Pronunciamento de Roberto Requião em 28/05/2013
Discurso durante a 83ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Críticas à postura do Governo Federal no tocante à privatização dos portos.
- Autor
- Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
- Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
PRIVATIZAÇÃO.:
- Críticas à postura do Governo Federal no tocante à privatização dos portos.
- Publicação
- Publicação no DSF de 29/05/2013 - Página 30794
- Assunto
- Outros > PRIVATIZAÇÃO.
- Indexação
-
- REPUDIO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PROPOSTA, PRIVATIZAÇÃO, PORTOS, PAIS.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - A tolerância e a paciência da Mesa.
O assunto de que pretendo tratar é recorrente e um pouco árido também. Não, não vou falar da PEC 37 nem do PLC 132, mas vou voltar ao meu tema de eleição, o tema que, nesses 2,5 anos de mandato, trouxe-me com frequência à tribuna do Senado.
Quero conversar sobre economia. É a economia o sal de nossas vidas, e ela, no Brasil, tem andado um tanto quanto sensaborona nos últimos meses.
Eu não diria que estamos repetindo o prato de feijão com arroz de Maílson da Nóbrega, porque aquela mediocridade dificilmente alguém seria capaz de duplicar, mil anos vivêssemos. Mas estamos no ritmo da mesma toada, de idêntico cantochão, marcando passos que não atam nem desatam.
A ideia parece ser esta mesmo: enrolar até a eleição de 2014; empurrar com a barriga e fazer figa para que nada atrapalhe a manobra. Isso de uma banda; de outro lado, aprofundam-se e radicalizam-se as medidas de desnacionalização da economia e de privatização de setores estratégicos do Brasil, como portos e energia.
Quer dizer, são dois movimentos: a deslocação das encrencas pelo bandulho, para que tudo fique no mesmo lugar, e a aceleração das privatizações, arrancando ciúmes do PSDB, do DEM e do PPS, tal a desfaçatez desse desbaratamento dos bens e das riquezas dos brasileiros.
Na trágica sessão desta Casa, no dia 16 de maio, quando foi aprovada a famigerada e pouco cheirosa Medida Provisória dos Portos, o Senador José Agripino, cujas posições em favor das privatizações são claras, transparentes, sem disfarces ou truques, avaliou com acuidade a pantomima. “Isso parece uma coisa surrealista!”, afirmou. E emendava: “Veja bem [...]: qual é a nossa praia, Senador Aloysio?” O Senador Agripino se dirigia ao Senador Aloysio, Senador Pedro Taques. “A nossa praia são as concessões, as privatizações, o prestígio ao capital privado. Votar uma matéria como esta é a nossa praia!” E o Senador Agripino afirmava na tribuna: “Está no nosso DNA.”
O que o Senador Agripino não aceitava, com toda razão, era a forma de agir com a mão do gato, afinal, não havia qualquer divergência de fundo entre os defensores do modelo neoliberal e o Governo quanto à privatização dos portos. Assim sendo, qual a necessidade de tratorar a tudo e a todos?
Sem mais aquela, sem pedir desculpas pela falseta, o Governo invade a praia do PSDB, do DEM e do PPS com uma ousadia de penetra, espalhando areia e inconveniências no espaço alheio.
Mas eu, que, aos 72 anos, imaginava ter visto tudo, vi mais. Vi - Senadores, eu vi -, naquela constrangedora sessão, o Líder do Governo no Congresso, o nosso prezado e ilustre Senador José Pimentel, em um gesto de magnanimidade e reconhecimento, agradecer à Senadora Kátia Abreu pela - abro aspas - “contribuição fundamental” para que a MP dos Portos fosse aprovada nesta Casa.
Os meus botões agitaram-se, ao ouvir a homenagem. Não que a Senadora não merecesse a deferência. Pelo contrário, pois igualmente ao Senador Agripino, a Senadora é transparente, tem posições claras e defende-as com vigor. Pode-se discordar delas, mas não há como desconhecê-las.
Por que então os meus botões inquietaram-se, sacudiram-se? Porque me veio à memória, ressoaram-me aos ouvidos o parecer de um Senador do PT, emitido no dia 1° de novembro de 2011, na Comissão de Assuntos Econômicos, contra projeto da Senadora Kátia Abreu que, em sua essência, foi reproduzido pela Medida Provisória aprovada nesse 16 de maio de 2013.
Entenderam, Srs. e Srªs Senadoras? Entenderam?
