Discurso durante a 59ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Insatisfação com a situação do sistema carcerário no Brasil.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS. POLITICA PENITENCIARIA.:
  • Insatisfação com a situação do sistema carcerário no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 27/04/2013 - Página 21940
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS. POLITICA PENITENCIARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, SISTEMA PENITENCIARIO, BRASIL, RESULTADO, FALTA, CUMPRIMENTO, FUNÇÃO, PUNIÇÃO, RECUPERAÇÃO, CRIMINOSO, DOCUMENTO, AUTORIA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), AMBITO INTERNACIONAL, RELAÇÃO, EXCESSO, VIOLENCIA, LOCAL, PRESIDIO, ELOGIO, ATUAÇÃO, TARSO GENRO, GOVERNADOR, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), MOTIVO, ANUNCIO, FECHAMENTO, ESTABELECIMENTO PENAL, LOCALIDADE, MUNICIPIO, PORTO ALEGRE (RS).

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Cícero, é uma alegria proferir meu discurso sob a orientação de V. Exª.

            Sr. Presidente, o que me traz à tribuna, no dia de hoje, é um tema relacionado aos direitos humanos. Quero falar sobre a situação do sistema carcerário no Brasil.

            Senador Cícero, é fato que o sistema prisional brasileiro é, hoje, claramente inadequado e não atende ao objetivo de punir ou de recuperar aqueles que lá chegam.

            Segundo relatório, de 2009, da ONG Human Rights Watch, as prisões no Brasil estão em condições desumanas. Diz ele: são locais de tortura física e psicológica, violência, superlotação, péssimas condições sanitárias, totalmente inadequadas, espaços onde o ócio e o assassinato de pessoas viraram coisas banais; má alimentação, abandono material, proliferação de doenças nas celas, maus tratos, ociosidade, assistência médica praticamente inexistente. Não há nem trabalho. Já que estão lá, que trabalhem, até para pagarem seu sustento. Trabalho não lhes é ofertado, nem sequer há o combate ao analfabetismo. Como se não bastassem as situações esdrúxulas, como mulheres presas com homens ou homens presos com mulheres em contêineres, bem como desproporcionalidade na aplicação de penas e prisões cautelares sem motivação adequada e por mais tempo que o previsto.

            O quadro desenhado por Human Rights Watch, em 2009, é o mesmo que foi pintado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, que visitou o Brasil entre 18 e 28 de março deste ano.

            Várias instalações prisionais no Brasil, diz o relatório, incluindo-se aí prisões, delegacias, centros de detenção e instituições psiquiátricas, como por exemplo, em Campo Grande, Fortaleza, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.

            A prisão é uma das várias formas que o Direito Penal estabelece como punição a condutas consideradas incompatíveis com a vida e a sociedade. A prisão é destinada àqueles indivíduos que agiram mais gravemente, causando danos consideráveis aos seus semelhantes, tornando necessário que sejam isolados do convívio social.

            A perda de liberdade é uma pena terrível, seja por um dia, seja por um mês, seja por um ano, quem sabe seja por trinta anos e até por toda a vida, mas a prisão foi criada como instituição modernizadora em razão dos ideais iluministas dos séculos XVIII e XIX. Basta lembrar que, antes do conceito moderno de prisão, vigoravam, por exemplo, penas como banimento, degredo, submissão e suplícios corporais, mutilações, bem como as possibilidades de penas serem passadas de pais para filhos, e outros elementos claramente desumanos, como a pena de morte.

            A obra literária Os Miseráveis, do escritor francês Victor Hugo, é representativa dessa realidade e mostra os horrores da pena de galés, ou seja, trabalho forçado. A pena de prisão, pois, veio como um progresso, uma forma de concretizar as ideias do Iluminismo, como crença no progresso, na razão e na possibilidade de recuperação e melhora do indivíduo. A pena de prisão, portanto, não representava apenas, na sua filosofia original, a punição, mas a sugestão da possibilidade de que os infratores poderiam ser punidos sim, e depois recuperados e reeducados para voltar a um convívio sadio e social.

            É inegável que, em determinadas situações, não existem alternativas, é preciso punir com a pena de prisão sim, pelo tempo consequente do fato ou do ato do crime ocorrido. A questão é que justiça é outra coisa e, a propósito, lembro o título de um livro da história de Simon Wiesenthal, Justiça não é Vingança. Justiça não é vingança, justiça exige que o Estado saiba se comportar e saiba tratar, de maneira adequada, os cidadãos que se encontram sob a sua custódia.

            Essa, aliás, é a base do Estado Constitucional, a qual estabelece limites claros para as ações estatais. O Estado não pode tudo! O Estado deve se restringir aos limites que lhe são impostos por uma sociedade democrática e que estão estabelecidos no texto da nossa Constituição, que eu tive a alegria de ajudar a escrever, como Constituinte, de 1986 a 1988.

            Em nosso caso, o Estado deve, sobretudo, se ater àquilo que está na Carta Magna de 1988, cujo título fundamental, sobre o qual se estruturam todos os outros, é o princípio da dignidade da pessoa humana. Desrespeitado esse princípio, a democracia se desfaz no ar ou circula como folhas ao vento.

