Discurso durante a 77ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Relato dos recentes filmes lançados sobre a vida e obra de Renato Russo; e outro assunto.

Autor
Rodrigo Rollemberg (PSB - Partido Socialista Brasileiro/DF)
Nome completo: Rodrigo Sobral Rollemberg
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CULTURAL.:
  • Relato dos recentes filmes lançados sobre a vida e obra de Renato Russo; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 22/05/2013 - Página 27878
Assunto
Outros > POLITICA CULTURAL.
Indexação
  • REGISTRO, LANÇAMENTO, FILME NACIONAL, REFERENCIA, VIDA, CANTOR, COMPOSITOR, DISTRITO FEDERAL (DF), COMENTARIO, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, SEDE, INSTITUTO, INCENTIVO, CINEMA, LOCAL, CIDADE SATELITE.

            O SR. RODRIGO ROLLEMBERG (Bloco/PSB - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Senador Sérgio Souza e Senadora Ana Amélia, que agora preside a sessão.

            Brasília recebeu duas homenagens especiais no cinema nacional. Foram lançados, neste mês, dois filmes inspirados em um dos artistas mais consagrados e emblemáticos da nossa Capital: o cantor e compositor Renato Russo. De formas distintas, as obras humanizam narrativas da Capital na virada dos anos 70 para os 80, época marcada pela ditadura e por profundas contradições sociais, que revelam a formação desigual de nossa cidade, mas também pela extrema força cultural, que destacou Brasília como o berço e expoente do rock nacional.

            Refiro-me ao filme Somos tão Jovens, do diretor Antônio Carlos da Fontoura, que narra as descobertas e conflitos da vida de Renato Russo até se tornar o mito da Legião Urbana, e ao filme Faroeste Caboclo, que se baseia na música homônima, composta em 1979 por ele para fazer uma contundente e atual reflexão crítica sobre a desigualdade social em Brasília, pela face mais trágica da violência e do tráfico de drogas, que ainda assolam a vida da Capital como consequência de um processo caótico e desordenado de crescimento.

            Fui assistir, Srª Presidente, aos dois filmes e saí profundamente tocado, como filho de Brasília, como parte dessa geração, como um brasiliense apaixonado não só pela cidade, mas por sua capacidade inovadora de provocar mudanças na vida do País.

            Seja no traço urbanístico da cidade, seja na vanguarda do rock aqui produzido, seja na diversidade que marca a vida cultural da cidade, seja na vocação agregadora de Brasília, que reúne e processa diferentes brasis em uma mistura autêntica, já com cara e sotaque próprio, essa Brasília humana, ainda pouco difundida nacionalmente, em sua dimensão mais real e cotidiana, foi mais do que um pano de fundo para a realização desses filmes; foi uma personagem, uma protagonista mesmo, porque aparece não só nas imagens das superquadras, da rodoviária, da Esplanada, das cidades-satélites e do barro vermelho do cerrado, mas no esteio da formação e da expressão de uma juventude que marcou um momento importante da vida brasileira de retomada democrática.

            As duas obras, com propostas diferentes, mostram o retrato de uma geração que foi muito além da mera atitude contestatória; uma geração que não foi às ruas e não se engajou na militância dos movimentos de esquerda nem na estética tropicalista que a antecedeu, mas agregou uma reflexão crítica a um ambiente pós-utópico, no qual as grandes ideologias e sonhos revolucionários perdiam espaço para uma nova representação social e política na transição para a redemocratização.

            Vivíamos em um clima paradoxal de esperanças e incertezas. Foi uma geração que pode até ter sido desengajada em termos de projeto, mas profundamente comprometida em atitudes questionadoras, na construção de uma cidadania crítica em torno da qual se formou uma nova identidade cultural da juventude brasileira. Foi uma geração que se mostrou impregnada por questões existenciais vividas na contradição de uma sociedade de consumo e na necessidade de um novo protagonismo político, e o fizeram na experimentação cultural, na criação musical inovadora e libertária, em uma nova estética de protesto e reflexão.

            O filme Somos tão Jovens busca relatar esse momento da história do País a partir de um recorte biográfico da formação musical de Renato Russo e das bandas de rock que surgiam da “turma da Colina”: vários jovens, em geral filhos de diplomatas, professores e servidores públicos, que, influenciados pelo punk inglês, se reuniam embaixo dos prédios universitários de Brasília para fazer música. Assim nasceu a primeira banda de Renato Russo, chamada “Aborto Elétrico”, e as bandas Plebe Rude e Capital Inicial, entre várias outras.

            O filme me emocionou muito, não só pela minha vivência na cidade, mas também pelo testemunho desses jovens. Não há dúvida de que muitos brasilienses se enxergaram na cidade pela trajetória de Renato Russo. Os atores do filme têm uma atuação impecável e conseguem nos envolver emocionalmente na trama de anseios e conflitos que marcaram a transformação do garoto solitário e melancólico do Plano Piloto em um dos maiores ídolos nacionais.

            O cinema brasileiro devia essa homenagem a esse grande artista, que agora vem se somar ao premiado e bem-sucedido documentário Rock Brasília, dirigido pelo grande cineasta da Capital, Vladimir Carvalho.

            Pela revolução e evolução de Renato Russo, milhares de jovens brasileiros refletiam sobre a realidade social, política e econômica do País. E também experimentavam uma arte extremamente autêntica, musicalmente inovadora, que sacudia massas e, ao mesmo tempo, consciências. É o caso emblemático da canção “Faroeste Caboclo”, para citar apenas um exemplo, que é praticamente um rock cordel, com 159 versos e nove minutos de duração, cantada de cor e salteado por jovens de todo o País. Um desafio para qualquer músico, porque consegue dialogar a estética da harmonia simples e competente com a riqueza simbólica e literária da narrativa e uma aguçada crítica social. Um fenômeno - em sua força musical, estética e social - para toda uma geração de jovens do Brasil.

