Discurso durante a 89ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Cobrança de ações concretas do Governo Federal no sentido de evitar conflitos entre indígenas e produtores rurais no Mato Grosso do Sul.

Autor
Jayme Campos (DEM - Democratas/MT)
Nome completo: Jayme Veríssimo de Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, POLITICA INDIGENISTA.:
  • Cobrança de ações concretas do Governo Federal no sentido de evitar conflitos entre indígenas e produtores rurais no Mato Grosso do Sul.
Publicação
Publicação no DSF de 07/06/2013 - Página 34053
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, REFERENCIA, POLITICA INDIGENISTA, MOTIVO, AUSENCIA, IMPLANTAÇÃO, PLANO, RELAÇÃO, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, RESULTADO, AUMENTO, NUMERO, CONFLITO, INDIO, PRODUTOR RURAL.

            O SR. JAYME CAMPOS (Bloco/DEM - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Agradeço.

            Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, Srªs e Srs. Senadores, esta não é a primeira e, certamente, não será a última vez que venho a esta tribuna para tratar do importantíssimo tema das demarcações de terras indígenas em nosso País.

            Em inúmeras oportunidades, temos verificado, de forma evidente, a indisfarçável falência da Funai e a manifesta incapacidade operacional do órgão, sobretudo na condução de processos tão complexos e delicados, como a aplicação de critérios para delimitação das reservas destinadas às diversas etnias de índios, estes irmãos brasileiros, como nós, que vêm sendo cada vez mais utilizados como massa de manobra, quase sempre em favor de interesses que passam muito longe do zelo com sua proteção e bem-estar.

            A promessa feita no início desta semana pela Ministra Gleisi, da Casa Civil, de que definirá ainda neste semestre a nova sistemática de demarcação de terras, de modo a haver maior participação e integração de outros órgãos governamentais, para garantir a segurança jurídica, tanto para os índios, quanto para as populações locais, carece, a nosso ver, de um aprofundamento mais crítico.

            Estamos convictos, Senador Paulo Paim, de que o Congresso Nacional não pode ficar à margem desta discussão. Mais que isso, estamos convictos de que, pela relevância estratégica, assim como pelos riscos de conflitos e de constante judicialização, a matéria deva ser exaustiva e definitivamente deliberada por este Parlamento.

            Não é justo nem coerente que a Casa do Povo, a Casa das Leis, não detenha competência soberana para decidir sobre tema de tamanha magnitude.

            No encontro entre o Governo e a CNBB, ficou claro haver posições diametralmente divergentes sobre a forma como os estudos de demarcação vêm sendo executados. Porém, independente da participação do Incra, da Embrapa e de outras instâncias técnicas, nossa opinião aponta no sentido da prudência e do bom senso. Aponta no sentido de não deixarmos a palavra final nas mãos do Poder Executivo.

            Há cerca de um ano, dizia eu, aqui desta tribuna, que o modelo de demarcação das áreas indígenas, que já ocupam 13,2% do território nacional, não soluciona os enormes problemas sociais e econômicos das tribos brasileiras. Dizia eu que, em boa parte das reservas, antes fazendas produtivas, o cenário é de abandono e a população sobrevive de benesses do Governo.

            Muito embora o número de índios em áreas rurais mal ultrapasse os 500 mil indivíduos, o que corresponde a 0,26% do total de brasileiros, os territórios indígenas demarcados já chegam a quase 15% de todo o Brasil.

            Por isso, precisamos deter essa incontinência demarcatória. Precisamos, com parcimônia, moralizar e dar transparência ao processo. Precisamos, enfim, assegurar ao povo brasileiro a efetiva e decisiva observância a seus direitos e a sua vontade, por meio de seus representantes eleitos.

            Conclamo, portanto, os nobres pares, para acompanharmos bem de perto as novas alterações a serem propostas pelo Governo, no âmbito do processo de demarcação, para que não corramos o risco de persistirmos nos mesmos erros e, assim, por negligência ou leniência, estarmos compactuando com eles, dando, outra vez, ao Executivo, mais um cheque em branco, como nos últimos tempos temos nos acostumado cada vez mais a fazer.

            Presidente Paulo Paim, V. Exª tem acompanhado essa situação. Há poucos dias, no seu Estado do Rio Grande do Sul, surgiu, com certeza, também esse confronto entre branco e índio. E me tocou profundamente o coração ver um cidadão de oitenta e poucos anos, que estava desde os seus primeiros anos de vida nessa região, cuja demarcação e até mesmo ocupação o Governo Federal tinha autorizado, sendo expulso da terra sem nenhuma resposta por parte do Governo Federal, sem nenhuma indenização.