            O jurista brasileiro George Marmelstein, em seu Curso de Direitos Fundamentais, estabelece que a dignidade da pessoa humana se manifesta pelo respeito à autonomia da vontade, pelo respeito à integridade física e à moral, pela não “coisificação” do ser humano e pela garantia do chamado “mínimo existencial”. Infelizmente, a dignidade da pessoa humana é algo escasso, principalmente se olharmos para as prisões do Brasil - repito -, uma das piores do mundo, a despeito das garantias prescritas tanto na Carta quanto na legislação penal. Como observa o jurista - repito - Wálter Maierovitch, colunista da respeitada revista Carta Capital:

[...] na nossa lei de execução penal está escrito, entre tantos dispositivos [...]: ter o preso direito às assistências material, educacional, social, à saúde, jurídica e religiosa, além do apoio ao egresso do sistema, até para evitar a recidiva [...]. Quanto às celas, está estabelecido que sejam individuais, com 6 metros quadrados de área mínima, salubridade do ambiente [garantida] por meio de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana.

            Além disso, o próprio texto da Constituição, no art. 5o, assegura aos presos o respeito à integridade física e moral, além de vedar a prisão perpétua e as penas de trabalhos forçados, de banimento, ou seja, atos cruéis.

            A realidade, repito, não condiz com o disposto na lei. Os números do CNJ mostram a existência de 514 mil presos - 514 mil presos! - e de apenas 306 mil vagas, ou seja, um sistema carcerário superlotado, onde homens e mulheres vivem como animais, e com presos vivendo, consequentemente, em condições vergonhosas para aqueles que olham o lado humano. Aponta o jornal O Estado de S. Paulo, abro aspas: “É por isso que o País tem sido denunciado em organismos multilaterais - como a OEA e a ONU - por movimentos de defesa de direitos humanos” em nível internacional.

            Esse quadro de superlotação é tão grave que, em fevereiro último, o Supremo Tribunal Federal convocou audiência pública para discutir o cumprimento das penas em regimes mais vantajosos ao condenado nos casos em que o Estado não tem vagas suficientes para acomodar presos no regime semiaberto.

            Por outro lado, esse número, superior a 500 mil encarcerados, não significa que a polícia seja eficiente. Pelo contrário, segundo o professor Neemias Moretti Prudente, em artigo publicado na Revista do Ministério Público Militar, de novembro de 2011, “o índice de punição de crimes é inferior a 10%”.

            Então, ninguém pense que, simplesmente, ao manter o preso lá, em um espaço físico em que cabem 100, colocando 200 e 300, se está resolvendo a questão da violência no Brasil. Não se está resolvendo nada. Vejam o que diz o estudo: “o índice de punição de crimes é inferior a 10%”.

            Nas palavras do professor, “[...] se a polícia fosse mais eficiente, o poder público não teria onde colocar tantos presos e a superlotação seria ainda maior”.

            Então, a questão não é se a polícia prende ou não prende, é onde colocá-los. Não há espaço. E aqui, depois, vou mostrar que, por exemplo, um dos piores presídios do País, Senador Cícero, é o do meu Estado, o Rio Grande do Sul. E agora a saída vai ser fechar totalmente o presídio do Rio Grande do Sul.

            Sr. Presidente, quase 60 mil pessoas se encontram encarceradas em delegacias. E delegacia não é lugar de cárcere. Ali você faz o processo, você recebe, autua e manda para o presídio correspondente.

            Quase 60 mil se encontram encarceradas em delegacias, pois as penitenciárias e os cadeiões não comportam e não dispõem de infraestrutura para recebê-los. De lá, muitas vezes eles saem já para o crime, porque não há lugar para onde remetê-los.

            O SR. PRESIDENTE (Cícero Lucena. Bloco/PSDB - PB) - Senador, permita-me. Quero registrar que já estão saindo os alunos do ensino e fundamental da Escola do Sesi do Gama.

            Um prazer tê-los recebido aqui.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Sejam bem-vindos. Bom retorno.

            O SR. PRESIDENTE (Cícero Lucena. Bloco/PSDB - PB) - Senador Paulo Paim, mesmo na condição de Presidente, se V. Exª me permite, eu gostaria de dar o testemunho da minha preocupação com tema tão relevante que V. Exª mais uma vez traz a esta tribuna e a esta Casa. Ao trazer o problema carcerário do Brasil, faz com que todos nós nos sintamos responsáveis por ele, porque a violência está batendo - inclusive é o tema do qual tratarei em seguida e como também das questões dos presídios. Estamos ouvindo muitas promessas do Governo Federal, esforços por parte dos governos de Estado, mas não há efetivamente uma política que tenha como princípio direitos humanos e que também nos dê a condição de acreditar, de confiar que essas casas sejam casas que abriguem o apenado e que tenham a mínima chance, a mínima possibilidade de recuperá-los, porque, do jeito que está, estamos fabricando mais, onde deveríamos estar corrigindo, apoiando e ajudando. Então, quero parabenizar V. Exª e até lhe sugerir: estava aqui, enquanto V. Exª falava, procurando saber se tínhamos uma subcomissão da Comissão de Direitos Humanos...

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Não, não há. Mas é uma sugestão interessante.

