Discurso durante a 80ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o encerramento, ontem, dos trabalhos da comissão criada para realizar o levantamento da legislação pertinente à prevenção e combate de incêndios, cuja relatoria foi de S. Exª; e outro assunto.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA, HOMENAGEM.:
  • Considerações sobre o encerramento, ontem, dos trabalhos da comissão criada para realizar o levantamento da legislação pertinente à prevenção e combate de incêndios, cuja relatoria foi de S. Exª; e outro assunto.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 25/05/2013 - Página 30170
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA, HOMENAGEM.
Indexação
  • COMENTARIO, TRABALHO, COMISSÃO TEMPORARIA, PREVENÇÃO, COMBATE, INCENDIO, ENFASE, ELABORAÇÃO, RELATORIO, DESASTRE, MUNICIPIO, SANTA MARIA (RS), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), OBJETIVO, CRIAÇÃO, PROPOSTA, PROTEÇÃO, ACIDENTES, REFERENCIA, ATUAÇÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), CAMARA DOS DEPUTADOS, RESULTADO, ESTRUTURAÇÃO, PROJETO, APRECIAÇÃO, LEGISLATIVO, REGISTRO, DEFESA, IMPORTANCIA, PARTICIPAÇÃO, BOMBEIRO MILITAR, NECESSIDADE, ESTABELECIMENTO, CODIGO, AMBITO NACIONAL, REGULAMENTAÇÃO, ASSUNTO, EFICACIA, PROPOSIÇÃO, EXPECTATIVA, APROVAÇÃO, SUGESTÃO, CONGRESSO NACIONAL.
  • HOMENAGEM, VITIMA, INCENDIO, CASA NOTURNA, LOCAL, MUNICIPIO, SANTA MARIA (RS), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, TEXTO, AUTORIA, ESCRITOR, REGIÃO SUL, OBJETIVO, HOMENAGEM POSTUMA.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Mozarildo, que preside esta sessão, e Senadora Vanessa, quero tratar de dois temas. Primeiro, Sr. Presidente, quero relatar o trabalho que fizemos em equipe na Comissão de Prevenção e Combate a Incêndios no Brasil. Como todos sabem, Sr. Presidente Mozarildo, fui Relator na Comissão Temporária de Prevenção e Combate a Incêndios no Brasil. Encerramos os trabalhos no dia de ontem e aprovamos o nosso relatório por unanimidade.

            A Comissão trabalhou com muito afinco e seriedade para construir esse relatório sobre a tragédia ocorrida na cidade gaúcha de Santa Maria, no dia 27 de janeiro de 2013, quando a boate Kiss pegou fogo, levando à morte 242 jovens. Realizamos inúmeras audiências públicas, para levar ao debate o que aconteceu.

            Eu gostaria, neste momento, de compartilhar aqui as conclusões da Comissão, resumindo o relatório que aprovamos ontem.

            A tragédia de Santa Maria, de 27 de janeiro de 2013, galvanizou, além da indignação pública e geral, o esforço de setores organizados da sociedade e dos agentes públicos na direção da criação de medidas que evitem ou mitiguem significativamente eventos dessa natureza.

            Dentre os esforços, Sr. Presidente, de natureza normativa, posto que é nosso papel como legisladores, destacamos aqui a Comissão Externa Câmara dos Deputados sobre Santa Maria, presidida pelo Deputado Paulo Pimenta, está fazendo um belo trabalho.

            Destacamos também os Grupos de Trabalho criados pelas Portarias nºs 16, 17, 18 e 19 da Secretaria Nacional de Segurança, de 21 de março de 2013, com as finalidades, respectivamente, de instituir Grupo de Trabalho com o objetivo de “propor uma minuta de Código Nacional de Segurança contra Incêndio e Pânico”.

            Senador Mozarildo Cavalcanti, tanto a nossa comissão como a Comissão Externa da Câmara, liderada pelo Deputado Paulo Pimenta, e a comissão montada pelo Executivo, junto ao Ministério da Justiça, apresentam ao Congresso Nacional uma minuta de um novo Código Nacional de Segurança contra Incêndio e Pânico. Não foi nossa intenção apresentar um projeto, mas, sim, com esse relatório, nos somarmos ao Ministério da Justiça e à Comissão Externa da Câmara, que vem há mais tempo trabalhando, a fim de contribuir para que uma única norma seja apresentada, a partir da Câmara, e venha para ser aprovada aqui no Senado.

             Enfim, “propor uma regulamentação para as atividades dos Corpos de Bombeiros Militares e dos Corpos de Bombeiros Civis, Municipais e Voluntários”; “propor a padronização dos procedimentos operacionais para os Corpos de Bombeiros Militares do Brasil”; e “propor um programa educacional nas escolas acerca dos serviços de Bombeiros Militares”. Todos integrados por representados da própria Senasp e de Corpos de Bombeiros Militares de todas as regiões do País, bem como representantes da sociedade civil convidados.

            Sr. Presidente, todos esses grupos têm realizado um trabalho altamente relevante e que vai refletir, quando exorbitar o poder regulamentar do Poder Executivo, em normas a serem apreciadas pelo Congresso Nacional. Porém, os trabalhos da nossa comissão contemplaram tanto as propostas apresentadas em audiência formal como em encontros de trabalho.

            Sabe-se, também, que o Grupo de Trabalho 16, do Ministério da Justiça, que aqui estou elogiando, vem trabalhando, em contínua interface com a Comissão Externa sobre Santa Maria, da Câmara dos Deputados, a qual, distintamente dessa comissão do Senado, no intuito de oferecer, ao cabo, uma proposição legislativa. Isso sinaliza, Sr. Presidente, uma saudável interação entre os órgãos com competência para normatizar, que é muito bem-vinda ante a justa demanda da população para que tenhamos, com urgência, os comandos legais para banir da nossa realidade acontecimentos lamentáveis, inexplicáveis, como o de Santa Maria.