A Medida Provisória, de cuja autoria a Casa Civil do Governo Federal orgulha-se e medalha-se pelo feito é, em seus pressupostos básicos, o Projeto de Lei do Senado n° 118, de 2009, da Senadora Kátia Abreu, repudiado pelo PT na Comissão de Assuntos Econômicos no dia 1º de novembro de 2011, Dia de Todos os Santos, dia de todos os milagres, e véspera de Finados, dia, portanto, de todos os mortos.
Estraçalhada na CAE, a proposta da Senadora ressurge um ano e sete meses depois, sob o patrocínio de seus algozes. A alma da proposta da Senadora reproduz-se na Medida Provisória. E os que foram vigorosamente contra, na CAE, foram agora vigorosamente a favor, neste plenário.
Assim, o agradecimento do Líder Pimentel à Senadora equivaleu, talvez, a um constrangido pedido de desculpa.
Mas, vamos lá, vamos ao relatório do Senador petista na Comissão de Assuntos Econômicos.
O Senador começa rebatendo a argumentação da Senadora de que o Poder Público não tinha recursos para investir nos portos, devendo, portanto, privatizá-los. Era a opinião da Senadora Kátia Abreu. Agora, o Governo argumenta que o Poder Público não tem dinheiro para investir nos portos, devendo, portanto, privatizá-los. Nem o Miguel de Unamuno, Reitor da Universidade de Salamanca, daria sentido a esse paradoxo.
Depois de destacar o caráter público dos serviços portuários, o relatório do PT defende a chamada Lei dos Portos de 1993, agora execrada como se fosse a origem de todos os males praianos. Assim como cerra guarda, apresenta armas ao decreto de 2008 do Presidente Lula, agora também exposto à pancadaria pública.
A Senadora pretende que as instalações portuárias de uso privativo misto possam destinar-se - abro aspas -, “independente do percentual”, à movimentação de carga própria e de terceiros. Calma, pois lá está o Governo vigilante, bombardeando essa ideia, ou, pelo menos, lá estava, na Comissão de Assuntos Econômicos.
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - A Senadora considera - abro aspas:
“Em face do contraste entre as vastas e urgentes necessidades do País [...] e as escassas possibilidades de investimento do setor público, não mais se justifica a vedação [...] à implantação de portos [...] privados para a movimentação de cargas de terceiros, ‘com ou sem a participação de cargas próprias?’”
Não se preocupem. O Governo está atento - ou estava atento - para garantir que o terminal de uso privativo exclusivo ou misto deve ter sua construção e exploração vinculadas e justificadas por sua carga própria.
Preservados esses princípios como se fossem pétreos, inamovíveis, o relatório do Governo dá-nos preciosos ensinamentos. A citação é longa - por isso eu pedi tolerância do tempo ao nosso Presidente -, mas esses argumentos que agora são abominados, malditos precisam ser trazidos à memória, pois eles não perderam sua validade, apesar da apostasia do Governo e de sua base.
Diz o relatório do representante do Governo da Presidenta Dilma Rousseff - é o relatório do PT na Comissão de Assuntos Econômicos - abro aspas:
“Decorre desses dispositivos legais que a instalação de terminais privativos destina-se precipuamente à movimentação de carga própria, admitindo-se adicionalmente a movimentação de cargas de terceiros, de molde a permitir o aproveitamento econômico da capacidade ociosa desses terminais.
Diferentemente das instalações de uso público, os terminais privativos configuram-se como atividade econômica regida pelas normas do direito privado, para a qual não se aplica a vinculação aos mencionados princípios da continuidade, universalidade, isonomia e modicidade.
Constitui prerrogativa das empresas privadas a faculdade de escolher os serviços que prestam, o que exclui, por exemplo, as atividades consideradas não lucrativas. Nesses casos, incumbe ao Poder Público exercer tão somente sua função regulatória, estabelecendo, entre outros, requisitos relativos à segurança e à qualidade dos serviços prestados.
Continua o relatório:
Desse ponto de vista, qual seja o do interesse público, não parece apropriado, como pretende o projeto sob exame, estender às instalações portuárias de uso privativo função idêntica àquela essencialmente reservada aos terminais de uso público. Como os terminais de uso privativo não estão sujeitos aos princípios gerais de interesse público, porque voltados para a movimentação de suas próprias cargas e, subsidiariamente, de algumas cargas de terceiro, haveria importantes assimetrias de custos de operação e de encargos regulatórios, entre os terminais localizados nos portos públicos e os de uso privativo, caso se admitisse a indiscriminada movimentação de cargas de terceiros pelos terminais de uso privativo.
