Discurso durante a 65ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagens ao Sr. Paulo Vanzolini, falecido recentemente; e outro assunto.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA CULTURAL.:
  • Homenagens ao Sr. Paulo Vanzolini, falecido recentemente; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 08/05/2013 - Página 23983
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • REGISTRO, REQUERIMENTO, VOTO DE PESAR, HOMENAGEM POSTUMA, COMPOSITOR, ESPECIALISTA, ZOOLOGIA, COMENTARIO, IMPORTANCIA, PESSOAS, CULTURA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ELOGIO, HISTORIA, VIDA PUBLICA.
  • SUGESTÃO, ORADOR, ELOGIO, FILME, ASSUNTO, HISTORIA, CANTOR, COMPOSITOR, BRASILEIROS.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Paulo Davim, encaminhei à Mesa requerimento para inserção em ata de voto de pesar pelo falecimento do compositor e zoólogo Paulo Vanzolini.

            Acho que alguns Senadores já falaram a respeito, mas como, em sendo de São Paulo, eu não pude estar aqui na semana passada, então eu avaliei que é muito importante que eu possa aqui propor este requerimento para inserção em ata de homenagem ao compositor e zoólogo Paulo Vanzolini, falecido domingo, dia 28 de abril, aos 89 anos, no Hospital Albert Einstein, vítima de complicações decorrentes de uma pneumonia, bem como a apresentação de condolências à sua esposa, a cantora Ana Bernardo, e aos seus cinco filhos.

            O meio ambiente e o samba estão de luto. Paulo Vanzolini, um dos grandes ícones do samba paulistano e renomado zoólogo faleceu.

            Compositor dos clássicos Ronda, Volta por Cima e Praça Clóvis, Vanzolini teve suas músicas interpretadas pelos grandes nomes da música popular brasileira, como Chico Buarque, Maria Bethânia e Paulinho da Viola. Na zoologia, podemos destacar o incansável trabalho de desvendar parte do mistério que cerca a origem da biodiversidade amazônica.

            Ele nasceu em São Paulo, em 25 de Abril de 1924. Filho de um engenheiro, foi para o Rio de Janeiro, com a família, quando tinha quatro anos, mas voltou para São Paulo dois anos depois.

            A paixão pelo samba surgiu desde que tinha dez anos de idade. Desde cedo, habituou-se a ouvir sambas nas rádios. Cursou o primário no Instituto Rio Branco e, depois, concluiu o ginásio numa escola pública estadual. Gostava de ir aos bailes na sede do Glorioso Futebol Clube, perto de sua casa, e lá se sentava ao lado da orquestra, somente para ouvir música. Na adolescência, começou a frequentar rodas de malandros, cultivando desde então uma combinação peculiar entre boêmia e paixão pelos estudos. O interesse por zoologia de vertebrados levou-o a cursar a Faculdade de Medicina, aos 18 anos. O serviço militar interrompeu seus estudos por dois anos. Assim que retomou o curso de medicina, começou a dar aulas no Colégio Bandeirantes e foi trabalhar no Museu de Zoologia, da Universidade de São Paulo. Formou-se em 1947, casou-se no ano seguinte, e foi para os EUA, onde se doutorou em zoologia, sua paixão, na Universidade de Harvard.

            Antônio Carlos Prado, em seu artigo, na Revista IstoÉ, definiu Paulo Vanzolini como o grande cientista, o grande compositor que, dotado de uma grande delicadeza, vangloriou São Paulo nas suas músicas e com seu trabalho junto ao Museu de Zoologias da Universidade de São Paulo, que dirigiu por 31 anos. Quando comentavam seu lado de zoólogo, ele dizia: "Quando Deus me fez zoólogo, sabia o que estava fazendo". Com a ajuda de Aziz Ab'Saber, nosso querido Professor de Geografia da USP,

            Com ajuda de Aziz Ab’Saber, nosso querido professor de geografia da USP, e Ernest Williams, de Harvard, Vanzolini propôs uma explicação para a origem da biodiversidade amazônica: no passado, a Floresta Amazônica teria encolhido e se expandido diversas vezes. Com o espalhamento da floresta nos períodos úmidos, as espécies se misturavam. E assim, juntando os dados, os três cientistas demonstraram como teria se formado parte da biodiversidade que hoje encontramos na Amazônia.