            Destarte, tendo em conta que a Comissão Especial do Senado Federal obteve, ao longo de suas discussões, exatamente essa preocupação e a recomendação de uma normativa mínima, clara, uniforme, em âmbito nacional, a proposta principal de nossa Comissão Especial do Senado, que tive a alegria de relatar e a tristeza pelo fato de ela ter se criado, é de que aprovemos um voto de apoio aos trabalhos que vêm sendo realizados pela Comissão Externa da Câmara dos Deputados, dedicada ao mesmo tema e aos do Grupo de Trabalho 16 da Senasp, que vai colaborar, e muito, na elaboração de um Código Nacional de Segurança contra Incêndio e Pânico.

            Ao mesmo tempo, oferecemos as nossas reflexões, as reflexões desta Comissão, no presente relatório, nesse relatório final, como subsídios para o desenvolvimento dos trabalhos aqui por mim citados. Reservamo-nos o direito de apreciar com a necessária isenção e o aporte crítico que aqui obtivemos quando da tramitação das proposições no Senado.

            Para configurar com mais precisão nossa conclusão pela confluência dos esforços de confecção normativa, ao invés de manifestar somente mais um texto, expomos os principais pontos do trabalho do Grupo de Trabalho 16 do Ministério da Justiça, que demonstram como se torna mais consequente caminhar no sentido conjunto, fazer um trabalho solidário e coletivo, porque a causa é uma só.

            A proposta que vem sendo finalizada no âmbito do Grupo de Trabalho 16 é resultado do trabalho diuturno de milhares de bombeiros militares de todo o Brasil, imbuídos do compromisso de proporcionar segurança e desenvolvimento à sociedade brasileira no que diz respeito aos diversos aspectos de suas atribuições constitucionais.

            Como órgãos constitucionalmente designados para prestar os serviços de segurança contra incêndio e pânico, necessário se faz que aos Corpos de Bombeiros Militares sejam fornecidos instrumentos capazes de exigir e viabilizar edificações e áreas de risco seguras, e não apenas materiais, mas também aparatos jurídicos claros e simples.

            Nesse aspecto, cabe ressaltar que o tema já se encontra pacificado jurisprudencialmente no que diz respeito a algum alegado conflito de competência entre bombeiros militares e engenheiros, como de alguma maneira se configurou nos debates das audiências públicas.

            Há seguidas decisões judiciais que garantem aos bombeiros militares a competência para prevenção e fiscalização das edificações no que diz respeito a incêndios e pânico.

            Esse instrumental jurídico consubstancia-se, Sr. Presidente, no que se pode denominar e definir na nova norma em poder da Polícia Administrativa do Corpo de Bombeiros Militar, que tem previsão na nossa Constituição.

            Há dominância de opiniões de que, sem essa competência, não será possível desempenhar de modo eficiente e eficaz seus serviços de proteção contra incêndios e emergências, dentro dos limites do Direito, em especial da lei, da realidade e no campo da razoabilidade.

            Sr. Presidente, nos termos da Constituição, os Corpos de Bombeiros Militares são os órgãos da Administração Pública da entidade estatal que detêm a competência e, por conseguinte, a responsabilidade pela salvaguarda da vida e do patrimônio.

            Nesse sentido de melhor organização institucional das competências no País, torna-se então conveniente, inclusive, que as denominações profissionais sejam melhor delimitadas, reservando-se o título de Corpos de Bombeiros Militares apenas para os agrupamentos oficiais militares previstos em nossa Constituição, com a finalidade descrita, como aqui eu discorri. Às demais pessoas fora de Corpos de Bombeiros Militares que prestam serviços correlatos devem ser denominadas serviços de bombeiros privados ou brigadistas privados ou, ainda, bombeiros civis, como diz a Lei no 11.901.

            Vale salientar que a eventual retirada do título de bombeiro para o brigadista não representa nenhum demérito para o profissional, podendo até, pelo contrário, representar uma elevação no seu status como agente de prevenção e combate ao fogo intramuros, e como colaborador privilegiado do Corpo de Bombeiros Militar.

            Ficou clara, para nós todos, a necessidade de um Código Nacional, porque se justifica a importância de se ter uma padronização das normas de segurança contra incêndio e pânico, de modo a deixar claro quais exigências são necessárias para as edificações em áreas de risco, independentemente da unidade da Federação. Essa padronização proporciona segurança e confiabilidade a todos que trabalham com a atividade.

            A proposta do Código em discussão no GT-16, além de definir as diretrizes gerais de segurança contra incêndio e pânico no Brasil, estabelece exercício do poder de polícia administrativa de modo uniforme para todos os Corpos de Bombeiros Militares no Brasil.

            Atualmente, existem corporações que têm divergências quanto à coercibilidade e, o que é pior, algumas não possuem essa atuação, tornando suas atividades ineficientes e prejudicando a sociedade no atendimento. A sua garantia constitucional de segurança fica comprometida.

            Outra característica da proposta é que a lei estabeleça as linhas gerais da segurança contra incêndio e pânico no Brasil, deixando a normatização do detalhamento técnico das medidas de segurança para instruções técnicas no âmbito dos Corpos de Bombeiros Militares.

            Isso proporciona a flexibilidade necessária que a atividade exige, tendo em vista a constante evolução de técnicas, materiais e equipamentos utilizados na área, bem como as peculiaridades regionais existentes. Em que pese essa flexibilidade, a proposta de lei também estabelece que essas instruções técnicas sejam padronizadas em todo o Brasil, orientando, assim, uma necessária organização das corporações.

