Discurso durante a 56ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas às privatizações no Brasil; e outro assunto.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA PARTIDARIA. PRIVATIZAÇÃO.:
  • Críticas às privatizações no Brasil; e outro assunto.
Aparteantes
Ana Amélia.
Publicação
Publicação no DSF de 24/04/2013 - Página 20971
Assunto
Outros > POLITICA PARTIDARIA. PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • APOIO, MARINA SILVA, EX SENADOR, CRIAÇÃO, PARTIDO POLITICO.
  • CRITICA, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA TOMADORA DE SERVIÇO, PAIS, ENFASE, AUMENTO, DESEMPREGO, INFLAÇÃO, REDUÇÃO, COMPETITIVIDADE, INDUSTRIA NACIONAL, RESULTADO, PREJUIZO, INDICE, DESENVOLVIMENTO, BRASIL, SETOR, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, TELECOMUNICAÇÃO, INFRAESTRUTURA, TRANSPORTE COLETIVO URBANO.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Em primeiro lugar, Senador Paim, eu quero dizer que não entraria no novo partido da Rede da ex-Senadora Marina Silva, minha amiga e pessoa extraordinária. Não entraria, porque acho que falta uma definição mais clara quanto à política de desenvolvimento, à política industrial, à política trabalhista, à política social do País.

            Mas, hoje, tive a oportunidade de aqui, no plenário do Senado, dizer à minha amiga Marina Silva que pode contar com o meu absoluto apoio à sua tentativa de montar o seu partido. A democracia exige isso. Não há sentido algum em criarmos dificuldade para a organização do partido da ex-Senadora Marina Silva e seus companheiros.

            Não vejo sentido nisso, principalmente depois que, com a complacência ou o apoio explícito do conjunto das Bases do Governo, à qual eu pertenço, nós ajudamos a viabilizar o DEM, o partido do ex-Prefeito Kassab... O PSD, partido do ex-Prefeito - o DEM veio à minha memória pela presença do Senador Agripino no plenário agora.

            Senadora Ana Amélia, com prazer, lhe concedo um aparte.

            A Srª Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - Eu queria apenas, Senador Requião, aproveitar essa abertura do seu pronunciamento para ratificar a sua posição, apoiando igualmente. Tivemos divergências com a Ministra Marina Silva na votação do Código Florestal, em um embate também democrático, um diálogo no nível do respeito mútuo e, agora, estarei com V. Exª, defendendo o direito dessa formação. Acho que é a questão da oportunidade. A questão de muitos partidos no Brasil já estarem exigindo uma regulamentação, uma limitação, um rigor maior na exigência para a formação de um partido político, mas não é esta a hora de fazer isso. Então, eu queria me associar a V. Exª pela manifestação e, como V. Exª, também estarei apoiando o direito da Ministra Marina Silva e de o seu Rede Sustentabilidade se consolidar como partido político.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Eu, pessoalmente, vou enviar um requerimento à Liderança do meu Partido, o PMDB, pedindo que façamos uma reunião em que pretendo defender o fechamento de questão a favor do apoio do registro, com todas as prerrogativas que o PSD obteve da ex-Senadora Marina Silva.

            Mas, Senador Paim, não temos boas lembranças das privatizações dos anos 90. Foi uma época de desemprego, de arrocho salarial, aumento do custo de vida, crescimento da criminalidade e dos problemas urbanos. Foi um tempo de desesperança.

            Dizia-se que as privatizações seriam a solução para todos os nossos problemas e que os sacrifícios seriam compensados por ganhos futuros. Pura e completa enganação. Na verdade, a era das privatizações trouxe apenas sacrifícios aos brasileiros e nenhum, absolutamente nenhum, ganho.

            Para que as empresas a serem privatizadas fossem atrativas aos seus compradores, o Governo do PSDB aumentou brutalmente tarifas de telefone, luz, água e fixou preços rigorosamente absurdos para o pedágio, ao mesmo tempo em que vendia a Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional a preço de banana. Foi assim.

            E nunca é demais lembrar que, na era das privatizações, o Brasil quebrou três vezes; três vezes teve que sair de pires na mão, humilhando-se diante do mundo.

            Em 2003, com a eleição do Presidente Lula, começou a recuperação. A recomposição do salário mínimo, os programas de inclusão e promoção social como o Bolsa Família, o aumento contínuo dos empregos com carteira assinada, a construção de casas populares, o forte apoio à agricultura familiar, a universalização e o fortalecimento da educação pública básica, a ampliação do acesso às universidades, a retomada da educação técnica criaram um novo ambiente e o Brasil voltou a crescer.

