Discurso durante a 57ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo à manutenção da maioridade penal em dezoito anos.

Autor
Ana Rita (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Ana Rita Esgario
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL.:
  • Apelo à manutenção da maioridade penal em dezoito anos.
Publicação
Publicação no DSF de 25/04/2013 - Página 21359
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL.
Indexação
  • ANALISE, INDICE, CRESCIMENTO, VIOLENCIA, PARTICIPAÇÃO, MENOR, CRITICA, PROPOSTA, REDUÇÃO, MAIORIDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, DEFESA, NECESSIDADE, MELHORAMENTO, PROGRAMA, REINCLUSÃO, INFRATOR.

            A SRª ANA RITA (Bloco/PT - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente. Obrigada, colegas, Senadores e Senadoras.

            Eu quero hoje tratar de um tema muito importante, sobre o qual esta Casa começa a fazer um debate que precisamos aprofundar. Na verdade, inicio a minha fala relatando um fato acontecido, para que, a partir desse fato, possamos refletir sobre o tema, que é a questão da redução da maioridade penal.

            No dia 9 de abril, o jovem Victor Hugo Deppman, de 19 anos, estudante de rádio e TV, foi morto com um tiro na frente do prédio onde morava, no Belém, na Zona Leste de São Paulo, durante um assalto. Mais um ato brutal de violência que comove o País. O autor do homicídio não tinha ainda completado 18 anos. Como é comum quando um menor pratica um delito grave, reacendeu-se o tema da diminuição da maioridade penal, apontada como solução para a violência.

            Tenho consciência do quanto é difícil abordar esse tema sem o apego ao calor do momento. Tenho clareza de que boa parte da sociedade espera ver soluções imediatas para o grave problema da violência em nosso País. Sabemos todos que crianças e adolescentes são mais vítimas do que autores de atos infracionais. O problema é que as infrações praticadas por eles sempre ganham grande repercussão na mídia, reforçando o estigma da marginalidade nessa faixa etária.

            Após o trágico ocorrido, quando muitas vozes se levantam aqui no Parlamento e fora dele em defesa da diminuição da maioridade penal, uma entrevista concedida há três dias pelo Vereador Ari Friedenbach, eleito pelo PPS, em São Paulo, em 2012, ao Portal Terra me chamou a atenção.

            Pai da menina Liana, de 16 anos, assassinada em 2003 junto com seu namorado, na zona rural de Embu-Guaçu, região metropolitana de São Paulo, por um grupo que incluía um menor conhecido pelo apelido de Champinha.

            O Vereador afirmou que, após o crime que vitimou sua filha, era a favor da redução da maioridade, mas mudou de ideia após estudar profundamente o assunto. Peço licença aos Srs. Senadores e às Srªs Senadoras para citar a frase usada por ele, abro aspas: “A criminalidade vai migrar para mais jovens ainda. Além disso, não podemos colocar esse jovens em sistemas penitenciários falidos, tornando impossível a recuperação deles.” Fecho aspas.

            Cito esse exemplo porque entendo que, como pai que perdeu sua filha vítima de uma violência grotesca, é muito difícil, sobremaneira para um homem público, adquirir serenidade para expor seu pensamento diante da compreensão de que não é criando novas formas de punibilidade que daremos uma resposta ao problema da violência. E é reiterando as palavras de quem sentiu a dor da perda na própria pele que estou aqui, nesta tribuna, no dia de hoje, para dar o meu testemunho contrário a qualquer proposta de redução da maioridade penal.

            Entendo não ser essa uma posição fácil. Em primeiro lugar, é preciso afastar os rótulos de que aqueles que não defendem a maioridade penal estão a favor de qualquer tipo de impunidade.

            O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao adotar a teoria da proteção integral, que vê a criança e o adolescente como pessoas em condições peculiares de desenvolvimento, necessitando, em consequência, de proteção diferenciada, especializada e integral, não teve por objetivo manter a impunidade de jovens autores de infrações penais.

            A circunstância de o adolescente não responder por seus atos delituosos perante o sistema de responsabilização dos adultos não o faz irresponsável pelo ato praticado. Ao contrário, Sras e Srs. Senadores aqui presentes, do que erroneamente se divulga, o sistema legal implantado pela Lei nº 8.069, de 1990, que é o ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, faz desses jovens entre 12 e 18 anos incompletos sujeitos de direitos, deveres e responsabilização pelo ato praticado, com previsão de diversos tipos de sanção, inclusive a privação da liberdade por até três anos.

