Pronunciamento de Eduardo Suplicy em 21/05/2013
Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Considerações sobre a redução da maioridade penal.
- Autor
- Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
- Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
LEGISLAÇÃO PENAL.:
- Considerações sobre a redução da maioridade penal.
- Publicação
- Publicação no DSF de 22/05/2013 - Página 27852
- Assunto
- Outros > LEGISLAÇÃO PENAL.
- Indexação
-
- REGISTRO, APOIO, ORADOR, RELAÇÃO, MANIFESTAÇÃO, AUTOR, PRESIDENTE, CONFERENCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB), REFERENCIA, REPUDIO, PROPOSTA, OBJETIVO, REDUÇÃO, MAIORIDADE, IMPUTABILIDADE PENAL, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, MUSICA, AUTORIA, BANDA DE MUSICA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, EPOCA, NECESSIDADE, MELHORIA, EDUCAÇÃO, PAIS, COMBATE, VIOLENCIA.
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, Senadora Ana Amélia, o Presidente da CNBB, Dom Raymundo Damasceno, Arcebispo de Aparecida, manifestou-se contra a redução da maioridade penal no encerramento da 51a Assembleia-Geral dos Bispos do Brasil, que reuniu religiosos de todo o País em Aparecida, no último dia 10 de abril.
Afirmou que o Estado precisa atacar as causas do problema que levam jovens a cometerem delitos. Ressaltou:
Precisa abordar o tema de maneira mais ampla, identificar suas causas, que se encontram, sobretudo, na desagregação familiar, na falta de oportunidades para esses adolescentes, na insuficiência de políticas públicas por parte do Estado, na banalização da vida, no narcotráfico, que recruta esses jovens, e na falta de segurança. Reduzir a maioridade penal é simplificar os problemas que provavelmente não serão resolvidos.
Dom Raymundo Damasceno está com toda a razão, pois nestes primeiros anos do século 21, em que o crack se torna um terrível fenômeno nacional, o que acontece é o seguinte: cada vez mais adolescentes pobres fazem uso dele, primeiro porque é o mais barato dos entorpecentes, por ser o lixo da cocaína; causa mais rapidamente a sensação de prazer que o jovem abandonado emocional, financeira ou afetivamente sente.
A falta de esperança de um futuro, como elemento excluído da sociedade, e a impossibilidade de ter uma educação de qualidade tornam corriqueiro o seguinte fenômeno: os traficantes adultos usam os adolescentes como aviões para esse trabalho, tirando-lhes o resto da humanidade que possuíam e transformando-os em seres frios e desumanos, que não se apegam a coisa alguma.
Para eles, não faz a menor diferença entre passar crack aos 16 anos se a maioridade penal for aos 18; ou aos 15, se ela for aos 16; aos 14, se for aos 15; e assim por diante. O que mostra que reduzir a maioridade penal não só é desanimador como induz o adolescente a cometer crimes cada vez mais graves devido à impunidade da qual tem certeza, transformando-se assim, de mero "aviãozinho" para consumidor cada vez mais contumaz de crack e, a seguir, de outras drogas. Esta escalada vai até o latrocínio, homicídio seguido de roubo, que é o crime mais hediondo. Como foi o caso divulgado por todas as mídias brasileiras e internacionais, do jovem Victor Deppman, de 19 anos, assassinado em frente a sua residência, no dia 9 de abril, sem reagir ao assalto e entregando seu celular ao infrator menor de 17 anos, que completaria 18 anos três dias depois.
Os países avançados estão aumentando a idade penal ao invés de diminuí-la, conforme afirmação do Dr. Márcio Widal, Secretário da Comissão dos Advogados Criminalistas da OAB. Diz ele: "A Alemanha restabeleceu a maioridade para 18 anos e o Japão aumentou para 20 anos. A tendência é combater com medidas socioeducativas", incluindo esses adolescentes em atividades lúdicas, esportivas e culturais ou de ensino técnico e fundamental para poder prepará-los para um futuro que tenha alguma luz no fim do túnel. Os adolescentes incluídos em programas destes tipos têm menos probabilidade de entrar no caminho da droga porque encontram suporte afetivo, comunitário e educacional para evitar que caiam num poço sem fundo.
Em audiência pública realizada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, na quarta-feira passada, 15 de maio, o Ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, ao responder pergunta sobre a redução da maioridade penal, afirmou ser "evidente que, quando se tem um crime bárbaro, a emoção floresce e a discussão ganha uma dimensão que, muitas vezes, foge à racionalidade que deve ter uma discussão dessa monta". Porém, para o Ministro José Eduardo Martins Cardozo, a questão está mal colocada, porque a Constituição da República é clara ao definir que a redução da idade não pode ocorrer, conforme entende a maioria dos juristas brasileiros, em virtude de ser uma garantia protegida por cláusula pétrea. Nem uma emenda constitucional poderia mudar esse quadro, pois ela seria julgada como inconstitucional. O art. 228 da Constituição diz: "São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial". O art. 60 da Constituição, que trata das emendas à Constituição, no §4°, cuida das chamadas cláusulas pétreas, ou seja, aquelas cláusulas que não podem ser modificadas por emenda constitucional.
O art. 60, §4°, diz:
Art. 60. .......................................................................................
(...)
§4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III- a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Como a inimputabilidade penal é um direito individual dado àqueles que estão na situação de não ter a idade de 18 anos, é uma cláusula intocável, como todo e qualquer direito individual consagrado na Constituição Federal.
