Discurso durante a 60ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à liminar concedida pelo STF que suspendeu a tramitação do Projeto de Lei da Câmara nº 14, de 2013; e outro assunto.

Autor
Humberto Costa (PT - Partido dos Trabalhadores/PE)
Nome completo: Humberto Sérgio Costa Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. PODERES CONSTITUCIONAIS.:
  • Críticas à liminar concedida pelo STF que suspendeu a tramitação do Projeto de Lei da Câmara nº 14, de 2013; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 30/04/2013 - Página 22334
Assunto
Outros > HOMENAGEM. PODERES CONSTITUCIONAIS.
Indexação
  • VOTO DE PESAR, COMPOSITOR, MUSICA POPULAR, BRASIL.
  • CRITICA, LIMINAR, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), SUSPENSÃO, TRAMITAÇÃO, PROJETO DE LEI, REGULAMENTAÇÃO, UTILIZAÇÃO, TEMPO, RADIO, TELEVISÃO, PROPAGANDA ELEITORAL, LIMITAÇÃO, CRIAÇÃO, PARTIDO POLITICO, DEFESA, AUTONOMIA, PODERES CONSTITUCIONAIS.

            O SR. HUMBERTO COSTA (Bloco/PT - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, ouvintes da Rádio Senado e telespectadores da TV Senado, antes de iniciar meu pronunciamento, eu queria aqui registrar, com muito pesar, a morte de um grande brasileiro, o compositor Paulo Vanzolini, professor universitário, biólogo reconhecido internacionalmente e um dos maiores compositores da Música Popular Brasileira. Quero aqui externar minhas condolências à família e a todos os brasileiros, que perdem, com toda certeza, um grande quadro da nossa cultura e da nossa música.

            Sr. Presidente, na quarta-feira passada, dia 24, a votação do Projeto de Lei da Câmara nº 14, de 2013, foi interrompida por uma liminar concedida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes. O projeto impede Deputados de levarem tempo de rádio e televisão e fundo partidário para novo partido.

            A liminar emperra a tramitação do projeto até que o mandado de segurança impetrado pelo Senador Rodrigo Rollemberg seja examinado pelo Pleno do Tribunal.

            A decisão do Supremo reabriu um debate que gostaria de tratar hoje nesta tribuna. Refiro-me à ingerência no Poder Legislativo. A liminar deferida pelo eminente Ministro incorreu em grave intromissão do Poder Judiciário no Poder Legislativo, ferindo de morte o princípio da separação e harmonia entre os Poderes, bem como o Estado democrático de direito e a democracia.

            A história da separação dos Poderes é a história da evolução da limitação do poder político, o chamado sistema de freios e contrapesos, objetivo fundamental dessa doutrina.

            A nossa atual Constituição divide o poder e individualiza seus órgãos, superando qualquer ideia de prevalência de um sobre o outro, por meio da compreensão da necessidade de equilíbrio, independência e harmonia entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, admitindo-se a interferência como mecanismo de controle e vigilância recíprocos de um Poder sobre o outro relativamente ao cumprimento dos deveres constitucionais de cada um.

            A materialidade da competência de cada Poder não é elemento de deliberação de qualquer outro, o que significa dizer que, mesmo que o Legislativo discorde do resultado de uma decisão judicial, uma vez tomada dentro dos parâmetros legais e constitucionais, não tem poder nem deve querer modificá-la.

            O sistema constitucional de controle dos atos normativos estabelece que o Legislativo é responsável pela verificação prévia da constitucionalidade dos projetos de lei por meio de suas comissões e do Plenário, exatamente o que estava em vias de acontecer.

            Outro controle sobre a constitucionalidade é posteriormente exercido pelo Presidente da República após a aprovação do projeto no Congresso Nacional, ao sancionar ou vetar o projeto de lei. Somente após a chancela do Legislativo e do Executivo é que o Judiciário realiza o controle da constitucionalidade, portanto, a posteriori.

            O Supremo Tribunal Federal possui um dos mais significantes exemplos de controle do Poder Judiciário exercido em relação ao Legislativo, que é aquele da constitucionalidade das leis produzidas. O art. 102 da Constituição Federal de 1988 prevê, inclusive, o poder do STF de determinar a suspensão da execução de lei inconstitucional.