            Mas estaríamos, sem dúvida, muito melhores não fossem as privatizações. Primeiramente, as privatizações geraram desemprego em massa de técnicos qualificados, cuja educação custou muito aos brasileiros; provocaram a perda da soberania tecnológica; o crescimento das importações de máquinas e componentes, cuja produção interna não podia mais contar com a política de compra das estatais; remessas crescentes de lucros ao exterior; e aumento abusivo das tarifas de serviços públicos.

            Posteriormente, as empresas privatizadas preferiram pagar dividendos a investir. Assim, foram responsáveis pelo apagão de 2001. O apagão teve como efeito colateral ser um dos principais cabos eleitorais de Lula em 2002.

            Uma consequência menos conhecida das privatizações foi o baixo crescimento.

            Fernando Henrique privatizou o máximo que pôde com tanta pressa que parecia que sua vida dependia disso. Dizia-se que aquelas empresas estatais não tinham valor na mão do Governo. De forma coordenada, a mídia, o Governo e os empresários insistiam que passá-las ao setor privado, sob quaisquer condições, seria melhor do que estar com o Poder Público.

            Assim, privatizou-se de qualquer jeito, a qualquer preço, sem a preocupação com as consequências. Muitas vezes, regulamentou-se o setor só depois que as empresas já haviam sido privatizadas.

            No seu segundo mandato, Fernando Henrique só apagou incêndios, em razão dos equívocos da privatização. Como quebrou o País três vezes, teve que se curvar ao Fundo Monetário Internacional e seguir, como menino obediente, às suas recomendações. Uma delas foi o regime de metas de inflação. Ora, não é possível crescer razoavelmente com o regime de metas. Se as tarifas estão subindo acima da inflação, vai ser necessário colocar o País em recessão para que a inflação do resto da economia fique abaixo da meta. É lógico, é absolutamente racional.

            Lula mudou muita coisa, mas esse modelo de metas ele não conseguiu mudar. No entanto, temos que reconhecer seu o mérito em não continuar a política de privatizações.

            Os reflexos negativos das privatizações tucanas estão aí.

            Temos enfrentado graves problemas na economia em razão da elevada indexação inflacionária das tarifas de serviços públicos privatizados, do baixo investimento e da má qualidade dos serviços.

            Os brasileiros sabem do que estamos falando, especialmente na telefonia. Quem usa os serviços de eletricidade, ferroviários, rodoviários e portuários dessas empresas privatizadas sabe muito bem que a “maravilha” de qualidade dos serviços privatizados, que tanto alardeiam na mídia e em certas Casas Civis, esta “maravilha” só existe nas fantasias dos especuladores.

            Na maioria dos países, as empresas de serviços públicos privatizadas são conhecidas por subinvestimento, lucros exorbitantes, má qualidade do serviço, tarifas escorchantes, abuso de poder de mercado, captura do regulador e corrupção. O mundo conhece os resultados das privatizações. Falando apenas de macroeconomia, elas foram uma dos principais responsáveis pelo baixo crescimento do País.

            Reconhecemos os méritos de Lula e Dilma, mas, desde 2003, o crescimento médio dos países subdesenvolvidos foi o dobro do nosso. Esse desempenho abaixo do mediano e do potencial brasileiro se deveu, em grande medida, à elevadíssima fatia de infraestrutura privatizada.

            A explicação decorre da alta indexação das tarifas e da pressão para que elas crescessem acima da inflação. Isso fazia o Banco Central impor juros muito elevados para o resto da economia. Esses juros elevados deprimiam o consumo e o investimento.

            Sabemos que os investimentos no governo Lula foram muito baixos. Além disso, as altas taxas de juros favoreceram uma acentuada valorização da taxa de câmbio, o que tem causado uma crescente desindustrialização e levado a economia de volta ao modelo agrário exportador, modelo esse que lutamos por décadas para superar.

            As altas tarifas, além de gerarem valorização do câmbio, geram por si só perda de competitividade, porque as tarifas da infraestrutura brasileira estão, em média, entre as mais altas do mundo. Sofre o industrial, sofre o agricultor, sofre o trabalhador.

            Além disso, as crescentes tarifas, ao contribuir para os juros altos, têm um impacto negativo na dívida pública. Para compensar esse impacto, o Governo tem que manter uma ambiciosa meta de superávit primário, muito maior do que a dos países falidos da Europa. Consequentemente, o Governo tem que cortar o investimento público, que é o menor entre os países emergentes hoje. Assim, nosso baixo crescimento nos últimos vinte anos se deve, em grande parte, às privatizações.

