Pela Liderança durante a 60ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Pedido de esclarecimentos acerca do Relatório Figueiredo, encontrado recentemente no Museu do Índio-RJ.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO, POLITICA INDIGENISTA.:
  • Pedido de esclarecimentos acerca do Relatório Figueiredo, encontrado recentemente no Museu do Índio-RJ.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2013 - Página 22332
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO, POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, REFERENCIA, RELATORIO, ASSUNTO, VIOLENCIA, AUTORIA, GOVERNO FEDERAL, COMUNIDADE INDIGENA, PERIODO, DITADURA, REGIME MILITAR, IMPORTANCIA, TRABALHO, INVESTIGAÇÃO, COMISSÃO, VERDADE.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, os que nos assistem pela TV Senado e os que nos ouvem Rádio Senado, há duas semanas tornou-se de conhecimento público que foi encontrado, no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, um documento que estava desaparecido há 45 anos e que se imaginava teria sido consumido em um incêndio ocorrido no Ministério da Agricultura, durante a ditadura militar.

            Esse documento, de 1968, conhecido como Relatório Figueiredo, é um relato, com mais de sete mil páginas, sobre um conjunto de crimes que envergonham o Estado brasileiro.

            O documento, produzido pelo Procurador do então Serviço de Proteção ao Índio, é um dos documentos mais importantes produzidos pelo Estado brasileiro no último século. O chamado Relatório Figueiredo apurou matanças de tribos indígenas inteiras, torturas de toda sorte, crueldades praticadas contra indígenas em todo o País, principalmente por latifundiários e funcionários do extinto Serviço de Proteção ao Índio, o SPI.

            Esse documento ressurge praticamente intacto. Como disse, supostamente, esse documento teria sumido em um incêndio ocorrido no Ministério da Agricultura. Ele foi reencontrado no Museu do Índio, no Rio de Janeiro, e tem quase sete mil páginas, contendo 29 dos 30 tomos originais.

            O documento traz passagens revoltantes, Srª Presidente. Em um dos trechos do documento é descrito um tipo de tortura produzida por funcionários do Serviço de Proteção ao Índio que consistia na trituração do tornozelo de indígenas. Colocado entre duas estacas enterradas juntas em ângulo agudo, as extremidades eram ligadas por roldanas. Elas eram aproximadas lenta e continuamente. Trata-se de uma descrição macabra de um instrumento de tortura utilizado por agentes do Estado brasileiro, nos anos 60, contra indígenas, a serviço do latifúndio.

            Essa é somente uma das atrocidades que constam desse documento. Constam outras: caçadas humanas, promovidas com metralhadoras e dinamites atiradas de aviões; inoculações propositais de varíola em povoados isolados, doação de açúcar misturado com estricnina, um veneno.

            O texto foi produzido pelo então Procurador Jader de Figueiredo Correia. Ele mostra a ação genocida e impune do Estado brasileiro.

            O Relatório ressuscita incontáveis atrocidades e deve ser tratado com a seriedade que o caso requer pela Comissão da Verdade. Lembremos que a Comissão da Verdade foi instituída para averiguar os atos de violência praticados pelo Estado brasileiro entre 1946 e 1988.

            Essa investigação, feita pelo então Procurador Jader de Figueiredo Correia, ocorreu em plena ditadura militar, a pedido do então Ministro do Interior, Albuquerque Lima. Ela foi iniciada em 1967 e foi resultado de uma expedição que percorreu mais de 16 mil quilômetros, entrevistou dezenas de agentes do SPI e visitou mais de 130 postos indígenas.

            Jader de Figueiredo e sua equipe constataram diversos crimes, propuseram a investigação de muitos outros crimes atribuídos pelos índios e se chocaram com a crueldade e a bestialidade de agentes públicos. Ao final, no entanto, o Brasil foi privado, naquela época, da possibilidade de fazer justiça.