            De outra parte, contemplando as demandas do setor privado, uma dificuldade atual para quem é empreendedor é a grande burocracia existente nos diversos órgãos públicos no tocante ao licenciamento de suas atividades econômicas, preservando, é claro, principalmente, a prevenção.

            A proposta do Código no GT-16 já está alinhada com essa realidade, determinando uma simplificação padronizada e a racionalização nos procedimentos administrativos relacionados, principalmente, à segurança contra incêndio e pânico.

            Por fim, Sr. Presidente, a preocupação com a segurança contra incêndio e pânico no Brasil, atualmente, não é difundida universalmente. Nem todos os Municípios adotam atividades relativas ao tema, como mandaria a grande norma nacional.

            A ideia da proposta, portanto, é incentivar a expansão dos serviços de segurança e educação pública, de maneira a atender o maior número possível de Municípios de forma direta.

            Concluímos nosso relatório final da Comissão Temporária, criada pelo Requerimento nº 18, de 2013, com a finalidade de realizar levantamento da legislação pertinente à prevenção e combate de incêndios no Brasil, elaborando, de forma coletiva - repito -, com uma comissão da Câmara. Lembro aqui o seu coordenador, Paulo Pimenta, como também o trabalho excelente, que aqui já resgatei, do Ministério da Justiça. O objetivo é elaborar proposta completa, eficaz, de alcance nacional, das normas técnicas necessárias, tendo como referência rigorosos padrões internacionais.

            Cumprimento a Presidenta dessa Comissão, Senadora Ana Amélia, pela dedicação incansável a essa Comissão. Cumprimento o Vice-Presidente, Senador Cyro Miranda, pelo brilhantismo de sempre; e também o incansável e sempre presente conosco, que tanto contribuiu para esse relatório, Senador Pedro Simon.

            Encerro, assim, cumprimentando a Comissão Externa de Santa Maria, da Câmara dos Deputados, liderada por Paulo Pimenta, e o Grupo de Trabalho criado pelo Poder Executivo, coordenado pelo Ministério da Justiça, sugerindo que esse parecer seja, então, encaminhado a esses dois grupos de discussão, na íntegra, com o objetivo, de forma coletiva e solidária, de formularmos uma única proposta, afinal, que incorpore todas as sugestões promovidas sobre a matéria para o bem e a segurança do povo brasileiro.

            Tenho certeza de que o projeto a ser protocolado pela Comissão da Câmara dos Deputados, sob a coordenação do Deputado Paulo Pimenta, há de contemplar grande parte daquilo que, aqui, discorremos.

            Espero que o Projeto de Código Nacional de Combate ao Incêndio seja aprovado com brevidade, aproveitando tudo que construiu o Ministério da Justiça e as Comissões da Câmara e do Senado.

            Sr. Presidente, ao encerrar este meu pronunciamento, quero, neste momento, fazer uma homenagem aos 242 - na maioria, jovens - que perderam a vida na tragédia de Santa Maria. Esta parte consta do meu relatório. E encerro fazendo a leitura do poema que levou o título de “A maior tragédia de nossas vidas”. O poema é do escritor, poeta gaúcho, de Caixas do Sul, Fabrício Carpinejar, que fez este poema, naquela madrugada em sua casa. E, hoje, o poema corre o Brasil, para não dizer que corre o mundo. Diz ele:

            A maior tragédia de nossas vidas

Morri em Santa Maria hoje

Quem não morreu?

Morri [ali] na Rua dos Andradas, 1925.

Numa ladeira encrespada de fumaça.

A fumaça nunca foi tão negra no [meu querido] Rio Grande do Sul

Nunca uma nuvem foi tão nefasta.

Nem as tempestades mais mórbidas e elétricas desejam sua companhia.

Seguirá sozinha, avulsa, página arrancada de um mapa.

A fumaça corrompeu o céu para sempre.

O azul é cinza, anoitecemos em 27 de janeiro de 2013.

As chamas se acalmaram às 5h30, mas a morte nunca mais será controlada.

Morri [morri] porque tenho uma filha adolescente que demora a voltar para casa.

Morri [morri, sim] porque já entrei em uma boate pensando como sairia dali em caso de incêndio.

Morri [morri, sim] porque prefiro ficar perto [sempre] do palco para [ver e] ouvir melhor a banda.

Morri [morri] porque já confundi a porta de banheiro com a de emergência.

Morri [morri] porque jamais o fogo pede desculpas quando passa.

Morri porque já fui de algum jeito todos que morreram.

Morri sufocado de excesso de morte; como acordar de novo?

O prédio não aterrissou da manhã, como um avião desgovernado na pista.

A saída era uma só e o medo vinha de todos os lados.

Os adolescentes não vão acordar na hora do almoço. Não vão se lembrar de nada. Ou entender como se distanciaram de repente do futuro.

Mais de duzentos e quarenta jovens sem o último beijo da mãe, [sem o último beijo] do pai, dos irmãos.

Os telefones ainda tocam no peito das vítimas estendidas no Ginásio Municipal.

As famílias ainda procuram suas crianças. As crianças universitárias estão eternamente no silencioso.

Ninguém tem coragem de atender e avisar o que aconteceu.

As palavras perderam o sentido.

(Soa a campainha.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Sr. Presidente, peço, respeitosamente, que esse texto de Fabrício Carpinejar entre para os Anais do Senado da República.

            Peço ainda que o relatório final que está anexo a este pronunciamento também conste nos Anais da Casa.

