Discurso durante a 85ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca da distribuição e do consumo de drogas no País.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA, POLITICA SANITARIA.:
  • Considerações acerca da distribuição e do consumo de drogas no País.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Pedro Simon.
Publicação
Publicação no DSF de 01/06/2013 - Página 31688
Assunto
Outros > DROGA, POLITICA SANITARIA.
Indexação
  • ANALISE, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, AUMENTO, USUARIO, DROGA, PAIS, COMENTARIO, INICIATIVA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), REDUÇÃO, UTILIZAÇÃO, REGISTRO, IMPORTANCIA, SAUDE PUBLICA, COMBATE, ENTORPECENTE, CRITICA, ATUAÇÃO, POLICIA MILITAR, ASSUNTO, DEFESA, PARTICIPAÇÃO, INSTITUIÇÃO MEDICA, REABILITAÇÃO, REFERENCIA, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, DEBATE, PROJETO DE LEI, POSSIBILIDADE, INTERNAMENTO, PESSOAS, DEPENDENCIA QUIMICA, AUSENCIA, CONSENTIMENTO, MELHORAMENTO, SETOR, ATENDIMENTO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS).

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Presidente Ruben Figueiró, é uma satisfação estar na tribuna. Aqui, no plenário, o Senador Simon e o Presidente da Casa, Senador Renan Calheiros.

            Sr. Presidente, venho falar de um tema que, no meu entendimento, hoje mexe com a alma, com o coração, com o sentimento e com a vida de todos os brasileiros. Venho falar das drogas. Infelizmente, quem não tem na família um primo, ou um filho, ou um neto, ou um sobrinho, ou um amigo de alguém em que a droga chegou à família? E, por isso, eu digo que as drogas se constituem hoje um dos temas mais sensíveis.

            Há grandes discussões a respeito de pontos como prevenção, repressão e tratamento, bem como a respeito da produção, distribuição e consumo das drogas, e devem estar na agenda do Congresso Nacional como resposta a essa verdadeira epidemia ao povo brasileiro.

            É preciso, pois, cuidado ao lidar com essa questão. É necessário deixar dogmas de lado e se concentrar em um ponto fundamental: milhões de brasileiros sofrem o efeito das drogas, tanto as lícitas como as ilícitas, e as drogas destroem famílias. Nós políticos devemos pensar em soluções que tenham como objetivo fundamental salvar vidas, Sr. Presidente. Salvar vidas, independentemente de posicionamentos ideológicos ou pessoais. Mas, sobretudo, deve-se ter em mente que não há soluções simples para essa questão, quando olhamos um grande problema.

            A terminologia a respeito do tema é complexa e há grandes discussões conceituais a respeito dessa questão. Neste pronunciamento, estou utilizando a palavra “drogas” no sentido mais restrito do termo, ou seja, referindo-me àquelas substâncias psicotrópicas e proibidas. Em alguns momentos, porém, poderei fazer referência a algum tipo de substância legal, socialmente aceita, mas da maior gravidade, caso, por exemplo, do álcool e da nicotina.

            Em primeiro lugar, Sr. Presidente, o debate exige que se observe que a utilização das drogas ou de substâncias chamadas psicotrópicas variou enormemente ao longo dos anos, ao longo da história. Em muitas sociedades do passado ou não ocidentais, a utilização de certas substâncias que produziam alucinações ou alterações na consciência era permitida, na medida em que faziam parte, por exemplo, de determinados rituais religiosos.

            Sr. Presidente, é o que ocorre ainda hoje em várias tribos indígenas. É preciso ainda observar que existem dois pontos de inflexão no que diz respeito à relação homem com droga.

            O primeiro é a própria modernidade, ou seja, o processo pelo qual as sociedades modernas romperam com antigas tradições e com costumes do passado. Não por acaso, o consumo de droga disparou a partir da década de 60 do século passado, quando o questionamento dos valores tradicionais se acentuou.

            O segundo ponto de inflexão também tem a ver com as mudanças trazidas, Sr. Presidente, Senador Ruben Figueiró, pela evolução das ciências exatas e naturais. É exatamente no começo do século XIX que a química se desenvolveu plenamente e foi possível a sintetização de substâncias químicas em laboratórios. Algumas dessas substâncias que viriam a ser usadas como drogas são a cocaína, extraída da folha da coca, ou a morfina, extraída do ópio, resina do botão da flor de papoula. Além disso, essa revolução na química permitiu, a partir do século XX, a criação das chamadas substâncias artificiais, que são até mais graves.