            O Ministro do Interior de então, Albuquerque Lima, chegou a recomendar a demissão de 33 pessoas do Serviço de Proteção ao Índio e a suspensão de outras 17, mas, posteriormente, o conjunto dos funcionários denunciados pelo chamado Relatório Figueiredo foi inocentado pela Justiça durante a ditadura militar.

            Os únicos registros do relatório disponíveis, até hoje, eram os presentes em reportagens publicadas na época de sua conclusão, quando, então, houve uma entrevista coletiva no Ministério do Interior, em março de 1968, para detalhar, naquela época, o que foi constatado por Jader de Figueiredo Correia e sua equipe.

            A entrevista teve, na época, inclusive repercussão internacional, com destaque no The New York Times. No entanto, depois da entrevista, o que ocorreu não foi a continuação das investigações ou a responsabilização dos culpados, mas a exoneração de funcionários que haviam participado do trabalho. Quem não foi demitido à época foi trocado de função, numa clara tentativa da ditadura de esconder o que havia acontecido.

            Em 13 de dezembro, como todos nós sabemos, vem o Ato Institucional nº 5, que restringe liberdades civis e torna o regime militar, a ditadura, ainda mais rígida.

            O Vice-Presidente do grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo, coordenador do Projeto Armazém Memória, Marcelo Zelic, é um dos que descobriram o conteúdo do documento. Ele afirma que, antes de ser achado, o Relatório Figueiredo já havia se tornado motivo de preocupação para setores que estão, possivelmente, envolvidos nas denúncias. Alguns chegam a dizer que, abre aspas, “já tem gente tentando desqualificar o relatório”. É, claramente, o medo de ele aparecer. “As pessoas estão criticando o documento sem ter lido”, afirma Marcelo Zelic, do grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo.

            Zelic foi mais adiante. Ele diz:

É espantoso que exista na estrutura administrativa do País repartição que haja descido a tão baixos padrões de decência. E que haja funcionários públicos cuja bestialidade tenha atingido tais requintes de perversidade. Venderam-se crianças indefesas para servir aos instintos de indivíduos desumanos. Torturas contra crianças e adultos em monstruosos e lentos suplícios, a título de ministrar justiça.

            Este é um trecho, citado por Zelic, do Relatório Figueiredo.

            Em outra página, o relatório de Jader Figueiredo diz que, em uma fazenda do Maranhão, “fazendeiros liquidaram toda uma nação sem que o Serviço de Proteção ao Índio opusesse qualquer reação”.

            Em outro trecho - e aí é um dos trechos mais dramáticos descritos pelo Procurador -, narra sua passagem pela região de Guarita, no Rio Grande do Sul, na área da 7ª Inspetoria do Serviço de Proteção ao Índio, quando ele deparou com duas crianças indígenas em péssimo estado de saúde. Diz no relatório:

Em Guarita, seguindo uma família que se escondia, fomos encontrar duas crianças sob uma moita tendo as cabecinhas quase completamente apodrecidas de horrorosos tumores, provocados por berne, parasita bovino.

            Ele escreve mais detalhadamente no documento outras atrocidades cometidas no período.

            Segundo informação que nos chega, Sr. Presidente, foram recuperadas mais de sete mil páginas desse documento, produto de expedição comandada pelo então Procurador Jader Figueiredo.

            O detalhamento dos documentos dá conta inclusive do desaparecimento de quase toda uma nação indígena, os Kadiwéus, que receberam uma área de 374 mil hectares doada então pelo Imperador Pedro II devida a participação desse povo na Guerra do Paraguai.

            Essas atrocidades, Sr. Presidente, necessitam ser esclarecidas, Por isso, é fundamental que a Comissão Nacional da Verdade - instituição aprovada por este Congresso Nacional, por este Parlamento, instituição fundamental para a reconciliação nacional, instituição indispensável para que o nosso País encontre a verdade - apure tudo que ocorreu não só durante a ditadura militar, mas no período que vai de 1946 a 1988, e se aprofunde nas informações e dados que estão expostos nesse chamado Relatório Figueiredo.

