Fala da Presidência durante a 53ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexões e leitura de documento sobre o aborto.

Autor
João Costa (PPL - Partido Pátria Livre/TO)
Nome completo: João Costa Ribeiro Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL, DIREITOS HUMANOS.:
  • Reflexões e leitura de documento sobre o aborto.
Publicação
Publicação no DSF de 19/04/2013 - Página 19974
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL, DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, REFERENCIA, LEGISLAÇÃO PENAL, RELAÇÃO, ABORTO, REGISTRO, TRAMITAÇÃO, PROJETO DE LEI, OBJETIVO, ALTERAÇÃO, REGULAMENTAÇÃO, ASSUNTO, INTERRUPÇÃO, GRAVIDEZ.

            O SR. PRESIDENTE (João Costa. Bloco/PPL - TO) - Srs. Senadores, Srªs Senadoras, senhores e senhoras presentes e aqueles que acompanham esta sessão pela rádio e pela TV Senado. Vida: o início de tudo. É com essas palavras que chamo todos para uma reflexão em torno do aborto.

            O aborto é a interrupção da gravidez com a morte do nascituro, assim considerado o ser humano que está por nascer e que aguarda seu nascimento no ventre materno. Essa interrupção pode ser feita de forma espontânea ou induzida, por meio do uso de medicamentos ou da realização de cirurgias.

            Atualmente, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei nº 236, de 2012, conhecido como anteprojeto do futuro Código Penal, que, nos arts. 125 a 127, cria quatro formas de criminalização do aborto e, no art. 128, sete formas de exclusão desse crime.

            As graves questões sociais inerentes ao tema e a responsabilidade do legislador, ao exigir exatidão conceitual e principiológica do texto do projeto de lei em estudo, levaram-me a solicitar, aos renomados Professores Hélcio Maciel França Madeira, da Universidade de São Paulo, e Pierangelo Catalano, da Universidade de Roma La Sapienza, pareceres sobre os direitos do nascituro à luz do sistema do direito romano atual e do ordenamento jurídico.

            No sistema jurídico romano, o direito do nascituro à vida se construiu autonomamente, não como questão religiosa, biológica, científica ou filosófica. A vida daquele que está por nascer indica a existência de um ser humano em formação. E, para o Direito, onde houver vida, exigem-se, no mínimo, respeito, defesa e proteção.

            Por maior que seja a dependência afetiva, física ou nutricional que o nascituro tenha da gestante, de remédios ou de recursos decorrentes dos avanços tecnológicos, cabe ao jurista defender os direitos fundamentais dele, especialmente o direito à vida e à integridade física.

            Após criterioso exame dos direitos do nascituro - reconhecidos muito antes do nascimento de Jesus Cristo -, os Prof. Hélcio Madeira e Pierangelo Catalano foram unânimes ao consignar, em seus pareceres, que a vida começa com a concepção, e o nascituro é titular de inúmeros direitos.

            O ordenamento jurídico brasileiro é explícito com relação à existência de vida e de direitos a partir da concepção: primeiro, o Código Civil, em seu art. 2º, que adotou a teoria concepcionista, deixando claros e a salvo não só esses direitos, como o momento em que eles têm origem; segundo, a Constituição Federal, no art. 5º, XXXVIII, “d”, que incluiu o aborto entre os crimes dolosos contra a vida; terceiro, o atual Código Penal e o próprio Projeto de Lei n° 236, de 2012, que incluíram o aborto entre os crimes praticados contra a pessoa, de maneira especial na subclasse dos crimes dolosos contra a vida ao lado do homicídio, da indução, instigação ou auxílio ao suicídio, bem como do infantícidio.

            A toda evidência, ao definirem o crime de aborto, o Código Penal e o citado projeto de lei não se referiram ao aborto como um crime doloso contra a morte ou contra um objeto ou uma coisa. Ao contrário, admitiram, expressamente, que o aborto é um crime doloso contra a vida do nascituro. E não poderia ser diferente, uma vez que caracteriza a prática de crime impossível matar alguém sem vida, matar quem já está morto.

            O exame do anteprojeto do futuro Código Penal impõe, necessariamente, que consideremos os direitos do nascituro, lentamente conquistados pela sociedade luso-brasileira, quais sejam:

            1) direito à vida e proibição do aborto;

            2) outros direitos da personalidade, quando compatíveis com a condição de nascituro, como: direito à integridade física, à imagem e à honra;

            3) direito à filiação e ao reconhecimento da paternidade;

            4) direito à curatela;

            5) direito à sucessão;

            6) direito à posse dos bens herdados;

            7) direito a receber a doação;

            8) direito a alimentos;

            9) direito de consumidor;

            10) direitos tributários.