            Foi o caso, por exemplo, das anfetaminas ou metanfetaminas, substâncias que não existem na natureza, mas que produzem efeitos análogos ao da adrenalina que existe no corpo dos próprios animais.

            De tal modo, o século XX vê o aumento do uso de substâncias chamadas psicotrópicas. A resposta a isso foi proibir todo o consumo. Esse modelo proibicionista tem dois marcos fundamentais.

            O primeiro é a Convenção Única sobre Drogas Narcóticas, aprovada sob os votos da ONU -- Organização das Nações Unidas, em 1961. Ainda hoje é o principal tratado a respeito do tema. Orienta-se no sentido de reprimir a oferta e o consumo, vedando, por exemplo, qualquer tipo de cultivo não autorizado de plantas com princípios psicotrópicos, além de estimular a pena de prisão para usuários.

            Por outro lado, pouca atenção foi dada para os aspectos relacionados ao tratamento e prevenção.

            O segundo marco fundamental da estratégia proibicionista veio dez anos depois, em 1971, quando o então presidente norte-americano, Richard Nixon, deu início à chamada "guerra às drogas". Na ocasião, Nixon afirmou que o problema número um dos Estados Unidos era o abuso de drogas. Investiu pesadamente na repressão, ao criar um departamento dentro do governo americano especializado somente no combate às drogas. Ao considerar que se tratava de um problema de segurança nacional, os Estados Unidos passaram a agir invasivamente em países que eram vistos como potenciais ameaças, porque produziam e para lá mandavam. Passou a dar dinheiro para que o México queimasse plantações de maconha ou para que a Turquia erradicasse o cultivo de papoula.

            Desde Nixon, portanto, a estratégia do governo norte-americano em relação às drogas acentuou-se em termos de repressão policial à produção, venda e consumo.

            É preciso, neste momento, lembrar se a estratégia puramente de proibir é a mais adequada, se foi bem-sucedida. Muitos sugerem que não é só isso. Segundo o jornalista Tarso Araújo, "de maneira geral, a população mundial não parece [infelizmente] disposta a abandonar o uso de drogas [e isso é grave]. Nos últimos 50 anos, a maconha se tornou popular no mundo inteiro e se consolidou como a droga proibida mais usada do Planeta”.

            Ele observa que se buscam alternativas à estratégia proibicionista, inclusive no âmbito das discussões na arena internacional. Segundo ele, a ONU, nos últimos anos, passou a incentivar políticas de redução de danos e a ênfase no combate ao tráfico, em vez da repressão somente aos usuários.

            Essas mudanças refletem um novo alinhamento, mais próximo das políticas de drogas usadas na Europa e mais distante da americana, que sempre deu a linha, sempre dominou o debate sobre a questão. O formulador de políticas pública deve, portanto, ter os olhos bem abertos para novas estratégias.

            Ao pensarmos em uma política em relação às drogas, devemos pensar no que exatamente pretendemos, o que queremos. Os pesquisadores americanos, Sr. Presidente - e aqui me socorro deles -, Mark Kleiman, Jonathan Caulkins e Angela Hawken, na obra “Drogas e Política de Drogas”, sugerem que uma política em relação às drogas buscam cinco objetivos ao mesmo tempo: primeiro, reduzir o número de pessoas que usam a droga; segundo, reduzir o número de usuários que se tornam viciados; terceiro, reduzir o tempo em que essas pessoas permanecem na condição de viciados; quarto, reduzir o dano para os usuários e para as outras pessoas, seja em razão do consumo eventual, seja em razão do consumo permanente e abusivo; quinto, por fim, reduzir tanto os danos criados pelos traficantes quanto os custos policiais envolvidos no combate ao tráfico de drogas.

            Compreender que existem vários objetivos distintos em uma política de drogas é importante porque o tema se tornou algo tão grande que não é mais possível afirmar que se trata apenas de um caso de polícia, ou seja, apenas uma questão policial. Há certamente, o aspecto criminal. Sim, é fato, é real. No entanto, há também aqueles relacionados com a saúde, com a prevenção e com a política.

            Qual é o nosso papel nessa guerra sem fronteiras, nessa guerra que um dia, oxalá, possamos vencer?

            Há muitas possibilidades, portanto. Porém, a perspectiva da saúde pública deve ocupar um papel central em qualquer iniciativa relacionada às drogas. É o que sugere, por exemplo, a ABRAMD - Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos sobre Drogas.