            Desta forma, fiquei muito surpreso quando alguns "gênios" do nosso Governo, em quem votei, fiz campanha e apoio, redescobriram que a varinha mágica para todos os problemas é a privatização. Entre esses gênios, temos um que herdamos de Fernando Henrique Cardoso e foi responsável por um dos maiores desastres na infraestrutura planetária: a privatização de nossas ferrovias.

            Uma vez que o PT sempre criticou as privatizações, e a própria candidata Dilma rejeitou-as na campanha de 2010, era de se imaginar que haveria boa justificativa para esta mudança de opinião, para o retorno ao caminho da troica PSDB/DEM/PPS, a santíssima trindade do neoliberalismo pátrio.

            Vamos, então, analisar esse recuo tardio, extemporâneo, despropositado das privatizações. As justificativas são, em parte, antigas, Senador Paulo Paim, em parte novas. As antigas são: 1 - o Estado não tem como financiar os investimentos; e 2 - o Estado é sempre mais incompetente que o setor privado.

            Ironicamente, essas duas justificativas sempre foram corretamente criticadas pelo PT. Quando Fernando Henrique as usou, ao menos eram novidade. Na época, não havia provas tão contundentes dos efeitos deletérios da privatização da infraestrutura.

            Assim, ao aceitar as mesmas justicativas de Fernando Henrique, sempre contestadas pelo PT, os fazedores de feitiços de setores do Governo, especialmente os “sábios” da Casa Civil, da Empresa de Planejamento e Logística e da Secretaria dos Portos, estão conscientes do retrocesso que promovem e inteirados das funestas consequências para o País e o povo brasileiro daquilo que propõem.

            Dizer que o Estado não tem como bancar os investimentos, Senador Paim, é fraudar a verdade dos fatos.

            No mundo, desde 2008, o Estado salvou todo o sistema privado de uma falência coletiva. E fez isso aumentando os investimentos públicos e sem inflação, apesar da grave crise econômica. O Estado tem uma capacidade de financiamento muito maior do que qualquer empresa privada.

            O que seria o mundo sem o Estado, depois da crise global de 2008? Que o digam a General Motors, que o comprovem os bancos, que o confirmem as construtoras e as incorporadoras. Portanto, além de inútil, o argumento da falta de dinheiro público para investimentos é desonesto e extraordinariamente pouco inteligente.

            O mais cínico nessa justificativa é que o próprio BNDES, com recursos públicos, vai financiar esses investimentos. Então como podem ter coragem de dizer que o Estado não tem recursos para financiar investimentos?

            O outro argumento dos privatistas é que o Estado é sempre mais incompetente que o setor privado. Sabemos que em mercados onde há bastante concorrência, as empresas privadas oferecem boa qualidade aos clientes para não serem ultrapassadas por seus concorrentes. Nesses casos, temos que defender a iniciativa privada, sem dúvida alguma. Mas, em monopólios e mercados sem muita concorrência, o que se vê é mais abusos do que eficiência por parte do setor privado, porque, antes da eficiência,elas buscam simplesmente o lucro.

            Que qualidade se vê nas empresas de serviços públicos privatizadas? Todo brasileiro conhece o martírio que é ter um celular ou banda larga no Brasil. Quando funcionam, sempre dão problemas. Resolvê-los pelo call center é um sofrimento que pode durar horas ou dias, caso se tenha tempo e paciência para acessar o serviço. Parece que certas empresas criam dificuldades para que o cidadão se desestimule a reivindicar.

            E não adianta esperar que os órgãos responsáveis coloquem ordem nessa anarquia. Não adianta recorrer ao Ministério respectivo ou às agencias reguladoras. Ah, Senador Paim, as agências reguladoras no Brasil são, indiscutivelmente, uma piada!

            Já os novos argumentos de alguns gestores a favor da privatização baseiam-se em uma suposta "sabotagem" contra os investimentos públicos. A Presidente não pode fazer investimentos porque eles são sabotados. Eufemisticamente, não usam essa palavra, mas podemos interpretar que é isso o que querem dizer. Não sei se essa é uma boa justificativa para as privatizações, mas ao menos é, Senador Pimentel, um argumento novo. Vamos, então, analisá-lo.