Continua o parecer do Governo:
Nesse sentido se tornaria extremamente desigual a concorrência entre operadores desses dois modelos de terminais - o concessionário de um porto público e o operador privado de seu próprio porto -, com notórias desvantagens para os terminais públicos em relação aos de uso privativo.
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - E vai adiante o parecer do Governo:
Não por acaso, portanto, é rara no mundo a circunstância da privatização total de atividades portuárias, só havendo registro dessa experiência em alguns portos do Reino Unido e da Nova Zelândia, segundo o estudo Port Reform Toolkit, do Banco Mundial, publicado em 2001.
No mencionado documento, especialistas afirmam que a grande maioria dos países considera a privatização total de portos, compreendendo a exploração e a operação a cargo de investidor privado e segundo seus próprios interesses, incompatível com objetivos nacionais e regionais.
São diversas as razões apresentadas para tal diagnóstico, entre elas as de que: a privatização abrangente pode colocar em risco os benefícios macroeconômicos de grandes...
(Interrupção do som.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - ... complexos portuários para a economia nacional ou regional [Fora do microfone]; há risco de tratamento discriminatório entre clientes; a privatização total pode comprometer a competição no ambiente econômico.” - fecho aspas.
E, assim, diante do exposto, o Governo pede a rejeição da proposta da Senadora Kátia Abreu.
Ah, sim! O projeto da Senadora foi distribuído com exclusividade à Comissão de Infraestrutura, a quem caberia decisão terminativa. Temendo vê-lo aceito lá, a então Senadora Ideli Salvatti, agora uma das campeãs do esforço em favor da Medida Provisória dos Portos, fez aprovar requerimentos para que ele fosse discutido e votado em mais duas Comissões: a de Infraestrutura e a de Desenvolvimento Regional.
A citação que o relatório do Governo faz das duas únicas experiências nada bem sucedidas do modelo agora adotado pela Medida Provisória dos Portos, as experiências da Inglaterra e da Nova Zelândia, para mim, é paradigmática, é um clássico! Depois de lançar um anátema, depois de excomungar um modelo, depois de abominá-lo e amaldiçoá-lo, o Governo adota-o. Desaconselhados pelo Banco Mundial, os modelos portuários ingleses e neozelandeses têm agora a companhia brasileira. Alvíssaras! Nunca é tarde para que se adira ao atraso!
Riscam-me a memória as frases iniciais de um famoso discurso de Rui Barbosa - abro aspas: “Diante disso, depois disso não sei como principie...”
Diante disso, depois disso, não sei como continue. Talvez a perplexidade do Senador José Agripino sintetize a intrujice: "Isso tudo é surreal!".
Mas aquela infeliz semana reservou aos brasileiros outra grande desgraça: os leilões da Petrobrás. Poucas vezes ouvi e li argumentos tão oportunistas, tão antinacionais, tão frágeis e tão pouco honestos a favor de alguma coisa, como os em defesa dos leilões do dia 14 de maio.
Ao ouvir e ler fiquei triste porque vi mais companheiros abandonando posições na barricada em defesa dos interesses populares e nacionais. Que tantos tenham desertado de antigas defesas comprova-se todos os dias, mas não esperava, realmente não esperava que a desistência da defesa nacional se ampliasse tanto.
Meu Deus! Como defender, como justificar mais essa rodada de leilões de petróleo?
Na verdade, não é só o leilão do petróleo e nem é fortuita, ocasional a coincidência que a privatização dos portos tenha sido aprovada no dia seguinte ao dos leilões. Como disse o representante do Partido Comunista Brasileiro, em uma corajosa e militante nota política - abro aspas: “Estamos vendo o maior processo de privatizações na história do Brasil”.
Diz o Líder do PCB:
Privatizam-se estradas, aeroportos e portos; privatizam-se o petróleo e hidrelétricas; e, ao se colocar recursos financeiros e humanos das estatais, como o BNDES, a Petrobrás, a Caixa e o Banco do Brasil, a serviço de entes privados, temos as chamadas "privatizações brancas".
O que é a política de formação desses tais "campeões nacionais", cevando um mega especulador como Eike Batista, se não uma "privatização branca"?
Meu Deus! Quando esse tempo irá passar? Quando um dia, lá na frente, alguém nos perguntar: "E naqueles tempos, vocês no Senado, o que vocês fizeram?". Constrangidos, envergonhados, vamos responder: "Naqueles tempos criamos Eikes Batistas".