            Em manifesto que me foi enviado, a entidade ressalta que “o abuso e a dependência de drogas resultam em sofrimento e custos de enorme proporção, que causam impacto na saúde física, mental e ocupacional da população em escala mundial”, o que nos assusta a todos.

            Esse impacto pode ser visto pelas estatísticas da Organização Mundial de Saúde (OMS), que estima que as drogas provoquem mais de sete milhões de mortes por ano. Repito: as drogas provocam mais de sete milhões de mortes por ano, sendo que cinco milhões são causadas pelo quê? Pelo álcool - uma droga lícita -; outros dois milhões pelo tabaco e mais 165 mil pelas drogas ilícitas.

            Além disso, é preciso observar que existe a crescente percepção de que a “guerra contra as drogas” - e me refiro a todas as drogas, lícitas e ilícitas -, nos moldes concebidos pelos Estados Unidos durante o governo Nixon é uma abordagem ineficaz para o problema porque não lida, adequadamente, com os aspectos relacionados à prevenção ou ao tratamento de drogadictos. Por isso, vejamos.

            Ao priorizar o viés policial, a “guerra contra as drogas” não resultou em redução significativa de consumidores, além de produzir como efeito colateral um mercado ilegal de fornecimento de substâncias ilícitas, acompanhado pela violência e crime, sem falar no encarceramento em massa resultante desse combate ao tráfico de drogas. Não resolveu a questão.

            É importante, ainda, frisar que a ilegalidade acabou por tornar o comércio de drogas, como a cocaína, a maconha, o crack e outras substâncias, em um dos mais rentáveis ramos econômicos do mundo. Eles ganham muito. Eles ganharam o mundo e ganham muito com a morte da nossa juventude, o que, certamente, é motivo suficiente para atrair todo criminoso ambicioso para essa atividade.

            No entanto, se estamos em um momento de questionamento, ainda não sabemos como serão os nossos procedimentos em relação ao futuro. 

            Se há ceticismo crescente em relação à eficácia da estratégia proibicionista, permanece polêmico um tratamento que envolva, por exemplo, a possibilidade da internação compulsória de viciados em drogas.

            E por que é polêmico? Uns são a favor da internação compulsória, outros, não.

            Mas, vindo para cá, Sr. Presidente, me permita, eu li um artigo de, se eu não me engano, um estudioso da matéria que dizia o seguinte: Se você vir o seu filho maltrapilho pela rua, fumando crack, deformado, praticamente rastejando, o que é que você tem que fazer? Tem que dizer: Não, não pode internar, porque é a liberdade?

            Liberdade coisa nenhuma! Eu faço como ele fez. Se eu vir o meu filho numa situação como essa, eu pego ele e vou internar, sim, para recuperar, porque está em jogo a vida.

            Então, aqueles que dizem que são radicalmente contra todo tipo de internação compulsória têm que olhar esse lado. Eu sempre digo, na minha análise, da minha caminhada política, que o ideal é sempre você se colocar no lugar do outro.

            Se ponha no lugar daquele pai, que vê o filho ou a filha, como eu dizia, andando, perdido, solitário, contra o vento, sem documento, sendo espancado, violentado, e que a morte é certa, ali na esquina, e você não faz nada? Isso é covardia de não assumir a responsabilidade, de pegar o filho e dizer: “Sim, eu vou te internar, porque eu quero te salvar”.

            Sr. Presidente, há dois motivos para tanto: o primeiro é que o índice de a recaída é maior do que em casos em que o próprio viciado busca ajuda; em segundo lugar, porque pode indicar um viés não ainda bem aceito pela sociedade. Mas, independentemente de um ou dois motivos, como eu digo aqui, é preciso coragem para tomar a posição que aqui eu destaquei.

            Ainda, no estudo da matéria, feito pela ABRAMD, a entidade teme alguns rumos que têm sido tomados na política do País em relação ao tratamento em um aspecto particular. Segundo a entidade:

(...) o financiamento público de instituições privadas para o tratamento de dependentes pode nos submeter a visões corporativistas, maquiadas por discursos convincentes, porém inviáveis para realidade brasileira e [diz mais] (...) preocupa-nos que a transferência de ações de assistência para outros setores, sem o adequado acompanhamento e avaliação, enfraqueça as ações públicas, universais e gratuitas pelas quais tanto batalhamos nos últimos anos e defendidas pelos governos Lula e Dilma Rousseff.