Uma visão superficial, como a das pessoas submetidas a fortes traumas, seria a favor da redução da maioridade penal, reduzindo-a aos 16 anos, mas uma visão mais profunda, como a que estamos vendo, mostra que, além de ser inconstitucional, é prejudicial tanto para a sociedade como para o adolescente de 16 anos, que se verá inserido no meio de um ambiente criminal que pode influenciá-lo para sempre, piorando cada vez mais suas condições, que vão se deteriorando progressivamente. Ao invés de melhorar, o ambiente prisional tende a "educar" o adolescente para crimes cada vez mais pesados. Leis não podem ser feitas sob a forte pressão da dor, mas têm que ter a maturidade de uma visão solidária e ao mesmo tempo isenta de grave emoção. Esta medida é no mínimo paradoxal. Em nenhum dos casos pode-se ter unanimidade e, em ambos, os argumentos prós e contras são muito fortes. Se reduzir a criminalidade vai aumentar, e se elevar, como o caso do Japão, a sociedade se revoltará, que atitude tomar? Daí afirmarmos que este é um dos casos mais paradoxais que já vimos. Só temos uma saída: educação.
Para entender a realidade vivida por muitos de nossos jovens, temos que olhar o outro lado. Como é a cabeça daqueles que foram abandonados na infância. Para isso...
Quero, primeiro, também dizer que para existir a devida oportunidade de educação é preciso se dar as condições de sobrevivência digna a cada pessoa. Daí porque, ao lado da educação, precisamos também instituir para valer o que o Congresso Nacional já aprovou e o Presidente Lula sancionou, em 8 de janeiro de 2004, prevista para ser instituída passo a passo,...
(Soa a campainha.)
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ... priorizando os mais necessitados, até que um dia tenhamos a renda básica de cidadania.
Mas como é a cabeça daqueles que foram abandonados na infância? Para isso, estou aqui transcrevendo a música - e vale a pena eu ler se puder, se a Presidenta me permitir - Vida Loka, dos Racionais MC’s, na parte II. Nesta música, aparecem duas almas: a de um pobre revoltado contra a vida cotidiana, que é incrivelmente insatisfatória, e outra, do mesmo pobre, voltada para os desejos de salvação que todos os seres humanos trazem.
Diz a música de Mano Brown, dos Racionais MC’s:
Firmeza Total, mais um ano se passando
Graças a Deus a gente tá com saúde aê, morô?
Muita coletividade na quebrada, dinheiro no bolso,
Sem miséria, e é nóis...
(Interrupção do som.)
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) -
Vamos brindar o dia de hoje
Que o amanhã só pertence a Deus, a vida é loka
Deixa eu fala, pocê
Tudo, tudo, tudo vai, tudo é fase irmão
Logo mais vamo arrebentar no mundão
De cordão de elite, 18 quilates,
Poê no pulso, logo Breitling
Que tal? Tá bom?
De lupa Bausch & Lomb, bombeta branco e vinho,
Champanhe para o ar, que é para abrir nossos caminhos,
Pobre é o diabo, eu odeio a ostentação,
Pode rir, ri mais não desacredita não.
É só questão de tempo, o fim do sofrimento
Um brinde pros guerreiros, zé polvinho, eu lamento,
Vermes que só faz peso na terra.
Tira os zóio.
Tira os zóio, vê se me erra,
Eu durmo pronto pra guerra,
E eu não era assim, eu tenho ódio,
E sei que é mau pra mim,
Fazer o que se é assim,
Vida loka cabulosa,
O cheiro é de pólvora,
E eu prefiro rosas.
E eu que...e eu que...
Sempre quiz com um lugar,
Gramado e limpo, assim, verde como o mar,
Cercas brancas, uma seringueira com balança,
Disbicando pipa, cercado de criança...
How...how Brown
Acorda sangue bom,
Aqui é capão redondo, tru
Não pokemon,
Zona sul é o invés, é stress concentrado,
Um coração ferido, por metro quadrado...
Quanto, mais tempo eu vou resistir,
Pior que eu já vi meu lado bom na U.T.I,
Meu anjo do perdão foi bom,
Mas tá fraco,
Culpa dos imundo, do espírito opaco.
Eu queria ter, pra testar e vê,
Peço, Sr.ª Presidenta, que seja transcrita, na íntegra, tal letra deste rap que foi cantado ainda na Virada Cultural, domingo último, lá na Praça Júlio Prestes, em São Paulo, diante de uma multidão, sobretudo de jovens, que sabiam essa letra de cor. Mas eu gostaria, também, de pedir para ser tanscrito o extraordinário e excelente artigo de Eliane Brum:...
(Interrupção do som.)
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - ... “Pela ampliação da maioridade moral. E pelo aumento do nosso rigor ao exigir o cumprimento da lei de governantes que querem aumentar o rigor da lei (e também dos que não querem)”.
Eliane Brum dá uma lição formidável de lucidez e, por isso, peço respeitosamente que seja transcrito, como parte de meu pronunciamento, este excelente artigo de Eliane Brum, publicado em 22 de abril último na revista Época.
Muito obrigado, Srª Presidenta.
DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.
(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)
Matérias referidas:
- Vida Loka (Racionais MC’s);
- “Pela ampliação da maioridade moral” (Eliane Brum. Revista Época.)