            Em 1993, depois de três décadas como diretor do Museu de Zoologia, teve aposentadoria compulsória, mas continuou trabalhando de segunda a sábado na instituição. Dizia ele: “É a única coisa de que gosto, a única coisa que sei fazer. (...) Um dia, eu nasci e já era zoólogo”, comentou, em 2002, à revista Scientific American Brasil.

            O cientista e pesquisador foi também um dos grandes nomes do samba paulista, compositor de clássicos como Ronda, Praça Clóvis e Volta por Cima. Ainda na Faculdade de Medicina, integrou as caravanas musicais do Centro Onze de Agosto, da Faculdade de Direito, participando de shows no interior. Mas a paixão pela música veio na virada de 1948 para 1949, em Boston, quando fazia doutorado em Harvard.

            Era considerado compositor bissexto. Compunha nas horas vagas e suas músicas chegavam a demorar um ano para ficarem prontas. "Não tenho carreira de compositor. Música, para mim, é um hobby. Trabalho 15 horas por dia como zoólogo, adoro minha profissão. Não sei cantar, nem sei a diferença entre o tom maior e o menor", disse, em 1997, à Folha. "Na primeira vez que entrei num bar de jazz, eu quase desmaiei", contou ao Museu da Pessoa.

            A primeira composição, Ronda, é de 1951, ano em que também publicou o volume de poemas Lira, pelos Cadernos do Clube de Poesia de São Paulo. A canção seria gravada só dois anos depois, em 1953, no lado B de um LP de Inezita Barroso, de quem era amigo. Ficaria famosa na voz de Márcia, uma das intérpretes preferidas do compositor, nos anos 1960, e ganharia o País graças também a intérpretes como Bethânia, Carmen Costa, Angela Maria e Nora Ney. Para Vanzolini, ninguém entendera a ironia contida na letra, "é uma piada, a mulher está atrás do cara para desperdiçar um pente de revólver”.

            Em 1963, foi a vez de o cantor Noite Ilustrada lançar a segunda composição de Vanzolini a ser gravada: Volta por Cima -- antes recusada por Inezita, que a considerou pouco comercial. A gravação, além de se tornar conhecida no País inteiro, foi incluída no filme O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, em 1969, que renderia a Glauber Rocha o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes. A música faria sucesso também na voz de Jair Rodrigues, que até hoje canta, como o fez com seus filhos, em Altas Horas, de Serginho Groisman, no último sábado.

            Só em 1967, mais de vinte anos depois de começar a compor, Vanzolini teria um disco inteiro gravado com suas canções. Produzido por seus amigos Luís Carlos Paraná (dono do lendário bar Jogral) e Marcus Pereira, 11 Sambas e uma Capoeira teve músicas interpretadas por nomes como Chico Buarque (Praça Clóvis e Samba Erudito), Cristina Buarque (Chorava no Meio da Rua) e o próprio Paraná (Capoeira do Arnaldo). Anos depois, esse seria considerado pelo compositor como seu único disco "que presta".

            Em 2010, 47 dos seus mais de 150 artigos científicos foram reunidos no livro Evolução ao Nível de Espécie: Répteis da América do Sul, organizado por Andréa Bartorelli, Murilo de Andrade Lima Lisboa, Virginio Mantesso-Neto e Dione Seripierri e apoiado pela Fapesp.

            Vanzolini foi membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC), agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, premiado pela Fundação Guggenheim, em Nova York, por sua contribuição para o progresso da ciência e ganhador do Prêmio Conrado Wessel 2011.