            Protocolizarei, Sr. Presidente, amanhã, requerimento à Comissão de Direitos Humanos e, notadamente, à Subcomissão da Verdade, que instalamos na Comissão de Direitos Humanos do Senado, para que seja convidado a apresentar mais dados desse relatório na Comissão o Sr. Marcelo Zelic, Vice-Presidente do grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo, que teve acesso ao inteiro teor do Relatório Figueiredo.

            Sr. Presidente, os dados desse relatório envergonham o Estado brasileiro. O detalhamento que nos chega das atrocidades praticadas pelo Estado brasileiro, por agentes do então Serviço de Proteção ao Índio, contra populações indígenas inteiras, são horrores que fariam a máquina de guerra nazista, que fariam o que foi praticado pela Gestapo parecer brincadeira de criança.

            Vejam que horrores e torturas praticadas por instrumentos de tortura que destroem tornozelos, práticas de tortura contra crianças indígenas, extermínio de povos inteiros, denúncia de execuções sumárias, atuação de agentes do Estado brasileiro como cúmplices de latifundiários só mostram o nível de prática horrenda que ocorreu durante o período da ditadura.

            O mais grave - eu quero destacar - é que os dados desse Relatório indicam que a investigação foi pedida pelo então Ministério do Interior durante um governo da ditadura e que, posteriormente, após a conclusão do relatório, os agentes que investigaram foram afastados, os agentes do Serviço de Proteção ao Índio foram inocentados pelo regime e que aqueles que investigaram foram responsabilizados pelo regime.

            É urgente o esclarecimento do que ocorreu, a responsabilização, não tardia, do Estado brasileiro e a indenização devida aos povos indígenas por esses crimes praticados.

            Lembremos que estamos falando de um documento de 40 ou 45 anos atrás que mostra que muitos aspectos da nossa história e muitos aspectos ocorridos durante a ditadura continuam sem o esclarecimento devido.

            Por isso, Sr. Presidente, considero fundamental - estamos apresentando requerimento à Subcomissão da Memória, Verdade e Justiça, que integra a nossa Comissão de Direitos Humanos - a presença do Sr. Marcelo Zelic aqui, considero indispensável que cópias do Relatório Figueiredo sejam encaminhadas à Comissão de Direitos Humanos e à nossa Subcomissão da Verdade e considero indispensável a Comissão Nacional da Verdade, o quanto antes, apurados os dados desse relatório, trazer à tona a verdade e todo o detalhamento dos crimes praticados contra nações indígenas inteiras.

            Aliás, está cada vez mais claro que o capítulo dos crimes praticados contra nações indígenas é um capítulo encoberto, escondido entre centenas de milhares de atrocidades cometidas pela ditadura militar brasileira. As atrocidades praticadas contra nações indígenas são somente um dos capítulos. As informações que nos chegam dão conta da dizimação de povos, de etnias indígenas inteiras como obra do regime autoritário.

            Por isso, Sr. Presidente, quero insistir e reiterar: a Comissão Nacional da Verdade foi instituída há mais ou menos um ano, e é fundamental que, o quanto antes, a Comissão Nacional da Verdade apresente os trabalhos de sua investigação.

            É fundamental, cada vez mais, que investiguemos e apuremos os dados sobre o que ocorreu durante a ditadura brasileira. Mais se torna necessário para a construção da nossa democracia, de agora em diante, que nós apuremos detalhadamente as arbitrariedades e atrocidades cometidas no período de 1964 a 1985 em nosso País.

            O que não for feito ou que for feito lentamente pela Comissão Nacional da Verdade... É papel do Parlamento brasileiro, através da Comissão da Verdade, instituída na Câmara dos Deputados, e da Subcomissão da Verdade, instituída na Comissão de Direitos Humanos, apurar.

            As instituições democráticas não podem ficar inertes. Não pode o Brasil amargar seu passado e levar na sua história máculas como essas cometidas pelo Estado brasileiro contra civilizações inteiras, contra todos os povos indígenas. Esses são, stricto sensu, em primeira análise, atos de barbárie praticados contra o Estado brasileiro.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2013 - Página 22332