            O SR. PRESIDENTE (Cícero Lucena. Bloco/PSDB - PB) - ... era algo que poderíamos tratar para fazermos um diagnóstico. O senhor traz aqui um relatório de 2009, que considera desumano. Tenho certeza absoluta, não tenho medo de errar em afirmar que só fez piorar. Então, minha sugestão a V. Exª: apresentarei em comum acordo com V. Exª para ver se podemos trabalhar para fazer um levantamento, e a Nação ter um diagnóstico real dessa grave situação que é a carcerária.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Agradeço muito o aparte de V. Exª, Senador Cícero Lucena, porque muita gente que está nos ouvindo neste momento pode ter a impressão, e não é essa a nossa posição: “Ah, já estão os Senadores lá preocupados só com a situação do preso”. Nós estamos preocupados é com a situação da violência principalmente. O presídio como está é uma universidade, uma faculdade do crime. Explode. Não há como, no mesmo espaço, colocar duas pessoas. Eu estou aqui na tribuna, tente colocar outro no meu lugar enquanto eu estiver aqui. Não dá! É a lei da Física, não é isso? Não dá! Então, num presídio em que cabem cem pessoas, botam trezentas - explode! E aí os marginais estarão, na verdade, voltando ao crime. Então, nós temos que ter uma política, como os países mais civilizados têm, para a situação dos presídios.

            Os dados aqui são alarmantes, e eu vou continuando, Sr. Presidente, agradecendo pelo aparte.

            O Prof. Neemias acrescenta ainda na sua análise da informação a respeito do perfil do preso brasileiro, que a população carcerária brasileira compõe-se, primeiro, 93,4% são homens; 93.4%, quase a totalidade dos bandidos, dos assassinos, são homens; somente 6,6% são mulheres.

Em geral, são de jovens com idade entre 18 a 29 anos [outro dado], afrodescendentes, com baixa escolaridade, sem profissão definida, baixa renda, muitos filhos, [e mulheres, principalmente, mães solteiras, no caso das mulheres]. Em geral, praticam mais crimes contra o patrimônio (70%) e tráfico de entorpecentes (22%); a média das penas é de quatro anos.

            É importante também observar que tanto o número de encarcerados quanto a superlotação, que aqui eu destacava, continuam a crescer. A cada ano aumenta o número de pessoas que vivem por metro quadrado dentro dos presídios E claro, saem de lá formados para assaltar, matar, isso tudo que nós queremos evitar.

            Essas condições, é claro - e aqui diz a fala ainda do meu pronunciamento -, não são exclusividade de uma ou duas unidades da Federação. As más condições prisionais se repetem em todos os Estados e no próprio DF.

            Segundo o artigo de autoria de Fábio Duarte Fernandes:

Os dados coletados no Depen, Departamento Penitenciário Nacional, subordinado ao Ministério da Justiça, demonstram que a população carcerária, em sua grande maioria, é composta de presos pobres, com poucos recursos pessoais, suscetíveis às influências do momento e vulneráveis às ações arbitrárias, [...] [à violência e submetendo-se até ao narcotráfico. Infelizmente.]

Embora sejam pouco agressivos, acabam sendo cooptados pelas lideranças do crime organizado. Essas circunstâncias demonstram que o método de concentração de apenados em grandes complexos penitenciários e unidades prisionais, como o Carandiru (já desativado em São Paulo), Frei Caneca e Bangu, no Rio de Janeiro, é obsoleta e onerosa para os parcos recursos disponíveis para manutenção, custeio e investimentos no setor.”

            Em relação ao meu Estado, como falava antes, o Rio Grande do Sul, a situação não é diferente daquela encontrada no restante do País. O citado Fábio Duarte Fernandes assim descreve o que se passa lá em solo gaúcho. Diz ele:

Considerado o pior presídio do País, o Presídio Central de Porto Alegre está localizado [e estou lendo aqui o relatório] na Av. Roccio, 1.100, na zona leste da cidade e abriga quase 20% de toda a população carcerária do Estado.

O odor rançoso de comida velha, o fedor ocre de urina e maconha misturada a esterco queimado com o esgoto vertendo pelas paredes e as ratazanas disputando espaços com os presos é o cenário que se constata ao entrar no presídio.

Há celas com capacidade para 4, 6 e 8 presos, mas ficam 25 e até 30 presos.

            Olhem esse dado. É alarmante. Um espaço onde só cabem quatro pessoas chega a ter trinta.

Somente 100 presos estudam e apenas 400 trabalham e mesmo assim possuem uma remuneração irrisória.

Relatórios semestrais do Ministério Público Estadual constatam a falta de atendimento básico aos detentos. A humilhação e a promiscuidade imposta pela superlotação e o indicativo da presença de facções nas prisões. As facções exercem o controle, fornecem drogas e proteção e, em troca, exigem lealdade e trabalho [para eles].

            Em outras palavras, o que se passa no presídio do Rio Grande do Sul é o mesmo que se passa, diria, sem medo de errar, em todo o Brasil.

            O meu Rio Grande tem uma dívida histórica com os direitos humanos na área dos presídios, por isso nos encontramos nesta situação lamentável. Senador Cícero Lucena, V. Exª sabe que sou muito franco. Hoje, o Governador é do meu Partido, mas essa é uma dívida de décadas e décadas. Temos de encontrar uma solução.

            Não que seja deste ou daquele Governo a responsabilidade, a realidade é de todos os governos.

            Praticamente todos os partidos passaram pelo Governo do Rio Grande do Sul, mas cabe agora a nós, mais do que nunca, assumir a responsabilidade e resolver essa situação com urgência.

            Por isso, Sr. Presidente, casualmente - um discurso com este, eu naturalmente preparei durante uma semana -, a Zero Hora de hoje anuncia: “Fechar Presídio Central - que tem mais é que fechar mesmo - custaria R$155 milhões.”

            Ora, R$155 milhões para fechar o presídio, para mim é um preço até, eu diria, de baixo valor na questão dos custos. Nós estamos falando em vidas, não só nas dos que estão lá dentro, mas nas dos que estão lá fora, porque aqueles que saem formados do Presídio Central assaltam e matam no outro dia, na rua.