            O controle de constitucionalidade prévio dos atos legislativos, admitido pela jurisprudência do STF, é feito excepcionalmente, quando há flagrante desrespeito ao devido processo legislativo ou aos direitos e garantias fundamentais, ou seja, quando estão em risco as cláusulas pétreas, atacadas por emendas constitucionais, por propostas de emendas constitucionais.

            O que a Constituição Federal de 1988 não prevê é qualquer legitimidade democrática de decisões jurídicas que tenham por escopo fazer parar, invalidar ou retroceder o processo legislativo legalmente instituído, como ocorreu na última quarta-feira, dia 24. Vale ressaltar que o Projeto de Lei nº 14/2013 seguiu os trâmites previstos nos Regimentos da Câmara e do Senado.

            Foi bastante pertinente, portanto, a iniciativa tomada por esta Casa, que protocolou na quinta-feira, dia 25, pedido no STF para que fosse revista a liminar do eminente Ministro Gilmar Mendes.

            Nas 17 páginas de sua decisão, o ilustre Ministro Relator do mandado de segurança teceu argumentos sobre como compreende o sistema eleitoral à luz das decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) - aliás, decisões muitas vezes tomadas em sessões administrativas, passíveis de questionamento de legalidade - e do próprio Supremo Tribunal Federal, sem conseguir demonstrar onde houve, no legítimo processo legislativo, tanto na Câmara dos Deputados, quanto aqui no Senado Federal, tentativa de violação aos princípios democráticos do pluripartidarismo e da liberdade de criação de legendas.

            Ao contrário, as decisões incompletas tomadas pelo Tribunal Superior Eleitoral, muitas vezes fora do prazo eleitoral, reformadas ou reiteradas pelo Supremo Tribunal Federal é que, muitas vezes, criam situações completamente esdrúxulas no processo eleitoral.

            Tal foi o caso quando o TSE editou a Resolução n° 22.610, de 2007, disciplinando as “justas causas” como exceção à regra de fidelidade partidária e incluiu entre elas a criação de novas legendas.

            Qual o fundamento jurídico em que se assenta essa exceção? Seria de bom alvitre que o Judiciário pudesse responder a essa pergunta, já que ela não se encontra no teor da decisão.

            Disse o eminente Ministro Gilmar Mendes, em sua decisão liminar que suspendeu o processo legislativo, que leis casuísticas são altamente questionáveis. O mesmo podemos dizer para decisões jurídicas casuísticas.

            Como representantes legitimamente eleitos pelo povo, não podemos nos calar diante de um decisionismo que, aparentemente, é parte daquilo que é dito politicamente correto e judicialmente justo com o uso de jargões jurídicos e retóricas supostamente republicanas, como se ao Judiciário coubesse corrigir o que entende de equivocado nas decisões do Legislativo.

            Essa prática é profundamente danosa a valores extremamente caros ao Estado democrático de direito e à democracia, porque permite que juízes imponham suas preferências e seus valores sobre o mérito das matérias legislativas, passando por cima de deliberações do legislador.

            Compreendemos que existem opiniões contrárias ao PLC n° 14, mas essa era uma discussão que seria travada aqui no Congresso Nacional, no exercício de suas funções. A atividade parlamentar lida com o conflito de ideias, e sempre haverá um grupo político inconformado com o resultado das atividades. Mas isso não pode ser motivo para tentar impedir o Legislativo de exercer plenamente suas funções.

            Todos aqui concordam com o teor desse projeto. Todos os que se manifestaram no Senado e na Câmara são a favor da fidelidade partidária, são contra a ideia de que um Parlamentar, ao ir para um novo partido, leve o tempo de televisão e os recursos do fundo partidário, mas faziam o questionamento de que isso não poderia valer agora. O casuísmo não era a proposta. Era, na visão deles, o fato de ela ser votada agora e valer para 2014.

