Discurso durante a 91ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Insatisfação com a atual política indigenista brasileira comandada pela Funai.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Insatisfação com a atual política indigenista brasileira comandada pela Funai.
Publicação
Publicação no DSF de 11/06/2013 - Página 35453
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • CRITICA, POLITICA, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, COMENTARIO, SITUAÇÃO, FAMILIA, VITIMA, EXPULSÃO, REGIÃO, RESERVA INDIGENA, ESTADO DE RORAIMA (RR), NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, ELABORAÇÃO, PROCESSO, LAUDO TECNICO, PROPOSTA, APROVAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, nenhum problema com a permuta. Quero dizer a V. Exª que foi bom, em parte, ter ficado para falar agora, porque, primeiro, ouvi atentamente o pronunciamento de V. Exª, que já não é o primeiro, sobre a questão indígena-fundiária do seu Estado.

            Quero dizer que, em 2003, eu requeri ao Senado, em função dos trabalhos da demarcação da reserva indígena, no meu Estado, a famosa Raposa Serra do Sol, uma comissão temporária externa do Senado para ir ao Estado de Roraima e buscar todos os elementos capazes de fazer um diagnóstico da realidade daquela reserva, cujo nome é invertido, porque Serra do Sol é em cima, no norte, na fronteira com a Venezuela, e Raposa é aqui mais abaixo, ao sul, na fronteira com a Guiana.

            Então, na verdade, nós requeremos isso em 2003. Em 2004, começamos a trabalhar. Inclusive, é bom que se saliente, num entendimento havido com o então Líder do Governo no Congresso, Deputado Aldo Rebelo, fomos ao Presidente Lula, que disse que precisava, realmente, de um documento que representasse a opinião, o estudo do Senado. Assim, também, a mesma coisa foi feita na Câmara dos Deputados.

            Então, tivemos duas comissões temporárias externas: essa minha comissão temporária externa, aqui do Senado, que eu presidi; depois, houve requerimentos aditando, pedindo que o trabalho da comissão também se estendesse a Rondônia, a Mato Grosso do Sul e a Santa Catarina.

            Naquela época, é lógico que nós produzimos um relatório para cada reserva específica, para cada Estado: no caso de Roraima, Raposa Serra do Sol; no caso de Rondônia, a reserva dos índios Cintas-Largas; no Mato Grosso do Sul eram duas etnias envolvidas e em Santa Catarina ouvimos os relatos mais espantosos, de que a própria Funai estava conduzindo índios do Paraguai e os assentando nas proximidades das propriedades de um Estado que é caracterizado por minifúndios, como Santa Catarina. E nós ouvimos isso. Quer dizer, quando as famílias foram para lá não havia índio algum e que à época, em 2004, começaram a surgir índios de repente. E nós tivemos depoimentos de que tinham sido levados pela própria Funai.

            Então, no nosso relatório externo, Senador, nós já recomendamos uma série de coisas em relação à Raposa Serra do Sol e também aos outros Estados que já estavam se encaminhando também para um problema semelhante. Pois bem, a nossa Comissão os trabalhos em 2004, levamos ao Presidente da República, como a Câmara levou também, e interessante, o relator da nossa Comissão foi o Senador Delcídio do Amaral, do PT, portanto, não era um Senador que tivesse outra ideologia ou forma em relação a esse tema, que é um tema que não deve ser comandado pela ideologia, mas pela razão, como disse aqui o Senador Paim em aparte a V. Exª.

            O que nós temos de buscar realmente é ver o quê? Os dados atuais. Nós temos uma população que não chega a 0,4% da população nacional e nós já temos, hoje, demarcados 14% do território nacional para essa população que é de 0,4%. E a política indigenista do Brasil tem se resumido a ser uma política fundiária, só de demarcação de terras. Não presta assistência nenhuma aos índios no que tange à saúde, à educação, à produção, a condições de vida que possam realmente dar sustentabilidade àquelas comunidades. E, no entanto, o que nós vemos é um eterno conflito.

