Discurso durante a 53ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre a crise na citricultura e a terceirização da mão de obra nesse setor.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
AGRICULTURA.:
  • Reflexão sobre a crise na citricultura e a terceirização da mão de obra nesse setor.
Publicação
Publicação no DSF de 19/04/2013 - Página 19934
Assunto
Outros > AGRICULTURA.
Indexação
  • REGISTRO, CRISE, SETOR, AGRICULTURA, PRODUÇÃO, FRUTA CITRICA, LOCAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), MOTIVO, CONCENTRAÇÃO, BEBIDA, LARANJA, COMENTARIO, DECISÃO JUDICIAL, REFERENCIA, CONDENAÇÃO, EMPRESA DE PRODUTOS ALIMENTARES, PAGAMENTO, INDENIZAÇÃO, TRABALHADOR RURAL, COMPENSAÇÃO, DANOS MORAIS, RESULTADO, TERCEIRIZAÇÃO, MÃO DE OBRA.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Prezado Senador Presidente desta sessão, Mozarildo Cavalcanti, eu vou fazer uma reflexão sobre a crise da citricultura e a terceirização da mão de obra, um tema que preocupa muito todos os paulistas, sobretudo os envolvidos com a citricultura. É um tema que tenho acompanhado há anos.

            Infelizmente, ao longo das últimas décadas, esse segmento vem passando por um intenso processo de concentração econômica, que tem penalizado os pequenos e médios produtores de laranja em São Paulo e em outros Estados da Federação. No interior paulista, lavouras foram derrubadas, e a laranja deu lugar às culturas de milho, cana, tomate, café e outras. Segundo informações do Presidente da Federação das Associações Rurais do Estado de São Paulo (Faesp), Fábio de Salles Meirelles, publicadas no jornal O Estado de S. Paulo em 15 de abril último - abrindo aspas:

A safra de 2012/2013 foi a pior da história da citricultura, dada a dificuldade de comercialização, devida à ausência de compradores e/ou baixos preços, que resultou na perda de quase 80 milhões de caixas e de receita de aproximadamente R$850 milhões, além da exclusão de cerca de 2 mil citricultores e de milhares de trabalhadores rurais da atividade.” - fecha aspas.

            Além disso, continua Fábio Meirelles, o IBGE estimou números alarmantes para a citricultura, pois a área a ser colhida nessa safra terá redução de 13,8%, em nível Brasil, e de 21%, no Estado de São Paulo, o que equivale a uma diminuição de 115 mil hectares de área plantada para essa cultura.

            Esse quadro, segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR), é resultado dos altos estoques de suco das empresas processadoras de laranja, agregado à queda do consumo mundial. No entanto, apesar do fraco desempenho desse setor, segundo as informações sistematizadas pelo O Estado de S. Paulo e divulgadas pelo Presidente da Faesp, o Brasil é o maior produtor e exportador de suco de laranja, respondendo por 80% do comércio mundial, sendo que a produção brasileira da fruta está concentrada no Estado de São Paulo e 85% dela destinam-se ao processamento de suco.

            A citricultura paulista representa uma valorosa cadeia produtiva do agronegócio brasileiro, seja pelas exportações de US$2,2 bilhões, pela renda agrícola agregada de US$4,5 bilhões, seja pelo número de citricultores, trabalhadores rurais e prestadores de serviço na atividade, estimados em 300 mil pessoas.

            Nesse quadro de intensificação da concentração vertical e horizontal da produção do suco de laranja, a recente decisão da Vara da Justiça do Trabalho da cidade de Matão, no Estado de São Paulo, a partir de uma ação proposta pelo Ministério Público do Trabalho, acirrou o conflito entre a indústria e os produtores de laranja.

            A Justiça condenou as quatro maiores fabricantes de suco de laranja do País - a Sucocítrico Cutrale, a Louis Dreyfus Commodities Agroindustrial, a Citrovita Agroindustrial e a Fischer - a pagarem uma indenização de aproximadamente R$400 milhões, por danos morais coletivos devido à terceirização de trabalhadores rurais.