            As proposições que pretendem a redução da idade penal - só aqui no Senado Federal temos várias PECs com o tema, uma aguardando inclusão de pauta no Plenário da Casa - nos levam em direção ao passado, quando o sistema de criminalização de adolescentes caracterizou a doutrina penal do Século XIX com o Código Criminal do Império, que somente impedia a responsabilização criminal dos menores de quatorze anos. Pior do que isso, o primeiro Código Penal da República, editado em 1890, só não considerava criminosos os menores de nove anos completos ou aqueles que, sendo maiores de nove e menores de quatorze, houvessem agido sem discernimento.

            Nenhuma dessas experiências, aqui no Brasil ou em qualquer outro país, foi capaz de afirmar um caminho para a redução da violência juvenil ou para a reinserção social dos infratores, mas ao contrário. São muitos os estudos que associam o rigor penal à industrialização da própria violência pelo efeito criminogênico das chamadas instituições totais.

            Para os que creem que apontam algum tipo de solução defendendo essa proposta, é importante que se diga que os atos infracionais praticados por adolescentes no Brasil não alcançam 10% do total cometido.

            Os dados da Fundação Casa, no próprio Estado de São Paulo, dão mostra de que o principal motivo das internações dos jovens não são os crimes que terminam em morte, mas sim o tráfico de drogas, que representa 41,8% do total.

            Os latrocínios, como no caso do universitário morto, representam 0,8% dos atos cometidos por menores.

            Pretender que o encaminhamento desses jovens em conflito com a lei aos presídios brasileiros possa construir alguma solução para o problema da violência juvenil é, na melhor das hipóteses, uma ingenuidade sem precedentes. Muitas vezes, não obstante, não há que se falar em ingenuidade, mas em demagogia mesmo, em seu estado puro. O discurso em favor do endurecimento penal procura estabelecer uma sintonia com as angústias disseminadas socialmente por conta da sensação de insegurança. O endurecimento da lei penal baseia-se muito mais na necessidade de satisfazer o clamor popular do que em dados de pesquisas.

            Concretamente, a eventual aprovação da redução da idade penal só logrará agravar ainda mais as condições de execução penal no Brasil e nos oferecerá o gosto amargo de uma nova impossibilidade: a de recuperar jovens infratores em convívio com presos adultos, em presídios ou em delegacias de polícia.

            É preciso compreender que imputabilidade penal até os 18 anos de idade não é sinônimo de impunidade e que defender a sua redução para 16 anos se revela uma visão equivocada daqueles que acreditam que somente endurecendo a legislação penal se fará política criminal consequente.

            Fugir das respostas...

(Interrupção do som.)

            A SRª ANA RITA (Bloco/PT - ES) - Agradeço mais tempo.

            Fugir das respostas simplistas é nossa obrigação de mulheres e homens públicos porque não podemos transformar o drama da violência em espetáculo, não é digno oferecermos como remédio um placebo, não há honra em se fazer política com cadáveres; tampouco devemos permitir que, por conta da tragédia, se renovem os apelos em favor da intolerância.

            Sr. Presidente, era o que tinha para o momento e agradeço o tempo que me foi concedido.

            Muito obrigada.

 

SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DA SRª SENADORA ANA RITA.

            A SRª ANA RITA (Bloco/PT - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, prezadas colegas Senadoras, prezados colegas Senadores, no dia 09 de abril, o jovem Victor Hugo Deppman, de 19 anos, estudante de rádio e TV, foi morto com um tiro na frente do prédio onde morava, no Belém, na Zona Leste de São Paulo durante um assalto. Mais um ato brutal de violência que comove o país. O autor do homicídio não tinha, ainda, completado 18 anos. Como é comum quando um menor pratica um delito grave, reacendeu-se o tema da diminuição da maioridade penal, apontada como solução para a violência.

            Tenho consciência do quanto é difícil abordar esse tema sem o apego ao calor do momento. Tenho clareza que boa parte da sociedade espera ver soluções imediatas para o grave problema da violência em nosso país. Sabemos todos que crianças e adolescentes são mais vítimas que autores de atos infracionais. O problema é que as infrações praticadas por eles sempre ganham grande repercussão na mídia, reforçando o estigma da marginalidade nessa faixa etária.

            Após o trágico ocorrido, quando muitas vozes se levantam, aqui no Parlamento e fora dele, em defesa da diminuição da maioridade penal, uma entrevista concedida há três dias pelo vereador Ari Friedenbach, eleito pelo PPS em São Paulo em 2012, ao Portal Terra me chamou a atenção.

            Pai da menina Liana Friedenbach, de 16 anos, assassinada em 2003 junto com seu namorado na zona rural de Embu Guaçu, região metropolitana de São Paulo por um grupo que incluía um menor, conhecido pelo apelido de Champinha, o vereador afirmou que após o crime que vitimou sua filha era a favor da redução da maioridade, mas mudou de idéia após estudar profundamente o assunto. E, aqui peço licença para citar a frase usada por ele. “A criminalidade vai migrar para mais jovens ainda. Além disso, não podemos colocar esses jovens em sistemas penitenciários falidos, tornando impossível a recuperação deles.”