            E o que é pior, a Constituição de 1988, da qual fui membro, fui signatário, portanto, deu cinco anos para que a União demarcasse as terras indígenas pendentes, e estamos há 25 anos e ainda vendo uma confusão atrás da outra, em um Estado e noutro, de norte a sul, de leste a oeste deste País, com situações, como disse V. Exª, de laudos antropológicos falaciosos. No laudo da Raposa Serra do Sol, constatamos, inclusive, que um dos signatários era o motorista da própria Funai. Então é inadmissível que tantas coisas estejam sendo feitas ao arrepio da lei, à margem da lei, e apenas um órgão - a Funai - diz o que pode e o que não pode ser feito.

            Quero até louvar a Presidente Dilma, que, através da Ministra da Casa Civil, determinou que também fossem ouvidos outros órgãos. Apresentei, também em decorrência dessa Comissão, uma proposta de emenda à Constituição para que todos os processos de demarcação, depois de finalizados, passassem pelo crivo do Senado. Aqui é a Casa onde os Estados estão representados, onde a Federação está representada. Mas que Federação é essa, que, no tange, por exemplo, a tornar federal uma terra estadual, não ouve sequer o governo do Estado? Não ouve as assembleias, não há contraditório em nada praticamente. Então é só um laudo, como se fora feito por Deus, que é feito pela Funai, homologado pelo Ministro da Justiça e pela Presidente da República. Com isso, não interessa como ficam as pessoas que estão lá.

            O Senador Paim falou que deveria ser precedida de uma justa indenização. No caso dos moradores da Raposa Serra do Sol, alguns deles - eram mais ou menos umas 400 famílias -, tinham os bisavós ido para lá, portanto os avós, os pais, já nasceram lá, e foram excluídos dessa região por um pagamento apenas da benfeitoria que tivesse feito. Isso, ainda, passando pelo juízo da Funai se a benfeitoria foi de boa ou de má-fé. Então, há realmente que se botar uma ordem, um bom senso nisso. E realmente fazer uma análise profunda da situação que vivem os índios, mas também que vivem os pequenos pecuaristas, pequenos agricultores rurais, as pessoas que, como temos visto no Mato Grosso do Sul, o bisavô, o tetravô, comprou a terra, tudo registrado em cartório e que, agora, ele, à luz da legislação atual, só tem direito à indenização daquelas benfeitorias que forem julgadas de boa-fé.

            E, olhe, Senador, na verdade, depois de nosso trabalho, no dia 15 de abril de 2005, o Presidente Lula demarcou, administrativamente, a reserva indígena Raposa Serra do Sol, não levando em conta nem o estudo do Senado, nem o estudo da Câmara dos Deputados. Aí, entramos com um recurso judicial, eu e o Senador Augusto Botelho, e esse assunto se arrastou durante um tempo no Supremo, quando foi julgado, digamos assim, e homologado o que havia sido feito pelo Presidente, mas colocando 19 condicionantes para a criação de novas reservas e também para as reservas já atualmente existentes. O Governo recorreu da decisão do Supremo, que, além de tornar efetiva a demarcação, apenas acrescentou 19 condicionantes, feitas pelo Ministro Menezes Direito, que já faleceu. Na verdade, agora, esse não julgamento está também prejudicando as questões em Mato Grosso do Sul, no Paraná e em tantos Estados. Se não pusermos um ordenamento nessa questão, isso não vai ter fim.

            Espero, realmente, que a Presidente Dilma não só ouça outros órgãos federais que estejam envolvidos com a questão das terras, como a Embrapa, como o Ministério do Desenvolvimento Agrário, como também passe a ouvir o Congresso Nacional, ou pelo menos o Senado, que é a Casa que representa os Estados e que, portanto, é a alma da Federação. Não pode ser um assunto que só interesse ao Poder Executivo, só interesse à União e não interesse aos Estados, não interesse aos Municípios, e não interesse, portanto, a quem ali vive e a quem ali produz.