           Esses problemas apontados estão entre as principais preocupações para aqueles que lidam com o tema das drogas.

           Mas, antes de chegar a uma possível proposta, é preciso verificar o que é, por assim dizer, ponto pacífico em termos de discussão a respeito do tema e que podem ser o início para uma discussão racional. Segundo o jornalista Tarso Araújo, é possível concordar, e aí há uma unanimidade nacional, a respeito dos seguintes aspectos:

           1. O uso de drogas é um risco em potencial à vida;

           2. O problema de drogas é principalmente uma questão de saúde pública, e não somente de polícia;

           3. Políticas de drogas precisam ser orientadas por resultados;

           4. Políticas de drogas devem buscar a melhor relação custo-benefício para o poder público - em primeiro lugar, a saúde, a vida;

           5. Políticas de drogas não devem ser entraves para a estabilidade econômica e o desenvolvimento, como alguns pensam - não!;

           6. Políticas de drogas devem ser compatíveis com as políticas internacionais de direitos humanos - por isso falamos de vidas;

           7. Minimizar o uso problemático de drogas e os danos que ela causa;

           8. Minimizar a criminalidade associada ao tráfico e ao uso de drogas;

           9. Minimizar os danos relacionados ao uso de drogas em crianças e famílias;

           10. Aí, sim, garantir tratamento para todos.

           Pois bem, levando em conta esses objetivos, é possível afirmar que o Brasil avançou alguns passos com a Lei nº 11.343, de 2006, que reconheceu a distinção entre usuário e traficante - sabermos medir: usuário é uma coisa; o traficante, outra - de modo que o primeiro não seja punido. O usuário é quem vai para a cadeia, e o traficante, não. Quem tem de ir para a cadeia mesmo é o traficante, e nós temos de lutar para recuperar o usuário.

           As penas para o uso são a advertência verbal, a prestação de serviços comunitários, a obrigação de freqüentar cursos de educação sobre drogas e multa, caso não cumpram alguma das penas acima; nós temos que ser cada vez mais duros nesse sentido.

            Além disso, é importante ressaltar que o governo brasileiro tem se mostrado preocupado com o tema.

            Lembro aqui um vereador paulista, Sr. Presidente, mas que foi Deputado Federal, médico, ao qual eu tenho muito respeito, Jamil Murad, do PCdoB, em artigo na revista Princípios, reconhece que:

No âmbito federal, a busca por saídas levou à elaboração de um Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, lançado em maio de 2010 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com um orçamento inicial na ordem de R$410 milhões para aquele ano a serem utilizados em ações de prevenção, atenção e reinserção social de usuários e dependentes, [enfim] e repressão ao tráfico.

            A Presidenta Dilma reafirmou seu compromisso com o projeto do governo Lula no lançamento de 49 Centros de Referência em Crack e outras Drogas, quando afirmou: "Temos um quadro extremamente preocupante no que se refere às drogas e à criminalidade (...)”

(Soa a campainha.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - “(...) Tenho o compromisso de levar uma luta sem quartel ao crack".

            O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - Permita-me, Senador?

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Vou passar a V. Exª a partir dessa folha, Senador Simon.

            Dentro dessa política, temos que olhar, com muito respeito e atenção, para o PL 7.663, de 2010, que trata da internação compulsória, em trâmite na Câmara Federal, Sr. Simon.

            Esse projeto é do nosso colega gaúcho, o Deputado Osmar Terra, foi relatado pelo Deputado Givaldo Carimbão. Eu diria que esse projeto, Senador Simon - e eu passei o dia lendo-o - é um estatuto contra as drogas. Eu quero dizer que eles tiveram coragem de trazer esse tema ao debate, e, aqui no Senado, nós temos que aprofundar e avançar na linha do PL 7.663, de 2010.

            Um aparte a V. Exª, com enorme satisfação.