            Senador Cristovam Buarque, com a tolerância de uma sexta-feira, eu tenho certeza de que o Presidente vai permitir que V. Exª faça um aparte neste momento.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Sr. Presidente Mozarildo Cavalcanti, Senador Paim, quero, em primeiro lugar, tocar no fato de que o senhor mantém aqui acesa a memória daqueles jovens que faleceram por causa de uma série de eventos, mas que o conjunto é de uma falta de cuidado, para não chamar de irresponsabilidade, de muitas pessoas, de muitos agentes públicos e privados também. Segundo, a sua preocupação em encontrar caminhos para que coisas como essas não se repitam. E, terceiro, a sua referência ao fato de que é preciso unificar no País inteiro um sistema que possa proteger nossos jovens, não importa a cidade onde estejam. A partir daquele fato, Senador Mozarildo, é bem capaz que alguns prefeitos estejam tomando medidas drásticas, cuidadosas, mas outros não estão. E no final, o jovem será mais seguro se nascer numa cidade do que se nascer em outra, se viver numa cidade do que em outra. Isso não pode ser permitido. Se o Brasil é um País, nós temos que cuidar dos jovens deste País dando-lhes as mesmas condições. Não importa a cidade onde vive e nasceu, não importa a família com quem convive e de quem nasceu. E se isso é válido para esse sistema de segurança que o senhor propõe, eu quero insistir na necessidade de termos um sistema federal de educação de base. Nós não vamos ter nossos jovens tratados, todos eles, como brasileiros enquanto a escola de cada um deles for a escola municipal ou estadual. Não porque elas sejam ruins, mas porque elas não são iguais. Pode até haver uma ótima - e há, há escolas muito boas em algumas prefeituras -, mas as outras não são. Além do que, na mesma prefeitura, há uma escola muito boa, mas as outras não são. Cada jovem, cada criança, ao nascer neste País, tem que ser, primeiro, antes de tudo, brasileira. Os gaúchos e os pernambucanos são, talvez, mais ainda bairristas do que os de outros Estados. Mesmo assim, eu acho que uma criança que nasce no Rio Grande do Sul é, primeiro, brasileira, depois, gaúcha. Uma que nasce em Pernambuco é, primeiro, brasileira, depois, pernambucana. Por isso não se justifica que uma criança tenha mais dinheiro para estudar se nasceu num Estado ou noutro. E o mesmo vale para a família. O pai e a mãe dão à luz uma pessoa, mas, ao se transformar essa pessoa, por nascer aqui, em brasileira, ela passa a ter um direito de brasileira, que não é o direito vindo daquela família, é o direito vindo do País. Por isso a educação de uma criança rica ou pobre tem que ter a mesma quantidade de recursos à sua disposição, a mesma qualidade à sua disposição. Aqui ou ali, pode ser que uma família agregue algo - e é ótimo, é bom -, mas não que uma família negue algo porque não tem condições. O Estado tem que compensar a falta de condições das crianças quando suas famílias não podem fazer delas crianças brasileiras numa plenitude igual à de qualquer outra criança no País. Daí o meu apoio à sua proposta de unificação desse sistema de segurança e, ao mesmo tempo, buscar uma similitude com a minha proposta de que educação de base é tão séria que ela tem que ser responsabilidade do Estado brasileiro, da União. Ela deve ser federalizada tanto quanto a segurança.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muito bem, Senador Cristovam. Concordo tanto com V. Exa que, quando fazíamos o relatório final, lembrei-me de V. Exa. E dizia lá, e consta aqui, que esta questão também da segurança tem que ir para dentro das escolas, principalmente na educação de base. Que as crianças tenham uma noção de segurança, criança, adolescente, jovem, já tendo uma visão - ele pode estar amanhã numa boate, num clube - mínima de segurança. E o Corpo de Bombeiros Militar está fazendo isso nas escolas, está fazendo em São Paulo, já começou a fazer no Rio de Janeiro, está fazendo também no Rio Grande do Sul, e creio que, aqui em Brasília, também já começou.

            Então, meus cumprimentos a V. Exa, que vai na mesma linha.

            Sr. Presidente, eu vou aproveitar estes minutos que V. Exa me dá porque eu não posso deixar de falar também deste assunto, de que eu falava antes com V. Exa.

            Amanhã, Senador Cristovam, é o Dia Nacional da Adoção e, como nós não teremos sessão e, na segunda-feira, vamos ter aqui uma sessão dos 70 anos da CLT... Desde já, Senador Cristovam e Senador Mozarildo, digo que gostaria muito de vê-los aqui. Vai ser a partir das 11h uma sessão de homenagem aos 70 anos da CLT. Entendo que tanto o PDT como o PTB têm a sua marca muito forte nessa, que eu chamo uma jovem senhora, pela qual me apaixonei desde menino e que eu amo até hoje.

            Eu tenho um carinho muito grande e sou quase casado com a CLT. E eu não quero o divórcio, não quero me separar; quero viver com ela até o fim da minha vida, e tomara que outros possam desfrutar dessa construção, que começou lá, com Getúlio Vargas, com Pasqualini, e por que não me lembrar do Brizola e de tantos outros que escreveram essa bela proposta, que, na segunda-feira, nós vamos aqui homenagear. Estarão juntos a Justiça do Trabalho, a Anamatra, as centrais, as confederações, e claro, porque é fundamental, as Lideranças dos partidos políticos. E, para mim, a sessão terá um brilho especial se V. Exa, Senador Mozarildo, estiver aqui representando o PTB, e V. Exa, Senador Cristovam, puder estar aqui em nome do PDT. Segunda-feira, a partir das 11h.

            Como eu dizia, Presidente - eu pedi uma tolerância a V. Exa -, amanhã é o Dia Nacional da Adoção, muito importante. Nós estamos vivendo novos tempos e, nesses novos tempos, muitas coisas têm se modificado. Uma delas é o conceito de família.

            Antigamente, a família era vista sob uma ótica mais patrimonial, com o foco na reprodução. Mas, se pararmos para pensar, veremos que as relações de família se alimentam, na verdade, de sentimentos que estão ao alcance do coração de todos: afeto, devoção, paciência, solidariedade e muito amor.

