Discurso durante a 88ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa dos povos indígenas em diversos locais do País, especialmente no Estado do Mato Grosso do Sul.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Defesa dos povos indígenas em diversos locais do País, especialmente no Estado do Mato Grosso do Sul.
Publicação
Publicação no DSF de 06/06/2013 - Página 33610
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • DEFESA, COMUNIDADE INDIGENA, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), INDIO, VITIMA, HOMICIDIO, DISPUTA, TERRAS INDIGENAS.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco/PSOL - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Caríssima Presidente, muito obrigado pela tolerância.

            Vou procurar cumprir o compromisso de ser célere neste pronunciamento, que faço questão de fazer, Srª Presidente, em especial mobilizado pelas últimas notícias, que dão conta dos notórios acontecimentos envolvendo os povos indígenas em todo o Brasil, em especial os recentes acontecimentos no Mato Grosso do Sul, com o assassinato de um indígena, Gabriel Terena, e com outra liderança indígena sendo baleada ontem.

            Eu quero trazer aqui a lembrança de um livro de um escritor norte-americano, Dee Brown, um livro dos anos 70, de título Enterrem Meu Coração na Curva do Rio. Essa obra, Srª Presidente, é uma das mais contundentes, vibrantes e realistas denúncias do mais lamentável genocídio ocorrido contra os povos indígenas em toda a América.

            Essa obra causou indignação, trouxe à luz o que ocorreu em especial no século XIX, promovido pelo exército norte-americano contra os indígenas norte-americanos, e fez a sociedade norte-americana ficar rubra, envergonhar-se do que tinha feito contra suas populações originárias. É verdade que esse arrependimento veio tarde, veio um século depois, e é verdade que esse arrependimento não compensa os resultados da chacina, do genocídio que ocorreu contra os povos indígenas nos Estados Unidos.

            Falo aqui da obra do Dee Brown, Enterrem Meu Coração na Curva do Rio, porque me parece que o que está acontecendo hoje no Brasil é similar. Tenho ouvido a insistência de uma retórica que trata como se fosse demais os povos indígenas, as populações indígenas terem o direito a terra, terem seus direitos assegurados. Ou seja, são as populações indígenas sendo massacradas, foi uma liderança indígena assassinada no Mato Grosso do Sul na última quinta-feira, outra foi baleada ontem, e o tratamento é como se os responsáveis e culpados fossem as populações originárias.

            Quero fazer um paralelo. Vamos imaginar o que fariam os empresários brasileiros se os operários tomassem as fábricas com os seus equipamentos. Ou, ainda, o que fariam os banqueiros se os bancários se apoderassem dos bancos e dos capitais ali depositados. Ou, ainda, se o povo brasileiro resolvesse ocupar todos os supermercados nas grandes e médias cidades. Imaginem o desespero que seria! Pois bem, estou falando de uma situação imaginária, que foi o que aconteceu contra as populações originárias. Aconteceu e tem acontecido há 500 anos. O que ocorreu com todas as populações que habitavam a América há 500 anos foi exatamente esse paralelo que faço com vocês que nos assistem pela TV Senado, pelos que nos ouvem pela Rádio Senado.

            Há duas semanas, fiz um pronunciamento, ou melhor, há duas semanas, fiz um pronunciamento, e tivemos uma belíssima audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado sobre o Relatório Figueiredo. Trata-se, Sr. Presidente, de uma descrição de genocídio e chacina contra um povo que faria o que foi praticado pela SS nazista parecer brincadeira de criança, parecer mero ato autoritário.

            O Relatório Figueiredo remonta ao período da ditadura e a um conjunto de atrocidades que foram feitas contra todos os povos indígenas, cujos responsáveis permaneceram impunes, e aqueles que, à época, queriam apurar as atrocidades é que foram responsabilizados.

            Na audiência sobre o Relatório Figueiredo, o Sr. Marcelo Zelic, vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo, descreve as atrocidades no Relatório Figueiredo, destaca para nós, distribui para nós um texto com o título: “O eterno retorno do mesmo”.

            É triste e lamentável, parece uma premonição o que Marcelo Zelic nos disse na Comissão de Direitos Humanos, há duas semanas, e o que está acontecendo, o que é retratado nas manchetes do noticiário do dia de hoje: O Globo, “Governo põe Força Nacional para conter conflito indígena”; O Estado de São Paulo, “Outro índio é baleado. Dilma manda Força Nacional para o Mato Grosso do Sul”; Correio Braziliense; Folha de S.Paulo. Todos retratam o que está acontecendo debaixo dos nossos olhos: um massacre contra direito de populações que têm as terras que pertencem a elas há pelo menos 500 anos, para falar stricto sensu, se não fossem essas terras, até por título e direito, garantidas para elas na contemporaneidade.