            O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - V. Exª, Senador Paim, realmente é um Senador fora de série. V. Exª entra num assunto, e duvido de que haja algum profissional que passe a vida inteira só com esse assunto e possa fazer um discurso que se compare ao seu. Eu tenho uma inveja cristã de V. Exª, porque não é pecaminosa. A capacidade que V. Exª tem de abrangência dos assuntos mais complicados e mais divergentes de um canto para outro é realmente extraordinária. Agora há pouco, V. Exª aparteava o Presidente do Senado, debatendo uma questão que é da maior importância, que é copiar algo dos Estados Unidos: na hora de comprar um objeto X por 130, saber que 100 é para a firma e 30 é de imposto. V. Exª falou com categoria, porque V. Exª conhece a matéria. Agora, eu me emocionei com o discurso de V. Exª, porque V. Exª fala como quem está dentro, como quem vive e conhece. V. Exª não falou como um Parlamentar que está discutindo uma matéria: é importante etc. e tal, e estou discutindo. V. Exª falou como um Parlamentar que vive o problema; que, nas suas idas, nas suas andanças pelo Brasil inteiro, vive, a cada hora, a cada momento, essa questão. E não pode fechar os olhos, não pode dizer - e que é o meu caso: isso não é questão nossa; isso é questão de fulano. Por isso, o Osmar Terra me emociona com esse projeto dele, com a luta que ele está fazendo. É interessante que o Osmar Terra foi de uma época, trabalhou no governo do Fernando Henrique e fez um belíssimo trabalho sobre toda essa matéria. E, agora, o Fernando Henrique está numa posição contrária. Existem, no mundo, pessoas que realmente acham que o problema é a liberação, que a punição é altamente negativa. Além disso, o Terra foi, durante oito anos, secretário de saúde no Rio Grande do Sul (...)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - É médico.

            O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - (...) com uma atuação excepcional, e tratou essa matéria de maneira altamente positiva. Veio aqui, topou a parada e conseguiu aprovar lá na Câmara, que vem para o Senado, um projeto de que a gente sabe a polêmica.

            (Soa a campainha.)

            O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - E a polêmica em torno desse projeto é pura, é sincera, não é eleitoreira. Como pai, como tio, como político, cada um de nós olha para o lado e vê isso. Então, não dá para decidir que o debate em torno desse assunto é interesseiro, é isso, é aquilo, é política, é tirar vantagem, é não tirar vantagem. Ninguém ganha defendendo a prisão e ninguém perde sendo contra. O que interessa é saber o que é o melhor. E essa decisão da Câmara foi muito importante. Eu não vou te negar: eu vivo esse drama.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Todos nós vivemos, de uma forma ou de outra.

            O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - Eu também conheço esse problema, sei do sofrimento, da dor. Ele abate o pai, abate a família; ele é... Meu Deus! E quando eu vejo agora, porque agora chegou a vez em que nós não podemos...É crime ficar de fora. O que está acontecendo agora, com essa última droga que apareceu, onde o negócio é questão de três dias. E outra coisa: agora não é a burguesia, não é a classe média, não é o homem da grande cidade; lá no interior do nosso Rio Grande, cidadezinhas pequenas, de sete, oito mil habitantes, estão cheias do crack, porque a pessoa pega o crack, que é barato, e, com três pedras, a pessoa está viciada. É um negócio que está imprevisível. E falam que é 10% da população que já está com esse problema. Então, eu acho que foi muito importante esse projeto do Deputado Terra. Felicito o Terra! Ele é uma pessoa bacana, é dedicado. Ele se casou e está bem. Mas o que eu quero dizer é que ele tem os filhos dele, e eu também tenho. Eu tive um filho com 65 anos, e ele é mais ou menos assim: ele tem dois gurizinhos e é apaixonado pelos filhos dele, ele é emocional com aqueles filhos dele. O menor joga xadrez, ele e o guri, inclusive no computador. E o gurizinho é campeão brasileiro de uma classe não sei do quê. Então, ele é apaixonado pela situação e vive esse problema como médico realmente que se dedicou, dentro da Medicina, às causas da justiça social. Então, eu acho que esse pronunciamento de V. Exª, às vésperas da chegada do projeto aqui, antecipa a sua posição e, através do aparte que V. Exª teve a gentileza de me conceder, eu antecipo a minha também de ser inteiramente favorável a ele. Acho que nós devemos olhar esse projeto, debater e, como é a expectativa de V. Exª, não apenas aprová-lo, mas fazer um debate em torno dele para nós o conhecermos...

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - É isso mesmo. Muito bem.