            Uma música, tão rica em conteúdo e imagens, estava mesmo à espera de um filme. E o diretor René Sampaio se superou nessa adaptação, que, como ele mesmo afirma, não é um videoclipe da música “Faroeste Caboclo”, mas uma leitura livre, criativa e altamente provocadora, que narra a saga de um migrante que, após uma infância difícil e rodeada de violência no Nordeste brasileiro, veio para Brasília, onde se depara com a realidade subversiva e violenta do tráfico e com a força de uma paixão.

            A trama é carregada de críticas sociais, seja na dimensão do êxodo rural do sertão, seja no drama diário da discriminação racial, seja no retrato extremamente atual da desigualdade social no Distrito Federal, ainda que seja uma história situada na década de 70. A trama de violência que sustenta o tráfico de drogas e a tragédia cotidiana do mundo da exclusão são humanizados na ficção por uma história de amor, vingança e ódio, com tudo para se tornar um épico candango.

            Do ponto de vista cinematográfico, é inegável sua contribuição para a elevação da qualidade técnica, para o aprimoramento de uma dramaturgia realista e para o desenvolvimento de uma narrativa moderna de cinema de ação, na esteira do que representaram filmes como Cidade de Deus e Tropa de Elite.

            O roteiro muito bem construído e a atuação espetacular dos atores envolvem o público do início ao fim, com o diferencial no próprio cinema, pelas referências do faroeste, pela fotografia arrojada, pela exploração bem sucedida da paisagem de Brasília e pelo diálogo preciso das dimensões regionais brasileiras, com elementos globais da cultura urbana. Além disso, foi um filme feito por um cineasta que é brasiliense, nascido na Capital, o Diretor René Sampaio.

            Trata-se do seu primeiro longa-metragem, que já nasce com um patamar de qualidade que, certamente, o projetará no circuito nacional e internacional, com sucesso de público garantido.

            O filme Somos tão Jovens também tem as mãos de um talento local, Marcelo Torres, que fez a produção executiva da obra. Ambos mostram a força e o talento da produção cinematográfica de Brasília, que, hoje, carece de estrutura e apoio.

            Nesse sentido, um descaso injustificável é a situação de absoluto abandono que se encontra o Polo de Cinema de Sobradinho.

(Soa a campainha.)

            O SR. RODRIGO ROLLEMBERG (Bloco/PSB - DF) - Criado para incentivar a produção de filmes na Capital do País, o prédio que abriga o polo não passa por reformas há 20 anos, com estruturas enferrujadas, vidros quebrados, além de estar sem partes do teto. E a situação é cada vez pior. Vazamentos no telhado do polo já destruíram cenários de duas produções brasilienses, e a deterioração da estrutura física do espaço é apenas a parte mais visível de uma política de audiovisual ainda tímida e atrofiada.

            Fazer cinema em Brasília é muito difícil. Além dos baixos investimentos, faltam salas de cinema na cidade. O cinema, aqui, é reflexo da exclusão cultural. As salas que temos estão no Plano Piloto e, quase exclusivamente, em shoppings.

            As produções brasilienses têm crescido significativamente, mas não há locais de exibição para esses filmes. Só temos, basicamente, o Festival de Cinema e algumas mostras, mas não há um circuito permanente para escoar essa produção. Para se ter ideia, até mesmo no último Festival de Cinema de Brasília, foi selecionada apenas uma produção local.

            O brasiliense e produtor executivo do filme Somos tão Jovens, Marcelo Torres, declarou sua frustração à imprensa, durante as filmagens da obra.

            Na ocasião, em 2011, disse: “quando filmamos Louco por Cinema (de André Luís de Oliveira, em 1994) no polo, tínhamos a esperança de que o mercado cinematográfico em Brasília iria melhorar ao longo dos anos. Era essa a sensação. Nós voltamos agora para fazer uma produção que vai levar a imagem da cidade para o resto do País e encontramos tudo deteriorado”. Um depoimento como este é apenas um relato da insatisfação geral da classe cinematográfica do Distrito Federal. Não é de se espantar quando se sabe que as filmagens de “Somos tão jovens” e também de “Faroeste caboclo”, apesar de gerarem movimentação econômica em Brasília, tiveram o giro de capital muito menor do que poderia ter sido se aqui encontrassem estrutura para isso.

            Esperamos que o sucesso desses filmes seja mais um estímulo e um alerta para a importância de se valorizar e alavancar a indústria do cinema no Distrito Federal, que, além de ser uma expressão simbólica e cultural importantíssima para a projeção da nossa capital, está atrelada a uma indústria geradora de renda e divisas, formadora de mão de obra e serviços especializados, estratégicos para o desenvolvimento do Distrito Federal.

            Os filmes brasileiros superaram o status de “gênero” cinematográfico ao alcançar competitividade para seduzir e conquistar o público nacional com uma oferta diversificada e uma inserção cada vez maior no mercado mundial. Brasília tem capacidade e talento de sobra para se fortalecer não só na cadeia de difusão, mas também na produção do cinema nacional. Que esses dois sucessos que agora homenagearam nossa capital possam abrir uma fase promissora para o cinema de Brasília e que sejam o estímulo para um dia o Distrito Federal assumir seus talentos com apoio, estrutura e políticas de governo no audiovisual de uma cidade que se traduz pela imagem e por sua cultura.

            Era este o registro que eu gostaria de fazer, prezada Presidenta.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/05/2013 - Página 27878