            Em primeiro lugar, aquilo que é correto, que é juridicamente correto e que é democraticamente correto não serve agora, ou não serve para depois e não serve agora. Se é uma questão de princípio, se é um processo de amadurecimento e fortalecimento da democracia, a qualquer tempo em que se faça dentro da legalidade, dentro da Constituição e dentro das regras do Parlamento, é perfeitamente aceitável e positivo.

            Aqui, usaram o argumento de que o Partido dos Trabalhadores era o interessado nessa proposta, de que o PT formou o PSD, que veio para a base do Governo, e agora não queria que outros partidos se formassem. Eu quero lembrar aos que me estão ouvindo agora: procurem ler nos jornais, à época em que foi criado o PSD, quem se vangloriava de apoiar a criação do PSD, quem se vangloriava de dizer que o PSD já tinha compromisso político com determinada candidatura à Presidência da República. Agora que o PSD mudou sua posição em relação a isso, querem atribuir ao PT a criação desse projeto. O PT não foi favorável a que se rompesse o que estava determinado na lei quando o TSE definiu que os Parlamentares que migrassem para novo partido poderiam levar o tempo de televisão e o tempo de rádio.

            E digo mais a V. Exª, digo mais: de um lado, estão aqueles que, usando o argumento da criação da Rede Democrática, usando a figura respeitada pelo Brasil e por todos nós, que é a ex-Ministra Marina Silva, escondem, na verdade, as verdadeiras razões. Os que estão usando a Rede Democrática, de Marina, como pretexto para combater o PT querem, na verdade, beneficiar-se a si próprios. Eles não estando querendo a Rede Democrática, eles estão querendo a Mobilização Democrática. É isso que eles querem, porque sabem, em primeiro lugar, que não é fácil construir um partido no momento em que foi dado início à construção da Rede Democrática. E sabem também, até pelas convicções político-ideológicas que a ex-Ministra e ex-Senadora Marina Silva tem, que não serão muitos os Parlamentares que vão migrar para a Rede Democrática. Migrarão, sim, para a Mobilização Democrática. Os que realmente têm interesse em barrar esse projeto estão usando como pretexto o argumento de que não se quer permitir que a Rede Democrática exista.

Não, ela existirá. Conseguindo as 600 mil assinaturas, ela existirá.

            E aqui eu disse, na semana passada: se estão preocupados com o tempo de televisão, por que não apresentam uma proposta para que aquela parte do tempo de rádio e televisão que é dividida igualmente seja aumentada? Por que não propõem isso? Ao contrário, todos eles querem o que esse projeto de lei esconde, o que esse projeto de lei traça como objetivo em termos de divisão do tempo de televisão. Todos os partidos que aqui se colocaram contra vão ganhar mais tempo de televisão.

            Existe uma história que se conta, e eu já tentei por várias vezes identificar a situação, a fonte, os atores, mas apenas vou citar o milagre, porque eu não consegui identificar o santo. Mas conta-se que, num determinado Parlamento deste País, numa determinada situação, o PSD tinha um Parlamentar que se posicionou juntamente com o seu partido contra a criação de um benefício para os Parlamentares, uma dessas sinecuras que acontecem muitas vezes no Parlamento, privilégios. E, ao discursar, disse: “Sou contra. Meu partido é contra, e nós votaremos contra.” Ao descer da tribuna, disse ao primeiro que estava ao lado dele: “Mas eu confio no patriotismo da maioria.”

            É isso o que está acontecendo aqui. Muitos partidos, que vêm aqui para fazer discurso contra o PT, contra a Presidenta da República, no fundo estão torcendo para que essa lei seja aprovada e para que se coloque nas costas do PT a responsabilidade por eventualmente algum partido não se organizar.

            Na verdade, o que deveria ter sido feito era discutir aqui a constitucionalidade, tentar derrotar a constitucionalidade, tentar apresentar uma emenda, para que essa proposta não valesse agora, e, só então, se fosse o caso, recorrer ao Supremo Tribunal Federal, para que ele pudesse julgar, a posteriori, se essa lei era constitucional ou não.