            O SR. PRESIDENTE (Cícero Lucena. Bloco/PSDB - PB) - Desculpe-me, Senador. Tem a população hoje desse presídio?

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Tem aqui. Ao longo do pronunciamento eu vou mais ou menos mostrar a população do presídio.

            Tenho que cumprimentar o Governador Tarso Genro, que, mediante os fatos, diz que reconhece a situação lamentável e que vai trabalhar para, até 2014 - no máximo até o ano que vem -, fechar totalmente o presídio. E diz mais, que até 2014 vai exigir a criação de 4,2 mil vagas para abrigar outros presos no Estado.

            Então, meus cumprimentos a essa matéria. É uma responsabilidade coletiva, de todos nós. “Agora vai?” A promessa do Governador Tarso Genro é fechar o Presídio Central. Depois, a outra manchete diz - muito bem colocada pela reportagem: “200 novos condenados por mês”.

            É preciso, de fato, que a gente responda a essa situação lamentável dos presídios no meu Rio Grande. Por isso, Sr. Presidente, chamo a atenção - e aqui eu mostrei - para esta matéria veiculada na capa do jornal Zero Hora desta sexta-feira, 26 de abril, assinada pelos jornalistas Humberto Trezzi e José Luís Costa.

            Diz a reportagem, com a chamada de capa, e ainda nas páginas 4 e 5: “Fechar Presídio Central custaria R$155 milhões.” “Promessa do Governador Tarso Genro de acabar com a pior cadeia do país até 2014 exigirá a criação de 4,2 mil vagas para abrigar presos.”

            Aqui dá para entender que, se vai fechar, seriam 4,2 mil vagas para abrigar novos presos. Essa é a lotação.

            São palavras do Governador Tarso Genro:

            “O nosso objetivo estratégico é chegar ao final de 2014 com o presídio desocupado”. Ele disse: estamos fazendo obra nesse sentido, mas, mesmo que as obras atrasem, vamos reduzir drasticamente o número de pessoas nesse presídio em, no mínimo, no mínimo, um terço.

            Sr. Presidente, que bom poder anunciar aqui, no dia em que havia preparado este pronunciamento, a visão do Governador quando questionado sobre o tema! Que bom que o meu Estado, o meu querido Rio Grande do Sul, mostra, assim, que está preocupado com esta situação e encaminhando soluções para esta questão. Sabemos que o valor do investimento é pouco, mas é o início. O Governador Tarso teve a iniciativa. Parabéns. Sei que a meta será cumprida e, até o ano que vem, esse presídio será desativado. Os presos serão colocados em outros espaços que estão sendo construídos.

            Estamos conscientes de que isto é apenas o início de uma grande reviravolta no sistema prisional do Rio Grande. E que não tenhamos, nunca mais, nunca mais que vir à tribuna do Senado da República e reconhecer, como dizem aqui os analistas, que o presídio do Rio Grande do Sul é o pior do País.

            Enfim, o sistema prisional brasileiro é caótico, ultrapassado, ineficiente. É, sobretudo, injusto e comprovadamente incapaz de recuperar o apenado, haja vista que a taxa de reincidência é de aproximadamente 70%, segundo dados do CNJ.

            É aquilo que dizíamos, Senador Cyro Miranda, e V. Exª me ajudou muito: quem sai de lá, de cada 100, 70 voltam diretamente para o crime.

            É possível um outro sistema prisional? Sim, claro que é possível. Sim, porque o atual sistema carcerário no Brasil está completamente falido. Acredito, ou melhor, tenho a mais firme convicção de que um outro sistema prisional é sim, possível.

            Uma solução é evitar que as pessoas precisem ir para a cadeia. Isso é o que aponta o texto do professor Neemias. Segundo ele, uma solução adotada em alguns países, como o Reino Unido, é reservar as prisões somente para os criminosos considerados perigosos, que oferecem risco à sociedade, como o homicida ou quem comete crime sexual, como o traficante.

            Amplia-se assim a utilização de penas e medidas alternativas à prisão, com acompanhamento e fiscalização dos condenados pelo Estado e pela sociedade.

            Com certeza as possibilidades de recuperação podem acontecer. Em um delito considerado leve ou médio, elas são comprovadamente muito maiores quando o condenado não cumpre sua pena em regime fechado, ou seja, quando ele não vai para a “universidade do crime”, para a “faculdade do crime”, para a “escola do crime”. A pesquisa mostra que, quando o delito é leve, você consegue recuperá-lo com mais facilidade se ele não for para dentro do presídio, porque de lá ele volta pior. Diz mais. Além disso, as chances de a pessoa reincidir são menores, caem de 70% para 12%. Vejam os dados.

            Sr. Presidente, como vemos, a primeira estratégia é diminuir o número de pessoas enviadas para os presídios. Isso, aliás, é o que foi apontado pela CPI do Sistema Carcerário, conduzida pela Câmara dos Deputados em 2009.

            Em seu relatório final, a CPI apontou que a concretização das penas alternativas ainda está emperrada, porque o Poder Judiciário não tem uma cultura de confiança nas penas alternativas, seja pela inexistência de sistemas adequados de fiscalização ou de casas de albergados ou mesmo de acompanhamento dos resultados dessas penas. Muito poucos juízes as utilizam.

            A CPI apontou ainda a necessidade de criação de núcleos ou centrais destinadas ao monitoramento e à fiscalização da execução das penas e medidas alternativas, com uma estrutura mínima, interdisciplinar, com a participação de psicólogos e assistentes sociais. E ainda que, segundo informações apuradas, somente 10% das comarcas mantêm um controle do cumprimento das penas alternativas. Nos outros 90% dos casos, a aplicação das penas alternativas não está ainda com o devido controle do Estado.