            Foi homenageado com a nominação de pelo menos quinze táxons de insetos, anfíbios, répteis, aracnídeos e até um mamífero - Alpaida vanzolinii (1988), Vanzosaura (1991) e Anolis vanzolinii (1996), entre outros. Seu corpo foi enterrado nesta segunda-feira, 29 de abril, no Cemitério da Consolação, em São Paulo.

            Sua história dupla, dividida entre duas paixões - a música e a zoologia - rendeu o documentário Um Homem de Moral, de 2009, do cineasta Ricardo Dias, que registra os preparativos para um show realizado em 2003 no Sesc Vila Mariana. Com o mesmo diretor, Vanzolini filmou outros dois documentários, ambos sobre sua vida na área científica.

            Entre suas publicações estão Tempos de Cabo, de 1981, e Lira, de 1952. A discografia conta com discos como Onze sambas e uma capoeira, de 1967, com 12 composições interpretadas...

(Soa a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) -...por artistas como Chico Buarque, Adauto Santos, Luiz Carlos Paraná e Mauricy Souza e com arranjos de Toquinho. Outro álbum lançado por Vanzolini é "Por ele mesmo", que saiu em 1981 e foi o primeiro no qual ele também cantou.

            “Samba é paciência”, sempre repetia Vanzolini. Em conversa com o pesquisador Assis Ângelo, ele contou que levou 25 anos para terminar a letra de “Pedacinhos do Céu”. Autodeclarado duro de ouvir e incapaz de escrever ou ler partituras, Vanzolini começou a compor os seus sambas tipicamente paulistanos ainda no início dos anos 40. Foram cerca de 70 canções, uma das últimas foi “Quando Eu For, Eu Vou Sem Pena”, gravada por Chico Buarque em 1997.

            No mês passado, Vanzolini foi um dos 87 artistas a se apresentar no Teatro Oficina, promovido pela Casa de Francisca, pequena casa de shows paulistana. Também em março, recebeu o Prêmio Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) pelo conjunto da obra.

            Falar de Vanzolini obrigatoriamente é falar de Ronda e Volta Por Cima, cujos versos eu gostaria aqui citar, se me permite o Presidente Paulo Davim:

Ronda

De noite eu rondo a cidade

A te procurar sem encontrar

No meio de olhares espio em todos os bares

Você não está

Volto pra casa abatida

Desencantada da vida

O sonho alegria me dá

Nele você está

Ah, se eu tivesse quem bem me quisesse

Esse alguém me diria

Desiste, esta busca é inútil

Eu não desistia

Porém, com perfeita paciência

Volto a te buscar

Hei de encontrar

Bebendo com outras mulheres

Rolando um dadinho

Jogando bilhar

E neste dia então

Vai dar na primeira edição

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Vou concluir, Sr. Presidente, com a Volta Por Cima.

Vai dar na primeira edição

Cena de sangue num bar

Da avenida São João

            Outra foi essa música que tantas vezes, na minha adolescência, eu cantarolava, porque achava que fazia um enorme sentido:

Volta Por Cima

Chorei, não procurei esconder

Todos viram, fingiram

Pena de mim, não precisava

Ali onde eu chorei

Qualquer um chorava

Dar a volta por cima que eu dei

Quero ver quem dava

Um homem de moral não fica no chão

Nem quer que mulher

Venha lhe dar a mão

Reconhece a queda e não desanima

Levanta, sacode a poeira

E dá a volta por cima

            Viva Paulo Vanzolini!

            Eu queria, também, dizer e recomendar a todos que assistam ao filme tão bonito sobre outro extraordinário cantor, o Renato Russo, Somos Tão Jovens. Assisti nesses dias e fiquei muito bem impressionado, sobretudo para todos os que amam rock and roll, as canções, a música brasileira. Vamos assistir Somos Tão Jovens, de Antônio Carlos da Fontoura e de Marcos Bernstein, em que Thiago Mendonça encarna o líder dos legionários do Legião Urbana!

            É um filme muito benfeito, que recomendo a todos. Já mais de 500 mil pessoas assistiram. Vale a pena, para quem gosta da história da música brasileira.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/05/2013 - Página 23983