            O Sr. Pedro Simon (Bloco/PMDB - RS) - ... e não só virmos aqui aprovar e, no outro dia, irmos embora.” Isso é o correto. Eu acho que ele vai ser aprovado e pode ser feito assim. Mas também pode ser feita uma discussão, um debate, um convite ao Deputado Terra, para vir discutir conosco. E convidem outras pessoas, como o Fernando Henrique, para virem debater a posição contrária, para a gente votar e ver qual merece. V. Exª não precisava do aparte, o meu aparte não soma nada, mas o meu aparte eu dou para externar a admiração e o carinho que eu tenho pela emoção do seu pronunciamento, pela sua felicidade. Parece que V. Exª vive só esse assunto, V. Exª tem mil assuntos que discute, mas, se alguém entrar aqui e olhar, diz: “Bom, esse homem deve passar 24 horas estudando esse assunto”. V. Exª tem uma genialidade, como já disseram, que admiro muito. Meus cumprimentos.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Simon, por isso que digo que, não por ter elogiado a mim, mas pela forma como entrou no tema, V. Exª é um ícone nesta Casa. V. Exª é um Senador que não tem situação, nem oposição que não o respeite. V. Exª é independente ao votar com as suas convicções, em cada momento que aqui o acompanhei, neste período em que tive e tenho a alegria de sentar-me ao seu lado e aprender muito com V. Exª.

            (Soa a campainha.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Por isso, o seu aparte, com certeza, vai ficar no meu pronunciamento, como alguém que sabe da dificuldade de brasileiros e brasileiras que enfrentam e vivem, no dia a dia, essa situação das drogas. E são milhões e milhões de brasileiros.

            Por isso tudo, continuando aqui, Senador Simon - e vai na mesma linha da fala de V. Exª -, podíamos lembrar que, hoje, estão previstos três tipos de internação: voluntária, involuntária e compulsória. Penso que precisamos fazer uma reflexão aprofundada a partir desse projeto, porque há, como disse V. Exª, de se considerar vários pontos. Por exemplo, há casos que nem se discute a internação compulsória: estão em risco a vida, o assalto à própria família, infelizmente, do viciado. E tem gente que diz que nem o crack! Que é isso!? Que é isso!?

            Vamos fazer o bom debate, como diz V. Exª, mas não tenho dúvida nenhuma: no caso do crack, a internação tem que ser compulsória e urgente. E aí vamos aprofundar o debate a partir desta oportunidade que nos chega aqui.

            O Vereador Jamil Murad fala ainda que “não dispomos de fórmulas prontas, nem há soluções definitivas. Diz mais: “Além disso, a questão muitas vezes fica permeada com forte recorte de classe e sem uma visão adequada, focada no problema”.

            Dentro do atual cenário, há duas estratégias que podem ser seguidas: a primeira é o investimento em prevenção, Senador Cristovam; prevenção por meio da educação. A educação é a grande saída das drogas, e sei que V. Exª vai me fazer um aparte; V. Exª tem convicção sobre o tema, e já conversamos sobre isso. Repito, por meio da educação e da conscientização dos riscos.

            Nessa estratégia, é fundamental o envolvimento da família e da escola, justamente para desestimular que crianças e jovens se envolvam com drogas.

            Senador Cristovam, faço questão do aparte de V. Exª. Sei que V. Exª tem uma situação semelhante à minha e a do Senador Simon, mas nem que não tivesse: V. Exª sabe que eu o respeitaria e tenho respeito enorme pelo seu ponto de vista sobre todos os temas.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Primeiro, eu quero dizer que fiquei um pouco fora aqui do plenário e assisti seu discurso pela Rádio. Já tínhamos conversado sobre isso. O senhor é um dos primeiros que aqui levantou o problema da droga. Lembro muito bem - e já faz anos - que o senhor trata isso como uma epidemia que tomou conta do Brasil. Além disso, diferentemente de outros que já levantam o problema há tempo, o senhor não tomou o problema como uma coisa de polícia: tomou pelo lado humano, pensando em como é que a gente faz para que essas pessoas não caiam na tragédia da droga, que desarticula a pessoa e suas famílias. E eu creio que agora nós temos um problema mais agravante que é especificamente o crack. As outras drogas são ruins, mas essa é devastadora. Por isso eu sou favorável, sim, à internação compulsória, como dizem, ou, eu diria, à salvação compulsória, porque o crack é como um suicídio, e, quando a gente vê alguém se suicidando, não só tem o direito: tem a obrigação de fazer tudo o que é preciso para que o ato não aconteça.

            (Soa a campainha.)

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Quando uma pessoa está no quinto, sexto ou sétimo andar, ameaçando pular, os bombeiros vão lá e agarram, e puxam, e tiram a pessoa de lá. Não ficam tentando convencer, não. Uma pessoa na rua usando crack é a mesma coisa que uma pessoa no sétimo andar, querendo pular. A diferença é que cai aos poucos, cai aos pouquinhos. Mas cai, está caindo. Então, nós temos que tomar uma medida mais drástica em defesa dessas pessoas e suas famílias. Eu não vejo alternativa. Obviamente, concordo com o senhor que essa internação seja feita desde que não sob a forma policial, mas sob a forma médica, de saúde...