            A segunda estratégia passa pelo incremento da Justiça reparativa, que consiste na reparação dos danos eventualmente causados a uma pessoa, em vez de somente punir o responsável pelo dano. Isso não vai resolver e deixar o autor do delito, mas garantir que a vítima seja devidamente reparada pelo dano que sofreu. Então, a CPI apontou caminhos não só para punir quem cometeu o delito, mas também para que haja uma indenização por parte do Estado em relação à vítima, porque o Estado não interagiu como devia para a proteção do cidadão.

            A terceira estratégia consiste em responsabilizar o Poder Público pelo não cumprimento daquilo que for determinado pelas regras da execução penal.

            A quarta estratégia passa por mudança no sistema penal, de modo a, por exemplo, reduzir o número de tipos penais, buscando racionalizar o sistema penal.

            A quinta visa modernizar o sistema processual penal, garantindo, por exemplo, a aplicação mais consistente do princípio da insignificância, o que permitiria ao Estado se concentrar na punição dos crimes mais graves ou ainda buscar os meios de assegurar a transação penal e a suspensão condicional do processo em razão do cumprimento de penas alternativas.

            A sexta estratégia, Sr. Presidente - estou chegando ao final -, é melhorar a assistência jurídica, principalmente aos mais pobres, ampliando a possibilidade de o preso ter um atendimento jurídico e ser fiscalizado no cumprimento da pena, o que evitaria a situação tão comum de encontrarmos pessoas que remanescem nos presídios por um tempo muito maior do que aquele a que elas foram condenadas.

            A sétima estratégia diz respeito a investimento em meios tecnológicos, caso das tornozeleiras. Enquanto eu lia aqui, lembrava - a assessoria nos ajudou... Eu acho que as tornozeleiras eletrônicas são um instrumento importante, cujo uso deve ser mais frequente, porque, mesmo na prisão domiciliar, ele sabe que, se ele sair dali - a gente tem visto isso já em inúmeros casos - a tantos metros longe da casa onde vive, a tornozeleira dá o alarme, e ele volta para o cárcere fechado. É uma forma... Isso se aplica a penas leves, naturalmente.

            A oitava estratégia, por fim, trata de investimento em parcerias público-privadas. Parece bastante razoável. O Prefeito Jairo Jorge, lá em minha cidade de Canoas, já está se encaminhado nesse sentido. Para mim, parece-me bastante imaginar que os presos por infrações leves cumpram pena em presídios administrados pela iniciativa privada.

            Temos inúmeras experiências em andamento no Brasil, como nos Estados do Ceará, presídio já administrado pela iniciativa privada, Minas Gerais e Santa Catarina. Vemos que é possível imaginar um sistema que não se reduz ao mero encarceramento sob o controle do Estado, que a iniciativa privada também possa atuar, desde que proporcione ao preso que cometeu crime mais leve a possibilidade de ser recuperado e voltar ao convívio social.

            Enfim, a situação dos presídios brasileiros, repito, é gravíssima, gravíssima, gravíssima. É um ambiente nocivo, na medida em que não recupera o preso, mas transforma-o em um criminoso ainda mais perigoso. A segurança pública, ensina o jurista Walter Maierovitch, é um tripé que compreende polícia, justiça e sistema prisional. Se não atentarmos para esse último, a segurança pública se transforma em uma miragem.

            Termino lembrando uma reflexão do grande líder sul-africano Nelson Mandela, para mim o maior líder em matéria de direitos humanos, vivo, no mundo. Se olharmos o passado, eu vou me lembrar de Gandhi, vou me lembrar de Zumbi e de tantos outros.

            Disse Mandela: “Se quiseres conhecer a situação socioeconômica do país, visite os porões de seus presídios”. Olha, com esse quadro que eu pintei aqui... “Se quiseres conhecer a situação socioeconômica do país, visite os porões de seus presídios”. Tal pensamento diz muito a respeito de nós, brasileiros, e do quanto falta para que o Brasil se torne, enfim, um país justo e igualitário.

            Esta é a minha fala, Sr. Presidente. É porque às vezes - permita-me fazer este comentário, já encerrei - passa uma impressão para a sociedade de que quem olha para os presídios está defendendo o bandido. Passa a impressão. Venderam essa imagem. É errado. Quem olha para os presídios está preocupado com a violência. Olhem os relatos que nós aqui demos - eu e o Senador Cícero. Pelo relato que nós demos aqui, os presídios são escolas de crime. Nós vamos multiplicar presídios para fazer universidades, faculdades, escolas para formar criminosos que voltam a agredir a sociedade? Ao olhar para os presídios e para dados como esse, de que num espaço físico em que cabem quatro há trinta... Eles não vão ficar ali. Amanhã ou depois, estarão na rua de novo e vão cometer crimes mais bárbaros ainda.

            O SR. PRESIDENTE (Cícero Lucena. Bloco/PSDB - PB) - Com mais experiência e aprendizado.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Com mais experiência, porque receberam a formação do crime organizado. E nós, quando olhamos para os presídios, estamos preocupados, é claro, com a política de direitos humanos, todos nós. A questão de direitos humanos é universal. Eu duvido que um homem ou uma mulher de bem não goste de dizer que olha com carinho as pessoas e não quer para si o que não quer para os outros. Em hipótese nenhuma. Que tem que punir, tem que punir. Ninguém está dizendo que não tem que punir. Tem que punir, sim. Mas temos que apostar que, se caminhar no combate à violência, você tem que tratar também a questão dos presídios. É preciso trabalhar, botá-los para trabalhar, trabalhar na linha de reeducar. E aos crimes mais violentos, é claro, eles vão responder pelo tempo necessário que o juiz assim entender, por 10 anos, 20 anos ou 30 anos, em cárcere fechado.