            Cito esse exemplo porque entendo que, como pai que perdeu sua filha vítima de uma violência grotesca, é muito difícil, sobremaneira para um homem público, adquirir serenidade para expor seu pensamento diante da compreensão que não é criando novas formas de punibilidade que daremos uma resposta ao problema da violência. E é reiterando as palavras de quem sentiu a dor da perda na própria pele que eu estou aqui nesta tribuna no dia de hoje para dar o meu testemunho contrário a qualquer proposta de redução da maioridade penal.

            Entendo não ser essa uma posição fácil.

            Em primeiro lugar é preciso afastar os rótulos de que aqueles que não defendem a maioridade penal estão a favor de qualquer tipo de impunidade.

            O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao adotar a teoria da proteção integral, que vê a criança e o adolescente como pessoas em condições peculiares de desenvolvimento, necessitando, em conseqüência, de proteção diferenciada, especializada e integral, não teve por objetivo manter a impunidade de jovens autores de infrações penais. A circunstância de o adolescente não responder por seus atos delituosos perante o sistema de responsabilização dos adultos não o faz irresponsável pelo ato praticado. Ao contrário do que erroneamente se divulga, o sistema legai implantado pela Lei 8.069/90 faz estes jovens, entre 12 e 18 anos incompletos sujeitos de direitos, deveres e responsabilização pelo ato praticado, com previsão de diversos tipos de sanção, inclusive a privação da liberdade por até 3 anos.

            As proposições que pretendem a redução da idade penal - só aqui no Senado temos várias PECs com o tema, uma aguardando inclusão de pauta no Plenário da Casa - nos levam em direção ao passado, quando o sistema de criminalização de adolescentes caracterizou a doutrina penal do século XIX com o Código Criminai do Império, que somente impedia a responsabilização criminal dos menores de 14 anos. Pior do que isso, o primeiro Código Penal da República, editado em 1890, só não considerava criminosos "os menores de 9 anos completos" ou aqueles que sendo maiores de 9 e menores de 14 houvessem agido sem discernimento. Nenhuma dessas experiências, aqui no Brasil ou em qualquer outro país, foi capaz de afirmar um caminho para a redução da violência juvenil, ou para a reinserção social dos infratores, mas ao contrário.

            São muitos os estudos que associam o rigor penal à industrialização da própria violência pelo efeito criminogenico das chamadas instituições totais.

            Para os que crêem que apontam algum tipo de solução defendendo essa proposta, é importante que se diga que os atos infracionais praticados por adolescentes no Brasil não alcançam 10% do total cometido. Os dados da Fundação Casa, no próprio Estado de São Paulo dão mostra de que o principal motivo das internações dos jovens não são os crimes que terminam em morte, mas sim o tráfico de drogas, que representa 41,8% do total. Os latrocínios, como no caso do universitário morto representam 0,9% dos atos cometidos por menores.

            Pretender que o encaminhamento desses jovens em conflito com a lei aos presídios brasileiros possa construir alguma solução para o problema da violência juvenil é, na melhor das hipóteses, uma ingenuidade sem precedentes. Muitas vezes, não obstante, não há que se falar em ingenuidade, mas em demagogia mesmo, em seu estado puro. O discurso em favor do endurecimento penal procura estabelecer uma sintonia com as angústias disseminadas socialmente por conta da sensação de insegurança. O endurecimento da lei penal baseia-se muito mais na necessidade de satisfazer o clamor popular do que em dados de pesquisas.

            Concretamente, a eventual aprovação da redução da idade penal só logrará agravar ainda mais as condições de execução penal no Brasil, e nos oferecerá o gosto amargo de uma nova impossibilidade: a de recuperar jovens infratores em convívio com presos adultos, em presídios ou em delegacias de polícia.

            É preciso compreender que imputabilidade penal até aos 18 anos de idade não é sinônimo de impunidade e que defender a sua redução para 16 anos se revela uma visão equivocada daqueles que acreditam que somente endurecendo a legislação penal se fará política criminal conseqüente.

            Fugir das respostas simplistas é nossa obrigação de mulheres e homens públicos, porque não podemos transformar o drama da violência em espetáculo, não é digno oferecermos como remédio um placebo, não há honra em fazer política com cadáveres; tampouco devemos permitir que, por conta da tragédia, se renovem os apelos em favor da intolerância.

            Era o que tinha para o momento.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/04/2013 - Página 21359