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muito bem, é isso mesmo.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - ... eu diria até sob a forma humanista. E assim eu creio que é o que se está pretendendo. O que nós devemos é apoiar e fiscalizar se vai ser um tratamento ou se vai ser um aprisionamento. Não são a mesma coisa aprisionamento e tratamento. Mas, muitas vezes, o tratamento exige que a pessoa fique. E outra coisa: o hospital, o médico, a pessoa só sai quando tem alta. Mas você pode dizer: “Mas ele pode sair se quiser, mesmo antes da alta”. Mas é uma irresponsabilidade, é um suicídio. Eu creio que a sociedade, nós temos a obrigação de cuidar dessas pessoas por todos os meios, com muito humanismo, mas sem fechar os olhos para o fato de que aquela pessoa está vivendo sob o falso argumento de que tem livre arbítrio. Não tem livre arbítrio. Eu acho que, nas outras drogas, até tem. Você sair ou não do alcoolismo é uma opção pessoal, e de outras drogas também; mas, do crack, não é uma opção pessoal. Desaparece a opção pessoal depois que a pessoa começa a fazer isso. E, finalmente, nunca teria dúvidas de que o senhor iria dizer que o caminho mesmo é a educação. As crianças que ficam seis, sete horas na escola durante toda a educação de base têm muito menos risco de cair nessa dependência, seja porque a escola lhe dá uma formação, seja porque a escola lhe dá alternativas de empregabilidade para que não precisem cair nesse tipo de problema, a não ser por razões existenciais muito fortes. Então eu, como o Senador Pedro Simon, estou totalmente de acordo com o senhor e espero que deixemos de omissão e passemos à ação, no que se refere à droga.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muito bem, Senador Cristovam. V. Exª, como o Senador Simon, mostra coragem de assumir posições. Hoje em dia, eu noto que muita gente no mundo político não quer assumir posições, para ficar bem - desculpe a expressão - com Deus e com o diabo. Eu acho que nós queremos ficar bem com Deus, e ficar bem com Deus é olhar com carinho a prevenção - V. Exª lembrou muito bem -, a educação e mesmo a internação compulsória naqueles casos, passando, claro, por uma orientação médica.

            Mas, Senador Cristovam e Senador Simon, nessa mesma linha, como V. Exª lembrou, há muitos anos estamos preocupados com esse tema, até porque, há muitos anos, vivemos com esse problema no nosso caminhar pelo Rio Grande e pelo Brasil. Ainda em 2008, eu apresentei um projeto para que, durante uma semana - e nós poderíamos dizer: tomara que todos os dias -, durante no mínimo uma semana, em cada escola deste País, se faça um debate forte, contundente sobre a política nacional de combate às drogas e entorpecentes. Apresentei essa proposta para que o tema seja pontuado num amplo debate com toda a sociedade.

(Soa a campainha.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - A segunda estratégia que eu poderia levantar é relativa ao tratamento de dependentes químicos, cujos principais elementos são os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD), do Sistema Único de Saúde. Os estudos a respeito desses centros mostram três conclusões:

a)      o número insuficiente de serviços frente à demanda;

b)      a existência de dificuldades operacionais, em especial no que tange a pessoal e integração na rede de serviço;

            c) os ótimos resultados obtidos com o tratamento de usuários de drogas e dependentes químicos, apesar das dificuldades aqui por mim levantadas.

            Então, se investíssemos mais no número de pessoas à frente desse trabalho educativo e de recuperação e em mais estrutura, com certeza, o resultado seria outro.

            Enfim, dentro do cenário atual, as duas estratégias que produzem mais resultados em termos de combate às drogas são essas, no nosso entendimento. A primeira é a prevenção, que implica, como dito, o envolvimento de famílias, escola e Estado. Isso funciona. Basta observar o que vem acontecendo já nas políticas de combate a uma droga para mim gravíssima, que é o álcool. Hoje, por exemplo, há um crescente estigma em relação a conduzir um veículo sob efeito da bebida alcoólica. Por isso, lei correta aprovada por esta Casa é a de tolerância zero, que tem tornado malvisto socialmente o comportamento de beber e depois dirigir, enfim, tem desestimulado os nossos jovens, quando vão a uma boate ou a um bar, a dirigir depois de beber.