            Não há dúvida de que a vida é pressuposto dos demais direitos do nascituro. Logo, ao se subtrair dele a origem de seus direitos, retira-se-lhe, a um só tempo, os demais direitos, frutos da vida. Do que adianta reconhecer tantos direitos ao nascituro e tirar-lhe o pressuposto de todos esses direitos, que é a vida? Já ao se lhe assegurar o direito à vida, não se está garantindo apenas o direito dele, que está por nascer, mas também os direitos da família e os direitos da República.

            Enquanto o art. 125 do citado projeto de lei faz referência ao aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento, o art. 126 descreve o aborto consensual provocado por terceiro, e o art. 127 indica o aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante.

            Note-se que, das quatro formas apresentadas, em apenas uma delas o aborto é feito sem o consentimento da gestante: a do art. 127; nas demais, ela consente ou provoca o aborto em si mesma.

            Se os arts. 125 a 127 do Projeto de Lei n° 236 qualificam quatro condutas como criminosas, o art. 128, do mesmo projeto de lei, se encarrega de afastá-las com as respectivas causas de exclusão. Com o reconhecimento e a aplicação de uma das formas que exclui o aborto, a conduta antes considerada criminosa ou abortiva deixa de ser considerada crime.

            O art. 128 do anteprojeto do Código Penal apresenta as seguintes causas de exclusão desse crime, ou seja, indica sete hipóteses que afastam da conduta tida como criminosa a característica de crime. São elas: se houver risco à vida ou à saúde da gestante; se a gravidez resultar da violação da dignidade sexual ou de emprego não consentido de técnica de reprodução assistida; se comprovada a anencefalia, atestada por dois médicos; ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida extrauterina, fato atestado por dois médicos; e por último, para surpresa de todos, se, por vontade da gestante, até a 12ª semana da gestação, quando o médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade.

            É como se com uma mão se criasse o crime de aborto e a um só tempo, com a outra mão, esse crime fosse desfeito. Aparentemente, restou apenas o crime de aborto previsto no art. 127, caracterizado como provocar aborto sem o consentimento da gestante.

            Isso por quê? Por que aparentemente? Porque, ao dispensar o consentimento da gestante ou de seu representante legal, se ela não puder se manifestar, o parágrafo único do art. 128 do Projeto de Lei nº 236, que tramita no Senado Federal, desfaz a forma de aborto do art. 127. Ou seja, na hipótese de risco à vida da gestante, o autor do aborto não será penalizado, ainda que o faça sem o consentimento dela ou de seu representante legal.

            Não é demais lembrar, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, a subjetividade da expressão “risco à vida da gestante” que pode, em certa medida, existir para uns e para outros não, a depender do ângulo analisado ou do ponto de vista do observador.

            A falta de necessidade do consentimento da gestante caminha em direção oposta à decisão tomada pela italiana Gianna Beretta Molla, nascida em 4 de outubro de 1922 e falecida no dia 28 de abril de 1962, aos 38 anos. Médica pediatra, ela descobriu ser portadora de um cisto ovariano em plena gravidez. Embora seu quadro clínico exigisse o aborto, ela se recusou a fazê-lo, dizendo aos médicos: “Se deveis decidir entre mim e o filho, nenhuma hesitação: escolhei - e isto o exijo - a criança. Salvai-a!” Sete dias após o nascimento de Gianna Emanuela, Gianna, a mãe, faleceu com dor aguda no abdômen. Em vida, ela escreveu: “Olhe para as mães que realmente amam seus filhos, quantos sacrifícios fazem? Elas estão prontas para tudo, até para dar o seu próprio sangue para que o bebê cresça bem, saudável e forte.” E morreu dizendo, repetidamente: “Jesus, eu te amo; Jesus eu te amo.” Ela foi beatificada em 24 de abril de 1994 e canonizada em 16 de maio de 2004 pelo Papa João Paulo II.

            Excluída a hipótese prevista na primeira parte do inciso I do art. 128 do Projeto de Lei nº 236 - risco à vida da gestante -, as demais excludentes do crime de aborto se baseiam em casuísmos que não levam em conta o fundamental conceito de necessidade. Com isso, submetem diversas situações à opinião circunstancial de médico ou de psicólogo, flexibilizando e subordinando a decisão de sacrificar o maior dos direitos - o direito à vida - não a outro direito à vida, mas a motivos menores.