            Agora, botar meninos que, às vezes, roubam uma laranja, uma galinha, uma banana, um livro ou uma bicicleta no mesmo lugar em que estão os chamados profissionais do crime é entregá-los para o professor do mal, para que eles voltem com mais violência ainda para as ruas.

            Mas, enfim, quero registrar, no final, a matéria que aqui pedi para constar na íntegra. Citei o jornal, citei os jornalistas que fizeram a matéria e o Governador Tarso Genro, que, como diz a matéria, agora vai fechar o presídio da capital.

            Era isso o que tinha a dizer.

            Obrigado, Sr. Presidente.

 

         O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) -

            Pronunciamento sobre sistema carcerário no Brasil.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é fato que o sistema prisional brasileiro é hoje claramente inadequado e não atende aos objetivos de punir e de ressocializar.

            Segundo relatório de 2009 da ONG Human Rights Watch, as prisões no Brasil estão em condições desumanas. São locais de tortura física e psicológica; violência; superlotação; péssimas condições sanitárias e de ventilação; má-alimentação; abandono material e intelectual; proliferação de doenças nas celas; maus tratos; ociosidade; assistência médica precária; pouca oferta de trabalho; e analfabetismo.

            Como se não bastasse, há situações esdrúxulas, como mulheres presas junto com homens ou homens presos em contêineres, bem como desproporcionalidade na aplicação de penas e prisões cautelares sem motivação adequada e por mais tempo que o previsto.

            O quadro desenhado pela Human Rights Watch em 2009 é o mesmo que foi pintado pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, que visitou entre os dias 18 e 28 de março deste ano várias instalações prisionais no Brasil, incluindo-se, aí, prisões, delegacias, centros de detenção e instituições psiquiátricas, em Campo Grande, Fortaleza, Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.

            Sr. Presidente, a prisão é uma das várias formas que o direito penal estabelece como punição a condutas consideradas incompatíveis com a vida em sociedade.

            A prisão é destinada para aqueles indivíduos que agiram mais gravemente, causando danos consideráveis aos seus semelhantes, tornando necessário que sejam isolados do convívio social.

            A perda de liberdade é pena terrível, seja por um dia, seja por um mês, seja por um ano, seja, quem sabe, por trinta anos.

            Mas a prisão foi criada como instituição modernizadora em razão dos ideais iluministas do século XVIII e XIX. Basta lembrar que antes do conceito moderno de prisão, vigoravam, por exemplo, penas como banimento, degredo, submissão a suplícios corporais, mutilações, bem como a possibilidade de penas serem passadas de pai para filhos e outros elementos claramente desumanos.

            A obra literária Os miseráveis, do escritor francês Victor Hugo, é representativa dessa realidade e mostra os horrores da pena de galés, ou seja, trabalho forçado.

            A pena de prisão, pois, veio como um progresso, uma forma de concretizar as ideias do iluminismo, como a crença no progresso, na razão e na possibilidade de recuperação e melhora do indivíduo.

            A pena de prisão, portanto, não representava apenas a punição, mas a sugestão da possibilidade de que os infratores poderiam ser reeducados e recuperados para o convívio social sadio.

            É inegável que em determinadas situações não existem alternativas: é preciso punir com a pena de prisão. A questão é que justiça é outra coisa, pois, lembrando o título de um livro de autoria de Simon Wiesenthal, Justiça não é vingança.

            Justiça exige que o Estado saiba se comportar e saiba tratar de maneira adequada os cidadãos que se encontram sob sua custódia.

            Essa, aliás, é a base do Estado Constitucional, o qual estabelece limites claros para as ações estatais. O Estado não pode tudo.

            O Estado deve se restringir aos limites que lhe são impostos por uma sociedade democrática e que estão estabelecidos em um texto constitucional.

            Em nosso caso, o Estado deve, sobretudo, se ater àquilo que está na Carta de 1988, cujo tijolo fundamental, sobre o qual se estruturam todos os outros, é o princípio da dignidade da pessoa humana. Desrespeitado esse princípio, a democracia se desfaz no ar.

            O jurista brasileiro George Marmelstein, em seu Curso de direitos fundamentais, estabelece que a Dignidade da pessoa humana se manifesta pelo respeito à autonomia da vontade, pelo respeito à integridade física e moral, pela não “coisificação” do ser humano e pela garantia do chamado “mínimo existencial”.

            Infelizmente, a dignidade da pessoa humana é algo escasso nas prisões brasileiras, a despeito das garantias prescritas tanto na Constituição, quanto na legislação penal.

            Como observa o jurista Walter Maierovitch, colunista da respeitada revista Carta Capital, “...na nossa lei de execução penal está escrito, entre tantos dispositivos (...) ter o preso direito às assistências material, educacional, social à saúde, jurídica e religiosa, além do apoio ao egresso do sistema, até para evitar a recidiva (...) quanto às celas, está estabelecido que sejam individuais, com seis metros quadrados de área mínima, salubridade do ambiente por meio de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana”.

