Discurso durante a 89ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à condução da economia brasileira.

Autor
Pedro Taques (PDT - Partido Democrático Trabalhista/MT)
Nome completo: José Pedro Gonçalves Taques
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Críticas à condução da economia brasileira.
Publicação
Publicação no DSF de 07/06/2013 - Página 34018
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, MOTIVO, MANIPULAÇÃO, CONTAS, DIVIDA PUBLICA, COMENTARIO, NECESSIDADE, CRESCIMENTO, PRODUTIVIDADE, COMPETIÇÃO INDUSTRIAL, DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL, OBJETIVO, RECONSTRUÇÃO, DESENVOLVIMENTO, ECONOMIA NACIONAL.

            O SR. PEDRO TAQUES (Bloco/PDT - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente, Senador Requião, pela lembrança do tempo. V. Exª é um cumpridor da lei e do Regimento, e eu vou buscar fazê-lo da mesma forma.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, amigos que nos assistem e nos ouvem pela Rádio Senado e pela TV Senado, Senador Eunício Oliveira, hoje, nós estamos começando a ter medo novamente: medo da inflação, medo do desemprego, medo do desequilíbrio econômico. Medos que nós achávamos que estavam no passado, mas não estão.

            Se nós, brasileiros, não ficarmos muito vigilantes, se não lutarmos agora pelas conquistas que o País alcançou ao longo de vários governos de partidos diferentes, se não lutarmos pela estabilidade de preços, pela capacidade produtiva do Brasil, podemos encontrar esses fantasmas na volta da esquina, quem sabe na volta para cá, na semana que vem, Senador Eunício.

            Nos últimos anos, o País cresceu pouco, mas o emprego e a renda cresceram mais. Esse crescimento foi, em parte, devido às condições extraordinárias da economia mundial até 2008, que fizeram com que as nossas exportações ficassem maiores e com melhores preços. Continuamos exportando soja, milho, minério de ferro, para ganharmos mais com essas vendas, porque passamos a receber mais por esses produtos.

            O crescimento também decorreu de algumas decisões internas acertadas: a expansão do Bolsa Família, em um determinado momento, e o aumento real do salário mínimo foram fatores que permitiram que mais pessoas alcançassem melhor renda e pudessem consumir mais.

            Todavia, para que esses ganhos possam ser verdadeiros, Senador Requião, para que os nossos irmãos brasileiros possam ter segurança no presente e confiança no futuro, os que conduzem a economia brasileira teriam de ter olhado para a consolidação desse crescimento. O nosso trabalhador só terá a garantia de manter e ampliar a condição que adquiriu nos últimos anos se tivermos estabilidade de preços, crescimento da produtividade e da competitividade das empresas, e avanços na sua educação e qualificação.

            Infelizmente, meus amigos, nada disso foi pensado lá atrás. “Surfamos na onda” do crescimento mundial, mas durante mais de dez anos o governo esqueceu a lição de casa, esqueceu a responsabilidade de investir para o futuro.

            Quando “a onda murchou”, quando os nossos produtos de exportação perderam preços, o castelo de cartas que foi nossa política econômica desabou na cabeça do povo brasileiro. Usando a expressão do Prof. Márcio Garcia, “em vez de preparar para o inverno, passamos a maior parte do verão da economia mundial cantando, tal como a cigarra da fábula”.

            Eu uso os dados e a expressão do respeitado economista Reinaldo Gonçalves, da Universidade Federal do Rio de Janeiro: em lugar de um país desenvolvido, nos tornamos um país "negativado".

            Mas como isso acontece? Vamos ver.

            Crescemos e consumimos bastante desde 2003, ainda que menos que a média mundial. Mas o investimento público e privado foi sempre menor que o dos demais países: investimos em média 18,8% do PIB, enquanto o mundo atingiu 23,9%. Isso significa fábricas menos eficientes, menos avanço tecnológico, infraestrutura estrangulada, enfim, a perda da capacidade de competir com os demais países na produção de bens e serviços; a perda, portanto, da segurança de manter os ganhos conquistados. Passamos a depender exclusivamente de vender alguns produtos primários, como soja, carne e minérios, que geram pouco emprego e pouca renda dentro do País. Não que isso seja uma vergonha, Senador Requião. Veja que os Estados Unidos representam o maior país produtor de proteína vegetal e animal do mundo. Isso não é uma vergonha, mas não pode ser só isso!