            De acordo com o atual Código Penal e com o Projeto de Lei n° 236, em regra, todos os crimes - exceto o aborto - se submetem às mesmas formas de exclusão do fato criminoso, também chamadas excludentes de ilicitude, excludentes de antijuridicidade, previstas nos arts. 23 e 28, respectivamente, do Código Penal e do anteprojeto. A conduta deixa de ser ilícita ou criminosa quando o crime é praticado de acordo com esses dispositivos:

            I) no estrito cumprimento do dever legal;

            II) no exercício regular de direito;

            III) em estado de necessidade;

            IV) em legítima defesa.

            A pergunta que se faz, então, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, é a seguinte: por que somente o aborto não se submete às excludentes de ilicitude indicadas no art. 23 do atual Código Penal e no art. 28 do Projeto de Lei n° 236? Por que alguém que mata outrem fora do útero materno - criança ou adulto, não importa -, de maneira hedionda, ignóbil e mesquinha, se submete a tais excludentes, e o autor ou autora do crime de aborto se submete às excludentes especiais do art. 128 do atual Código Penal, as quais estão sendo ampliadas pelo art. 128 do Projeto de Lei 236? Por que um peso e duas medidas? Essa é a minha pergunta.

            A resposta é singela: se os autores do crime de aborto se submetessem, apenas, às excludentes do art. 23 do Código Penal e do art. 28 do Projeto de Lei nº 236, somente o estado de necessidade excluiria a ilicitude do crime de aborto. Assim, só na hipótese de risco à vida da gestante o direito excluiria o crime; nas demais, não. Por isso é que, nesse caso, a excludente é chamada de aborto necessário, uma vez que é realizado em decorrência do estado de necessidade.

            As outras excludentes de ilicitude - estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de direito e legítima defesa - são incompatíveis com crime de aborto.

            Com relação às hipóteses dos incisos V e VII do art. 128 do Projeto de Lei referido - anencefalia e por vontade da gestante, até 12 semanas -, a contradição é visível. Na primeira, exigem-se atestados de dois médicos, precedidos, obviamente, de vários exames. Já na segunda, aquela até 12 semanas, basta a participação de um médico ou de apenas um psicólogo. Indiscutivelmente, para a gestante que pretende fazer um abortamento, é muito mais cômodo procurar um psicólogo do que dois médicos, e ainda ter que se submeter a uma bateria de exames clínicos. A toda evidência, a segunda hipótese inclui a primeira. A contradição somente desaparece caso o nascituro anencefálico tenha mais de 12 semanas, o que, na prática, dificilmente ocorrerá.

            Resumindo: de acordo com o Projeto de Lei n° 236/2012, até 12 semanas o aborto de um nascituro anencefálico dispensa a participação de médico, bem como de qualquer atestado ou exame médico, bastando uma simples comprovação feita por um psicólogo de que a gestante não apresenta condições psicológicas para arcar com a maternidade.

            E também, nesses 12 meses, havendo esse reconhecimento por um único psicólogo, qualquer nascituro pode ser abortado no Brasil se prevalecer o que está disposto neste projeto de lei.

            Com relação à gravidez decorrente da violência sexual, o princípio de Direito Romano que resolve o impasse é objetivo, concreto e fundamental: "A calamidade da mãe não pode prejudicar aquele que está no seu ventre.". E opõe-se à excludente do crime de aborto por esse motivo.

            No Brasil, a criação de novas causas excludentes da ilicitude do crime de aborto é a prova de que os ativistas pró-aborto buscam, a exemplo do que tem sido feito em outros países, uma aproximação da cultura da morte e, consequentemente, afastamento da cultura da vida; da política que apregoa a morte no lugar da vida e o sangue no lugar da paz; da política que aproxima, que substitui o branco pelo vermelho desta gravata.

            Em 1908, o médico francês Klotz-Forest iniciou um movimento a favor do aborto e contra sua incriminação sob o argumento de que a mulher tem o direito de dispor livremente de seu corpo e, por conseguinte, de recusar a maternidade. Essa linha argumentativa continua sendo usada, com frequência, pelos defensores do aborto. Para esse grupo, o nascituro, enquanto viver no útero materno, é uma simples parte das entranhas maternas.

