Discurso durante a 73ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a problemática da exploração sexual de crianças e adolescentes.

Autor
Ângela Portela (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Ângela Maria Gomes Portela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Considerações sobre a problemática da exploração sexual de crianças e adolescentes.
Publicação
Publicação no DSF de 17/05/2013 - Página 26915
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • REGISTRO, EXPECTATIVA, ORADOR, ERRADICAÇÃO, EXPLORAÇÃO SEXUAL, VITIMA, CRIANÇA, ADOLESCENTE, REFERENCIA, HOMENAGEM, DIA NACIONAL, COMBATE, CRIME, COMENTARIO, FREQUENCIA, DENUNCIA, ASSUNTO, PAIS, ENFASE, ESTADO, ESTADO DE RORAIMA (RR), ANALISE, IMPORTANCIA, ATENÇÃO, FAMILIA, PREVENÇÃO, ATO, PROGRAMA DE GOVERNO, INCENTIVO, PROPOSTA.

            A SRª ANGELA PORTELA (Bloco/PT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, eu tenho um sonho. Eu sonho que, em breve tempo, ocuparemos esta tribuna, no dia 18 de maio, para anunciar que acabamos, enfim, com a prática hedionda de abuso e exploração sexuais contra crianças e adolescentes. Abri meu pronunciamento fazendo referência à célebre frase do pastor norte-americano, Martin Luther King, que ficou na história dos Estados Unidos da América e em todo o mundo, por seu sonho de justiça.

            Faço-o, porque eu sonho que um dia não precisaremos mais vir aqui, marcar a passagem do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes; data que surgiu para fazer uma homenagem à menina Araceli Cabrera Sánchez Crespo, de apenas 8 anos de idade, que, no dia 18 de maio de 1973, foi sequestrada, violentada, e morta, na cidade de Vitória, no Espírito Santo.

            Seis dias depois, seu corpo foi encontrado, totalmente desfigurado e com marcas de abuso sexual. O fato ficou conhecido como o “Crime Araceli”, mas os suspeitos de praticá-lo, até hoje continuam impunes.

            O único alento que a família de Araceli tem é que, por força da Lei 9.970/2000, que instituiu o 18 de maio como Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual contra Criança e Adolescente, seu calvário é lembrado e relembrado como forma de justiça.

            Pois bem, senhores. Alimento um sonho porque, depois de Araceli, milhares de outras crianças e adolescentes continuaram a ser exploradas sexualmente. E, para nossa tristeza, esta prática só tem aumentado cada vez mais, e em todas as regiões do país.

            Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) revelam que, no Brasil, ocorrem, por ano, cerca de 100 mil casos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. O mais absurdo dos dados da OIT é a informação de que menos de 20% dos casos chegam ao conhecimento das autoridades competentes.

            Dados do Disque Direitos Humanos, o Disque 100, da Presidência da República, também apontam que em 2012, foram registradas mais de 130 mil denúncias de violência contra crianças e adolescentes. Este número é superior em 58,3% às 82.117 denúncias formuladas em 2011. Pesquisa do Ministério da Saúde, é outra fonte que revela que em 2011, foram notificadas mais de 14.600 reclamações de violência doméstica, sexual e física, praticadas contra menores de 10 anos.

            No meu Estado de Roraima, a situação também é motivo de preocupação. Segundo a Secretaria de Estado da Segurança Pública, em 2012, Roraima registrou somente, no primeiro trimestre do ano, 44 casos de exploração e abuso de crianças e adolescentes. Em 2011, o número de registros destes casos subiu para 243. Em 2010, haviam sido 199, e, em 2009, foram registrados 135 casos de estupro contra menores, além, de violências física e psicológica e negligência.

            Em Boa Vista, capital do Estado, há cerca de um mês, o pânico vem tomando conta de lares e escolas, com a notícia de que adolescentes estão sendo sequestrados por pessoas ainda não identificadas. Matéria publicada pelo jornal “Folha de Boa Vista” dá conta de que uma estudante de 14 anos teria sido a mais recente vítima de rapto, ocorrido na última terça-feira, no bairro Nova Cidade, zona Oeste da capital.

            Este jornal anuncia que, de acordo com o relatório da equipe policial, a vítima contou ter sido abordada em via pública por três desconhecidos, que andavam em um carro (Corsa Classic), de cor prata. De acordo com o depoimento da vítima, enquanto circulavam pela cidade, os bandidos passaram as mãos em suas partes íntimas e a ameaçaram de morte, caso ela gritasse. Não foi o primeiro caso. Tanto que o Núcleo de Proteção da Criança e Adolescente (NPCA) abriu investigação para apurar outras denúncias semelhantes.

            Estamos apreensivos diante da seriedade e grandiosidade deste problema social, que ocorre em quase todo o mundo, mas que, aqui no Brasil, parece ser pior do que os relatos nos fazem imaginar.

            Em trabalho de parceria, realizado com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, a Childhood Brasil e a Organização Internacional de Trabalho (OIT) a Polícia Federal Rodoviária levantou que nas rodovias do país existem diversos pontos de exploração sexual de crianças e adolescentes.

            Mas há algo pior a se constatar: estes crimes acontecem, principalmente, dentro dos lares brasileiros, onde as crianças e adolescentes são exploradas por membros da própria família. Pasmem, nobres colegas, são primos, padrastos e até pais, que abusam da inocência e da vulnerabilidade das crianças e adolescentes. Talvez estejamos a falar de cenas dantescas. Mas, certamente, não estamos a falar de cenas de cinema. Talvez na ficção, a realidade seja pelo menos, menos impactante.

            Comprometido com a proteção de nossas crianças e adolescentes, o governo federal acaba de lançar a Campanha “Faça Bonito, Proteja Nossas Crianças”, com o objetivo de mobilizar a população para proteger as crianças e adolescentes. Este problema social e político, já reúne, na campanha, mais de três mil municípios de todos os estados brasileiros.

            Como sabemos, o sentimento de infância e de adolescência foi surgindo ao longo da história da humanidade, e, ainda hoje, o conceito social para definir esta fase da vida, está muito ligado à cultura de cada povo; logo, mostra diferenças entre as nações.

            No Brasil, o marco inicial da definição do conceito de criança, se deu em 1693, pela Colônia Portuguesa, preocupada com a alimentação dos menores. Mas foi mesmo em 1738, que o cuidado com a criança tomou vulto, a partir da iniciativa do padre José de Anchieta, que fundou a Santa Casa do Rio de Janeiro, para acolher crianças e amparar inocentes abandonados.

            Fato é que, na evolução histórica da humanidade, o conceito de criança e de adolescente foi tomando corpo, ganhou conceito e conquistou direitos. De modo que, hoje, nossa Constituição Federal estabelece em seu artigo 227, que:

"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."

            Com a convicção de que a problemática da exploração e do abuso sexuais, praticados contra crianças e adolescentes não pode fugir de nossos olhos nem tampouco de nossas ações políticas, encerro este discurso. Mas encerro minha fala, com a frase inicial, na língua do autor: “I have a dream”. Isto posto, é porque eu sonho que um dia, “todas” as crianças e adolescentes de meu país, sejam, enfim, sujeitos de direitos.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/05/2013 - Página 26915