            Isso fica claro, claríssimo, quando vemos que o saldo das transações correntes, o total de transações comerciais com o exterior, saldo esse que vinha sendo ligeiramente positivo até 2007 em razão do extraordinário aumento das exportações dessas matérias-primas, desabou para 2,6% do Produto Interno Bruto em 2012. Ou seja, quando perdemos o “empurrão” do preço da soja ou do minério, ficamos sem conseguir vender mais nada ao exterior, e precisamos, cada vez mais, atrair capitais estrangeiros apenas para pagar aquilo que consumimos.

            Mas alguém poderia contra-argumentar dizendo que “o mercado interno está forte”, que temos como crescer produzindo e vendendo internamente. Isso também é uma ilusão! Também o mercado interno está “negativado”, na feliz expressão do professor fluminense. O endividamento das empresas brasileiras mais que duplicou em dez anos: de 2003 a 2012, passou de R$233 bilhões para R$593 bilhões, já em valores constantes de 2012.

            No caso das famílias, do trabalhador, do aposentado, esse salto foi ainda maior: se em 2003 a dívida total das pessoas físicas era de R$133 bilhões, em 2012 essa dívida pulou para R$545 bilhões.

            Certamente, alguém vai dizer que esse aumento é bom, porque o volume de crédito era muito baixo para as necessidades da economia e precisava crescer. De fato, precisava crescer, mas cresceu além da conta. E digo isso por uma razão muito simples: essa dívida não está conseguindo ser paga. A inadimplência, a incapacidade de pagar as dívidas, também mais que dobrou para as empresas - em 2003, Senadores, 3% das dívidas empresariais não eram pagas, enquanto, em 2012, essa proporção atingiu 6,9%. E se a inadimplência do trabalhador não aumentou muito (na verdade, até caiu de 6,3% para 6,2 %), o peso das dívidas no orçamento das famílias quase triplicou: o total das dívidas familiares representava, em 2003, 11,7% da renda do trabalhador, mas, em 2012, explodiu para 29,2% dessa mesma renda.

            Ou seja, no mercado interno, as empresas estão com menos capacidade produtiva e com muito mais fragilidade financeira, cada vez menos capazes de garantir a continuidade dos negócios e dos empregos. E os orçamentos das famílias estão pesadamente comprometidos com o pagamento de dívidas, o que torna praticamente impossível uma recuperação sustentável do consumo. Dos dois lados, o emprego do brasileiro está ameaçado.

            O que faz o Governo Federal nesse cenário que exige medidas urgentes? Joga mais gasolina no fogo, na esperança de dissimular a realidade da economia até as eleições de 2014. Continua num endividamento público verdadeiramente alucinado, tentando, de qualquer maneira, induzir consumidores e empresas a gastar de qualquer modo.

            Tenho denunciado, Senador Requião, de forma incessante, a falcatrua fiscal que faz o Governo Federal ao tomar dinheiro emprestado pelo Tesouro, entregar esse dinheiro ao BNDES e aos demais bancos federais, e tentar fazer crer que não houve aumento de dívida. Esse golpe, pela última contagem do Tribunal de Contas da União nas contas do Governo Federal de 2012, Senador Eunício, já totalizava R$406 bilhões, sendo que R$87 bilhões só no ano de 2012.

            Essa manipulação, essa maquiagem das contas públicas, já é condenável por si só. Mas o que é feito com esse dinheiro? Que parcela desses créditos foi empregada para construir condições de competição, e que parcela apenas financia mais consumo? Na realidade, muito pouco é criação de capacidade de produzir, e a maior parte é financiamento do consumo imediato e dos custos improdutivos de fusão e aquisição para a formação de grandes conglomerados empresariais, tudo com generosos subsídios do dinheiro público a esses grandes grupos de empresas. O restante da dívida vai para financiar quedas pontuais e temporárias de impostos para os produtos das grandes indústrias e de consumidores de mais alta renda, como a chamada “linha branca” e automóveis, o que possui repercussão no Fundo de Participação dos Estados, como nós todos sabemos - ou seja, fazendo cortesia com o chapéu dos outros.