            Os acontecimentos em Sidrolândia, os acontecimentos dos terenas, neste momento, não são os únicos com as populações originárias. Nós temos, neste momento, mobilizações dos povos indígenas em todo canto do País. São os mundurukus, em Belo Monte, reivindicando um direito ancestral que lhes pertence; são os terenas, vitimados com uma liderança sua assassinada na semana passada, em Sidrolândia; são os indígenas que habitam, são as populações que habitam o Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque, tiriós, waiãpys e outros, cuja política de saúde pública é sucateada, porque uma trupe de ladrões se apossou anteriormente dos recursos que pertenciam aos povos indígenas, com envolvimento, inclusive, de políticos e de parlamentares que deixaram e deixam as populações indígenas do Parque Nacional do Tumucumaque, os tiriós, os waiãpys, à mercê de todo tipo de enfermidade deixada para elas por parte dos brancos e sem nenhuma política de assistência, nenhum atendimento de saúde pública por parte do Estado brasileiro.

            São as mobilizações nas aldeias dos krenáks; dos xacriabás, no leste de Minas Gerais; dos ianomâmis, na fronteira com Roraima. Nós temos um conjunto de mobilizações das populações originárias quase que clamando e gritando para todos nós. E é necessário que esse clamor e esse grito sejam ouvidos. Não podemos, não pode ser aceitável que a ótica vigente hoje seja a mesma ótica do português que chegou 500 anos atrás, com uma cruz em uma mão, e com uma espada na outra, e dizendo que era sub-raça, e dizendo o iria fazer aqui e que iria trazer a civilização. Não pode ser, não pode!

            Eu quero reiterar aqui o que e Zelic falou na Comissão de Direitos Humanos. Lamentavelmente, o que Zelic falou na Comissão de Direitos Humanos é uma premonição, é o eterno retorno do mesmo. É 1500, 1550, 1600, 1800, quando quase dois terços da população indígena brasileira já estavam exterminados originalmente; é a política do início do século XX que tratava o indígena como coisa; é depois o serviço de proteção ao índio, que buscava tratar o índio como coitado, como ser inferior, com política de ente inferior .

(Soa a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco/PSOL - AP) - É o Relatório Figueiredo que mostra atrocidades, repito, que fariam inveja à SS nazista. E são -estou falando de diferentes momentos da história nacional - as manchetes deste dia 5 de junho dos jornais nacionais que parecem repetir o mesmo. Parece um soneto de uma nota só contra populações, contra povos que nos legaram esta terra, que são os verdadeiros proprietários e donos desta terra.

            Esse tipo de massacre não pode continuar. E eu não posso ouvir, por exemplo, discursos que acham, além de tudo isso, ainda acham que as lideranças indígenas e as populações originárias é que são os algozes. Eles são vítimas e não é de hoje, são vítimas há 500 anos.

            O Estado brasileiro não pode, tal qual fez historicamente, tal qual fazia contra as greves no começo do século XX, tratar essa questão como se fosse caso de polícia, porque é assim na nossa História. No começo do século XX, tratava-se a greve, direito dos trabalhadores, não como questão social, mas como se fosse caso de polícia e nós estamos na segunda década do século XXI...

(Soa a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco/PSOL - AP) - ... estamos sob a vigência da mesma ótica. Essas populações que nos legaram essa terra, no mínimo, deveriam ser por isso respeitadas...

(Soa a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco/PSOL - AP) - ... mas são tratadas como se fossem caso de polícia.

            Encerro com a minha manifestação de solidariedade aos terenas, a todas as populações e ao Gabriel Terena, liderança indígena que foi assassinada, na última quinta-feira, no Mato Grosso do Sul.

            Ele é mais um, mas que o Estado, em vez de tratar esse tema designando a Força Nacional, trate esse tema com a responsabilidade com que deve ser tratado, principalmente por um Governo que se reivindica ser um Governo de esquerda, identificado com a agenda dos direitos dos povos indígenas. Trate essa questão com diálogo e assegurando o direito aos povos indígenas.

            Não se pode, já está na Bíblia - e falo isso para concluir - servir a dois senhores ao mesmo tempo. Nesse embate concreto cabe, por parte do Governo, ter uma posição clara.

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (Bloco/PSOL - AP) - A parte hipossuficiente, a parte frágil que precisa da proteção do Estado, neste caso, são as populações que nos legaram viver aqui, são as populações que nós escravizamos e fazemos sofrer há pelo menos 500 anos.

            Obrigado pela tolerância, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/06/2013 - Página 33610