            Mas Nelson Hungria, em sua obra publicada em 1942, sustenta que o nascituro não é só parte da mãe, mas também parte do pai.

            Em complemento, citando Garcia Pintos, Nelson Hungria afirma que o nascituro não é uma simples parte da mulher, (pars ventris), mas um todo completo, uma perfeita individualidade.

            Verifica-se que o óvulo sozinho é incapaz de gerar uma criança, o mesmo ocorrendo com o espermatozoide, isoladamente. Juntos, após a fecundação ou concepção, eles dão origem a um ser humano, a uma criança com as mesmas características físicas e genéticas dos pais, inclusive as doenças hereditárias. O fato de ter sido gerado por uma mãe adotiva em nada alterará os dados genéticos obtidos desde a concepção.

            Com o seguinte exemplo, demonstro a independência e a autonomia dos nascituros: um segundo, um único segundo após a concepção, um embrião de pais alemães de olhos azuis, com um 1,95 de altura e várias doenças genéticas, foi transferido para o útero materno de uma anã, um anã com um 1,20 metro de altura e sem qualquer doença genética. Indaga-se: nove meses depois, após o nascimento, como será essa criança? Inegavelmente, ela terá as características físicas e genéticas dos pais alemães e de suas famílias, o que pode ser comprovado por meio de simples exame de DNA.

            O aborto é um crime contra a continuidade e a integridade de uma estirpe, porque ele não destrói, apenas uma vida indefesa; toda uma geração é assassinada brutalmente (filhos, netos, bisnetos, etc.). Por isso, só defendem o aborto aqueles que tiveram o direito de nascer. E isso me impressiona muito, porque somente aqueles que tiveram o direito de nascer reconhecido defendem o aborto.

            Se é certo que a gestante pode dispor de alguns de seus direitos, não é menos certo que sua iniciativa não pode atingir direitos de terceiros, especialmente os mais expressivos dos direitos do nascituro: o direito à vida e à integridade física. Não se pode esquecer da paridade ontológica, a igualdade de direitos entre nascituros e nascidos.

            A interrupção da gravidez, ainda que realizada por um especialista, em um bom hospital, não deixa de representar uma séria e grave intervenção no organismo da gestante.

            A garantia de acesso à informação e aos serviços de assistência à saúde reprodutiva, bem como iniciativas de conscientização contrárias ao abortamento voltadas para gestantes que, num primeiro momento, estão decididas a interromper a gravidez, representa uma forma de proteção à vida e à saúde da própria gestante.

            Em inúmeros casos, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, a criação de alternativas e opções pelos governos, para abrigar, proteger as crianças após o nascimento e assegurar o sigilo da gravidez, pode defender a vida e evitar a morte, riscos, consequências e complicações causados por abortamentos realizados em condições precárias de higiene, por pessoas não qualificadas e com o emprego de métodos perigosos.

            Com essas ponderações, ingressei hoje com um projeto de lei em que busco regulamentar a adoção do nascituro. A gestante que quiser doar o seu filho antes do nascimento poderá fazê-lo. Se ela tem receio de que o nascituro, agora criança já nascida, vá sofrer pela falta de dinheiro, pela falta de uma boa condição de vida, ela pode dar esse nascituro à adoção; possibilitar a adoção dessa criança que não nasceu, mas que já tem vida, que já tem organismo, que já tem corpo.

            As considerações apresentadas nesta oportunidade apenas anunciam um ponto de vista contrário ao aborto, o qual encontra, nos pareceres dos Professores Hélcio Madeira e Pierangelo Catalano, uma expressão tanto mais pura quanto mais real do direito que o embasa: a defesa da vida.

            Considerando o meu tempo, a exiguidade do tempo, o transcurso desse tempo e o número de oradores inscritos - o Senador Delcídio do Amaral, o Senador Rodrigo Rollemberg estão inscritos para falar em seguida -, defiro que as peças deste pronunciamento sejam dadas como lidas.

            Muito obrigado pela atenção e gentileza.

            Boa tarde a todos!

            Convido o Senador Rodrigo Rollemberg para ocupar a tribuna e apresentar o seu pronunciamento. (Pausa.)

            Na ausência do Senador Rodrigo Rollemberg, convido o Senador Delcídio do Amaral para fazer uso da palavra.

 

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR JOÃO COSTA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

            (Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

Matéria referida:

- Vida: O Início de tudo - Reflexões sobre o aborto.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/04/2013 - Página 19974