            Esses sentimentos é que dão sustentação à família. E é por meio deles que conseguimos construir um lar estável.

            Sei que cada núcleo familiar tem suas próprias características.

            Sei que existem pais que abandonam, sim, seus filhos; sei que muitos têm que se dedicar ao trabalho em detrimento dos filhos; outros que transferem para os filhos sua infelicidade conjugal - daí a alienação parental, que será tema de uma audiência pública aqui, sobre a lei que esta Casa já aprovou com a participação de todos nós -; enfim, pais que maltratam seus filhos de forma psicológica e fisicamente; que não conseguem encontrar o bom termo do diálogo familiar.

            Sei também que existem filhos que não valorizam seus pais e que julgam que tudo que recebem é pouco e que, por tudo que dá errado na vida deles, os culpados são os pais. Filhos que não sabem, na verdade, retribuir o amor e a dedicação com que foram tratados ao longo de suas vidas.

            Existem, por sua vez, filhos que se castigam, que estão castigando a si próprios, quando derivam para a linha do álcool, das drogas lícitas e ilícitas, que existem por aí, estendendo o castigo a seus familiares, criando um verdadeiro caos na sua casa quando descobrem como é triste - isto sim é triste - um pai ter que dizer: “meu filho - e o termo chulo é este - é um drogado”.

            O seio familiar nem sempre é o que deveria ser, e sabemos que muitas coisas podem contribuir para isto: o desemprego, a pobreza, a falta de oportunidade, a valorização do ter em detrimento do ser, problema de personalidade e muitos outros fatores. Mas o amor pode salvar um drogado; o amor pode recuperar um menino que está tendendo para área de conflito de personalidade e até sendo um pequeno marginal.

            E, se perguntarmos sobre a importância que a família exerce na vida de cada um, será inegável respondermos que ela tem um papel fundamental, que ela é uma espécie de energia primária que nos abastece desde a mais tenra idade.

            Como eu disse no início, sabemos que hoje ela não se desenha mais como era antigamente. Ela pode, por exemplo, ser fruto da união de duas ou mais família e uma só - e está em divórcio. Filhos de pais diferentes que convivem em função de novos casamentos de seus pais divorciados, separados, e constituem, sim, uma família e contam com o nosso carinho e o nosso respeito. Esse modelo ficou conhecido como família mosaico, cuja própria construção explica o termo.

            A família pode, ainda, ser resultado de relações homoafetivas e extramatrimoniais ou a família parental. E, atualmente, dentro deste cenário - e é fato, é real -, vermos casais homossexuais que adotam crianças; vermos famílias em que, pela falta dos pais, os netos ficam sob a responsabilidade dos avós. Também vemos famílias cujas madrinhas ou os padrinhos fazem as vezes do pai ou da mãe. Também existem aquelas famílias bem grandes em que um grupo de crianças órfãs fica aos cuidados da assistência social, mas juntas. Essas crianças, com os pais adotivos, formam uma grande família.

            Ou seja, precisamos reconhecer o verdadeiro pluralismo de entidades familiares que hoje se apresentam. Por isso insisti, Sr. Presidente - e V. Exª foi muito carinhoso comigo, até fraternal, ao atender o meu pedido -, para que, neste pronunciamento, eu pudesse falar um pouco mais sobre a família construída ou ampliada com base em um gesto que, para mim, está acima de tudo: o amor, que se faz, principalmente, quando você vai para a adoção.

            Nós vamos lembrar e festejar, sim, amanhã, 25 de maio, o Dia da Adoção no Brasil, dia escolhido por associações e grupos de todos os pais, porque, em 1996, aconteceu em Rio Claro, São Paulo, o I Encontro Nacional de Adoção e, em 9 de maio de 2002, surgiu a Lei nº 10.447, que instituiu o Dia Nacional da Adoção.

            Esse, na minha visão, é um assunto sério, delicado, que envolve uma grande capacidade de amar e, por que não dizer, de libertar, de acolher, de abraçar alguém que não nasceu - eu diria - de dentro de mim, lembrando as mulheres, até porque é do encontro do homem com a mulher que nascem os filhos, mas eu sempre digo que o verdadeiro pai e a verdadeira mãe não é que gera, mas aquele que cuida, aquele que cria, aquele que ama, aquele que abraça, aquele que, pai ou mãe, quando o menino negro, índio ou cigano é discriminado na rua, diz: “Venha para os meus braços, você é meu príncipe, você é a minha princesinha”.

            Lembro ainda a situação daquele mesmo que, por razões que nem ele talvez consiga explicar, tem a sua posição sexual discriminada na rua e, muitas vezes, até os pais não o entendem em casa. Ao contrário do menino negro que, ao chegar em casa - e lembro de mim -, minha mãe me dizia: “Venha cá meu príncipe, venha cá meu negão, você é o cara, não dá bola para isso que eles dizem, a capacidade de um homem não se mede pela cor da pele”.

            Mas e o menino gay e a menina lésbica que são espancados, que são agredidos, Senador Cristovam nas ruas das cidades, muitas vezes chegando a perder a vida. Aqueles que sobrevivem a isso chegam em casa e, nem sempre, são entendidos pelos próprios familiares. Como eu vi ontem, numa novela das 8h - e quero aqui dizer que a gente fala tanto da mídia -, se não me engano da Rede Globo, onde um executivo diz: “eu não escolhi, eu nasci assim”. Aquela parte foi forte! Ele dizia: “eu não escolhi para ser, eu nasci assim”.

            Enfim, adoção é uma coisa muito, muito bonita.

            Creio que podemos e devemos usar essa data para aprofundar reflexões e discussões. O dia 25 de maio nos lembra a importância do gesto da adoção e o quanto ele pode modificar as nossas vidas.

