Discurso durante a 90ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a queda da credibilidade da economia brasileira no mercado internacional.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • Preocupação com a queda da credibilidade da economia brasileira no mercado internacional.
Publicação
Publicação no DSF de 08/06/2013 - Página 34819
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL, ENFASE, DIVIDA PUBLICA, AMPLIAÇÃO, DIVIDA, FAMILIA, EMPRESA, TARIFAS, JUROS, ANALISE, DIFICULDADE, ECONOMIA, PAIS, ATRAÇÃO, INVESTIMENTO, CRITICA, GESTÃO, GASTOS PUBLICOS, DEFESA, NECESSIDADE, INCENTIVO, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, MELHORIA, COMPETITIVIDADE, BRASIL, MERCADO EXTERNO, EXPECTATIVA, ORADOR, RETOMADA, CRESCIMENTO ECONOMICO, SUGESTÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, AUMENTO, DEBATE, ASSUNTO, SOCIEDADE.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, visitantes que estão na tribuna, ontem, eu falei, aqui, sobre a crise de confiança que toca a economia brasileira, por conta, obviamente, e focalizada nos agentes econômicos: Ministério da Fazenda e demais órgãos.

            Hoje, quero lembrar, aqui, como isso já vem sendo falado há algum tempo, nesse pequeno trabalho, intitulado “A Economia está bem, mas não vai bem”, que fiz há quase dois anos, em que eu listava um conjunto grande de problemas que poderiam ser vistos adiante. Embora, naquele momento, não fossem vistos, os problemas poderiam ser previstos.

            São problemas como a dívida pública, o endividamento familiar, o endividamento das empresas, a taxa de juros, que tem um problema sério, porque, se subir a taxa de juros, a economia fica com dificuldades e, se cair, a gente melhora a economia, mas, ao mesmo tempo, fica com dificuldade para atrair mais capital.

            Também há problemas como o perfil e a composição dos gastos públicos, que não tem investimento, é gasto de custeio, a logística em infraestrutura, que neste momento, Senador Acir, dois anos depois, começou a aparecer com toda a visibilidade - e o senhor é de um Estado que sofre esse problema da logística e da infraestrutura para exportar os seus produtos -, a carga fiscal, a inflação, que, naquela época, ainda era uma coisa que ninguém previa que fosse crescer e hoje está saindo do controle, a baixa poupança, que continua um problema, a desigualdade, a educação, a inovação e intensidade tecnológica, em que a gente está ficando cada vez mais para trás, pois, mesmo quando a gente melhora um pouquinho, os outros melhoram muito mais, a nossa competitividade, que não apenas é baixa, como também é enfrentada de uma maneira errada. A competitividade, daqui para frente, não será ganha com redução dos custos do trabalho, como se fazia antes, e nem apenas com redução dos impostos, através das desonerações, porque elas são boas para aquele momento, mas não trazem o impacto da permanente e boa competitividade que vem da inovação científica e tecnológica.

            Há o problema da vulnerabilidade ao setor externo, e a taxa de câmbio é uma prova disso. A vulnerabilidade é um problema porque a dança da taxa de câmbio gera problemas, porque uma hora beneficia o exportador e outra hora beneficia os turistas, e a gente fica sem saber como fazer.

            Mais problemas: a burocracia, a corrupção, o corporativismo, que cresce, o risco ecológico - a prova é que, no mesmo momento em que os jornais dizem que aumentou a safra, ele diz que aumentou o desmate em algumas florestas brasileiras -, as amarras constitucionais, um problema que a gente não tem debatido. Senador, se chegar aqui uma crise, como chegou à Europa, a nossa Constituição não permite enfrentar a crise. Como é que a gente vai resolver o problema fiscal se um dia o Estado não tiver condições de pagar os funcionários? Nenhum país da Europa pode fazer isso porque o funcionário é de um país e a moeda é de todos. Então, a Grécia não pode fazer inflação para pagar os funcionários públicos. Mas aqui a solução será a inflação.

            E, por último, eu colocava o otimismo. O otimismo é um vetor positivo da economia quando você está embaixo. Aí você precisa de otimismo. Mas, quando você está em cima, se você for otimista demais, o risco é não prever a queda. E foi o que aconteceu. E o resultado está na primeira página de O Globo: “Agência de risco põe Brasil em viés de baixa”. Mas não está só em O Globo. Está em O Estado de S. Paulo, no Valor Econômico, na primeira página. E onde não está primeira página, está lá dentro. O Brasil, no cenário mundial, hoje, é um país, a partir dessa declaração da Agência de Risco S&P, é menos confiável que antes. Some-se a isso a revista The Economist de ontem - e a gente a recebe pela Internet ao mesmo tempo em que ela sai em Londres -, que faz até ironias sobre a economia brasileira. E olha que ela só elogiava a economia brasileira até há pouco tempo.