            Essa tal "sabotagem" seria praticada principalmente pelos órgãos ambientais, lentos demais para tomar decisões e liberar as obras. Dizem que o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público criam muitos entraves. Pode ser que a legislação ambiental seja mesmo responsável por boa parte dos problemas, pois ela vem da época de Fernando Henrique Cardoso, que não morria de amores pelo investimento público. Contudo, se é verdade, caberia ao Governo propor projetos de lei que disciplinassem e tornassem mais ágil a gestão desses órgãos. Se o Governo não sugere mudanças, como responsabilizar esses órgãos pelo atraso das obras?

            Se há "sabotagem", boa parte tem origem no próprio Executivo. Quantos financiamentos o BNDES concedeu na primeira década do século XXI à Infraero? Quantos à Eletrobras e aos portos públicos? Até a construção das represas do Rio Madeira foi realmente muito pouco de financiamento público.

            Mesmo hoje, os financiamentos do BNDES às estatais - excluindo a Petrobras - continuam muito abaixo do que recebem seus concorrentes do setor privado. Concorrentes privados, sublinhe-se, geralmente com receitas, capacidade de crédito, patrimónios e garantias inferiores aos dessas estatais.

            O Poder Executivo, desde os anos 90, não deu força para o BNDES financiar estatais, ao menos até a crise de 2008, quando o Presidente Lula utilizou para superar o problema que atingia o Brasil, transformando um tsunami em uma marolinha.

            Ora, sem investimentos, estas empresas não podem atender a demanda. E com isso cria-se uma boa justificativa para privatizá-las. O chamado “caos aéreo” foi causado por falta de financiamento à Infraero. Mas, esses novos concessionários dos aeroportos estão tomando financiamentos bilionários no BNDES. Isso explica, sem a menor sombra de dúvida, muita coisa.

            Outra possível “autossabotagem” foi a política de extinção dos quadros de engenharia em decorrência das privatizações e dos programas de demissão voluntária das estatais, que acabou atingindo os quadros mais experientes e, portanto, os quadros de maior capacidade técnica.

            É possível mesmo dizer que uma parte dos atrasos, superfaturamento e aditivos de preços nas obras públicas decorre da má qualidade dos projetos de engenharia.

            No passado, o Brasil tinha excelentes equipes de engenharia nas estatais, que estudavam e especificavam bem as obras. Essas equipes tinham como fiscalizar a obra, do planejamento até a entrega, e, assim, as empreiteiras tinham maior dificuldade em pedir aditivos, atrasar e aumentar os custos das obras.

            Essas ótimas equipes de engenharia estavam nas estatais, como na Rede Ferroviária Nacional, Telebrás, Embratel, Portobrás e, até recentemente, na Eletrobrás.

            Dos anos 90 para cá, essas equipes foram dispensadas, aposentaram-se ou foram “privatizadas”. E o Estado, os cofres públicos, o povo brasileiro pagam o amargo preço da morosidade, dos preços altos, dos aditivos, da corrupção. As portas para os cachoeiras estão, assim, escancaradas.

            Podemos dizer que a Casa Civil propõe a privatização como remédio para o próprio mal que ela criou. A Casa Civil quer apagar o incêndio com gasolina.

            Sou testemunha e defensor das boas ideias, da coragem e do grande esforço pelo bem do Brasil que muitos ministérios estão empreendendo no nosso Governo, no Governo Dilma. Cito em especial os Ministérios da Educação, da Saúde, da Cultura, do Desenvolvimento Social, da Fazenda, da Indústria e Comércio, da Ciência e Tecnologia, e da Agricultura.

(Soa a campainha.)

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Mas não posso abrir mão do meu papel de parlamentar aliado e fazer uma crítica construtiva. As políticas nas áreas de comunicação, telecomunicação e infraestrutura de transporte são um claro retrocesso, que nos faz lembrar aqueles períodos de trevas que vivemos até a eleição do Presidente Lula.

           Presidenta Dilma, abra os olhos. Essa política de entregar tudo tem um preço alto. Não podemos contar nem com a gratidão daqueles que se beneficiarão com as privatizações. Lembremo-nos do nosso povo e de nossos mestres, cujos livros, Presidenta, você leu, como eu li no passado.

           Não existe caminho mágico para os problemas da gestão do Estado e do desenvolvimento, especialmente se esse caminho for a privatização, a entrega e a concessão aos mais poderosos.

           À frase popularizada por Milton Friedman, "não há almoço grátis", tão ao gosto dos liberais, podemos acrescentar outra: não há privatização gratuita; quem paga a conta é o povo, é o País, é o nosso desenvolvimento econômico.

            Acorda, Presidenta Dilma!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/04/2013 - Página 20971