            As mobilizações que acontecem em todo o Brasil, voltadas para esse dia, têm como objetivo chamar a atenção da sociedade para os problemas relativos à adoção. Entre eles, as dificuldades que as crianças mais velhas encontram para serem adotadas ou a demora nos processos de adoção. A questão da cor, da idade, da ração, da etnia e da própria, porque não lembrar, orientação sexual.

            A mobilização nesse dia é muito importante!

            No meu Estado, o Rio Grande do Sul, por exemplo, a Comissão de Cidadania e Direitos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul e o Instituto Amigos de Lucas estão promovendo o 2º Fórum Estadual da Adoção, que se encerra hoje.

            A abertura do evento ocorreu com uma audiência pública, no dia 22 de maio, no Plenarinho do Ministério Público, em Porto Alegre, e o debate pontuou os caminhos e os descaminhos da adoção.

            Na cidade de Joinville, Santa Catarina, por exemplo, o GEAAJ (Grupo de Estudos e Apoio à Adoção de Joinville) e o Fórum da Comarca de Joinville irão promover dia 25, amanhã, uma grande atividade para divulgar e esclarecer dúvidas da população sobre o tema Adoção Legal.

            O Juiz da Vara da Infância e Juventude de Joinvile, Dr. Márcio Renê Rocha, e a psicóloga e professora da Faculdade Guilherme Guimbala, Rosnelda Ponik farão um bate-papo com o público sobre o tema.

            Lá, em São Paulo, na cidade de Carapicuíba, teremos outra ação muito importante chamada Dia Nacional da Adoção - “Adoção Tardia? Nunca é Tarde para Amar”. Lá, também, estarão juízes de direito de diversas Varas de Infância e Juventude, mestres em psicologia social, advogados, entre eles, a Drª Karina Biato Segantini, filha por adoção, advogada e integrante da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB daquela Cidade.

            Faço questão de registrar ainda convite que recebi da Câmara de Vereadores de Divinópolis, Minas Gerais, que, em parceria com o Grupo de Apoio à Adoção de Volta para Casa, realizou uma audiência pública em 22 de maio para debater o tema.

            Como todos podem ver, foram várias mobilizações. E que bom, que bom que isso está acontecendo em todo o Brasil!

            Sr. Presidente, segundo o Cadastro Nacional de Adoção, criado pelo Conselho Nacional de Justiça, quase 40 mil crianças e adolescentes vivem em abrigos em todo o País. Destes, 5.240 estão aptos a serem adotados e esperam que a justiça defina seu destino: voltar para casa é a vontade de cada um deles; voltar para a família biológica ou serem encaminhados para a adoção.

            Acredito que deve ser muito doloroso para as crianças esse tempo de incerteza e de espera. Só o que eles querem, resumo nesta frase: é voltar para casa. E, para casa, pode não ser a da mãe biológica; eles querem ir para uma casa, pode ser a da mãe e do pai adotantes.

            Podemos ver em filmes, em novelas, em reportagens, cenas que mostram as crianças nas instituições de acolhimento esperando, cheias de ansiedade, alguém que as acolha.

            É claro que o sentimento que a gente tem vendo essas cenas não representa nem metade do sofrimento que as crianças devem sentir quando são escolhidas, ou, mais correto, principalmente quando não são escolhidas.

            Segundo o levantamento da CNA, o número de pretendentes continua cinco vezes maior que o de crianças e adolescentes aptos a serem adotados, com um total de 28.041 inscritos em todo o País.

            Um dos entraves do processo de adoção é a lentidão com que ele se dá. Pessoas que tentam adotar alguém contam que o processo é demorado, é cheio de meandros, é uma burocracia infernal, que não condiz com a realidade das crianças que estão ali na maior expectativa de poderem sair daquela instituição, poder ter a liberdade de andar pelas ruas, a liberdade de estudar, a liberdade de crescer num lar, sendo que a única coisa que eles pedem, Senador Cristovam, é amor, é amor.

            Enfim, é lamentável tanta burocracia. De um lado, temos crianças desejando ter um lar, querendo tanto fazer parte de uma família, querendo formar laços e poder dizer aos outros "eu tenho uma família", "eu faço parte", "eu existo". E, do outro, temos adultos ansiosos em acolher, em ampliar, em abraçar, em ampliar a família, em compartilhar o amor.

            Felizmente, segundo o Ministério Público, desde a implantação do Módulo Criança e Adolescente 2007, pudemos verificar que houve um aumento significativo no número de ações propostas em favor dessa população acolhida e uma redução expressiva do tempo de acolhimento de crianças e adolescentes.

            Considero importante pontuar, Sr. Presidente, que o Ministério Público orienta que aqueles que desejam adotar procurem as Varas da infância da comarca em que residem, para dar início ao procedimento de habilitação, etapa prévia e necessária à adoção. Os grupos de adoção representam outro agente importante, por serem espaços destinados ao esclarecimento de dúvidas e troca de experiência entre adotantes e pretendentes à adoção.

            Finalizo, Sr. Presidente, agradecendo a V. Exª. Como eu disse, existem vários tipos de família. Creio que o importante é que os filhos tenham uma referência, e quanto mais generosa ela puder ser em termos de distribuição de amor, com certeza melhor será para cada integrante da família, o adotante e o adotado. Eu acredito que todos têm o direito a serem felizes.

            Senador Cristovam, V. Exª queria botar essa palavra na Constituição. Eu acredito - e digo de público - que, quando V. Exª me procurou, no primeiro momento, eu quase não entendi, mas, depois, Senador Cristovam, vi que V. Exª estava coberto de razão. Como vai ser bom haver escrito na Constituição, por iniciativa sua - e Deus me orientou e eu assinei -, que todos têm que ter direito à felicidade.