            Quando o Governo demarca as áreas, o cidadão paga apenas o que está ali, ou seja, a infraestrutura. Nesse caso, não se trata nem do valor que está sendo pago, mas do bem que o cidadão tem há 80, 100 anos - alguns chegam até a quarta geração.

            Há poucos dias, numa audiência que tivemos com o Vice-Presidente Michel Temer, ouvimos a declaração de um cidadão cujo pai foi a óbito, um gaúcho de determinada região. Ele chorou tanto que emocionou todos os Parlamentares que estavam lá. Isso já aconteceu há algum tempo. O pai dele já morreu, mas ele estudou e formou-se em Direito, ou seja, é advogado, para tentar defender aquilo que o velho pai dele perdeu lá atrás.

            Então, eu acho que algo tem que ser feito. O Governo está brincando com coisas sérias e já foi alertado.

            Há muitos dias, eu, o Senador Moka, o Senador Delcídio do Amaral, o Senador Ruben Figueiró e outros Senadores estivemos com a Ministra Gleisi e com o Ministro da Justiça, que eu, particularmente, acho que é o Ministro da injustiça. Ele não leva a sério a coisa e está lavando as mãos. Já estivemos praticamente com todas as autoridades, e nada está sendo feito.

            E o que está ocorrendo? V. Exªs e a sociedade brasileira estão vendo o que está ocorrendo no Mato Grosso do Sul: uma verdadeira guerra civil. Inclusive um índio já foi a óbito, baleado pela própria Polícia Federal, e vice-versa. Já há outro índio baleado. Lá está um verdadeiro terror. Ou seja, é um terrorismo que está acontecendo não só no Mato Grosso do Sul, mas também em outros Estados.

            Aqui eu falo também em nome do meu Estado, o Mato Grosso, que eu represento. Há pouco tempo, Senador Paulo Paim, houve desintrusão numa área lá na Gleba Suiá-Missu - foram sete mil brasileiros. Só crianças daquela reserva que estavam matriculadas nas escolas públicas eram setecentas. Essas pessoas foram expulsas da área como se fossem marginais, uma população heterogênea de gaúchos, paranaenses, mineiros, paulistas que foi expulsa sem nenhum direito e que hoje está vivendo em estado de miserabilidade. São hoje miseráveis!

            Se o senhor for lá, isso vai tocar profundamente o seu coração. Há mais de 500, 600 campanas cobertas de lona. Eles passaram a ser hoje cidadãos de quinta categoria neste Brasil, neste País. Eu pergunto: aonde nós vamos chegar?

            E o Governo não toma nenhuma providência, o Governo não faz nada, não fez nada. Esse cidadão, que era proprietário de 40, 50, 100, 200 hectares de terra; produzia arroz, soja; tinha duas, três, cinco, seis vaquinhas; tinha filhos e netos, passou hoje a ser o quê? Passou a ser um miserável, dependendo de sacolão, dependendo de Bolsa Família. Eles não queriam isso; eles queriam trabalhar, produzir.

            Só as pessoas indo lá para verem o que está ocorrendo, assim como no Mato Grosso do Sul. O Governo não toma nenhuma providência. Mandou a Força Nacional. Não resolve com Força Nacional. Nós estamos precisando de uma decisão política aqui.

            Pelo que estou acompanhando, o Governo está brincando com coisa séria. O Senador Delcídio do Amaral já tinha anunciado, desta tribuna, para a Ministra Gleisi que haveria, com certeza, esse conflito, que causaria até morte. A Ministra foi avisada.

            Então, eu fico muito preocupado. O Governo, através do Poder Executivo, tem alegado que precisa julgar os embargos que se encontram no Supremo Tribunal Federal. Agora, com a indicação do novo Ministro, que foi ontem aprovado pela Casa e que, imagino, será nomeado nos próximos dias e, depois, empossado, nós poderemos julgar esses embargos, porque, quando conversarmos com os Ministros, todos, sem exceção, alegam que precisam julgar os embargos que se encontram no Supremo Tribunal Federal para tomar alguma providência. Ou seja, temos 19 condicionantes da época do julgamento da Raposa Serra do Sol; ali, o Ministro Carlos Alberto Direito deixou 19 condicionantes, e, nesse caso, esses embargos têm que ser julgados.