            Falam do autoritarismo do PT. V. Exª, ao usar a tribuna, disse muito bem: são dez anos de Governo. Identifiquem, neste País, ao longo desses dez anos de Governo, um ato do Presidente Lula ou da Presidenta Dilma que visasse a cercear as liberdades democráticas, que visasse a cercear o direito de organização política, partidária, sindical, qualquer deles. Ao contrário. Nesses dez anos, nós só fortalecemos a democracia. Tanto é que alguns se acham no direito de vir a esta tribuna e comparar a Presidenta Dilma com generais de ditadura. Agem muitas vezes como inimputáveis. Acham que podem dizer tudo. A democracia é tão grande neste País que um Parlamentar pode desrespeitar a autoridade máxima do Poder Executivo.

            Portanto, nós não vamos aceitar essa pecha. A Presidenta Dilma foi uma combatente da liberdade, padeceu na tortura por defender o direito de o povo brasileiro expressar livremente suas ideias e suas opiniões. Nós não vamos aceitar essa pecha que nos querem imputar.

            Falam de casuísmo, mas o que foi a emenda da reeleição na década de 90? Vários dos que agora falam em casuísmo patrocinaram aquela emenda que permitiu a reeleição do Presidente Fernando Henrique Cardoso e depois de presidente, governadores e prefeitos Brasil agora.

            Portanto, não há autoridade política a esses partidos, aos seus líderes, aos seus Parlamentares, para fazerem esse ataque à Presidenta da República, ao Partido dos Trabalhadores.

            Sr. Presidente, eu quero, na tarde de hoje, aqui dizer que aguardo com muita esperança que o diálogo que hoje aconteceu entre o Presidente do Senado, Renan Calheiros, o Presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, e o eminente Ministro Gilmar Mendes contribua para que haja um processo de reflexão de parte a parte, para que haja entendimento, a fim de que as funções do Congresso Nacional sejam preservadas, bem como as funções do Supremo Tribunal Federal.

            Não há de nossa parte, não há da parte do PT qualquer iniciativa, qualquer tentativa de restringir os poderes do Supremo Tribunal Federal. Não podemos falar pela posição de um Parlamentar, mas não foi o Partido dos Trabalhadores que bancou qualquer emenda que viesse a estabelecer qualquer restrição.

            Nós iríamos discutir, debater. Se essa proposta chegar ao Senado, nós vamos discuti-la, debatê-la. Nós somos defensores e escravos da Constituição. Não vamos apoiar qualquer medida que quebre a harmonia entre os Poderes, que quebre a independência entre os Poderes, porque isso seria quebrar a própria democracia.

            Muitos vêm a esta tribuna para dizer que lutaram contra a ditadura. Não foram os únicos. Muitos de nós lutamos no movimento sindical, em organizações clandestinas. Eu próprio fiz parte de um partido clandestino, na época da ditadura. Militei no movimento estudantil, no movimento sindical, lutando pela liberdade. Será que, no Brasil, teríamos conquistado a democracia, se não tivesse havido o movimento sindical do ABC, que, com várias greves, colocou a necessidade da organização sindical e colocou também em cheque a ditadura militar? É óbvio que foi importante o papel dos partidos que existiam àquela época, dos Parlamentares, que tinham a coragem de denunciar as arbitrariedades da ditadura. Com certeza, não foram os únicos. Isso foi uma conquista da sociedade brasileira.

            Portanto, não aceitamos aqui quem quer que seja que venha questionar o compromisso do Partido dos Trabalhadores com a democracia, com as liberdades democráticas, com o respeito à Constituição.

            Sr. Presidente, entendo que tudo o que nós desejamos é que possamos ter amanhã, nos jornais, a notícia alvissareira de que os ânimos estão serenados, de que cada um dos Poderes vai discutir como enfrentar essas questões, respeitando os espaços de cada um e fazendo com que haja essa harmonia.

            Assim, quero manifestar aqui o meu posicionamento. Entendo que a separação dos Poderes não é algo abstrato. É necessário que os magistrados e os Parlamentares tenham a mesma consciência quando proferirem suas decisões sobre o processo legislativo, sobre a Constituição brasileira, sob pena de se imiscuírem, reciprocamente, em competências que não são as suas.

            Muito obrigado, Sr. Presidente, pela tolerância. Obrigado senhores ouvintes da Rádio Senado e senhores telespectadores da TV Senado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/04/2013 - Página 22334