            A realidade - é sobre isto que quero voltar a falar aqui hoje - é que um dos fatores fundamentais da economia chama-se credibilidade. A economia hoje funciona muito à base do que o que a gente acha que ela vai ser. Se a gente acha que ela vai ser ruim, ela fica ruim; se acha que ela vai ser boa, ela fica boa. Há um fator psicológico fundamental no funcionamento da educação.

            E aqui, Senador Acir, nossas autoridades não inspiram mais confiança plena, porque o Ministro da Fazenda, uma hora, diz que o PIB vai crescer 4%, e, no fim, cresce 0,6%, ele faz um pacote hoje e outro amanhã. Nada desmoraliza mais uma autoridade econômica do que pacotes, em que um ajusta aqui, um dia desonera a indústria automobilística, outro dia desonera as outras linhas de produção de bens da chamada linha branca, de eletrodomésticos, depois tira o IOF. Cada dia é um pequeno ajuste. Isso desarticula e desmoraliza, e, ao desmoralizar, desarticula mais ainda.

            O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. Bloco/PDT - RO) - V. Exª me permite, Senador Cristovam?

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Sim, claro.

            O SR. PRESIDENTE (Acir Gurgacz. Bloco/PDT - RO) - Só para cumprimentar e dar as boas-vindas aos estudantes do curso de Direito da Unic - Universidade de Cuiabá, do campus de Tangará da Serra. Sejam todos bem-vindos! (Palmas.)

            Deve estar junto o coordenador.

            Seja bem-vinda ao nosso Senado!

            Muito obrigado.

            Obrigado, Senador Cristovam.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Eu quero dizer que é uma satisfação a coincidência de vocês estarem aí no momento em que venho aqui, porque eu gostaria muito que vocês levassem essa preocupação, que é algo fundamental para o futuro do Brasil. Repito o título desse trabalho: “A Economia está bem, mas não vai bem”. Se olharmos o presente, não está mal, mas, se olharmos para o futuro com olhos mais profundos, não estamos indo bem.

            Ontem, eu disse aqui uma frase, que depois me cobraram, mas que repito: o maior problema, a meu ver, hoje, do Governo brasileiro está nos olhos. Ele nem está vendo longe, nem está passando confiança. Confiança a gente passa pelos olhos, e o futuro a gente imagina, simbolicamente, metaforicamente, pelos olhos. Não está havendo isso. Ele não está passando credibilidade. Não passa a idéia de que sabe para onde vamos, a idéia de que estamos ajustando, colocando uma pedra aqui, outra ali em um caminho, sem saber para onde é que o caminho leva.

            Quando comecei a estudar Economia, nós aprendíamos três fatores de produção: a terra, o trabalho e o capital. Essas três coisas produziam tudo. Depois vimos que não adiantava haver esses três sem o como fazer - tecnologia. Surgiu um novo fator de produção: o como fazer. Mais recentemente, com a globalização, a gente viu também que precisaria de uma logística, que fizesse as coisas andarem, porque a produção deixou de ser feita com base nos produtos que existiam ao redor da fábrica. Não. Agora uma fábrica de Rondônia vende produtos para uma indústria automobilística de São Paulo, que depois vende para outros lugares. A logística ficou fundamental.

            Mas há um maior do que esses, hoje, que é a credibilidade. Quando uma economia não passa credibilidade, começa a entrar em fracasso. Quando a economia passa credibilidade, fica em ascensão, porque atrai capital, porque põe as pessoas para trabalhar. Quando a gente não tem confiança, as coisas começam a ir mal.

            O Governo brasileiro precisa retomar confiança para os brasileiros e para o mundo inteiro. Não estamos passando isso, Senador. E isso é incrível, porque, até há dois ou três anos, havia 100% de confiança de que a economia iria bem. As autoridades recebiam 100% da confiança da opinião pública e dos agentes econômicos, como os investidores, como os importadores do exterior, que compram nossos produtos. Agora não sabem.

            Veja a situação dos importadores lá no exterior. Eles não sabem qual a taxa de câmbio que vai estar valendo daqui a algum tempo, porque a taxa de câmbio oscila por falta de clareza no conjunto das atividades econômicas. Não se depende só da taxa de câmbio. É como a taxa de juros: tem gente que acha que o Governo deveria subir ou baixar a taxa de juros. Não se pode subir ou baixar a taxa de juros conforme a vontade do Governo. Existem regras. É o mesmo que dizer que se controla a aceleração da gravidade. Ou a taxa de juros segue um conjunto de variáveis que até dependem do Governo, mas indiretamente e não pela vontade, ou não vai funcionar. Mas, quando ela oscila, ela gera uma dúvida. Quando a taxa de câmbio oscila, ela gera uma dúvida.

            Um dos pontos que eu colocava aqui sobre aqueles itens era que a taxa de câmbio estava sendo negativa para a produção industrial, porque o real estava mais valorizado do que deveria, se quiséssemos continuar no mercado internacional. Começamos a desvalorização. Mas começamos um pouco tarde e coincidindo com a inflação. Tínhamos que ter desvalorizado lá atrás, quando não havia inflação, porque, assim, daria para agüentar sem aumentar os preços. Hoje, não. Se o dólar aumenta em relação ao real ou se o real se desvaloriza em relação ao dólar, os produtos que compramos vão subir de preço, e a inflação vem. E, hoje, com a globalização, quase tudo o que se faz no País é feito com coisas que vêm dos outros países. Portanto, a inflação vem com ela.

