoto de 20, 21 anos para ser Secretário de Estado”. Tive a honra de ser Secretário de Juventude de seu governo. E muito do que nós aprovamos ontem tem muito a ver com o que nós construímos no Amapá, no seu governo, Senador João Capiberibe. Destaquei isso ontem e faço questão de reiterar, em especial, a honra que tive da construção comum do processo que tivemos no Amapá, entre 1995 e 2000.

            Sr. Presidente, para concluir de fato, queria fazer um alerta sobre dois temas. A Proposta de Emenda à Constituição nº 215, de 2000, na prática, retira da Constituição da República a prerrogativa de que toda a legislação com relação aos povos indígenas, toda a matéria relacionada aos povos indígenas, seja apreciada pelo Congresso Nacional. Transfere isso para o Executivo, para o Governo Federal, para os governos estaduais. Parece-me uma temeridade, Sr. Presidente, isso sair do controle do Legislativo. Se o legislador Constituinte de 88 assim o quis colocar foi para reconhecer o direito histórico desses povos.

            Da mesma forma, vejo com preocupação o Decreto nº 7.957, de autoria do Poder Executivo, de 13 de março. Esse decreto, no meu entender, é uma intenção verdadeira de criar um instrumento estatal de repressão militarizada contra as reivindicações e os direitos dos povos indígenas, notadamente dos povos da floresta. É por isso que apresentei, no dia de hoje, o Projeto de Decreto Legislativo nº 86 que visa a sustar os efeitos desse decreto de autoria do Executivo, que, no meu entender, é um dispositivo que possibilita aos governos estaduais convocar, quando quiserem, a Força Nacional para intervir em conflitos envolvendo notadamente os povos indígenas. Portanto, como podemos ver, temos razões de sobra para o que ocorreu ontem na Câmara dos Deputados quando o plenário foi ocupado pelos povos indígenas para dizerem...

(Interrupção do som.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco/PSOL - AP) - ... para afirmarem concretamente que é inaceitável a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 215. Não pode ser aceito, também, em um governo como o da Presidente Dilma, um decreto que impeça o direito livre de manifestação dos povos da floresta.

            Concluo, Sr. Presidente, com um dizer do nosso querido D. Pedro Casaldáliga, Bispo Emérito da Prelazia de São Félix do Xingu, um lutador pelo direito dos povos, um lutador pelo direito dos trabalhadores, um lutador pelos direitos dos índios. Diz D. Pedro:

Há 500 anos que o índio é aquele que deve morrer. 500 anos proibidos para esses povos classificados com um genérico apelido, negadas as identidades, criminalizada a vida diferente e alternativa. 500 anos de sucessivos impérios invasores e de sucessivas oligarquias herdeiras da secular dominação. 500 anos sob a prepotência de uma civilização hegemônica, que vem massacrando os corpos com as armas e o trabalho escravo e as almas com um deus exclusivo. Por economia de mercado, por política imperial, por religião imposta, por bulas e decretos e portarias pseudocivilizados e pseudocristãos. Já se passaram, então, 500 anos para aqueles povos que tinham que morrer e, finalmente, mesmo continuando as várias formas de extermínio, os Povos Indígenas são aqueles que devem Viver.

            Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/04/2013 - Página 19580