            Eu estou relatando, Senador Cristovam, o PL nº 122. Eu sei da polêmica e da guerra, mas eu disse para mim mesmo: “Eu tenho que ter coragem de enfrentar esse debate, de querer construir uma redação que combata a homofobia, que combata a intolerância, que combata o ódio, que combata a violência, porque todos concordam com isso”. Evangélicos, católicos, comunidade LGBT, todos concordam que é preciso ter algo. Não dá mais para acharmos que a comunidade LGBT não tem família. Será que alguém que nasceu gay ou lésbica não tem pai, não tem mãe, não tem direito a constituir uma família? Essa é uma reflexão que nós temos que fazer.

            Para mim, seria muito mais fácil dizer: “Já que o 122 está aí parado, desde que a Marta saiu e eu presidi a Comissão, eu vou jogar para um ou para outro”. Mas não, Senador Cristovam; eu resolvi assumir e sei da responsabilidade desse tema e o quanto que ele é polêmico.

            Se o Presidente permitir, eu gostaria de receber um aparte, porque toquei num tema que o Brasil está discutindo, está debatendo, e nós temos que ter coragem de fazer esse bom debate.

            Senador Cristovam.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador Paim, normalmente, não pode haver dois apartes em uma fala, mas eu creio que esse tema e também a sexta-feira justificam. É para dizer que estou totalmente de acordo com as suas colocações, tanto no que se refere à adoção de crianças... É um absurdo o que a gente tenta fazer para impedir a adoção em nome de proteger as crianças - é verdade - e para evitar a adoção por estrangeiros, que a gente não sabe o que vão fazer com as crianças, mas não encontramos um caminho de agilizar e fazer com que se casem duas vontades tão boas: alguém de ter um filho e um filho de ter um casal que o adote. Segundo, em relação às relações homossexuais. É um absurdo que ainda haja gente que queira impedir, proibir, criminalizar as relações entre duas pessoas adultas. Nem importa se são relações que envolvam sexo ou não envolvam sexo. Relações entre duas pessoas adultas têm que ser apenas reconhecidas, respeitadas e aceitas.

O que a gente não pode tolerar é com crianças, com menores. Mas com adultos? O que o Estado tem a ver com o que duas pessoas adultas decidem fazer no que se refere ao seu patrimônio, à sua coabitação, às suas relações em todos os sentidos, inclusive sexuais? Nada! Lamentavelmente, isso ainda é polêmica, mas, daqui a alguns anos, daqui a algumas décadas, os historiadores e os leitores da História vão rir de que esse tema tenha sido tão polêmico. Quero insistir, pondo o problema da religião no debate, que, para mim, Estado não pode dizer o que é pecado, mas religião não pode dizer o que é crime. Nós não podemos proibir um padre, um rabino, um pastor de dizer “isso é pecado.” Eu gostaria que todos insistissem em que roubar é pecado. Eu gostaria que os pastores e os padres insistissem que corrupção é pecado grave! Pecado, mas crime? Eles nem podem dizer que corrupção é crime. Nós é que temos de dizer isso aqui dentro, porque nós representamos o Estado. Os pastores têm o direito de dizer o que é pecado. Eu sou contra, também, querer intervir na Igreja para proibir que digam o que é pecado. Pecado é uma opção religiosa, de fé, que quem optou por aquela Igreja assume. Quem quer continuar naquilo, entre aspas, considerado pecado por um grupo religioso deve sair do grupo religioso e rir quando lhe acusarem de pecador, mas ele tem o direito de dizer que é pecado. Agora, não tem o direito de dizer que é crime ou de insistir que se continue a dizer que é crime na lei. Temos de mudar a lei para descriminalizar tudo aquilo que nos parece absurdo, independentemente de influência religiosa, e, ao mesmo tempo, um Estado laico deve negar a cada um de nós o direito de se meter naquilo que os líderes religiosos consideram pecado. Eu o parabenizo, porque muita gente não assume essa fala. Quando estava no momento de se discutir, na Comissão de Direitos Humanos, a lei da Senadora Marta Suplicy, eu, pessoalmente achava... O senhor era o Presidente.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Presidente.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Eu achava que a gente deveria debater um pouco mais...

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Foi essa a decisão da própria Senadora.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - ..., para evitar o risco...

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - De cair a lei.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - ... - receio que alguns pastores tinham - de serem proibidos de dizer o que era pecado. Tinha de tirar esse medo, e decidiu-se. Eu fiz questão de pedir a palavra e dizer “eu prefiro que isso não seja votado agora”. Mas, se fosse votado, eu votaria a favor. Fiz questão de tomar posição e fui muito criticado pelas mídias sociais, por líderes evangélicos que me ligaram diretamente, por católicos. Mas eu fiz questão de tomar a posição que eu achava correta, mesmo achando que ainda não era hora. Já esperamos tanto; podíamos, naquele momento, esperar um pouco mais para ter uma redação que tranquilizasse os religiosos. Vocês têm direito de dizer que é pecado qualquer coisa. Qualquer dia pode surgir uma religião que diga que é pecado ser heterossexual. Pode surgir uma religião nesse sentido Tem o direito de dizer isso, mas não tem o direito de dizer que é crime. E essa é uma luta que nós que defendemos um Estado laico temos que fazer. Crime é um assunto do Estado, pecado é um assunto da religião. Cada um assuma o seu lado e defenda o que é certo, como crime ou como pecado, sem um intervir no outro.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muito bem, Senador Cristovam. Eu tinha certeza absoluta de que a sua posição não seria outra, até porque eu estava presidindo aquela Comissão naquele dia e V. Exª me fez um apelo argumentando que o tema não estava claro para todos. Havia uma confusão. Alguns achavam que o debate do PLC nº 122 era sobre casamento de homem com homem, no caso mulher com mulher. Não trata de nada disso. Ele apenas diz que o crime de preconceito contra a posição, a situação, a orientação sexual de cada um não pode continuar sem nenhuma penalidade. Só isso que diz.