            Além disso, o próprio texto constitucional, no artigo 5º, assegura aos presos o respeito à integridade física e moral, além de vedar a prisão perpétua, e as penas de trabalhos forçados, de banimento ou que sejam cruéis.

            A realidade, repito, não condiz com o disposto em nossas leis. Os números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram a existência de 514 mil presos e de apenas 306 mil vagas, ou seja, um sistema carcerário superlotado e com presos vivendo em condições degradantes. Aponta o jornal O Estado de S. Paulo, abro aspas: “...é por isso que o País tem sido denunciado em organismos multilaterais - como a OEA e a ONU - por movimentos de defesa de direitos humanos”. Fecho aspas.

            Esse quadro de superlotação é tão grave que em fevereiro último o Supremo Tribunal Federal convocou audiência pública para discutir o cumprimento de penas em regime mais vantajoso ao condenado nos casos em que o Estado não tem vagas suficientes para acomodar presos no regime semiaberto.

            Por outro lado, esse número superior a 500 mil encarcerados não significa que a polícia seja eficiente. Pelo contrário.

            Segundo o professor Neemias Moretti Prudente, em artigo publicado na Revista do Ministério Público Militar, de novembro de 2011, “o índice de punição de crimes é inferior a 10%”.

            Nas palavras do professor, “se a polícia fosse mais eficiente, o poder público não teria onde colocar tantos presos, e a superlotação seria maior.

            Quase 60 mil pessoas se encontram encarceradas em delegacias, pois as penitenciárias e os cadeiões não comportam e não dispõem de infraestrutura adequada”.

            O professor Neemias acrescenta, ainda, uma interessante informação a respeito do perfil do preso brasileiro. Segundo ele, “a população carcerária brasileira compõem-se de 93,4% de homens e 6,6% de mulheres. Em geral, são jovens com idade entre 18 e 29 anos, afrodescendentes, com baixa escolaridade, sem profissão definida, baixa renda, muitos filhos e mãe solteira (no caso das mulheres).

            Em geral praticam mais crimes contra o patrimônio (70%) e tráfico de entorpecentes (22%). A média das penas é de quatro anos”.

            É importante, também, observar que tanto o número de encarcerados quanto a superlotação continuam a crescer a cada novo ano.

            Essas condições, é claro, não são exclusividade de uma ou duas unidades da Federação. As más condições prisionais se repetem em praticamente todos os Estados e no Distrito Federal.

            Segundo artigo de autoria de Fábio Duarte Fernandes, “os dados coletados no Depen - Departamento Penitenciário Nacional -, subordinado ao Ministério da Justiça, demonstram que a população carcerária, em sua grande maioria [é] composta de presos pobres, com poucos recursos pessoais, suscetíveis às influências do momento e vulneráveis às ações arbitrárias e violentas.

            Embora sejam pouco agressivos acabam sendo cooptados pelas lideranças do crime organizado. Estas circunstâncias demonstram que o método de concentração de apenados em grandes complexos penitenciários e unidades prisionais como o Carandiru (já desativado em São Paulo), Frei Caneca e Bangu no Rio de Janeiro é obsoleta e onerosa para os parcos recursos disponíveis para manutenção, custeio e investimentos no setor”.

            Em relação ao meu Estado do Rio Grande do Sul, a situação não é diferente daquela encontrada no restante do País. O citado Fábio Duarte Fernandes assim descreve o que se passa no Rio Grande. Vejamos.

            “Considerado o pior presídio do país, o Presídio Central de Porto Alegre está localizado na Av. Roccio, 1100, na zona leste da cidade e abriga quase 20% de toda a população carcerária do Estado.

            O odor rançoso de comida velha, o fedor ocre de urina e maconha misturada a esterco queimado com o esgoto vertendo pelas paredes e as ratazanas disputando espaços com os presos é o cenário que se constata ao entrar no presídio.

             (...) Há celas com capacidade para 4, 6 e 8 presos, mas ficam 25 e até 30 presos. Somente 100 presos estudam e apenas 400 trabalham e mesmo assim possuem uma remuneração irrisória.

            (...) Relatórios semestrais do Ministério Público Estadual constatam a falta de atendimento básico aos detentos, a humilhação e a promiscuidade imposta pela superlotação e o indicativo da presença de facções nas prisões. As facções exercem o controle, fornecem drogas e proteção e em troca exigem lealdade e trabalho”.

            Em outras palavras, o que se passa no Rio Grande do Sul é o mesmo que se passa no restante do Brasil.

            O meu Rio Grande tem uma dívida histórica com os direitos humanos na área dos presídios, por isso nos encontramos nesta situação lamentável.

            Compete agora; não que seja deles a responsabilidade... mas cabe agora ao nosso governo e aos próximos mandatos resolverem a situação, isso é urgente!

            Por isso, Sr. Presidente, chamo a atenção, para matéria veiculada no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, desta sexta-feira, portanto, de hoje, dia 26 de abril, assinada pelos jornalistas Humberto Trezzi e José Luiz Costa.

            Diz o seguinte, com chamada na capa, e na integra nas páginas 4 e 5: “Fechar Presídio Central custaria R$ 155 milhões. Promessa do governador Tarso Genro de acabar com a pior cadeia do país até 2014 exigirá a criação de 4,2 mil vagas para abrigar presos.

            São palavras do governador Tarso: “O nosso objetivo é chegar ao final de 2014 com o presídio desocupado. Se isto não for possível, em função de atrasos de obras, teremos reduzidos em um terço a população do Central”.