            Essas pessoas que foram retiradas da Raposa Serra do Sol, em 2005, até hoje, muitas delas sequer receberam terras para se reassentarem e, quando receberam, receberam uma quinta parte do que tinham lá na região.

            Não estou falando aqui sequer dos produtores de arroz, que eram cinco ou seis, que produziam 25% do PIB do Estado de Roraima, produzindo arroz e soja.

            No entanto, eles tiveram que sair, bem como outras 400 famílias, muitas das quais estão, realmente, ainda hoje, não indenizadas adequadamente, não reassentadas como manda a lei e, o que é pior, numa situação de insegurança. Muitos índios, inclusive, tiveram que abandonar essas terras ora porque eram casados com não índios, ora porque perderam a oportunidade de trabalhar, tanto nas pequenas propriedades, quanto nas médias, quanto entre os arrozeiros. E, com isso, grande parte desses índios migrou para a periferia da capital. Até se diz que a maior comunidade indígena existente em Roraima está justamente nos bairros periféricos da capital.

            Então, essa política não é humanística. E é isto o que me revolta: ver que não é uma ação voltada nem para o bem-estar em si dos índios, nem para o bem-estar dos outros brasileiros não índios, que, muitas vezes, desbravaram aquelas regiões.

            Depois, vêm estudos encomendados por ONGs, comandados por ONGs que transformam, do dia para a noite, uma região onde sequer havia índios numa reserva indígena. Aliás, está dito lá no Paraná, onde, inclusive, os índios que lá estão vieram do Paraguai. Então, a Funai quer fazer aquela terra ser indígena às custas de indígenas que nem sequer estão no Brasil. Isso realmente não faz bem nem para os índios, nem para os não índios.

            E é triste que nós estejamos no século XXI discutindo um tema desses, num País como o nosso, em que se tenha de expulsar pessoas, em que tenha de haver conflito, com mortes de parte a parte, por não existir uma política indigenista que seja humanista, voltada para o desenvolvimento humano, pessoal do índio, para a sua valorização, e que, de fato, também tenha os olhos voltados para essas comunidades, essas vilas.

            Inclusive, nessa região da Raposa Serra do Sol, havia uma pequena cidade chamada Surumu, onde havia hospital, onde havia tudo e que, de repente, hoje, é quase que uma cidade abandonada completamente. Inclusive, essas coisas estão sendo hoje demolidas, porque eram resquícios, digamos assim, de uma cidadezinha em que muita gente nasceu, viveu e teve seus filhos. E, no entanto, também foi englobada por essa demarcação excludente. Realmente, eu diria que a população de lá foi escorraçada.

            Fico triste de ver isso hoje se repetindo. Quer dizer, já aconteceu em Roraima, já aconteceu na Bahia, um dia desses, e está acontecendo no Rio de Janeiro, lá no Mato Grosso, no Rio Grande do Sul, no Paraná. E sucessivos governos não têm encontrado uma fórmula humana, justa, de resolver essa questão.

            Então, eu quero pedir a V. Exª que autorize a transcrição tanto do histórico da nossa Comissão Temporária Externa, quanto também do decreto que homologou a Raposa Serra do Sol, no meu Estado.

            Hoje, o meu Estado, Senador, tem 57% do seu território demarcado como reservas indígenas. E, vejam bem: na verdade, a população indígena não chega a ser 30% da população do Estado. E nós vivemos uma situação que parece ser até, no caso do meu Estado, uma “coincidência” muito grande entre os territórios das reservas minerais e as reservas indígenas demarcadas.

            Muito obrigado.

            Peço a transcrição das matérias a que aqui me referi.

 

DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

Matérias referidas:

- Histórico da Comissão Temporária Externa;

- Decreto que homologou a Reserva Raposa Serra do Sol.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/06/2013 - Página 35453