            É unanimidade entre os juízes. Houve decisões, e não vou entrar no mérito, que vão muito além daquilo que a gente pretende fazer no Substitutivo. Todos dizem, com a maior tranquilidade, que tem que haver uma lei. Por quê? Se alguém me chamar - pela expressão, desculpe-me quem está assistindo à TV Senado - de “negro sujo”, vai para a cadeia. “O Paim é um negro sujo.” Vai para a cadeia pela injúria, lei que nós aprovamos juntos, pela Lei Caó, de que tive a alegria de ser relator - grande Caó, do PDT - e pelo próprio Estatuto. Há uma série de normas.

            Agora, se alguém chegar e disser, pela sua orientação sexual, que ele é tudo que vocês imaginarem de ruim, se o espancar, se bater nele, se o matar, não é crime, semelhante àquilo que a gente assegurou para o povo negro. Então, algo está errado.

            Para mim, qualquer tipo de discriminação dói igual. Se cortarem aqui o dedo de um negro, se cortarem o dedo de uma lésbica ou de um gay, a dor é a mesma. A discriminação, toda ela, fere da mesma forma. E nós temos que combater todo tipo de preconceito, inclusive contra as religiões. Quanta gente é discriminada por ser evangélica e nós vimos aqui para a tribuna e defendemos os evangélicos? Quanta gente é discriminada pela sua religião de matriz africana e nós todos vimos à tribuna e dizemos que é direito de cada um?

            Então, não há por que nós não avançarmos também nessa questão. E por que eu tratei do tema? Agora, se, na instituição, há um menino ou uma menina que é lésbica - é natural que a gente encontre meninos e meninas assim - ou que é gay, e daí? Ele não pode ser adotado porque ele não merece ter uma família? Claro que é o absurdo do absurdo, inclusive, isso que estou colocando para essa reflexão aqui.

            Mas, Sr. Presidente, para terminar, finalizo minha fala dizendo que creio ser importante que os filhos tenham uma referência. Quanto mais generosa ela puder ser em termos de distribuição de amor, melhor será para cada integrante da família.

            Eu acredito que a felicidade - foi aí que o Senador Cristovam entrou - está ligada ao sentir-se parte de uma família, tenha ela o formato que tiver. Está ligada ao receber amor e ao aprender a doar-se também. Dar e receber amor.

            Ah, por que não lembrar? Quem não gosta? Qual é a criança que não gosta? Eu me lembro da minha infância, dos passeios em família; dos filmes vistos em casa, das conversas, dos almoços de domingo, de sábado, do quintal da casa, com uma pequena churrasqueira improvisada ali, com tijolo, onde a gente fazia o churrasco... Eu me lembro do pai, já falecido, da mãe, falecida, conversando sobre a vida ali, comendo ali, uma costela, que é muito comum no Rio Grande, das estórias contadas para as crianças dormirem - eu contei tantas e ouvi tantas -, do abraço sentido, caloroso, do amor, do carinho da noite de Natal, dos gritos de toda criança de Feliz Natal, de Feliz Ano Novo... Como é bom! Como é bom!

            Eu tive uma infância, senhores e senhoras, de que não tenho queixa. Não tenho queixa.

            A família é a troca constante de energia, é estender a mão, é olhar com atenção para o outro, é ouvir mesmo quando temos pressa, é abraçar quando o choro vem, é compartilhar amor. A escolha de trazer para o seio da família uma criança desconhecida requer, em primeiro lugar, a adoção requer, em primeiro lugar, amor desprendido. Esse gesto é tão forte, é tão incrível e, ao mesmo tempo, deveria ser tão comum. É, deveria ser comum. É muito bonito! Ah, é muito bonito!

            Todos aqueles que já adotaram recebam aqui o meu beijo e o meu abraço. Vocês são, para essas crianças que ainda estão no orfanato ou na casa, os nossos heróis, porque vocês são exemplos a serem seguidos. O que nós precisamos é que esse processo seja, como aqui foi dito, facilitado. Filiação adotiva é só outra maneira de construir uma família feliz.

            Enfim, meus parabéns aos pais adotivos - que todos os dias sejam também dias dos pais adotivos! -, como aqui disse, pela sua fertilidade emocional. Eu acho isto lindo: pela sua fertilidade emocional. Parabéns aos filhos adotivos, pela possibilidade de partilhar. A todas as instituições que cuidam das crianças, o nosso carinho. Eu sei que vocês sofrem juntos com elas. Meus cumprimentos aos órgãos governamentais e pessoas envolvidas nesse belo processo de amor, de liberdade, de justiça, de solidariedade.

            Muito obrigado, Presidente. V. Exª foi muito generoso. Eu sei que o tema mexeu com o seu coração, mexeu com o meu, mexeu com o do Senador Cristovam, mexeu com o de todas as pessoas que estão nos assistindo. Eu sei que lá, na casa de cada um, eles sabem desses dois temas de que tratamos: da morte e da vida. Duzentos e quarenta e dois jovens perderam a vida, e nós, aqui, no fundo, com essa Comissão, fomos solidários com os familiares e homenageamos aqueles que lutam tanto para isso não acontecer, para que não se repita mais. Por outro lado, a adoção, um gesto magnífico, um gesto de amor, um gesto de desprendimento, um gesto de solidariedade, um gesto de grandeza, um gesto de coragem. Somente os grandes homens e as grandes mulheres têm a coragem de adotar. Por isso, podemos dizer que vocês são nossos heróis.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR PAULO PAIM EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

Matéria referida:

            - “Relatório Final”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/05/2013 - Página 30170