            Ontem mesmo, diante da sabatina do Ministro Luís Barroso, fiz essa indagação. Perguntei se ele teria a capacidade de dar velocidade a esse processo, ao julgamento desses embargos, para acabar com essa demanda que já vem se arrastando há algum tempo no Brasil, e, sobretudo, desta feita, com os conflitos que estão havendo no Mato Grosso do Sul; há poucos dias, houve no Rio Grande do Sul, no Paraná. E o que é mais grave, e com que fico preocupado, é que isso possa ser uma indústria, na medida em que estão, agora, exportando índios até do Paraguai, da Colômbia. Uma grande parte dos índios que se encontram no Mato Grosso do Sul é da Colômbia e do Paraguai; da mesma forma, os que se encontram, hoje, no Paraná, também, são índios exportados, que vieram em aviões de outros países, para fazer um movimento e causar essa insegurança jurídica em todo o País, sobretudo no meu Estado do Mato Grosso. A minha preocupação é muito grande.

            Há menos de 90, 120 dias, ocorreu lá na Suiá-Missu, ao longo da BR-158. Agora o Governo acaba de baixar outro decreto: um milhão e cinquenta e três mil hectares de terra, ou seja, quatrocentos e tantos mil hectares no Mato Grosso e mais quinhentos e pouco no Pará, na divisa do nosso Estado, atravessando o rio - de um lado, Mato Grosso; de outro lado, Pará. Ou seja, são noventa índios que existem da Kaiabi, alguns milhares de hectares de terra, e, agora, o Governo decreta.

            E V. Exª sabe a quantas famílias de brasileiros que estão lá o Governo deu título? São 386 famílias, ou seja, pequenos proprietários, fazendeirinhos. Quero ver como o Governo vai resolver, é outro problema grave. Como vai expulsar esse pessoal se o Governo deu título? Título de 1966, 1968. São 40 anos que o cidadão está lá. Fui até São José do Apuí, Senador Paulo Paim. Fui a essa comunidade de gaúchos, paranaenses, catarinenses e fiquei encantado de ver a produção. Eles produzem de tudo lá; esse pessoal chegou ali na década de 70, são queimados com sol daquela Amazônia brasileira que, nessa época do ano, é muito quente - 40, 42 graus. Eles estão produzindo café, produzindo arroz, produzindo feijão. Muitas vezes, Senador Paulo Paim, eles produzem um saco de café de 60 quilos, e, quando vão vender, são capazes de trocar por 2 quilos de sal, muitas vezes por 1 litro de querosene, pelo fato de não terem o valor, pelo fato de não haver estrada, Senador Paulo Paim. Quando há produção, não há a estrada porque a ponte caiu; a estrada tem atoleiro, e o Governo não toma nenhuma providência.

            E esses mesmos brasileiros que estão lá não são mato-grossenses, é bom que V. Exª saiba, 99,9%, posso lhe afirmar, são brasileiros, gaúchos, catarinenses, mineiros, paulistas, que abriram essa vasta região do Brasil, essa nova fronteira agrícola do Brasil, e foram induzidos pelo próprio Governo Federal, que vem tratando essas pessoas como se fossem marginais, como se fossem bandidos. São trabalhadores, são homens que acreditaram num Brasil diferente, talvez; foram lá implantar uma civilização moderna, muitas vezes com recursos próprios fizeram a escola, o posto de saúde, porque o Governo não está presente. Falta o mínimo de políticas públicas sociais, de decência, para que esse cidadão possa viver com mais cidadania, com mais justiça social.

            Entretanto, eu trago aqui a minha preocupação com relação a essa questão grave, séria, em nosso país. O Governo Federal, através do Poder Executivo, tem de fazer algo de sério.

            Quero chamar à responsabilidade o Congresso Nacional. Nós temos de reagir, sobretudo para dar segurança, paz no campo. O que adianta o Brasil estar produzindo hoje esses milhões de toneladas de grãos? Mato Grosso, particularmente, contribui com 35% de toda a produção nacional praticamente, mesmo com dificuldades, sem logística. Nós transportamos nossa produção por 1.600, 1.700 quilômetros até os grandes portos do Brasil, com estradas precárias, sem ferrovia, sem hidrovia. Daqui a pouco não teremos nem a nossa terra para produzir. É uma vergonha!

            A Presidente Dilma tem de chamar para si a responsabilidade, porque lamentavelmente nenhum dos Ministros tem coragem de assumir. Nenhum! Fico perplexo de ver um Ministro de Estado, que tem a responsabilidade de zelar pela segurança jurídica, de zelar pela paz da cidade e do campo, não estar preocupado.

            De maneira que quero chamar a atenção para o fato de que a coisa é mais séria do que estão pensando. Estão brincando com fogo. Isso pode causar um mal tão grande que pode afetar, inclusive, a imagem do Brasil no exterior.