            Em segundo lugar, a solução caminha pelo tratamento de viciados, por meio de oferta de maior número de vagas no SUS.

            Sr. Presidente, claro que há sérias dúvidas da eficácia de o Governo Federal financiar atividades privadas para que elas cuidem dos drogados. Nesse sentido, é muito positivo que diversas entidades e especialistas sejam ouvidos. A comunidade científica, afinal de contas, é a que é mais capaz de oferecer meios de tratamento eficaz no combate ao vício das drogas.

            De tal modo, Sr. Presidente, creio que é justo o pedido de entidades como a ABRAMD e os centros regionais de referência para uma conversa mais ampla com o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, pessoa sabidamente comprometida com o respeito à dignidade humana e aos direitos humanos.

            Terminando, Sr. Presidente, nesses três minutos, a ciência é elemento fundamental no combate às drogas e as universidades públicas brasileiras e seus pesquisadores são atores fundamentais para que possamos efetivamente salvar a vida de milhões de brasileiros que se envolveram nesse mundo triste das drogas que vai cerceando vidas da nossa juventude.

            Termino: de qualquer modo, é fundamental direcionar recursos para a instalação de mais Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas, especialmente em cidades médias e pequenas.

(Soa a campainha.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Como disse aqui o Senador Simon, avança pelas pequenas e médias cidades.

            Por fim, Sr. Presidente, mas por fim mesmo, creio que também é fundamental aprovarmos aqui - não sei por que tanta resistência - a PEC de combate ao trabalho escravo. E por que eu vinculo PEC de combate ao trabalho escravo com o debate que estou levantando aqui sobre as drogas? Primeiro: pois nela perde a propriedade quem nela tiver comprovadamente trabalhadores sob o regime de escravidão. Segundo: também perde a propriedade se ficar comprovado que ali se plantam drogas ilícitas.

            Sr. Presidente, cabe ao Congresso aprofundar este debate cada vez mais, porque é um tema, como eu digo, que envolve a vida da nossa gente e da nossa juventude principalmente. Termino dizendo: o projeto do Deputado Osmar Terra, nº 7.663, de 2010, relatado pelo Deputado Givaldo Carimbão, já aprovado na Câmara, vem para esta Casa - repito, li com todo cuidado o projeto durante o dia de ontem, o projeto é um estatuto; é um estatuto de combate às drogas - e quero cumprimentar a ambos. A ambos, porque foram criticados; porque tiveram coragem de enfrentar o tema e de trazer para o debate. Tiveram coragem, Senador Simon, como disse muito bem V. Exª, lá na Câmara foram até criticados, mas enfrentaram o debate; aprovaram o projeto e ele veio aqui para o Senado. E aqui o debate continua. Se alguém pensa que aqui vamos rejeitar um projeto, que é um estatuto de combate às drogas, engana-se. Aqui, podemos aprofundar o debate, podemos aprimorar o texto, mas que ele será aprovado... Há de ser aprovado!

            Sr. Presidente, para tanto, precisamos, cada vez mais, ouvir a todos: estudantes, pais, alunos, a comunidade científica brasileira, a fim de verificar quais são as experiências mais recomendadas, algumas eu já citei, inclusive internacionais. Devemos aproveitá-las, no que for possível, na realidade brasileira.

            Era isso, Senador Ruben Figueiró. Sei que ultrapassei o tempo, mas é um tema que, eu tenho certeza, se V. Exª estivesse no plenário, também faria um aparte e se somaria a esta luta que é de todos nós.

            Eu vejo agora as galerias lotadas. São homens e mulheres, ampla maioria de adultos e alguns jovens, mas todos, tenho certeza, concordam que o Brasil não pode se fazer... Alguém levanta positivamente o braço... Nós, que estamos na vida pública, não podemos olhar como se isso não estivesse acontecendo. Repito: é uma epidemia que está chegando a todos os lares. Disse no início e assim termino: se não chegou nos lares dessa ou daquela família; com certeza, essa família sabe de um colega, de um amigo por ela afetado. Quem sabe de sua chegada, sabe como é doído! Você que se lembra da alegria do nascimento de seu filho... Eu perguntei a uma mãe como estava seu filho, e ela me disse: “Paim, perdi meu filho. Lutei a vida toda, sofri muito e o pedi para as drogas. Ele morreu já faz um ano.”

(Soa a campainha.)

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Muito obrigado, Sr. Presidente, encerro meu pronunciamento.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/06/2013 - Página 31688