            A decisão do Juiz Renato da Fonseca Janon, da Vara do Trabalho de Matão, divulgada em 25 de março último, determina o pagamento da multa e o fim da terceirização nas atividades de plantio, cultivo e colheita de laranjas das empresas, em terras próprias ou de terceiros, localizadas no território nacional, com produção agrícola utilizada em suas indústrias.

            As fabricantes podem recorrer ao Tribunal Regional do Trabalho de Campinas. Se a decisão for mantida após julgamento na última instância, as empresas terão prazo de 180 dias para cumpri-la, sob multa diária de R$1 milhão em caso de descumprimento.

            O tema e a decisão são polêmicos e a indústria teve o apoio da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil - CNA. O que ensejou a Presidente da CNA a publicar um artigo, no jornal Folha de S. Paulo, em 06 de abril último, denominado “Na contramão da modernidade”.

            Diz a Senadora Kátia Abreu - abrindo aspas:

O mundo moderno das relações empresariais e trabalhistas caminha rumo à flexibilização, à agilidade e à redução de custos. [...]

As novas redes de produção estão baseadas em crescente especialização, em que cada elemento ou elo oferece sua vantagem competitiva, de forma que todos saiam ganhando.

A recente decisão da Justiça do Trabalho de Matão (SP), a partir de uma ação proposta pelo Ministério Público do Trabalho, vai na contramão dessa tendência.

Ela condenou as maiores indústrias de suco de laranja do País (Cutrale, Citrosuco e Louis Dreyfus Commodities) a pagar indenização de R$400 milhões por dano moral coletivo que teria sido causado - e esse é o problema - pela terceirização indevida de trabalhadores no plantio e colheita de laranja.

Ora, o plantio e a colheita, assim como o transporte de frutos ou de grãos, são atividades por si mesmas, que seguem regras próprias e nada têm a ver com uma suposta terceirização de mão de obra indevida. [Na opinião da Senadora Kátia Abreu, que, um pouco mais adiante, prossegue da seguinte forma.] [...]

Não há mais sentido, nas redes de produção modernas, em separar como realidades distintas atividades-meio de atividades-fim. Elas se entrelaçam de uma forma indissociável, pois, segundo a perspectiva, fim se torna meio, e meio, fim. [...]

Se um empreendedor rural opta pela produção e pela colheita de um determinado produto, trata-se de algo que se origina de uma escolha sua, sendo dela responsável, inclusive do ponto de vista trabalhista.

O que é inaceitável é que tal empreendedor venha a ser considerado, pela Justiça do Trabalho e pelo Ministério Público do Trabalho, como um mero intermediário, um eventual ludibriador da legislação trabalhista ou, até mesmo, um trabalhador assalariado velado. A livre escolha é um princípio da moderna sociedade.

            Fecha aspas para a Senadora Kátia Abreu.

            Contrapondo-se a esses argumentos e defendendo os interesses dos pequenos agricultores, o presidente da Associtrus - Associação Brasileira de Citricultores, Dr, Flávio Viegas, enviou-me a seguinte mensagem eletrônica, em 14 de abril:

            Abro aspas aqui para o Sr. Flávio Viegas:

A análise formulada pela Senadora Katia Abreu requer uma reflexão mais profunda do que é por ela exteriorizada, pois não se circunscreve aos critérios para a definição acerca da legalidade ou ilegalidade da terceirização (decisão, aliás, adstrita aos órgãos competentes como o Ministério Público do Trabalho e a Justiça Trabalhista), mas finca raízes em uma gama de medidas adotadas pela indústria para engrossar as linhas do cartel que costuraram há anos e que, por via oblíqua, atingiu em cheio os produtores e os trabalhadores do setor.

Explica-se: [diz o Sr. Flávio Viegas] As indústrias de suco de laranja historicamente fizeram a colheita da laranja.

As indústrias [de suco de laranja], que vinham sendo julgados no CADE por formação de cartel, assinaram em outubro de 1994 um TCC - Termo de Compromisso de Cessação, comprometendo-se a interromper as práticas que vinham adotando, suspendendo com isso o processo.