            Sr. Presidente, que bom que o meu estado, o meu querido Rio Grande do Sul está preocupado com esta situação e encaminhando soluções para o problema. Sabemos que o valor de investimento é pouco, mas é o inicio. O governo Tarso teve iniciativa. Parabéns.

            Estamos conscientes que isto é apena o inicio de uma grande reviravolta no sistema prisional do Rio Grande do Sul.

            Senhoras e Senhores, enfim, o sistema prisional brasileiro é caótico, ultrapassado, ineficiente. É, sobretudo, injusto e comprovadamente incapaz de recuperar o apenado, haja vista que a taxa de reincidência é de aproximadamente 70%, segundo dados do CNJ.

            É possível um outro sistema prisional? Sim, porque o atual sistema carcerário no Brasil está completamente falido. Eu acredito, ou melhor, tenho a mais firme convicção de que um outro sistema prisional é possível.

            Uma solução é evitar que as pessoas precisem ir para a cadeia. Isso é o que aponta o texto do professor Neemias. Segundo ele, “uma solução adotada em alguns países, como o Reino Unido, é reservar as prisões somente para os criminosos considerados perigosos, que oferecem risco à sociedade, como o homicida ou quem comete crime sexual.

            Amplia-se, assim, a utilização de penas e medidas alternativas (à prisão), com acompanhamento (e fiscalização) dos condenados pelo Estado e pela sociedade. Com certeza, as possibilidades de recuperação de quem cometeu um delito considerado leve ou médio são comprovadamente muito maiores quando o condenado não cumpre sua pena em regime fechado. Além disso, as chances de a pessoa reincidir são menores - em torno de 12%”.

            Então, a primeira estratégia é diminuir o número de pessoas enviadas para os presídios. Isso, aliás, é o que foi apontado pela CPI do Sistema Carcerário, conduzida pela Câmara dos Deputados em 2009. 

            Em seu relatório final, a CPI apontou que a concretização das penas alternativas ainda está emperrada porque “o Poder Judiciário não tem uma cultura de confiança nas penas alternativas. Seja pela inexistência de sistemas adequados de fiscalização, ou de casas de albergados, ou mesmo de acompanhamento dos resultados dessas penas, muito poucos juízes as utilizam”.

            A CPI ainda apontou a necessidade de criação de núcleos ou centrais destinadas ao monitoramento e à fiscalização da execução das penas e medidas alternativas, com uma estrutura mínima, interdisciplinar, com a participação de psicólogos e assistentes sociais, ainda que, segundo informações apuradas, somente 10% das comarcas mantenham um controle do cumprimento de penas alternativas. Nos outros 90% dos casos, a aplicação das penas alternativas foge ao controle do Estado.

            A segunda estratégia passa pelo incremento da Justiça Reparativa, que consiste na reparação de danos eventualmente causados a uma pessoa em vez de punir o responsável pelo dano.

            Isso não estigmatizaria o autor do delito, mas garantiria que a vítima fosse devidamente reparada no dano que sofreu.

            A terceira estratégia consiste em responsabilizar o Poder Público pelo não cumprimento daquilo que for determinado pelas regras de execução penal.

            A quarta estratégia passa por mudanças no sistema penal, de modo a, por exemplo, reduzir o número de tipos penais, buscando racionalizar o sistema penal.

            A quinta estratégia visa racionalizar e modernizar o sistema processual penal, garantindo, por exemplo, a aplicação mais consistente do princípio da insignificância, o que permitiria ao Estado se concentrar na punição dos crimes mais graves ou, ainda, buscar mais consistentemente os meios de assegurar a transação penal e a suspensão condicional do processo em razão do cumprimento de penas alternativas.

            A sexta estratégia é melhorar a assistência jurídica aos mais pobres, ampliando a possibilidade de o preso ter efetivamente fiscalizado o cumprimento da pena, o que evitaria a situação tão comum de encontrarmos pessoas que remanescem nos presídios por mais tempo do que o determinado em sentença condenatória.

            A sétima estratégia diz respeito ao investimento em meios tecnológicos, caso das tornozeleiras eletrônicas, cujo uso deve se tornar ainda mais frequente.

            A oitava estratégia, por fim, trata do investimento em parcerias público-privadas. Parece bastante razoável imaginar que os presos por infrações leves cumpram pena em presídios administrados pela iniciativa privada. Há algumas experiências em andamento no Brasil, caso de Estados como Ceará, Minas Gerais e Santa Catarina. Aí, é possível imaginar um sistema que não se reduza ao mero encarceramento mas que proporcione ao preso que cometeu crimes mais leves a possibilidade de receber educação formal ou treinamento profissional que o habilite a levar uma vida digna quando estiver de volta ao pleno convívio social.

            Enfim, a situação dos presídios brasileiros é gravíssima. É um ambiente nocivo na medida em que não recupera o preso, mas o transforma em um criminoso mais perigoso.

            A segurança pública, ensina o jurista Walter Maierovich, é um tripé que compreende: polícia, justiça e sistema prisional. Se não atentarmos para esse último, a segurança pública se transforma em uma miragem.

            Por fim, lembro de uma reflexão do grande líder sul-africano Nelson Mandela. Segundo ele, “Se quiseres conhecer a situação socioeconômica do país, visite os porões de seus presídios”.

            Tal pensamento diz muito a respeito de nós brasileiros e do quanto falta para que o Brasil se torne, enfim um país justo e igualitário.

            Era o que tinha a dizer.

 

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR PAULO PAIM EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

Matéria referida:

- Matéria veiculada no jornal Zero Hora, de Porto Alegre.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/04/2013 - Página 21940