            Faltou a visão de médio e de longo prazo. Sobrou a miopia de olhar a economia como se fosse uma coisa que se esgotasse no próximo mês, ou no final do ano, para mostrar que o PIB cresceu, ou na próxima eleição. E essa é uma tragédia. A economia vinculada à próxima eleição é uma economia que caminha para o desastre, porque não tem a perspectiva, não tem os olhos para o futuro. E a economia que não tem os olhos para o futuro, dirigida por um grupo de pessoas que não passa credibilidade nesses olhos, é uma economia que não tem também um bom futuro.

            Por isso, Senador, esta fala é curta, apenas para dizer que ninguém, a meu ver, sabia que a manchete de hoje seria essa. Eu não sabia. Mas o que eu falei ontem está aqui, agora, sob forma de avaliação de uma agência de risco internacional.

            Eu falei pela experiência, falei porque continuo a falar - já faz dois anos - que a economia não está indo bem, embora pareça que está bem neste momento. Falei por causa dos noticiários que ouvíamos, criando problemas, e o ministro dizendo uma coisa hoje e outra coisa amanhã, fazendo uma coisa hoje e outra coisa diferente amanhã, sem uma linha clara, sem uma política econômica, apenas pacotes econômicos, coisa que a gente tinha aposentado em 1994.

Passamos duas décadas de pacotes, pacotes e pacotes. Vinte anos de política econômica. Regressamos ao tempo dos pacotes.

            Falei, dando continuidade a essa reflexão que faço a cada dia aqui, tentando alertar, mas o otimismo impede de ver. Estamos cegos pelo otimismo. O otimismo cega. O otimista não percebe que caminha para um abismo, porque, para um otimista, sempre a estrada está bem-feita na frente, e ele, às vezes, só descobre que a estrada não existe depois que caiu no abismo. O otimismo cega. E o Governo brasileiro sofre de otimismo. Vejam bem, usei o verbo “sofrer”, porque o otimismo é uma coisa que deslumbra, mas é uma doença, quando se usa o otimismo para não ver o futuro difícil que vem adiante.

            Eu vejo um futuro difícil adiante e, ao fazer o alerta, estou querendo dar minha contribuição. Sou obrigado a dar essa contribuição como cidadão, como Senador do meu País. Acho que a Presidenta Dilma deveria ouvir outras vozes, além daquelas que a cercam neste momento, no que se refere à economia. Acho que ela deve se abrir para ouvir vozes de economistas críticos, vozes de políticos da oposição, perceber que, talvez, pode ser que, de alguma forma, seu caminho não esteja certo. Tem que acender uma luzinha na cabeça da Presidenta Dilma no sentido de que as coisas, talvez, não estejam bem. Mas, aparentemente, cada vez que as coisas não vão bem, eles se fecham mais ainda. E, cada vez que faço um discurso aqui de alerta, dizem que é um discurso de oposição. Não é de oposição ao Governo, porque o meu Partido faz parte da base, muito menos de oposição ao Brasil, porque eu jamais conseguiria fazer. É um discurso de alerta. Despertemos. Despertemos enquanto é tempo de evitar uma tragédia maior.

            A Espanha viveu um otimismo igual ao brasileiro. Portugal, igual; Grécia, igual. Era um otimismo geral. De repente, caíram na real. O Brasil precisa sentir a realidade, perceber os riscos. Pelo menos, quando começa a sair aqui, talvez se descubra que há perigo à vista. Acendamos a luz amarela e procuremos resolvê-la com diálogo, e não com a cabeça, batendo contra a parede, como parece que é o que vêm fazendo hoje as autoridades econômicas do Governo.

            Pior - e eu concluo - é que, quando as coisas chegam até certo ponto, é possível que as autoridades econômicas se ajustem, mas chega a um ponto em que a única saída é mudar as autoridades econômicas; chega a um ponto em que a única maneira de recuperar a credibilidade não é mais fazendo o que é certo, mas mudando quem está errado. E eu temo que já tenhamos chegado a esse ponto, em que as autoridades tenham que ser mudadas, substituídas, para recuperar-se a credibilidade. Não apenas pelo que as novas autoridades vão fazer de diferente, mas também pela cara diferente que elas tenham, porque a credibilidade não vem só das ações, vem também de quem as faz.

            Digo isso com certa tristeza, porque não é bom mudar autoridade econômica, já que ela carrega uma experiência, carrega uma visão, mas há momentos em que não há outra saída a não ser mudar as autoridades que dirigem a economia. E, talvez, estejamos chegando muito perto desse ponto de não retorno, em que a continuação das mesmas autoridades levará à continuação dos mesmos erros.

            É isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/06/2013 - Página 34819