Em maio de 1995, no entanto, as esmagadoras assinaram entre si um contrato...

(Soa a campainha.)

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - cuja essência evidencia o cartel e, em retaliação aos produtores, transferiram a colheita e o frete da laranja para os citricultores, sem nenhuma compensação.

Isto provocou enormes transformações no setor, pois os produtores passaram a arcar com os custos diretos e indiretos da colheita, além de fretes e riscos das operações.

A consequência da incapacidade econômica, técnica e gerencial dos produtores em manter o mesmo nível de atendimento aos colhedores e transportadores ensejou enorme precarização nas condições dos trabalhadores, com descomunal impacto econômico e social, circunstância agravada pela criação, por parte das indústrias, de falsas cooperativas de trabalho as Coopergatos, imediatamente censuradas e proibidas pela Justiça do Trabalho.

A Presidente da Confederação Nacional da Agricultura, cujo olhar se concentrou apenas nos interesses das grandes indústrias, não se atentou às especificidades da questão, abandonando aquilo que realmente importa para a análise escorreita e imparcial do debate: a degradação da mão de obra e dos transportes é um desdobramento direto da gana das indústrias (e seu cartel) em espoliar os produtores (que, a partir de 1995, passaram a ter que entregar a fruta nas fábricas pelo preço da fruta na árvore) e mais recentemente os trabalhadores.

No caso da citricultura, como na cana, a colheita é parte indissociável do processo produtivo, pois o produto não é estocável, e o processo de colheita é controlado, dia a dia, hora a hora, pelas processadoras. Em decorrência disso, são frequentes as paralisações das colheitas, em função de paradas de fábrica, mudança de qualidade de fruta, evolução da maturação, entre outras causas.

Além disto, o crescimento da produção dos pomares próprios das indústrias criou outros enormes problemas.

O citricultor, além de não saber quando e como será feita a colheita, de ter escala de produção muito menor, de não ter condições de gerenciar o seu processo, concorre com a indústria em evidente desvantagem na contratação dos serviços de colheita e frete.

(Soa a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - E continuo:

A consequência é que os melhores colhedores e transportadores são contratados pela indústria, restando aos produtores equipes menos produtivas e que têm sua produtividade ainda mais comprometida pelas filas na porta das fábricas.

Queremos enfatizar que nossa posição só é contrária à terceirização nos casos de estreita vinculação entre a colheita e as operações subsequentes. Para os produtos que permitem estocagem relativamente prolongada, a terceirização pode ser uma alternativa viável e até recomendável, o que não ocorre com a laranja.

O retorno da assunção dos custos despendidos com a colheita e o frete para as indústrias é uma reivindicação antiga dos produtores e trabalhadores, principalmente em se considerando que é iterativo o entendimento na Justiça do Trabalho segundo o qual “a colheita é parte do processo produtivo, portanto não pode ser terceirizada” [fecha aspas o Sr. Flávio Viegas].

            Com essa mensagem, o presidente da Associtrus solicitou-me que, novamente, apresente a esta Casa a situação do mercado de trabalho da citricultura ...

(Soa a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ... e requeira aos Ministros da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Antônio Eustáquio Andrade Ferreira, da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, e da Fazenda, Guido Mantega, a adoção de medidas e providências necessárias para que seja regulamentado o retorno da assunção dos custos despendidos com a colheita e o frete pela indústria, pois em tal fato está a origem do problema, e sua regulamentação certamente ensejará a resolução da situação de precarização em que se encontram pequenos e médios produtores e os trabalhadores da citricultura.

            Assim, Sr. Presidente, concluo, solicitando a atenção dos Ministros da Agricultura, da Fazenda e da Justiça com respeito aos apelos que os citricultores de laranja fazem, tendo em conta esse processo, mais uma vez, de concentração nas mãos das quatro grandes indústrias de suco de laranja. Com todo o respeito para com os seus responsáveis, avalio que é importante se chegar a um sistema de maior equidade no interesse de todos os trabalhadores e citricultores.

            Muito obrigado, Presidente, Senador Mozarildo Cavalcanti, por sua atenção.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/04/2013 - Página 19934