            Hoje, na verdade, temos de nos preocupar conosco, não temos de dar muita satisfação para esses movimentos internacionais que querem mandar no Brasil. Vamos parar com esse negócio de ONG, parar com esses pseudodefensores dos povos indígenas. Defensores dos povos indígenas somos nós, brasileiros. Na verdade, não há nenhum país do Planeta que trate tão bem os povos indígenas como nós, brasileiros, porque eles são brasileiros como nós.

            De maneira que quero aqui, nesta oportunidade, fazer um apelo desta tribuna à Presidente Dilma Rousseff, para que ela tome providências urgentes no sentido de nós levarmos paz ao campo, mas, acima de tudo, levarmos segurança para o povo brasileiro, particularmente para aqueles que produzem, que moram no campo, que geram riqueza, que geram emprego e que, acima de tudo, querem apenas paz para trabalhar e segurança jurídica.

            Muito obrigado, Senador Paulo Paim.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Meus cumprimentos, Senador Jayme Campos, pelo seu pronunciamento transparente, tranquilo e firme, como sempre.

            Comungo com V. Exª no seguinte ângulo - no Rio Grande do Sul, inclusive, aconteceu isso, e é o caso, agora, de Mato Grosso: esses agricultores, e muitos vieram do Rio Grande, foram para lá e ganharam o título da terra.

            O SR. JAYME CAMPOS (Bloco/DEM - MT) - Exato, o Governo é que deu.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Nós acompanhamos isso. E, se a terra era do povo indígena, por que eles deram título? Se deu o título, e esses agricultores plantaram, produziram, eles têm que ser indenizados com a devida benfeitoria. Indenizem que eles compram outra terra, com a mesma qualidade, num outro lugar, se for o caso, mas com uma indenização justa.

            Tivemos um debate no Rio Grande, era uma situação quilombola. Eu disse: Desde que indenizem, quem quiser vai para outra terra. Pode a comunidade quilombola dizer o seguinte: “Indenizem o preço justo, e eu compro a terra ali do lado”. Mesma coisa o agricultor. Foi nessa linha que se avançou no entendimento.

            Agora, querer tirar o povo de lá, que estão lá, como V. Exª disse, de geração para geração, há 40, 50 anos, e jogar na beira da estrada? É inadmissível! Tem que haver indenização. Não é deste Governo, não é, mas a responsabilidade é do Estado brasileiro.

            Então, nós vamos ter que achar o caminho para que haja a indenização pelo preço justo, inclusive com a benfeitoria. Se caminharmos nesse sentido, acho que se busca o acordo. Inclusive, me lembro de uma oportunidade, nós queríamos até trabalhar na peça orçamentária, alocando recursos para que houvesse a indenização correta.

            Agora, só quem é mais valente leva? Aí não se vai chegar a nada. Quem vai perder com isso, com certeza, são os homens e as mulheres, sejam índios, sejam negros, sejam brancos, que estão lá. Ou seja, é uma guerra fratricida. É com isso que não podemos concordar.

            O SR. JAYME CAMPOS (Bloco/DEM - MT) - Senador Paulo, permita-me concluir.

            Na verdade hoje temos o percentual total de ocupação do Território nacional por indígena. Parece-me que há o compromisso, não sei de quem do Governo, de chegar a 25% da ocupação.

            Ora, não sou contra, desde que compre, como o senhor bem disse, pague pela terra um preço justo. Na verdade, para que V. Exª tenha conhecimento, em Mato Grosso, hoje, já está anunciado que mais de 20 ou 30 propriedades ou áreas do nosso Estado vão ser ampliadas, ou serão criadas novas reservas. Ora, V. Exª não imagina a intranquilidade que causa isso. Vamos imaginar aqui, Senador Paulo Paim, que a terra do cidadão valha R$5 mil o hectare; só de falar que eventualmente poderá ser criada uma reserva, ela passa a valer sabe o quê? Nada, nada, nada. Vale 10% daquilo que ele eventualmente poderia vender.

            Então, isso está causando um problema grave, sério, e algo tem que ser feito. Nós temos que ter aqui, com certeza, a nossa participação. O Congresso Nacional também é responsável; não podemos, em hipótese alguma, nos calar, ou seja, não podemos nos encolher diante de um fato como esse tão importante para o Brasil, para o Brasil.

            Quero crer que agora, com essa posse do novo Ministro do Supremo Tribunal Federal, vamos julgar os embargos, a favor ou contra. Aí o Governo dará um encaminhamento, e certamente teremos uma nova diretriz na ampliação e criação de novas reservas indígenas.

            Obrigado, Senador Paulo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/06/2013 - Página 34053