Lembra ainda o Líder do PCB:
Também é uma forma de privatização a desoneração de R$6 bilhões em impostos, beneficiando as empresas de telecomunicações para que elas possam atingir as metas que elas prometeram cumprir por contrato com o Estado brasileiro.
Não foi suficiente o escândalo das teles, passadas de mão beijada para o capital privado. Agora vamos livrá-las de pagar seis bilhões em impostos, para que elas, pobrezinhas, possam cumprir o que assinaram com o Governo Federal.
E não vejo ninguém vociferando contra o não cumprimento do contrato. Não ouço os jornalões e a Globo exigindo que os contratos sejam cumpridos. O princípio tão caro para os liberais do pacta sunt servanda, os contratos têm que ser respeitados, serve apenas para o Estado, como se vê. Seis bilhões de impostos perdoados para que a teles cumpram as obrigações que assumiram e não honraram.
E, agora, como lembra a nota do PCB, a "cereja do bolo": foram entregues à iniciativa privada, a um capitalismo claudicante, baleado pela crise, 289 blocos para a exploração de petróleo, com potencial, segundo cálculos moderadíssimos, de se produzir até 14 bilhões de barris ou quem sabe até 19 bilhões.
Com os leilões, a Agência Nacional do Petróleo espera arrecadar cerca de R$1 bilhão, uma quantia que representa 0,25% do valor dos blocos. A nota do PCB fala que é menor ainda, cerca de um milionésimo do valor total.
Fantástico! Não é fantástico, Srs. Senadores? É fantástico.
Nada, nada, avalia o economista Adriano Benayon, citando o químico Roldão Simas, dá para reformar um estádio de futebol para a Copa; ou, como diz o PCB, dá para pagar a reforma do Maracanã, com o devido ágio da corrupção. É o preço que o Governo recebe por entregar as reservas de petróleo nacionais.
A Agência Nacional de Petróleo, talvez das agências reguladoras a mais querida da mídia e do mercado, disse que nos blocos licitados deverão ser descobertos 19 bilhões de barris de petróleo e gás, que serão exportados!
Especialistas de verdade como Fernando Siqueira e Paulo Metri, e não aqueles especialistas de fancaria que frequentam os noticiários globais, peritos como Siqueira e Metri, citados por Benayon, perguntam - abro aspas: "Quem definiu que a exportação desse petróleo é a melhor opção para o Brasil?”.
Enquanto os Estados Unidos proíbem a exportação de petróleo, olhando para frente, nós fechamos os olhos à trágica experiência de países exportadores, que queimaram suas reservas por nada, para nada.
Discute-se muito hoje na Europa, com a falência do modelo neoliberal, junto do qual se enterraram os partidos ditos de esquerda, discute-se muito uma refundação da esquerda. A exaustão dos partidos trabalhistas...
(Soa a campainha.)
O SR ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - ... socialistas e social-democratas, abduzidos pelo neoliberalismo e campeões na aplicação das políticas de austeridade, fez espocarem novos agrupamentos de esquerda por toda a Europa. Na Inglaterra, o cineasta Ken Loach lança apelo por um novo partido, considerando definitivamente irrecuperável a guinada do Partido Trabalhista para a direita.
Por cinco vezes, Presidente Jorge Viana, não uma ou duas, e sim por cinco vezes, acompanhei o PT nas eleições presidenciais. Nas circunstâncias de hoje, fossem esses que se anunciam os candidatos, acompanharia o PT pela sexta vez. No entanto, parece claro que o PT está à deriva, distancia-se do seu projeto original, como já não é mais possível classificar como de esquerda os partidos da base, que ainda assim se dizem, em que pesem as posições hoje assumidas.
E à esquerda - o nacionalismo -, pela esquerda, construiremos o País e a sociedade por que ansiamos há tanto tempo. Não há outra saída. Boa parte da esquerda tradicional, como a camélia, caiu do galho, depois murchou, depois morreu.
Vamos então, mais uma vez, recomeçar. E principiar pensando um projeto nacional para todas as instâncias da administração pública do Brasil: para a economia, para a sociedade, para o trabalho, para a indústria, para o comércio e para as nossas relações com os demais países do mundo.
Agora, eu não poderia deixar, Senador Jorge Viana, de registrar a minha perplexidade: primeiro, o meu ânimo e o meu entusiasmo quando o Governo derrubou a proposta privatizante da Senadora Kátia Abreu; depois, a perplexidade, ainda maior, quando o Governo se dobra e transforma em medida provisória a mesma proposta considerada por ele, Governo, contra os interesses nacionais.
Obrigado pela tolerância do tempo.