            Tomo aqui análise de outro respeitado economista da Universidade de Brasília, José Luís Oreiro: as vendas no varejo praticamente dobraram de valor de 2003 para 2012, mas a produção da indústria nacional andou de lado, não crescendo mais que 30%. Isso significa que o governo vem induzindo o aumento do consumo sem que exista um aumento da produção nacional. Pior ainda, as empresas brasileiras não conseguem ter acesso ao aumento do mercado nacional, porque sua competitividade em relação às importações vem sendo corroída sistematicamente pela falta de investimento produtivo, pelos gargalos da infraestrutura, por custos financeiros ainda elevados e por aumentos salariais que não levam em conta essas condições de limitação da produtividade das empresas.

            Se temos, por um lado, mais dinheiro para consumir e, por outro, menos capacidade de produzir, o que acontece? Qual é o resultado disso? Inicialmente, as empresas queimam os estoques de produtos que têm acumulados; depois, explodem as importações de produtos de consumo, enquanto tivermos investidores que queiram aplicar no Brasil - aplicações que terão de retornar ao exterior mais tarde, quer como juros quer como remessas de lucros.

            E quando todos esses recursos se esgotam? Como estamos começando a testemunhar agora, os preços sobem, a inflação termina sendo inevitável, e ela volta a mostrar a sua cara com toda sua força, como denunciou, de maneira enérgica e completa, o meu bom amigo, Senador Cristovam Buarque, em vários momentos aqui no Senado. Toda a pressão que estamos vendo hoje sobre o Banco Central para aumentar os juros vem daí. Não resta mais nada ao governo para controlar a inflação, senão tentar diminuir o consumo pelo aumento dos juros.

            Senador Requião, precisamos de anos de investimento continuado na educação formal e na educação profissional para qualificar o trabalhador brasileiro, e isso exige toda uma nova política de treinamento profissionalizante, não as “gambiarras” improvisadas que até hoje têm marcado os programas de qualificação profissional fora das instituições públicas de ensino técnico.

            Precisaremos alterar todo o destino dos empréstimos do BNDES e similares, vinculando rigidamente qualquer subsídio público à demonstração de utilização do crédito no aumento real da competitividade da empresa beneficiária.

            Precisamos colocar em ordem as finanças públicas, dando credibilidade aos números de resultado fiscal e de endividamento, reprimindo imediatamente todos os mecanismos da chamada “contabilidade criativa”, que tem proliferado no Governo Federal contra toda a prudência e moralidade.

            Precisamos, ainda, Senador Eunício, de uma forte ação administrativa para organizar e manter um núcleo governamental de técnicos e administradores que consiga, por fim, licitar, executar e concluir, dentro da lei e da técnica, as obras mais críticas da infraestrutura logística brasileira. Esta é a única solução para os atrasos, superfaturamentos e irregularidades nas obras, e não a simples entrega a terceiros privados do dinheiro público destinado a obras sob a alegação genérica de que seria a iniciativa privada mais “eficiente”. Se assim fosse, a Ferrovia Transnordestina já estaria pronta há muito tempo e pela metade do que custou até agora.

            Precisamos, por fim, preparar a economia para a difícil aterrissagem forçada que já está anunciada: selecionar prioridades de gastos fiscais, redirecionar recursos de projetos delirantes (como o trem bala, por exemplo) para custear as redes de proteção social que serão tencionadas neste momento de reversão das tendências econômicas, reorganizar as atividades produtivas para conviver com maiores restrições às importações.

            Precisamos, enfim, acordar do longo engano a que o País foi submetido pelos últimos governos; recuperar a capacidade de pensar criticamente e de criar alternativas de desenvolvimento nacional que protejam de verdade o trabalhador construindo a capacidade produtiva e competitiva de toda a economia.

            Podemos vencer esse medo, como disse inicialmente, não pelo fingimento de que nada está acontecendo, como faz o Governo Federal, mas, sim, pelo enfrentamento direto dos problemas que nos ameaçam.

            Ainda existe tempo para começar a reconstruir a economia brasileira.

            Se a tomada de consciência vier acompanhada da ação, se a mobilização popular de trabalhadores e empresários se fizer ouvir nesta Casa; desta forma, nós que aqui estamos lutando pelo País conseguiremos o impulso e a massa crítica para vencer a atual subordinação do Parlamento aos interesses do Executivo e forçar uma revisão profunda dos rumos da política econômica do País.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/06/2013 - Página 34018